Jurisprudência 5/2001
Processo 2249/2000 - 3.ª Secção
Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 - O Exmo. Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do Acórdão de 22 de Março de 2000, proferido nos autos de recurso penal n.º 41/00, 4.ª Secção, daquela Relação, pelos motivos que se seguem.
Por Acórdão de 28 de Janeiro de 1998, proferido no recurso n.º 1135/97, 4.ª Secção, a Relação do Porto decidiu que o despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento, proferido nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal de 1987, «[...] é um despacho equivalente ao de pronúncia e a sua notificação ao arguido suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal, nos termos dos artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal de 1982 [...]», acórdão este que dá fundamento ao presente recurso extraordinário.
No acórdão recorrido decidiu-se que, no domínio do Código de Processo Penal de 1987, a notificação do aludido despacho ao arguido não suspende nem interrompe a prescrição do procedimento criminal.
Parece-lhe, assim, ser clara a oposição entre o que aquela Relação decidiu num e noutro dos acórdãos referidos, já que ambas as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação, tal como se refere no artigo 437.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal, legislação essa que é constituída, no essencial, pelos artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal de 1982 e artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal de 1987.
O acórdão fundamento transitou em julgado e o acórdão recorrido é insusceptível de recurso ordinário.
O processo foi instruído com certidão dos acórdãos proferidos alegadamente em oposição.
2 - Tendo o Ministério Público legitimidade, estando em tempo, e verificados os restantes requisitos legais, o recurso foi considerado admissível, com efeito meramente devolutivo.
Cumprido o disposto nos artigos 439.º e 440.º do Código de Processo Penal, veio a ser reconhecido, pelo Acórdão de 15 de Novembro de 2000, de fl. 22 a fl. 27, exarado em conferência nos termos do artigo 441.º do Código de Processo Penal, que os anteditos arestos emitiram decisões opostas, no domínio da mesma legislação aplicável - artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal de 1987 e artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal de 1982, na sua versão originária - sem que entre a prolação de ambos tivesse sido editado qualquer normativo que interferisse, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
Sobre esta mesma questão de direito - saber qual é o valor do despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento, nomeadamente se a sua notificação ao arguido suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal contra ele - foram proferidas decisões de conteúdo oposto: no acórdão fundamento, que tal acto processual suspendia e interrompia a prescrição; no acórdão recorrido, decidiu-se o contrário, que não suspendia nem interrompia a prescrição.
3 - Ordenado o prosseguimento do processo e efectuadas as notificações a que se refere o artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apenas o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto apresentou alegações.
Nelas, este Exmo. Magistrado defende com proficuidade a solução por que optou o douto acórdão fundamento, propugnando que seja fixada jurisprudência no seguinte sentido:
A notificação ao arguido do despacho que designa dia para julgamento, previsto nos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal de 1987, na versão originária, suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal, nos termos dos artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal de 1982, igualmente na versão originária.
Corridos os vistos, procedeu-se a julgamento, em conferência do pleno das secções criminais.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Uma vez que a decisão emanada da conferência da Secção, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, carece de força de caso julgado formal, atenta a diferente composição do órgão competente para a decisão final, impõe-se a reapreciação dos indispensáveis pressupostos legais da oposição de julgados - decisão da mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação.
Vejamos.
No Acórdão fundamento de 28 de Janeiro de 1998, sob recurso do Ministério Público, apreciou-se o despacho do Mmo. Juiz no Tribunal de Vila Nova de Gaia, em que:
Tendo sido imputado ao arguido Horácio Fernando Vieira Cardoso a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelos artigos 11.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro, e 313.º, n.º 1, do Código Penal de 1982;
Tendo os factos ocorrido em 8 de Maio de 1992, e sido a acusação recebida e designado dia para julgamento, e procedido à notificação desse despacho ao arguido;
Não tendo sido possível a realização do julgamento, considerando a data dos factos imputados ao arguido e que não existia qualquer causa suspensiva ou interruptiva da prescrição do procedimento criminal, por haverem decorridos mais de cinco anos, declarou extinto o procedimento criminal e ordenou o arquivamento dos autos;
a Relação do Porto, revogando tal despacho, deliberou que «o despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento é um despacho 'equivalente' ao despacho de pronúncia e a sua notificação ao arguido suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal, nos termos dos artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal de 1982».
No acórdão recorrido decidiu-se o recurso interposto pelo Ministério Público junto do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, num processo em que o arguido José Manuel de Sousa fora acusado da prática de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 304.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, praticado no dia 2 de Agosto de 1992, ao qual correspondia a pena de prisão até 2 anos ou multa até 50 dias.
Lavrado despacho a designar dia para audiência de julgamento, nos termos do artigo 311.º do Código de Processo Penal, do qual o arguido foi notificado, veio o procedimento a ser declarado extinto por decurso do prazo sem interrupção ou suspensão da prescrição.
Diz-se no acórdão da Relação do Porto que «a questão fulcral que se coloca no presente recurso é [...] a de saber se no caso operou ou não a prescrição do procedimento criminal, tendo em conta o disposto no artigo 118.º, n.º 1, segundo o qual o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se consumou, artigo 119.º, n.º 1, alínea b), que nos diz que a prescrição do procedimento se suspende durante o tempo em que o procedimento esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo o caso de processo de ausentes, e artigo 120.º, n.º 1, alínea c), que nos diz que a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente (Código Penal de 1982)».
Citando do Acórdão de 22 de Fevereiro de 1995, Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, p. 219, da mesma Relação, cuja argumentação considerou manter-se válida, entendeu-se que na vigência do artigo 120.º do Código Penal (1982), nem a declaração de contumácia, nem a notificação para as primeiras declarações de arguido em inquérito assumem a dignidade de causas interruptivas da prescrição do procedimento criminal.
«Pelas mesmas razões, não se pode considerar que a marcação do julgamento em processo actual tenha equivalência a 'despacho de pronúncia', para efeitos do disposto no artigo 119.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, motivo por que a esse acto processual não pode atribuir-se qualquer efeito suspensivo daquela causa extintiva desse procedimento.» (Itálico nosso.)
No processo respeitante ao acórdão fundamento os factos delituosos tiveram lugar em 8 de Maio de 1992 e o acto processual da notificação para julgamento ocorreu em 15 de Junho de 1993; no processo respeitante ao acórdão recorrido, factos e notificação ocorreram, respectivamente, em 2 de Agosto de 1992 e 28 de Novembro de 1994, sendo a mesma a redacção dos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal, isto é, a que decorria da versão originária desse diploma, identicamente sucedendo com o Código Penal - artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c).
Quanto à oposição de julgados.
A questão de direito suscitada no acórdão fundamento é a de saber se o despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento é um despacho «equivalente» ao despacho de pronúncia e se a sua notificação ao arguido suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal contra ele.
No acórdão recorrido, posto que tenham sido introduzidas considerações sobre o processo de ausentes e o valor da contumácia, a questão fulcral que se colocou foi a de saber se, tendo em conta o valor a atribuir ao despacho de pronúncia ou equivalente, uma vez notificado ao arguido, no caso operou ou não a suspensão e a prescrição do procedimento criminal.
Ponderando o que acaba de ser reavivado, é patente que se deve manter a anterior conclusão, obtida em conferência, de que existe oposição de julgados, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma referida questão de direito, qual seja a de saber se com a notificação ao arguido do despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento se suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal contra ele, nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código de Processo Penal de 1987 (versão originária) e artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal de 1982, também na sua versão originária.
Determinado que está o objecto do presente recurso para fixação de jurisprudência, importa agora encontrar o sentido em que essa fixação deve ser feita.
III
1 - Vejamos o argumentário em que se alicerça cada um dos acórdãos em confronto.
1.1 - Do acórdão fundamento extrai-se o seguinte:
«O despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento deve ser considerado como 'equivalente' ao despacho de pronúncia.
No Código de Processo Penal de 1987, se tiver havido instrução, há lugar a despacho de pronúncia (artigos 308.º e 309.º), se não tiver havido instrução, é proferido um despacho equivalente (artigos 311.º a 313.º).
Basta comparar aqueles preceitos para, como refere o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto 'poder chegar-se à conclusão que um e outro são equivalentes nas suas funções: as de dar conhecimento ao arguido que, por um despacho judicial, será julgado por certos factos, num caso (o da pronúncia), por factos que o juiz de instrução teve por indiciariamente provados, noutro caso por factos acusados pelo Ministério Público, mas cuja acusação o Tribunal recebeu'.
Em defesa daquela equivalência, refere o Prof. Germano Marques da Silva, no vol. II, p. 46, do seu Curso de Processo Penal: 'Na vigência do novo Código de Processo Penal deve entender-se também que o despacho equivalente ao despacho de pronúncia é o despacho que recebe a acusação quando não tenha tido lugar a fase de instrução e, por isso, não haja despacho de pronúncia.'
Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 7 de Abril de 1997, citado na decisão recorrida e na motivação de recurso, em que se fixou a jurisprudência para questão diferente escreveu-se: 'É que, segundo os artigos 119.º e 120.º desse Código Penal [1982], a prescrição do procedimento criminal, além de se suspender, interrompia-se com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, e se tem considerado como equivalente ao despacho de pronúncia, nos casos em que não há lugar a este, o despacho que designa dia para julgamento, proferido em harmonia com o preceituado nos artigos 311.º e 312.º do Código de Processo Penal de 1987.
Na verdade, a expressão "despacho equivalente ao de pronúncia", empregue pela lei, sempre foi entendida como referida ao despacho que designa dia para julgamento nos processos em que não há lugar a despacho de pronúncia, quer quando existia o processo de polícia correccional (isto é, até 1977), quer quando este foi eliminado do Código, mas, ao mesmo tempo, o legislador eliminou o antigo despacho de pronúncia do processo correccional e procedeu à sua substituição por um despacho a designar dia para julgamento, o qual, quando é notificado ao arguido, tem de ser acompanhado de cópia da acusação ou do requerimento para julgamento, nos termos do n.º 1 do artigo 391.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei 377/77'.
Do exposto se conclui que o despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento é um despacho 'equivalente' ao despacho de pronúncia e a sua notificação ao arguido suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal, nos termos dos artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal de 1982.»
1.2 - Por seu turno, no acórdão recorrido argumenta-se:
«Figueiredo Dias (ver nota 1) diz:
Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, a prescrição interrompe-se:
[...]
c) Com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente;
d) Com a marcação do dia para julgamento no processo de ausentes.
Do ponto de vista do novo processo penal português é forçoso tecer, a propósito desta regulamentação, alguns comentários. Assim: a instrução preparatória e o processo de ausentes desapareceram da ordem jurídica portuguesa, tendo-se-lhes substituído respectivamente, de alguma maneira, a fase do inquérito (Código de Processo Penal, artigos 262.º e seguintes) e o instituto da contumácia (Código de Processo Penal, artigos 335.º e seguintes e 473.º); [...] não existe agora um despacho equivalente ao despacho de pronúncia, podendo a sua função solene de chamar um arguido à responsabilidade caber, para além do despacho de pronúncia, ao despacho de acusação ou àquele que marcar julgamento em processo sumaríssimo. Deste modo, as alíneas c) e d) (do artigo 120.º, n.º 1, entenda-se) ou ficaram (em parte) sem objecto ou (noutra parte) revelam lacunas insusceptíveis de serem preenchidas [...]
As considerações anteriores deveriam assim conduzir em homenagem à necessária harmonia entre direito penal e direito processual penal e à aludida circunstância de ser a concreta conformação da tramitação processual o elemento decisivo para o efeito em causa e as que foram consideradas causas da interrupção da prescrição: 'por um lado, a notificação da acusação ou, não tendo sido esta deduzida, a notificação do despacho de pronúncia ou do julgamento em processo sumaríssimo; finalmente a declaração de contumácia'.
E, debruçando-se sobre as causas de suspensão da prescrição, designadamente a da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal, afirma o mesmo autor que ela denota 'distonias' da mesma espécie daquelas que se enunciaram quanto às causas de interrupção e motivadas por igual razão: 'por, aquando da entrada em vigor do Código de Processo Penal, não se terem feito neste preceito as reformas de que ele passou a necessitar'. Assim, conclui, também aqui aquela alínea deveria estatuir que é causa de suspensão da prescrição a pendência do procedimento a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da pronúncia ou do requerimento para julgamento em processo sumaríssimo, bem como, em vez da referência ultrapassada ao processo de ausentes, deveria a prescrição ficar suspensa enquanto vigorar a declaração de contumácia.
Este autor, cuja autoridade não pode deixar de ser reconhecida, perfilha, sem dúvida, o entendimento de que as causas de interrupção da prescrição que ora se entende serem necessárias ao bom funcionamento do processo penal não se encontram contempladas no Código Penal de 1982.»
Citam-se em abono desta tese os Acórdãos da Relação do Porto de 22 de Fevereiro de 1995, Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, p. 219, e de 21 de Dezembro de 1994 - processo 985/94, 4.ª Secção.
E, acrescenta-se: à interpretação não pode caber o suprimento da previsão legislativa, tarefa esta reservada ao próprio legislador.
Eis o que de essencial se retira dos dois acórdãos em oposição.
2 - Observemos, com mais pormenor, a fundamentação da orientação sustentada pelo Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal.
Procurando traçar o quadro processual vigente na altura da publicação do Código Penal de 1982, isto é, o Código de Processo Penal de 1929, e suas sucessivas alterações, após tal exame, diz poder afirmar-se a mesma natureza e função do despacho de pronúncia, em processo de querela, e do despacho que designava dia para julgamento, em processo correccional - saneamento do processo e fixação do seu objecto.
Não obstante a publicação do Código de Processo Penal de 1987 trazer alterações profundas na estrutura do processo, que assume uma feição predominantemente acusatória, o despacho proferido nos termos do artigo 313.º - coincidente até no nome: «Despacho que designa dia para a audiência» (epígrafe daquele preceito) - tal despacho, em sua opinião, possui uma «função coincidente com a que detinha o despacho proferido em processo correccional ao abrigo dos artigos 390.º e 391.º do Código de Processo Penal de 1929».
Semelhança que, de resto, já teria sido reconhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no assento 6/97, de 13 de Março.
Refuta de seguida o argumento de autoridade baseado na posição do Prof. Figueiredo Dias - responsável científico pelo reforma processual de 1987 -, admitindo que a modificação profunda da tramitação processual, operada pelo Código de Processo Penal de 1987, produzira algumas «distonias» e «lacunas de regulamentação», devido a não se terem feito as «reformas necessárias» no Código Penal. A afirmação de que há «lacunas de regulamentação» consubstancia uma petição de princípio porquanto pressupõe precisamente aquilo que está em questão.
Entende, pois, que se justifica uma interpretação actualista, no sentido de atribuir ao primeiro os efeitos que o Código Penal de 1982, nos seus artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), deferia ao segundo, para efeitos de suspensão e interrupção da prescrição do procedimento criminal.
Essa interpretação dá sentido e conteúdo útil àqueles preceitos, ao contrário da interpretação subjectivista e historicista, propugnada pela corrente em que se insere o acórdão recorrido, que os torna absolutamente caducos.
IV
Apreciando.
Antes de afrontar directamente a questão posta cumpre realçar as disposições legais atinentes e passar em revista as posições adoptadas pelo Supremo Tribunal em casos de fixação de jurisprudência, de algum modo conexos, e que têm sido frequentes nos últimos tempos (ver nota 2).
1 - Na sua versão originária, dizia-se no artigo 119.º do Código Penal de 1982, sobre «suspensão da prescrição» (que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1983):
«1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) ...
b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes;
c) ...
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar dois anos, quando não haja lugar a recurso, ou três anos, havendo-o.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessa a causa da suspensão.»
E, no artigo 120.º:
«1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória;
b) Com a prisão;
c) Com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente;
d) Com a marcação do dia para julgamento no processo de ausentes.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo prescricional.
3 - A prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade [...]»
Na versão resultante do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 1995, no artigo 121.º (equivalente àquele) passou a dizer-se:
«1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação para a audiência em processo sumaríssimo; ou
c) Com a declaração de contumácia.
2 - ...
3 - ...»
A última versão do preceito, a que lhe sobreveio da Lei 65/98, de 2 de Setembro - que entrou em vigor findo o prazo normal da vacatio legis -, diz agora:
«1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) ...
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) ...
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
...»
A lei substantiva (penal) apresenta-se, nesta matéria, em manifesta conexão com a evolução da lei adjectiva (processo penal), na medida em que os conceitos e o regime indicados na primeira têm a sua raiz ou encontram-se estreitamente ligados à segunda. Há quem designe estes dispositivos de remissão como «normas processuais de natureza substantiva».
O tópico assinalado, se aliado à asserção de que a lei a aplicar será a vigente - porque se trata de processo penal material - no tempus delicti, constituirão a chave da resolução dos temas que têm sido suscitados a propósito da prescrição do procedimento criminal.
Por isso, a evolução legislativa das conexas normas de processo penal torna-se essencial para saber se houve ou não mudanças de conteúdo material que interfiram com o regime vigente ao «tempo do delito».
1.1 - O que passamos a dissecar.
Os delitos a que se referem os acórdãos em oposição foram praticados em 8 de Maio e 2 de Agosto de 1992, sendo o preenchimento dos pressupostos de que dependem a aplicação das penas ou medidas de segurança determinados pela lei vigente nesse momento - artigo 2.º, n.º 1, do Código Penal.
1.1.1 - Sabido que à data do cometimento dos crimes estava em vigor a alínea c) do n.º 1 do citado artigo 120.º do Código Penal de 1982, na sua versão originária, a qual considerava com valor interruptivo da prescrição o «despacho de pronúncia ou equivalente», o que se passava, porém, em termos processuais, no que toca às conexas fases de processo?
Uma vez que o Código de Processo Penal de 1987 só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1988, ainda que se mostre útil examinar as suas normas pertinentes, há que conhecer o regime vigente à data da entrada em vigor do Código Penal de 1982 (Janeiro de 1983) - o Código de Processo Penal de 1929.
É sabido que neste Código se assumira uma estrutura processual de natureza inquisitória, cabendo ao juiz a direcção quer do «corpo de delito» quer da instrução contraditória, reservando para o Ministério Público um papel de mero acusatório formal (ver nota 3). Porém, com o Decreto-Lei 35007, de 15 de Outubro de 1945, foi reforçado o papel do Ministério Público, tendo-se consagrado a estrutura acusatória do processo, associada ao princípio da investigação, reorganizando-se a instrução contraditória sob a direcção do juiz e tornando-a obrigatória para os crimes mais graves.
Ainda antes, e logo depois de aprovada a nova Constituição de 1976, revista em 1982, o sistema sofreu afeiçoamentos dirigidos a uma maior protecção dos direitos fundamentais dos arguidos (ver nota 4).
Dessas alterações, as que ora mais nos importam decorrem do Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro - que introduziu o inquérito policial e fundiu num só os processos correccional e de polícia correccional -, o Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro, que adaptou o processo penal «às regras mínimas em matéria de direitos, liberdades e garantias» resultantes da Constituição de 1976 (substituiu a designação de «inquérito policial» por «inquérito preliminar»), e o Decreto-Lei 402/82, de 23 de Setembro, da mesma data do diploma que aprovou o Código Penal, visando exactamente harmonizar os dois.
O sistema processual vigente em 1982, separava a querela provisória, seguida obrigatoriamente de instrução contraditória, dos casos de instrução contraditória facultativa - cf. o artigo 327.º -, e daqueles em que terminada a instrução preparatória, o Ministério Público procedia à acusação (certo que podia abster-se por falta de prova, ou ordenar o arquivamento porque não havia infracção penal ou se extinguira).
Se não fosse caso de ser requerida e ordenada pelo juiz a realização da instrução contraditória, finda a instrução preparatória ou concluído o inquérito e deduzida acusação, como era regra no processo correccional, o juiz, se a não rejeitasse, conheceria das nulidades, legitimidade, excepções ou quaisquer outras questões prévias e designava dia para julgamento - v. artigos 354.º, 390.º e 400.º, § 1.º, do Código de Processo Penal de 1929.
Um ponto merece ser salientado, o de que o juiz só designava dia para julgamento se «os resultados do inquérito preliminar ou da instrução permita(iam) concluir que a responsabilidade do arguido por um crime se mostra(va) suficientemente indiciada» - artigo 390.º, n.º 2, na redacção do Decreto-Lei 377/77.
Tal despacho, designado como equivalente a pronúncia, era portanto usado nos processos de menor gravidade, nos quais quer a acusação quer a pronúncia se apresentavam como revestidas de menos formalidades (cf., em contraste, os artigos 359.º e 366.º).
Notificado desse despacho, poderia o arguido requerer a instrução contraditória - artigo 391.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei 377/77 -, hipótese em que caducavam os efeitos do despacho que recebera a acusação, sendo o processo remetido para o juízo de instrução criminal.
1.1.2 - Vejamos de seguida como se passam as coisas, nesta matéria, com a publicação e entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1988, do Código de Processo Penal de 1987, deixando agora de lado as alterações que sofreu.
Tendo optado decididamente (ver nota 5) por converter o inquérito, realizado sob a titularidade e direcção do Ministério Público, na fase geral e normal de preparação da decisão de acusar ou não acusar, abandonou a distinção entre instrução preparatória e contraditória: a instrução, presidida pelo juiz, passa a ser facultativa, apenas podendo ser requerida pelo arguido ou pelo assistente.
Reduzidas as formas de processo ao comum - comportando apenas as particularidades impostas pela circunstância de decorrer perante o juiz singular, o tribunal colectivo ou o júri - apenas se prevêem duas formas de processo especial.
Olhando para os textos respectivos, verifica-se que a designação de despacho de pronúncia (ou não pronúncia) apenas se usa quando tenha havido instrução, para o despacho subsequente ao seu encerramento - artigo 308.º - o qual, de acordo com o n.º 1 do artigo 310.º, é irrecorrível.
No caso de não ter havido instrução, se o juiz não rejeitar a acusação por manifestamente infundada, e uma vez decididas as questões prévias ou incidentais que poderiam obstar ao conhecimento do mérito, designa dia, hora e local para a audiência de julgamento - artigo 312.º, n.º 1.
Os requisitos a que tal despacho deve obedecer, sob pena de nulidade, são os enunciados no artigo 313.º onde, além do mais, se exige a indicação, com suficiente pormenor, dos factos e disposições legais aplicáveis, sendo notificado ao arguido (ver nota 6).
As alterações subsequentes, nomeadamente as introduzidas pela Lei 58/98, de 25 de Agosto, não têm de ser consideradas no caso dos acórdãos em oposição pelas datas em que foram proferidos e notificados os despachos respectivos e pela eficácia que nos mesmos processos venha a ter a presente fixação de jurisprudência (ver nota 7).
Pode, assim, dizer-se que o regime do despacho de pronúncia ou de designação de dia para julgamento, quer no Código de Processo Penal de 1929, com as alterações vigentes à data de entrada em vigor do Código Penal de 1982, quer no regime vigente até 1 de Janeiro de 1995, para além da actividade de saneamento das nulidades e questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa e da fixação do objecto do processo, implica uma apreciação do repositório de elementos constantes do processo para suportar um juízo de probabilidade de o arguido vir a ser condenado, sendo assim razoável submetê-lo ao incómodo que naturalmente acarreta a sujeição a julgamento.
Naturalmente, resulta do exposto que tal apreciação é feita por um magistrado judicial, ornado das características de independência e inamovibilidade que lhe são reconhecidas constitucionalmente.
2 - Passemos em revista os recentes arestos de fixação de jurisprudência, no domínio da prescrição do procedimento criminal: n.os 6/97, de 3 de Março, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 81, de 7 de Abril de 1997, 1/98, de 9 de Julho, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 173, de 29 de Julho de 1998, 1/99, de 12 de Novembro de 1998, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 3, de 5 de Janeiro de 1999, 10/2000, de 19 de Outubro, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 260, de 10 de Novembro de 2000, e 12/2000, de 16 de Novembro, in Diário da República, n.º 281, de 6 de Dezembro de 2000.
Deter-nos-emos também sobre os acórdãos mais recentes do Tribunal Constitucional.
2.1 - No assento 6/97 firmou-se a seguinte jurisprudência:
«Requerida a abertura de instrução contraditória ao abrigo do n.º 2 do artigo 391.º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção do Decreto-Lei 377/77, não caduca o efeito interrupção da prescrição que ocorrera nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal de 1982.»
Nos considerandos deste acórdão encontram-se afirmações que importará conservar:
«É que, segundo os artigos 119.º e 120.º desse Código Penal, a prescrição do procedimento criminal, além de se suspender, interrompia-se com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, e se tem considerado como equivalente ao despacho de pronúncia, nos casos em que não há lugar a este, o despacho que marca dia para o julgamento, proferido em harmonia com o preceituado nos artigos 311.º e 312.º do Código de Processo Penal de 1987.»
E também no douto voto de vencido, a que aderiu uma parte significativa dos magistrados intervenientes, se diz:
«Para nós, o acto processual que, pela sua iniludível relevância, demonstra que o Estado e a sociedade ainda não esqueceram o crime é a pronúncia (ou o despacho equivalente). Ela é, portanto, a autêntica causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal [...]»
Este o assento que a corrente minoritária firmaria:
«O despacho proferido nos termos do artigo 390.º do Código de Processo Penal de 1929, a que se seguiu requerimento do arguido, para abertura da instrução contraditória - e cujos efeitos caducaram, excepto no que toca às medidas preventivas fixadas, por força do disposto no artigo 391.º, n.º 2, do mesmo diploma - não é equivalente ao de pronúncia, pelo que, com a sua notificação ao agente, não se interrompe a prescrição do procedimento criminal nos termos do artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal de 1982.» (Itálicos nossos.)
Em tal aresto esteve sempre subjacente, como resulta dos excertos transcritos, o relevo interruptivo da prescrição que devia atribuir-se ao despacho equivalente ao de pronúncia. Porém, a dúvida suscitada era outra: se do conceito de despacho equivalente ao de pronúncia estava ou não excluído o do recebimento da acusação, em processo correccional, a que se tivesse seguido o requerimento do arguido para abertura da instrução contraditória.
Portanto, o que de útil se pode extrair é que neste aresto não havia dúvida, para qualquer das correntes, que o despacho equivalente ao de pronúncia era interruptivo da prescrição; o que se decidia, porém, era o efeito do requerimento para abertura da instrução contraditória sobre a prescrição do procedimento criminal.
2.2 - Passemos ao assento 1/98, no qual se uniformizou jurisprudência pelo modo seguinte:
«Instaurado processo criminal na vigência do Código de Processo Penal de 1987 por crimes eventualmente praticados antes de 1 de Outubro de 1995 e constituído o agente como arguido posteriormente a esta data, tal facto não tem eficácia interruptiva da prescrição do procedimento por aplicação do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março.»
Do texto acabado de transcrever logo se alcança que não contempla directamente a hipótese ora em apreço. Todavia, aproveita conhecer o discurso que lhe subjaz.
Tanto na versão originária do Código Penal como na resultante da revisão operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, os prazos de prescrição a que se referem os artigos 117.º, n.º 1, e 118.º, n.º 1, respectivamente, são os mesmos, pelo que a alteração legislativa respeita unicamente aos factos que determinam a interrupção da prescrição.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Código Penal, o momento relevante da aplicação da lei penal no tempo é o da prática ou da consumação do crime, sendo retroactiva toda a aplicação de lei que for posterior a esse momento (no caso em apreço, as datas apontadas para a comissão dos crimes imputados eram anteriores ao momento da entrada em vigor do Código Penal revisto em 1995).
Daí ter-se julgado perfeitamente indiferente que a constituição de arguido - o momento aí em foco - tivesse ocorrido após 1 de Outubro de 1995. Antes ou depois dessa data, a prática de tal acto processual seria sempre posterior ao momento da prática das infracções e a relevância que lhe fosse atribuída seria sempre necessariamente retroactiva.
Seguindo a teoria mista, propugnada por Jescheck, que repudia a teoria processual da prescrição, preferindo a que entende a situação jurídica como material e processual, extraiu-se a conclusão, pelo facto de ser também material, de que uma lei nova que regula o funcionamento do instituto releva da problemática da aplicação da lei no tempo, disciplinada no artigo 2.º do Código Penal (quanto a este, a redacção é idêntica no Código Penal de 1982 e no Código revisto em 1995). E acrescentava-se:
«Aliás, o n.º 4 desse artigo alude às disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível e à sua diferença em relação às estabelecidas em leis posteriores, mandando aplicar o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente. O vocábulo 'regime' é mais extensivo do que a sanção aplicável, tendo assim a propriedade de abranger outras situações correlacionadas com a espécie e duração da pena, incluindo a extinção da responsabilidade penal. A prescrição do procedimento penal é, sem dúvida, uma causa de extinção dessa responsabilidade, como se vê do plano sistemático do Código Penal, incluída, como está, no título V do livro I, justamente epigrafado de 'Extinção da responsabilidade criminal'. E a interrupção da prescrição participa evidentemente da disciplina geral do instituto.
Por conseguinte, qualquer alteração legislativa dessa disciplina ou desse regime releva para a problemática da aplicação da lei criminal no tempo.»
E continuando a referir-se à constituição de arguido, disse-se: «O Código Penal de 1982 não conhecia esse facto como causa específica interruptiva da prescrição. E não pode confundir-se com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória, na redacção do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código de 1982 [...] Ora, os crimes imputados ao arguido situavam-se ainda na vigência deste Código.»
E conclui-se: «Segue-se que a constituição de arguido não pode equiparar-se à notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória. Dizendo de outra maneira, não há qualquer continuidade entre esta situação e a contemplada no Código Penal, embora com roupagens jurídicas diferentes.»
E porque a disposição posterior era mais gravosa para o arguido, constituindo uma forma de interrupção do prazo prescricional não existente na vigência do Código Penal de 1982, que a não conhecia, não era aplicável.
2.3 - O Acórdão/assento 1/99 é do seguinte teor:
«Na vigência do Código Penal de 1982, redacção original, a notificação para as primeiras declarações, para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, no inquérito, sendo o acto determinado ou praticado pelo Ministério Público, não interrompe a prescrição do procedimento criminal, ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma.»
O que estava em jogo nos acórdãos conflituantes era que num deles se entendeu verificar-se a interrupção da prescrição do procedimento criminal com a notificação para as primeiras declarações do agente como arguido mesmo em inquérito e perante o Ministério Público, enquanto no outro se decidira que só a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, em instrução preparatória e perante o juiz tinha relevância bastante para interromper aquela prescrição.
O acórdão coloca especial ênfase na génese do preceito do Código Penal.
Aí se salienta que no projecto do Código Penal, de 1963, o normativo correspondente ao artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do que foi o Código Penal de 1982, ao atribuir efeito interruptivo à «notificação para as primeiras declarações, comparência ou interrogatório do agente na instrução do processo penal», conferia ao mesmo tempo tal efeito a actos do Ministério Público já que era a entidade que dirigia a instrução preparatória - artigo 12.º, § 2.º, segunda parte, do Decreto-Lei 35007, de 13 de Outubro de 1945.
Pelas mudanças posteriores a 1975, nomeadamente através do Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro, criou-se o inquérito policial, o qual passa, com o Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro, a inquérito preliminar.
Todavia, com a entrada em vigor do artigo 32.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, veio dispor-se que toda a instrução era da competência de um juiz, ficando revogado o preceito do Decreto-Lei 35007 que atribuía ao Ministério Público a direcção da instrução preparatória, voltando esta a ser dirigida por um juiz, de harmonia com o disposto no artigo 159.º do Código de Processo Penal de 1929.
Portanto, quando da redacção final do Código Penal de 1982 existiam, no processo penal, numa mesma fase de investigação, por um lado, o inquérito preliminar, de natureza essencialmente administrativa e dirigido pelo Ministério Público e, por outro, a instrução preparatória, dirigida pelo juiz.
«E esta realidade - diz-se - já não conduzia à atribuição do efeito de interrupção da prescrição do procedimento criminal a actos do Ministério Público.»
De seguida, remete para o acórdão do pleno das secções criminais a que acabámos de fazer referência, designadamente quando se afirma que a tese de uma interpretação actualista da norma daquele artigo do Código Penal não se abona em sólidos fundamentos.
2.4 - No Acórdão/assento 10/99 fixou-se jurisprudência no seguinte sentido:
«No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.»
Diz-se em certo passo:
«Ao preceituar-se no n.º 1 do artigo 119.º 'para além dos casos especialmente previstos na lei' não se pode deixar de considerar abrangidos quer aqueles casos que de momento já se encontrem previstos em leis quer aqueles que, de futuro, venham a ser consagrados em diplomas legais. Na verdade, nada impede que, desde logo, se preveja a possibilidade de, em normas avulsas ou não, se venha a consagrar situações que determinem a suspensão da prescrição do procedimento criminal. É como que um dar aqui como reproduzido o estabelecido nas tais normas futuras.
Dizendo o artigo 336.º do Código de Processo Penal que a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação do arguido, só poderá querer ter tido em vista aquela suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal. O efeito visado coincide com o previsto no artigo 119.º, n.º 3: desde o momento de declaração de contumácia até àquele em que caduca - n.º 3 do artigo 336.º - a prescrição não corre.
De outra maneira, acabava-se por vir a proteger o arguido que, mais lesto, fugira à alçada da justiça.»
O acórdão pronunciava-se sobre a suspensão da prescrição e aceitou, como se vê, aquela remissão dinâmica do Código Penal para outras leis, nomeadamente as de processo penal.
2.5 - Finalmente, no Acórdão/assento 12/2000 fixou-se a seguinte jurisprudência:
«No domínio da vigência do Código Penal de 1982, versão original, a partir da entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, a prescrição do procedimento criminal não se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução.»
Fundamentando o acórdão, atenta a fase processual em foco, dizia-se:
«Na verdade, o carácter facultativo (da instrução, entenda-se) e a finalidade garantística tornam insuficientemente claro que o acto represente afirmação inequívoca da intenção do Estado de exercer relativamente ao arguido o seu poder/dever punitivo, na medida em que as diligências visam exactamente comprovar judicialmente a decisão - posta em causa ao requerer-se a instrução - de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito. O significado inequívoco da afirmação da intenção do Estado de exercer o poder punitivo parece só se verificar ou retomar com o eventual posterior acto da notificação ao arguido da decisão instrutória que o pronunciar.» (Itálico nosso.)
Mais adiante, sobre a natureza do instituto da prescrição:
«Assume compreensível dominância dogmática a concepção que considera o instituto da prescrição penal como de natureza mista, simultaneamente material ou substantiva - como causa de impedimento da pena ou da sua execução, ou até, segundo alguns autores, como causa da exclusão do ilícito ou do seu impedimento - e processual - como obstáculo que é ao procedimento ou à execução da pena [...]
No que respeita especificamente à prescrição do procedimento criminal, a sua irrecusável caracterização como pressuposto processual negativo não esgota a sua natureza. Esta é, sem dúvida, também substantiva, na medida em que, embora não seja causa de exclusão nem da ilicitude nem da punibilidade, é causa de afastamento da punição [...]»
E sobre o seu fundamento:
«A interrupção da prescrição do procedimento pressupõe [...] que o Estado, por intermédio dos seus órgãos competentes e mediante actos processuais inequívocos, em si mesmos, e considerando a natureza e finalidade da fase em que se integram, manifeste claramente ao agente a intenção de efectivar, no caso, o seu ius puniendi. Pelo que a virtualidade interruptiva não depende apenas da natureza das funções de quem determina os actos ou perante quem são praticados, mas da sua conjugação com a natureza e significado dos mesmos, atenta também a finalidade da fase em que se integram.
A circunstância de esses actos serem ordenados ou praticados pelo juiz, a quem compete a direcção da instrução, embora importante - atenta, designadamente, a referida ligação do problema da interrupção com questões relativas a direitos fundamentais, por conexas com o aludido princípio da legalidade em direito penal - não é suficiente. Como vimos, é indispensável que os actos tenham o mencionado significado de afirmação inequívoca por parte do Estado da pretensão punitiva. E, como dissemos, o carácter facultativo e a natureza garantística da instrução tornam muito duvidoso que, no seu âmbito, aqueles actos se revistam desse significado inequívoco.»
Reconhecendo embora a existência de uma lacuna, o acórdão rejeitou a sua integração por recurso à analogia e, menos ainda, por criação da norma a que se refere o n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil.
V
Tal como se fez no Acórdão/assento 12/2000, mostra-se apropriado dar conta das posições tomadas pelo Tribunal Constitucional sobre estas matérias (ver nota 8).
No Acórdão 285/99 apreciou-se também uma questão de prescrição de procedimento criminal, sob alegação de que seria materialmente inconstitucional, violadora do disposto no n.º 4 do artigo 29.º da Constituição da República, a interpretação do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na sua versão primitiva, que levasse a considerar o interrogatório do arguido em inquérito com virtualidade interruptiva dessa prescrição.
Depois de afastada a tese de que não se estaria perante uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, o Tribunal Constitucional situou-a no âmbito do direito constituído, o que vigorou entre 1987, desde a eliminação da instrução preparatória, e 1995, com uma solução legislativa que harmonizou o Código Penal com o Código de Processo Penal vigente desde 1987.
Não cuidando de tomar partido se a orientação jurisprudencial perfilhada procedia à integração de lacunas ou à interpretação extensiva, o essencial estaria em saber como lidar com o «défice de normação legal» que deu lugar a orientações jurisprudenciais díspares com prejuízo para a segurança jurídica numa área tão sensível.
Ora, seja matéria de direito substantivo ou adjectivo, trata-se de matéria de reserva relativa da Assembleia da República - o artigo 168.º (agora 165.º), n.º 1, alínea c), refere-se à «definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal», excluída do labor de criação normativa por parte de órgãos titulares de outras funções do Estado.
Mais concretamente, «o artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na dimensão normativa que realiza a conversão da notificação para a instrução preparatória na notificação para o primeiro interrogatório do arguido no inquérito, embora não tenha de ser necessariamente qualificado como uma norma criada por analogia, no sentido clássico da distinção entre analogia e interpretação, é pelo menos o resultado de uma interpretação actualista da lei baseada em raciocínios analógicos, que implicam opções constitutivas de um regime, as quais pertencem à reserva de lei da Assembleia da República, previstas no artigo 165.º, alíneas b) e c), da Constituição».
Não é o caso de uma interpretação retroactiva da lei nova, mas uma interpretação actualística da lei já vigente.
Termina esse acórdão, tirado por maioria, por «julgar inconstitucional o artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, interpretado no sentido de que a interrupção do prazo prescricional se verifica a partir da notificação para as primeiras declarações do arguido na fase de inquérito, por violação do artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição [...]».
Também o mencionado Acórdão 120/2000, que decidiu «julgar inconstitucional, por violação dos n.os 1 e 3 do artigo 29.º da lei fundamental, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução», seguiu na mesma esteira daqueles dois outros.
Vale a pena transcrever um trecho especialmente significativo: «[...] uma interpretação normativa [...] que conduziu à 'conversão' de uma dada expressão literal que era a adequada a um certo sistema processual por forma a fazê-la corresponder a um novo sistema, de figurino acentuadamente diverso, é algo representativo de uma opção que não pode repousar em critérios formulados pelo intérprete ou pelo aplicador do direito, justamente porque, estando em causa matéria ligada a direitos fundamentais, tal opção só pode ser realizada pelo órgão constitucional ao qual é cometida a tarefa de emissão legislativa consubstanciadora de alterações ou modificações pertinentes a essa matéria».
VI
1 - Desta retrospectiva jurisprudencial o que podemos retirar de útil?
Parece não ser similar ou congénere das questões analisadas nos mencionados «assentos» a que ora é objecto do presente recurso extraordinário.
No entanto, se bem que o pleno deste Supremo Tribunal não se tenha debruçado sobre questão semelhante à que ora se coloca no diferendo entre os acórdãos em análise, é certo que, de modo ainda que incidental, acolheu a ideia de que a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente (tem-se considerado como equivalente ao despacho de pronúncia, nos casos em que não há lugar a este, o despacho que marca dia para o julgamento) (ver nota 9), além de suspender, interrompe a prescrição do procedimento criminal.
Ponto que, no assento 6/97, era partilhado pelas duas correntes, maioritária e minoritária.
Por outro lado, o que parece ter-se mostrado decisivo para não aceitar a «conversão» ou «substituição» de certos actos interruptivos ou suspensivos da prescrição do regime processual penal vigente à data em que o Código Penal de 1982 (o do Código de Processo Penal de 1929) entra em vigor, pelo que se lhe segue com o novo Código de Processo Penal de 1987, consistiu ou na diferente natureza de tais actos ou na sua inserção num sistema cujo figurino mudara em termos substanciais.
2 - Passando, agora, ao plano mais concreto da decisão.
Tendo-se fixado, à data da prática dos factos - o ano de 1992 - como aplicável o «regime processual remissivo» vigente com a entrada em vigor do Código Penal de 1982, que, nos termos do artigo 120.º, n.º 1, alínea c), atribuía valor interruptivo da prescrição à notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, entende-se que uma notificação ao arguido de um despacho em que é recebida a acusação e marcada data para julgamento, ocorrida no período que vai até à reforma do Código Penal, levada a efeito pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, e que entrou em vigor em 1 de Outubro de 1995, interrompe a prescrição do procedimento criminal e inicia a sua suspensão.
Pormenorizemos as razões desta posição.
2.1 - O despacho que recebe a acusação e marca data para julgamento, quer seja proferido nos termos dos artigos 390.º e 391.º do Código de Processo Penal de 1929 quer dos artigos 311.º e 312.º do Código de Processo Penal de 1987, consubstancia o mesmo acto, quer no tocante ao seu conteúdo substancial ou material - saneamento do processo e fixação do seu objecto, bem como de avaliação de indícios bastantes para a submissão a julgamento - quer no plano formal quando reportado à autoridade da qual emana um juiz.
Não se detecta, neste ponto, qualquer alteração substancial do regime processual coetâneo do Código Penal de 1982 - diploma este vigente à data da prática dos factos - em confronto com aquele que subjaz ao proferimento de um despacho judicial até à revisão de 1995.
Em contrário do que sucedia nos casos apreciados pelos mencionados «assentos», aqui há continuidade entre a situação proveniente do Código de Processo Penal de 1987 e a contemplada no Código Penal de 1982, sendo que nem as roupagens jurídicas se antolham como diferentes.
Assim, não se pensa sequer como adequada a referência a uma «interpretação actualista». Não há que actualizar aquilo que é igual.
Por conseguinte, entende-se que através do despacho em que o juiz recebeu a acusação e designou dia para julgamento, notificado dentro do prazo de cinco anos a contar da data do cometimento dos factos qualificados como criminosos, o Estado manifestou de modo eficiente e por forma inequívoca a pretensão de exercer o jus puniendi.
É certo que no regime da revisão de 1995 (Código Penal), que confere relevo interruptivo à constituição de arguido e à notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, à notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou à notificação para a audiência em processo sumaríssimo, não se alude agora ao «despacho equivalente ao de pronúncia».
Esse regime (praticamente repetido na revisão de 1998) manifestamente mais desfavorável, pois que atribui força interruptiva a actos praticados antes dessa apreciação judicial (nomeadamente a simples acusação) emanados do Ministério Público, pela antecipação a que procedeu, tornou desnecessária tal referência, dentro do novo sistema.
2.2 - O que vem de dizer-se serve-nos de ponte para um outro argumento valioso que, a nosso ver, se retira das normas transitórias do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, a aludida revisão do Código Penal de 1982.
Com efeito, os artigos 10.º e 11.º deste diploma estipulam que nos processos instaurados até 31 de Dezembro de 1987, a prescrição do procedimento se suspende durante o tempo em que o procedimento criminal esteja pendente, a partir do despacho de pronúncia ou equivalente, o mesmo sucedendo, quanto à interrupção, além do mais, com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente [alínea c) do mencionado artigo 11.º].
Trata-se, neste ponto, de um texto igual ao da versão originária do n.º 1 do artigo 120.º, já transcrito.
Tendo a referência ao despacho de pronúncia ou equivalente deixado de servir como momento a quo para suspender ou interromper a prescrição do procedimento criminal - como já se disse, a nova lei fez recuar, no processo, os momentos relevantes para esse efeito -, e não sendo permitida a aplicação retroactiva porque mais desvantajosa para o arguido, da nova lei, aquelas normas transitórias, à míngua de outra justificação explícita do legislador (no preâmbulo ou em trabalhos preparatórios), só podem querer significar a reafirmação de que o despacho de pronúncia ou equivalente, antes da entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, já relevava para a suspensão ou interrupção da prescrição do procedimento criminal. Para esse período, havia que manter o sistema já existente.
2.3 - Com a conclusão a que se chegou, não se vislumbra que o intérprete tenha preenchido algum espaço reservado ao legislador constitucional, nem que se esteja perante uma remissão legislativa, implícita, de natureza dinâmica, em sentido desfavorável ao arguido. Não se pretende completar o regime processual vigente à data da prática dos factos, no domínio da prescrição, com fragmentos legislativos posteriores, alcançados a partir de elementos de natureza analógica, desfavoráveis ao arguido, em violação do n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal.
O que intentámos demonstrar foi que o regime decorrente do despacho judicial que recebe a acusação e designa dia para julgamento tem a mesma natureza substancial e formal do que vigorava aquando da entrada em vigor do Código Penal de 1982.
A boa doutrina encontra-se, pois, do lado do acórdão fundamento (ver nota 10), como também preconiza o Ministério Público.
VII
De harmonia com o exposto, acordam os juízes que compõem o pleno das secções criminais deste Supremo Tribunal de Justiça no seguinte:
Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público;
Em consequência, revogar o Acórdão recorrido de 22 de Março de 2000, proferido nos autos de recurso penal n.º 41/00, 4.ª Secção, do Tribunal da Relação do Porto;
Fixar, nos termos do artigo 445.º do Código de Processo Penal, a seguinte jurisprudência:
«Instaurado processo criminal na vigência do Código de Processo Penal de 1987, por crimes praticados antes de 1 de Outubro de 1995, a notificação ao arguido do despacho que designa dia para julgamento, proferido nos termos dos artigos 311.º a 313.º daquele diploma, na versão originária, suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal, de acordo com os artigos 119.º, n.º 1, alínea b), e 120.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal de 1982, também na sua versão originária.»
Dê-se observância ao que se dispõe no artigo 444.º do Código de Processo Penal.
Não é devida tributação.
(nota 1) Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 709 e segs.
(nota 2) Seguiremos de perto, em alguns pontos, o que se disse no Acórdão de 2 de Fevereiro de 2000 - processo 1120/99, 3.ª Secção, publicado na Colectânea de Jurisprudência, «Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça», ano VIII, t. I, 2000, p. 182, do mesmo relator.
(nota 3) O que se reafirma na exposição de motivos da proposta de lei 157/VII, que deu origem às recentes alterações do Código de Processo Penal de 1998.
(nota 4) Inserindo uma análise desta evolução legislativa intermédia - cf. o Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Fevereiro de 1991, na Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, t. I, 1991, p. 193.
(nota 5) Cf. preâmbulo, III, n.º 7, alínea b).
(nota 6) Como anota Maia Gonçalves - Código de Processo Penal, 1999, 10.ª ed., Almedina, p. 577 -, tal despacho «tem uma função bem mais vasta do que proceder à indicação do dia para a audiência».
(nota 7) A questão mais delicada que pode suscitar-se (não aqui) tem a ver com a alteração introduzida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, no artigo 311.º, designadamente quanto à explicitação do seu n.º 3, a qual fez caducar o assento/Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/93, de 17 de Fevereiro, no Diário da República, 1.ª série-A, de 6 de Março de 1993, em que se entendia que na expressão acusação manifestamente infundada se incluía a possibilidade de rejeição da mesma por manifesta insuficiência de indícios. O que agora se afastou, numa posição que se torna mais gravosa para o arguido.
(nota 8) Acórdãos n.os 205/99, de 7 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 258, de 5 de Novembro de 1999, 285/99, de 11 de Maio, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 246, de 21 de Outubro de 1999, e 122/2000, de 23 de Fevereiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 131, de 6 de Junho de 2000.
(nota 9) Falando desta causa interruptiva, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, Verbo, 1993, e analisando à luz do direito processual penal anterior ao Código de Processo Penal de 1987, afirma que era o despacho de marcação de data para julgamento, nos processos correccionais, que «devia considerar-se equivalente ao despacho de pronúncia». «Na vigência do novo Código de Processo Penal deve entender-se também que o despacho equivalente ao despacho de pronúncia é o despacho que recebe a acusação quando não tenha tido lugar a fase de instrução e, por isso, não haja despacho de pronúncia» (p. 46).
(nota 10) Para além do mencionado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2000, processo 1120/99, podem ver-se, no mesmo sentido, os Acórdãos de 28 de Abril de 1999, processo 1469/98, 3.ª Secção, e de 10 de Fevereiro de 2000, processo 1156/99, 5.ª Secção, não sendo conhecidos outros de teor diferente.
1 de Março de 2001. - António Gomes Lourenço Martins - António da Rosa Dias Bravo - Armando Acácio Gomes Leandro - Emanuel Leonardo Dias - Virgílio António da Fonseca Oliveira - José Damião Mariano Pereira - Luís Flores Ribeiro - Norberto José Araújo de Brito Câmara - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - Florindo Pires Salpico - Manuel de Oliveira Leal-Henriques - António Luís Sequeira Oliveira Guimarães - António Correia de Abranches Martins - Hugo Afonso dos Santos Lopes - Dionísio Manuel Dinis Alves - José António Carmona da Mota - António Pereira Madeira - Manuel José Carrilho de Simas Santos - Álvaro José Guimarães Dias.