Decreto-Lei 7-A/86
de 14 de Janeiro
1. O Governo tem acompanhado a evolução da situação das empresas que não cumprem pontualmente as obrigações salariais para com os seus trabalhadores.
Neste sentido tem vindo a ser desenvolvida uma continuada acção fiscalizadora e de controle sobre tais empresas, através da qual se têm apurado, de modo individualizado, as causas das situações existentes, bem como a amplitude e evolução do fenómeno em toda a sua extensão.
2. A indagação feita permite concluir que o não pagamento pontual dos salários assenta, na grande maioria dos casos, em dificuldades económicas insuperáveis das empresas, sendo excepcionais as situações em que tal incumprimento se reconduz a atitudes fraudulentas.
De qualquer forma, nos casos em que têm sido detectadas situações de incumprimento doloso ou culposo das obrigações remuneratórias imediatamente têm sido levantados os competentes autos de notícia, com vista à punição dos infractores, sendo, além disso, adoptadas providências de natureza administrativa tendentes à pronta reposição da legalidade.
3. Não obstante o acima referido, a existência de trabalhadores com salários em atraso, em empresas em laboração é unanimemente reconhecida como jurídica, social e moralmente inaceitável.
Trata-se de uma situação a que urge, pois, pôr cobro de imediato, nomeadamente através das medidas consagradas no presente diploma.
Para o efeito, os interessados poderão recorrer aos mecanismos agora postos à sua disposição até 3 meses depois da sua entrada em vigor.
4. Consagra-se a possibilidade de os trabalhadores em causa poderem rescindir o contrato de trabalho com direito a indemnização, desde que comuniquem previamente este propósito ao empregador.
Admite-se o pagamento da referida indemnização através das instituições de segurança social no caso de comprovada impossibilidade desse pagamento por parte das empresas.
No que respeita à protecção social dos trabalhadores com salários em atraso, através do presente diploma procede-se à equiparação a trabalhadores desempregados para efeitos de percepção do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego.
5. Em cumprimento do disposto na Lei 16/79, de 26 de Maio, o projecto que antecedeu o presente diploma foi publicado, para apreciação pública, em separata do Boletim do Trabalho e Emprego, tendo sido recebidos no Ministério do Trabalho e Segurança Social inúmeros contributos.
6. Nos termos do Decreto-Lei 74/84, de 2 de Março, o projecto foi também submetido à apreciação do Conselho Permanente de Concertação Social, que sobre o mesmo emitiu parecer.
As críticas e sugestões concretamente suscitadas pelo projecto, depois de devidamente ponderadas, foram, em considerável medida, acolhidas.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Objecto e âmbito)
1 - O presente diploma aplica-se às situações em que as empresas deixem de pagar, total ou parcialmente, a retribuição devida aos trabalhadores, quando tiverem decorrido, pelo menos, 30 dias sobre a data do respectivo vencimento e o montante em dívida for igual ou superior à retribuição equivalente a um mês de trabalho.
2 - O regime previsto no presente diploma não prejudica a aplicação das normas legais ou convencionais que fixem a retribuição mínima.
3 - O presente diploma não se aplica aos casos abrangidos pelo Decreto-Lei 50/85, de 27 de Fevereiro, nem prejudica as soluções dele constantes.
Artigo 2.º
(Comportamentos interditos)
1 - Nas empresas em que existam trabalhadores na situação descrita no n.º 1 do artigo anterior é proibido:
a) Distribuir lucros ou dividendos, pagar suprimentos e respectivos juros e amortizar quotas, sob qualquer forma;
b) Pagar aos membros dos corpos sociais não previstos na alínea e) remunerações, quaisquer que sejam;
c) Satisfazer créditos sobre a empresa não protegidos por garantia real graduada antes do privilégio mobiliário geral de que beneficiam os créditos dos trabalhadores, se em relação aos mesmos houver um interesse directo ou indirecto dos titulares ou sócios das empresas;
d) Efectuar quaisquer liberalidades, seja a que título for, e renunciar a direitos de natureza patrimonial;
e) Efectuar aos trabalhadores ou aos membros dos órgãos de gerência, administração ou fiscalização, em exercício efectivo na empresa, pagamento parcial das retribuições em dívida que não corresponda a uma divisão do montante disponível proporcional àquelas retribuições.
2 - Os titulares, sócios ou membros dos corpos sociais que pratiquem, autorizem ou consintam em algum dos actos proibidos pelo n.º 1 serão punidos com coima, que poderá variar entre 10000$00 e 50000$00 por cada trabalhador com retribuição em dívida, se para os mesmos comportamentos não forem previstas sanções na lei penal.
3 - Os actos previstos no n.º 1 são nulos nos termos do artigo 294.º do Código Civil.
Artigo 3.º
(Rescisão do contrato de trabalho)
1 - Verificada a situação prevista no n.º 1 do artigo 1.º, o trabalhador pode, mesmo sem culpa da entidade patronal, rescindir unilateralmente o contrato de trabalho, desde que comunique esse propósito com um aviso prévio de 10 dias.
2 - O direito à rescisão prevista no número anterior extingue-se se até ao fim do prazo do aviso prévio forem pagas ao trabalhador as importâncias devidas a título de retribuição.
3 - A rescisão do contrato de trabalho nos termos previstos no n.º 1 confere ao trabalhador o direito a uma indemnização, que será igual a um mês de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade, não podendo ser inferior a três meses.
Artigo 4.º
(Equiparação à situação de desemprego)
Os trabalhadores que se encontrem na situação descrita no n.º 1 do artigo 1.º e que utilizem a faculdade prevista no n.º 1 do artigo 3.º são equiparados a desempregados para efeitos de percepção do subsídio de desemprego ou do subsídio social de desemprego, nos termos da legislação aplicável.
Artigo 5.º
(Pagamento substitutivo)
1 - Quando a empresa declare e comprove a impossibilidade de proceder ao pagamento da indemnização prevista no n.º 3 do artigo 3.º, poderá o trabalhador requerer às instituições de segurança social o respectivo pagamento, que será financiado por verbas do Fundo de Desemprego, devendo o requerimento ser instruído com a declaração e documentos comprovativos da referida impossibilidade.
2 - O limite máximo da quantia a pagar pelas instituições de segurança social corresponderá a 6 meses de retribuição do trabalhador, ficando aquelas entidades sub-rogadas nos direitos deste sobre a empresa.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, ter-se-á em consideração a retribuição que serve de base de cálculo ao subsídio pecuniário de doença.
4 - A recusa dos titulares ou representantes da empresa em emitir, no prazo de 5 dias após o pedido do trabalhador, a declaração e os documentos comprovativos referidos no n.º 1 poderá ser suprida por declaração da Inspecção do Trabalho.
5 - Constitui contra-ordenação punível com coima no montante mínimo de 50000$00 e máximo de 100000$00, a recusa referida no número anterior.
Artigo 6.º
(Suspensão do contrato de trabalho)
1 - Os trabalhadores com o mínimo de 6 meses de antiguidade na empresa, que se encontrem na situação prevista no artigo 1.º e que não pretendam utilizar a faculdade prevista o n.º 1 do artigo 3.º, têm direito a suspender unilateralmente o seu contrato.
2 - O trabalhador que pretenda exercer o direito referido no número anterior deverá comunicar esse propósito à empresa, com um aviso prévio de 10 dias, extinguindo-se aquele direito se, até ao fim do prazo do aviso prévio, forem pagas ao trabalhador as importâncias devidas a título de retribuição.
3 - O período durante o qual se encontre suspenso o contrato de trabalho, que é limitado ao máximo de 6 meses após o decurso do prazo do aviso prévio, é contado para efeitos de antiguidade.
4 - Os trabalhadores com o contrato de trabalho suspenso, nos termos dos números anteriores, são equiparados a desempregados para efeitos de percepção, durante 6 meses, de subsídio de desemprego ou de subsídio social de desemprego, nos termos do Decreto-Lei 20/85, de 17 de Janeiro.
5 - A situação referida no n.º 1 deverá ser comprovada pela empresa a requerimento do trabalhador.
6 - A recusa dos titulares ou representantes da empresa em emitir, no prazo de 5 dias após o pedido do trabalhador, a declaração referida no n.º 5 poderá ser suprida por declaração da Inspecção do Trabalho.
7 - Constitui contra-ordenação punível com coima, no montante mínimo de 50000$00 e máximo de 1000000$00, a recusa referida no número anterior.
Artigo 7.º
(Prazo de aplicação)
O recurso aos mecanismos previstos nos artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º somente poderá verificar-se durante os 90 dias seguintes à entrada em vigor do presente diploma.
Artigo 8.º
(Normas subsidiárias)
Em tudo o que não esteja expressamente previsto no presente diploma aplicam-se as disposições pertinentes do Decreto-Lei 20/85, de 17 de Janeiro, e da Portaria 62-A/85, de 31 de Janeiro.
Artigo 9.º
(Competência da Inspecção do Trabalho)
Compete a Inspecção do Trabalho a aplicação das coimas previstas no presente diploma, bem como à instrução do correspondente processo, revertendo o seu produto para o Fundo de Desemprego.
Artigo 10.º
(Regiões autónomas)
1 - O presente diploma aplica-se nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, sem prejuízo das adaptações que lhe venham a ser introduzidas por diploma regional.
2 - As competências consignadas no presente diploma à Inspecção do Trabalho consideram-se atribuídas nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores às respectivas inspecções regionais do trabalho.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Dezembro de 1985. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Luís Fernando Mira Amaral.
Promulgado em 6 de Janeiro de 1986.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 7 de Janeiro de 1986.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.