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Resolução do Conselho de Ministros 91/2000, de 20 de Julho

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Sumário

Opta pela co-incineração como método de tratamento de resíduos industriais perigosos. Atribui competências nesta matéria ao Instituto dos Resíduos. Publica em anexo o "Relatório da Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Incineração relativo ao Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos".

Texto do documento

Resolução do Conselho de Ministros n.º 91/2000

Na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/97, de 25 de Junho, definiu o XIII Governo Constitucional uma estratégia de gestão dos resíduos industriais, ao abrigo da qual foram aprovados o Decreto-Lei 239/97, de 9 de Setembro, que estabeleceu as regras a que fica sujeita a gestão de resíduos, e o Decreto-Lei 273/98, de 2 de Setembro, que transpôs para o direito interno as disposições constantes da Directiva n.º 94/67/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, relativa à incineração de resíduos perigosos.

Ao abrigo deste dispositivo, iniciou-se o processo de avaliação de impacte ambiental de um projecto de tratamento de resíduos industriais perigosos pelo sector cimenteiro, que culminou com um despacho da Ministra do Ambiente de 28 de Dezembro de 1998.

Posteriormente, decretou a Assembleia da República que as operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos, incluindo a avaliação e selecção de locais para queima e tratamento desses resíduos, ficariam condicionadas ao parecer de uma comissão científica independente.

Ora, tendo em conta o parecer da comissão científica independente, entende o Governo que não há razões para introduzir alterações ao Decreto-Lei 273/98, de 2 de Setembro, face à inexistência de matéria susceptível de ser revista.

Assim, atendendo às recomendações emitidas pela Comissão Científica Independente e à intervenção que esta terá no procedimento ao abrigo dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 120/99, de 16 de Abril, com a redacção que lhes foi conferida pela Lei 149/99, de 3 de Setembro, e nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

1 - Confirmar a opção pela co-incineração como método de tratamento de resíduos industriais perigosos cujo destino mais aceitável é a queima.

2 - Confirmar a hierarquia de opções de gestão de resíduos consignada na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/97, de 25 de Junho, o que significa que só deverão ser conduzidos para co-incineração os resíduos que não sejam passíveis de redução, reutilização ou reciclagem.

3 - Cometer ao Instituto dos Resíduos a elaboração de uma lista de resíduos susceptíveis de co-incineração.

4 - Reiterar que as autoridades competentes deverão atender às recomendações do relatório da Comissão Científica Independente na definição das condições de autorização do projecto de co-incineração.

5 - Confirmar a continuidade do projecto de co-incineração em cimenteiras, nos termos da legislação em vigor, sob a supervisão da Comissão Científica Independente.

6 - Publicar em anexo a esta resolução o relatório da Comissão Científica Independente.

Presidência do Conselho de Ministros, 8 de Junho de 2000. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.

RELATÓRIO DA COMISSÃO CIENTÍFICA INDEPENDENTE DE

CONTROLO E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DA CO-INCINERAÇÃO

RELATIVO AO TRATAMENTO DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS PERIGOSOS.

Glossário (mi)g - micrograma = 10(elevado a -6) g.

(mi)m - micrómetro = 10(elevado a -6) m.

2CaO.SiO(índice 2) - silicatos de cálcicos.

3CaO.Al2O(índice 3) - aluminatos tricálcicos.

3R - reduzir, reutilizar e reciclar.

4 CaO.Al(índice 2)O(índice 3).Fe(índice 2)O(índice 3) - ferro-aluminatos tetra-cálcicos.

AC(índice 3) - aluminato tricálcio.

ADEME - Agência do Ambiente e Energia (França).

ADN - ácido desoxi-ribo nucleico.

Adsorção - a fixação de moléculas de um líquido ou de um gás na superfície de um sólido.

Aeróbico - processo biológico que se processa na presença de oxigénio.

Ag - prata.

Al - alumínio.

Al(índice 2)O(índice 3) - óxido de alumínio.

Anaeróbico - processo biológico que se processa na ausência de oxigénio.

As - arsênio.

Ba - bário.

bar - unidade de pressão.

BAT - melhor técnica disponível.

BATNEC - melhor técnica disponível sem acarretar um custo excessivo.

Be - berílio.

BPEO - melhor opção ambiental praticável.

Br - bromo.

BSE - «doença das vacas loucas».

Ca - cálcio.

CaCl(índice 2) - cloreto de cálcio.

CaCO(índice 3) - carbonato de cálcio.

CaF(índice 2) - fluoreto de cálcio.

Câmara de pós-combustão - sistema de queima que inclui um queimador auxiliar e uma câmara onde são incinerados os gases provenientes da câmara primária de um sistema de tratamento de resíduos.

CaO - óxido de cálcio (cal viva).

Ca(OH) (índice 2) - hidróxido de cálcio (cal apagada).

Carvão activado - carvão com uma estrutura com uma grande superfície específica (muitos metros quadrados por grama), que pode ser usada para absorver odores e substâncias tóxicas na forma gasosa.

CaSO(índice 4) - sulfato de cálcio.

CCI - Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Incineração.

Cd - cádmio.

CER - Código Europeu de Resíduos.

CFC - hidrocarbonetos halogenados.

Cinzas - resíduos sólidos provenientes da combustão de uma substância sólida ou líquida.

Cinzas volantes - partículas sólidas de pequena dimensão resultantes de queima geralmente retidas nos sistemas de filtragem.

CKD - pó de cimento.

Cl - cloro.

Cl(índice 2) - cloro gás.

Clínquer - material sinterizado resultante da fusão parcial e da combinação química dos silicatos, da cal, do óxido de alumínio e do óxido de ferro, durante o processo de preparação do cimento.

CO - monóxido de carbono.

Co - cobalto.

CO(índice 2) - dióxido de carbono.

Compostagem - decomposição controlada da matéria orgânica dos resíduos sólidos em condições aeróbicas. Os produtos podem ser usados como fertilizantes.

Cr - crómio.

Cr(elevado a 3+) - ião crómio (III).

Cr(elevado a 6+) - ião crómio (VI).

Cu - cobre.

DE - eficiência de destruição. Destruction efficiency. Índice que representa a capacidade de um processo para destruir uma substância perigosa.

Deposição - actividade associada ao tratamento final de resíduos sólidos, normalmente relacionada com a utilização de aterros.

DGV - Direcção-Geral de Viação.

DL 50 - dose letal: concentração de uma substância tóxica que é letal para 50% da população animal, utilizada em condições específicas de teste.

DRA - direcção regional do ambiente.

DRA-RN - Direcção Regional do Ambiente - Região Norte.

DRE - eficiência de remoção e destruição. Índice que representa a capacidade de um processo para destruir ou remover uma substância perigosa.

ECTRI - estação colectiva de tratamento de resíduos industriais.

EER - European Environmental Research.

Efluente - qualquer produto sólido, líquido ou gasoso lançado no ambiente como resultado das actividades humanas.

Escória - material fundido e vitrificado resultante do aquecimento de um sólido a temperaturas elevadas.

ETAR - estação de tratamento de águas residuais.

EUA - Estados Unidos da América.

EURITS - União Europeia para Uma Incineração e Tratamento Responsáveis de Resíduos.

F - flúor.

Fe - ferro.

FeS - pirite.

Filtro electrostático - processo de captação de poeiras transportadas por uma corrente gasosa. As partículas são carregadas electricamente e depois fixadas a uma superfície.

H(índice 2) - hidrogénio gás.

H(índice 2)O - água.

H(índice 2)SO(índice 4) - ácido sulfúrico.

HCl - ácido clorídrico.

HF - ácido fluorídrico.

Hg - mercúrio.

HgCl(índice 2) - cloreto de mercúrio (II).

I - iodo.

INE - Instituto Nacional de Estatística.

INR - Instituto dos Resíduos.

IPC - controlo de poluição integrado.

ISO - International Standard Organization.

IWM - gestão de resíduos integrado.

K - potássio.

K(índice 2)O - óxido de potássio.

kcal - quilocaloria.

kg - quilograma.

kW - quilowatt (unidade de energia).

kWh - quilowatt-hora.

L - litro.

LCA - análise de ciclo de vida.

LIPOR - tratamento de lixos da região do Porto.

Lixiviado - líquido que escorre pelo interior de um monte de resíduos ou de outras substâncias sólidas. Os lixiviados dos aterros contêm normalmente partículas ou têm dissolvidas substâncias que podem ser nocivas.

LULU - utilizações inaceitáveis de terrenos do local.

Metais pesados - metais como o cádmio (Cd), chumbo (Pb), crómio (Cr), níquel (Ni) e mercúrio (Hg). Os metais podem aparecer na forma de iões, nos compostos químicos ou na forma metálica (limalhas e sucatas).

Metano - substância produzida pela decomposição anaeróbia dos resíduos urbanos, gasoso nas condições ambientais normais, de fórmula CH(índice 4).

O metano é inodoro e incolor, e sendo combustível pode ocasionar explosões quando misturado com o ar e em contacto com uma chama.

mg/kg - miligrama por quilograma.

mg/Nm(elevado a 3) - miligramas por metro cúbico; N significa normal, i. e., o volume de gás está normalizado para certas condições de pressão e de temperatura.

MJ - megajoule.

Mn - manganésio.

Mo - molibdénio.

mol - mole.

N(índice 2) - azoto gás.

Na - sódio.

Na(índice 2)O - óxido de sódio.

ng - nanograma = 10(elevado a -9) g.

NH(índice 3) - amónia.

Ni - níquel.

NIMBY - não no meu quintal.

nmol - nanomole = 10(elevado a -9) moles.

NO - monóxido de azoto.

NO(índice x) - óxidos de azoto.

O(índice 2) - oxigénio gás.

OCDE - Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico.

Ohm.cm-ohm x centímetro.

OMS - Organização Mundial de Saúde.

Pb - chumbo.

PCB - bifenilos policlorados.

PCDD - clorodibenzo-para-dioxinas.

PCDF - dibenzofuranos.

PESGRI - Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais.

Pg - picograma = 10(elevado a -12) g.

PIB - produto interno bruto.

Pirólise - processo de decomposição da matéria orgânica processado a temperatura elevada e ao abrigo do ar. De um processo de pirólise resulta a formação de uma mistura de gases combustíveis, um líquido e um sólido residual.

POHC - principal constituinte orgânico perigoso. Principal organic hazardous constituent - substância nociva cuja destruição em elevada percentagem constitui a maior dificuldade de tratamento de um resíduo.

ppm - uma parte por um milhão de partes.

ppmvd - uma parte por um milhão de partes, em volume e para ar seco.

Pré-aquecedor - sistema de aquecimento do ar que vai ser usado como comburente num processo de combustão.

PVC - policloreto de vinilo.

RDV - regeneração por destilação em vazio.

Resíduos perigosos - resíduos que pela sua natureza podem ser nocivos para a saúde humana ou para o ambiente.

RH - regeneração por hidrogenação.

RIP - resíduos industriais perigosos.

RR - reciclagem em refinarias.

S - enxofre.

SAEFL - Agência Suíça para Protecção do Ambiente, Florestas e Território.

Sb - antimónio.

SC(índice 3)SC(índice 2) - silicatos de cálcio.

SCR - redução catalítica selectiva.

Scrubber - equipamento de limpeza dos gases efluentes de um sistema de queima através do seu contacto com um fluido de lavagem. Nestes equipamentos costuma utilizar-se cal para neutralizar os ácidos resultantes da combustão.

Se - selénio.

Si - silício.

SiO(índice 2)2 - dióxido de silício (sílica).

Sn - estanho.

SNCR - redução não catalítica selectiva.

SO(índice 2) - dióxido de enxofre.

SO(índice 3) - anidrido sulfúrico.

SPV - Sociedade Ponto Verde.

TAP - transportadora aérea portuguesa.

TCDD - tetraclorodibenzo-para-dioxinas.

Te - telúrio.

TEF - factor de equivalência de toxicidade.

TEQ - equivalentes totais (dioxinas/furanos).

Th - tório.

Ti - titânio.

Tl - tálio.

TOC - carbono orgânico total.

UE - União Europeia.

UPT - unidade de pré-tratamento.

USDOE - Departamento de Energia dos Estados Unidos.

USEPA - United States Environmental Protection Agency.

V - vanádio.

V(índice 2)O(índice 5) - pentóxido de vanádio.

VC - valorização em cimenteiras.

VERE - valorização energética em indústrias de revestimento de estradas.

VO(elevado a 2+) - ião óxido de vanádio (IV).

VO(elevado a 3-) - ião óxido de vanádio (V).

VOC - compostos orgânicos voláteis.

VPE - valorização em pavimentos de estradas.

XNH(índice 2) - composto de azoto reduzido.

Zn - zinco.

1 - Introdução

Nos termos da Lei 20/99, de 15 de Abril, e do Decreto-Lei 120/99, de 16 de Abril, compete à Comissão Científica Independente para o Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos ou, na designação do citado decreto-lei, Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Incineração, adiante designada por CCI, dar parecer sobre o tratamento de resíduos industriais perigosos (RIP) e, numa primeira fase, pronunciar-se igualmente sobre a implementação da co-incineração de resíduos industriais perigosos. Na introdução ao seu relatório, a CCI pretende expor as linhas orientadoras que presidem à organização do seu trabalho e apresentar a terminologia relevante e dados gerais de enquadramento no panorama europeu sobre o tratamento de resíduos.

1.1 - Metodologias de trabalho

Desde a sua tomada de posse, a CCI reuniu pelo menos uma vez por semana na sua sede em Aveiro. Procedeu à recolha de bibliografia diversa, de que se indica neste relatório as obras de maior relevância. Através do estudo, visitas a instalações de gestão de resíduos industriais, audição de representantes de grupos de defesa do ambiente e representantes de comissões de Souselas e de Maceira, e a audição de técnicos especialistas em gestão de resíduos industriais, foi-se formando um consenso através do debate interno regular entre os diferentes membros da CCI.

No seu todo ou em parte, a CCI visitou as unidades cimenteiras de Alhandra, Outão, Souselas e Maceira. Visitou igualmente no País uma instalação de «tratamento de óleos usados» em Barracão (Auto Vila) e a incineradora de resíduos urbanos da LIPOR 2, em Moreira da Maia. No estrangeiro o presidente da CCI visitou uma unidade de gestão de RIP (SAKAB) na Suécia, e toda a Comissão visitou em França uma incineradora dedicada (Pont-de-Claix) e uma unidade cimenteira (Couvrot) que co-incinera RIP e resíduos industriais banais, e uma unidade de pré-tratamento de resíduos industriais (SCORIBEL), na Bélgica, para co-incineração na cimenteira de Obourg.

Para a escrita do relatório, cada membro da Comissão foi incumbido de actuar como relator para elaborar uma versão de trabalho de cada um dos diferentes capítulos.

Seguidamente, o relatório final foi preparado em reuniões de trabalho, a que se seguiu a redacção final e a aprovação das respectivas conclusões e recomendações.

1.2 - Resíduos e tipos de resíduos

Resíduos são substâncias, produtos ou objectos que ficaram incapazes de utilização para os fins para que foram produzidos, ou são restos de um processo de produção, transformação ou utilização e, em ambos os casos, pressupõem que o detentor se tenha de desfazer deles. Convém realçar que não há uma definição única de resíduo a nível europeu, pois se verifica ainda uma acentuada diferenciação nas diversas legislações. A proveniência dos resíduos é muito variada, pois está associada a toda a actividade humana. De um modo geral, podemos considerar resíduos domésticos, comerciais, industriais, hospitalares, agrícolas, etc. Igualmente os resíduos podem ser classificados, não em termos da sua proveniência, mas da sua natureza físico-química, em: metais, vidros, papel, têxteis, vegetais, pilhas, plásticos, lamas de depuração, etc.

Qualquer que seja o tipo de classificação que se considere, há resíduos banais e outros que podem ser nocivos ou perigosos para o homem e outros seres vivos. Estes últimos designam-se genericamente por resíduos perigosos em função do seu carácter tóxico, corrosivo, explosivo, radioactivo, etc., e do modo como são manipulados no meio ambiente durante o seu ciclo de vida como produto útil ou como resíduo. Uma tal designação é demasiado vasta, por vezes ambígua, e causa apreensões acrescidas na opinião pública. Por exemplo, uma lata de tinta usada, devido ao remanescente do resíduo de tinta, é considerada em muita legislação europeia como um resíduo perigoso.

A legislação atende essencialmente ao destino e não à natureza do resíduo.

Seria preferível designá-lo por um «resíduo especial» ou «resíduo nocivo» para o distinguir de resíduos verdadeiramente perigosos tais como pesticidas organofosfatados, ou resíduos que contenham cianetos, porque são mortais para o homem em doses relativamente baixas. Contudo, não é esta a definição contemplada na nossa legislação, pelo que, feita esta ressalva, continuaremos a recorrer ao sentido que a este respeito é dado pela legislação em vigor.

Convém igualmente referir que nem só a actividade industrial produz resíduos classificados como perigosos. Há resíduos perigosos de proveniência doméstica e urbana, hospitalar e de outras origens. Trata-se de resíduos para os quais os municípios, as indústrias, os hospitais, as escolas, etc., não conseguem assumir, por si sós, a responsabilidade de eliminação com riscos mínimos para a saúde pública e para o ambiente.

Por a problemática que colocam ser a mesma, verificámos na Suécia que o Governo fomentou uma solução comum para o tratamento de tais resíduos perigosos, independentemente da sua proveniência. Uma tal unidade de tratamento multifuncional (SAKAB) está situada a 7 km este da cidade de Kumla e está a operar desde 1983, processando actualmente (1999) cerca de 150 000 t/ano por incineração, tratamento físico-químico, depósito em aterro, pré-tratamento térmico, evaporação e tratamentos especiais de resíduos contendo mercúrio ou halogéneos. Contudo, dada a complexidade desta solução, que foi comissionada pelo Governo sueco em 1975, a unidade demorou oito anos a entrar em funcionamento. Idêntico tipo de solução multifuncional para resíduos perigosos existe na Dinamarca (Kommunekemi).

Trata-se de uma solução que, pela sua complexidade, morosidade de implantação e custo, está excluída como solução viável para a gestão de RIP no nosso país.

1.3 - Os resíduos e o ambiente

Com o objectivo de garantir uma gestão de resíduos que reduza ao mínimo os seus efeitos no ambiente e na saúde pública, a estratégia da União Europeia (UE) para a gestão de resíduos obedece a uma hierarquia de princípios que foi proposta pela primeira vez pela OCDE: redução da produção e da nocividade dos resíduos, reutilização, reciclagem, valorização, destruição e colocação em aterro. A UE pretende igualmente que os seus Estados membros, cada um de per si, seja auto-suficiente e respeite um princípio de proximidade em matéria de eliminação de resíduos; para reciclagem e valorização de resíduos há livre circulação no interior da União Europeia.

Estes princípios são directores do nosso trabalho, mas convém balizá-los com a realidade comunitária. Os dados recentemente publicados (RCCPE, 2000), relativos ao período de 1995-1997 mostram que a maioria dos Estados membros comunicou ter alcançado um grau de auto-suficiência próximo dos 99% na eliminação de resíduos banais e de resíduos perigosos. No que concerne aos resíduos domésticos/urbanos, a fracção reciclada apresenta uma ampla variação (0% a 44%) com um valor médio de 15%, a fracção sujeita a incineração apresenta uma gama de 15% a 56%, com uma média de 19%, e a deposição em aterro alcança um valor médio de 60%. Para os resíduos perigosos os dados apresentados são menos completos e, por vezes, figuram com totais incorrectos, mas a fracção reciclada apresenta igualmente uma ampla variação (0% a 50%) com um valor médio de 19%; a fracção sujeita a incineração corresponde a uma média de 12% e a deposição em aterro alcança um valor médio de 35%. Estes dados reflectem algumas das dificuldades existentes a nível europeu na gestão de resíduos, mormente a respeito da disponibilidade de terrenos para aterro, como no caso do Luxemburgo (55% de resíduos incinerados) ou na opção por energia barata para aquecimento doméstico, como no caso da Suécia (40% de resíduos incinerados).

A hierarquia de princípios de gestão acima referida é uma excelente regra operacional, que deve ser mantida, a não ser que análises sobre o impacte global no ecossistema combinadas com a melhor utilização de recursos naturais modifiquem pontualmente a posição relativa de algum destes princípios. A reciclagem é um excelente método de poupança de recursos quando não for possível assegurar a reutilização dos produtos ou, melhor ainda, evitar a produção do resíduo. Mas há algumas limitações ao seu êxito;

limitações associadas à existência de uma quantidade suficiente de resíduos a reciclar, aos mecanismos de recolha e de transporte, às operações de processamento dos resíduos em materiais ou produtos úteis e à existência de um mercado para os produtos reciclados (Gascoigne e Ogilvie, 1995, pp.

91-113). Acresce que o êxito de qualquer reciclagem implica uma recolha selectiva na fonte dos diversos tipos de resíduos, mormente para os resíduos domésticos, o que está longe de estar alcançado. De um modo geral, os resíduos heterogéneos são tecnicamente mais difíceis de reciclar. Igualmente uma reciclagem ou uma reutilização economicamente viável e segura para a saúde pública implica a não mistura de resíduos e a sua utilização no mesmo sector donde provêm os resíduos a reciclar. A mistura de óleo usado em transformadores eléctricos com óleo usado de origem vegetal e a sua subsequente utilização no fabrico de farinhas para rações foi causadora da presença de dioxinas/furanos em doses significativas em frangos produzidos na Bélgica.

A contaminação é um dos principais obstáculos técnicos à reciclagem, mormente dos contaminantes residuais que não são passíveis de remoção durante o pré-tratamento e as operações de processamento. Mais complexo foi o aparecimento muito generalizado da «doença das vacas loucas» (BSE), fruto de um emprego de rações animais com incorporação de resíduos de carne e ossos de ovelhas. No capítulo da alimentação, acrescidas seguranças carecem ser usadas para a reciclagem de resíduos.

Em suma, para uma gestão eficaz e segura dos resíduos perigosos carece-se do conhecimento das suas natureza, fracção, origem e quantidade, bem como a quantidade reciclada e valorizada, a energia recuperada ou os resíduos eliminados. E diferentes categorias de resíduos perigosos não devem ser misturadas entre si ou com outros resíduos banais, a não ser com o fim de melhorar a segurança durante os procedimentos de eliminação ou de valorização.

A incineração, com ou sem recuperação de energia, assumiu hoje uma quota importante da gestão de resíduos domésticos a nível europeu. A directiva europeia que impede progressivamente a deposição em aterro de resíduos de matéria orgânica, a partir de 2005, reflecte afinal uma opção integrada na gestão da poluição, porque tais materiais podem ser reciclados, sofrer compostagem ou ser valorizados por queima, dado disporem de um conteúdo energético; dependendo do processo, há valorização quando o conteúdo energético alcança valores mínimos entre 5-10 MJ/kg. No Reino Unido esta nova perspectiva levou a estimativas da necessidade da instalação de 28 a 165 novas incineradoras, para além das 10 correntemente em funcionamento, e ou alternativamente a um acréscimo na proporção de reciclagem, compostagem e co-incineração, mormente em cimenteiras (Câmara dos Lordes 1999, pontos 5, 87, 88). Este panorama é igualmente válido, mesmo em países como a Suíça, onde se verifica um excesso de capacidade de incineração de resíduos sólidos ou pastosos em incineradoras; mas uma tal situação de subutilização irá modificar-se com a restrição da deposição em aterros de materiais biodegradáveis. Para resíduos líquidos (óleos usados, solventes) a Suíça reconhece que não seria auto-suficiente sem o recurso ao contributo da indústria cimenteira (SAEFL, 1998).

O nosso país já dispõe de instalações de tecnologia de queima a funcionar para resíduos urbanos. Carece urgentemente de dispor deste meio de gestão para resíduos industriais perigosos, para vir a ser praticamente auto-suficiente na gestão de resíduos.

Exceptuam-se resíduos halogenados e de índole semelhante para os quais Portugal deverá recorrer à rede europeia de incineradoras dedicadas a mono-resíduos de eliminação sofisticada. E o nosso país nunca atingirá os níveis europeus de auto-suficiência na gestão de resíduos se não dispuser de tecnologias de queima de resíduos industriais perigosos, que para alguns resíduos se revela mesmo a única solução viável de gestão; no caso de certo tipo de resíduos, como as lamas e os sólidos orgânicos, a incineração revela-se mesmo a única opção de gestão ambiental e economicamente viável. Durante muitos anos o mesmo foi válido para os derivados clorados do bifenilo (polychlorinated biphenyls, PCB), mas presentemente na Alemanha este tipo de resíduos está a ser colocado em minas de sal gema. O valor médio europeu para a queima estima-se em 12% do total de resíduos perigosos. Na unidade sueca de SAKAB para o tratamento de resíduos perigosos de proveniência industrial e urbana, de um total de 133 000 t/ano de resíduos processados, cerca de 25% dos mesmos são queimados numa incineradora dedicada. A perspectiva que o Instituto dos Resíduos contempla para queima de resíduos industriais perigosos no nosso país situa-se a um nível muito inferior a toda esta gama de valores: menor que 1% do total dos resíduos industriais.

1.4 - Gestão de resíduos

A melhor estratégia para a gestão do tratamento de resíduos enquadra-se num conceito de controlo de poluição integrado, IPC (integrated pollution control).

Trata-se de um conceito holístico para o ambiente, em que o impacte que um dado processo tem sobre o meio ambiente, através das substâncias que coloca no ar, na água e no solo é analisado de uma forma integrada. As substâncias nocivas que são lançadas para o ambiente deverão ser colocadas no meio onde exerçam o menor efeito nocivo possível. Neste enquadramento surge, como consequência lógica, a prescrição da melhor opção para o ambiente, BPEO (the best practicable environmental option), que pode ser alcançada através de um procedimento que recorra à melhor técnica disponível desde que os custos em causa não sejam excessivos, a denominada BATNEC (the best available techniques not entailing excessive cost) ou tão-somente - BAT.

Um procedimento BAT minimiza o impacte ambiental de modo a que constitua risco aceitável para a saúde pública e para o ambiente.

Como será explanado em maior pormenor no capítulo 5, um risco aceitável, sob o ponto de vista de saúde pública, situa-se a um nível da ordem de grandeza de 1/1 000 000 para uma pessoa no local de emissão dos poluentes (orgânicos e metais pesados) e tendo em consideração efeitos de contaminação por forma directa e indirecta. Um tal risco é inferior ao risco natural da probabilidade de morte por um relâmpago durante trovoadas (Edulgie, 1995, pp. 71-94; Gascoigne e Olgivie, 1995, pp. 91-113). O BAT implica:

i) A escolha do melhor procedimento para evitar ou tornar inócuo qualquer poluente, mas admite que possa haver mais de um conjunto de técnicas que alcancem eficácias comparáveis;

ii) Que a técnica ou técnicas escolhidas se encontrem adequadamente testadas e implementadas de modo a merecerem confiança num contexto industrial e comercial; normalmente só são consideradas elegíveis tecnologias e técnicas que estejam a operar no mercado por um período mínimo de seis meses a um ano;

iii) Que se considerem os diversos itens que a técnica implica, e que vão desde a instalação industrial que vai operar o processo tecnológico, o modo como o opera, a qualificação dos operadores e o seu número, os métodos de trabalho, a formação e o treino do pessoal bem como a sua supervisão, o lay-out, a manutenção de instalações e equipamentos.

As soluções encontradas por uma estratégia BAT, ao estarem associadas a uma componente económica, não possuem um carácter permanente. Bem pelo contrário, devem possuir um carácter dinâmico que assegure um desenvolvimento sustentado.

Desenvolvimento para as gerações de hoje que não comprometa o desenvolvimento para as gerações futuras. As soluções BAT dependem igualmente dos avanços tecnológicos e dos progressos nos procedimentos analíticos de monitorização, controlo e inspecção, e das forças do mercado.

No que concerne à inspecção da gestão de resíduos industriais, o termo «monitorização» exige a resposta a um conjunto de questões:

i) Qual é a informação necessária para criar a confiança que na operação do processo industrial se está a operar dentro dos limites e condições previamente autorizados? ii) Qual o melhor procedimento para obter a informação requerida? Finalmente requer-se o conhecimento da composição dos resíduos a valorizar ou eliminar e o seu comportamento durante o processo de tratamento.

Um horizonte ideal sob o ponto de vista ambiental seria o de uma «ecologia industrial» em que o resíduo de uma indústria fosse matéria-prima para uma outra. Isto é passível de realização em escalas limitadas, como a da produção de um resíduo de ácido que pode ser valorizado na neutralização de resíduos básicos produzidos por indústrias próximas, localizadas num mesmo parque industrial. Ainda longe deste ideal de «ecologia industrial», um desiderato primordial para a preservação do ambiente assenta no desenvolvimento de tecnologias limpas. Isto requer um bom design de engenharia, por vezes mesmo com incorporação de inovações no processo tecnológico, e boas práticas de gestão. Práticas de gestão com ciclos de medida, análise, controlo e feedback (retroacção). Em tais ciclos descobrem-se muitas vezes etapas de maior desperdício de energia e de maior produção de resíduos, e tais práticas de gestão, quando sustentadas, conduzem inevitavelmente a aumentos de eficiência, a planeamentos na redução da produção de resíduos e a decréscimos de poluição. São estratégias de gestão que tornam as empresas mais competitivas ao reduzirem os seus impactes ambientais, quando todas têm de assumir o custo da poluição que produzem.

Mas muitas vezes o desiderato da tecnologia limpa não é possível no estado presente do conhecimento e, então, diversas alternativas têm de ser aplicadas para a gestão dos resíduos produzidos. Sem qualquer preocupação de as hierarquizar, indicam-se as mais relevantes:

i) Transformação química de resíduos noutros menos poluentes;

ii) Tratamento biológico;

iii) Transferência do poluente de um dado meio para outro onde é

menos agressivo;

iv) Incineração;

v) Diluição e dispersão.

Também neste campo são legítimas as mesmas questões: «Qual o método de gestão de resíduos que causará menor impacte ambiental?». Metodologias de «análise de ciclo de vida», que serão referidas posteriormente, permitem encontrar os constrangimentos limitantes das tecnologias de fabrico no tocante ao impacte ambiental e energético e, deste modo, dar respostas adequadas para este tipo de questões. Assim, a indústria tem encontrado estratégias para o fomento da inovação tecnológica e de processos de fabrico com menor impacte ambiental e energético, conquistando uma maior competitividade na opinião pública.

A indústria dos países desenvolvidos tem respondido de forma bastante inovadora às preocupações sociais com o ambiente. Uma das indústrias que mais preocupações tem suscitado sob este ponto de vista é a indústria química. Um grande grupo da indústria química alemã, que mais tem investido na redução da carga ambiental dos resíduos produzidos, de 1972 a 1994, reduziu acentuadamente os seus níveis de resíduos. Em 1994 as emissões para a atmosfera, por tonelada de bem produzido, foram somente 14,4% dos níveis de 1972; no tocante aos efluentes líquidos a redução foi ainda maior, pois se situou em 3,3% dos níveis de 1972. E no tocante aos resíduos sólidos os esforços de redução acentuaram-se um pouco mais tarde, a partir de 1983;

os níveis de 1994 são 21% em relação aos de 1983. Tudo isto fruto de legislação, avanços tecnológicos e de um maior investimento por parte da indústria na protecção ambiental, quer a nível de investimentos, quer em custos de operação. O máximo do investimento em protecção ambiental foi alcançado pela indústria química alemã em 1991 com 16,2% dos investimentos totais deste tipo de indústria. Contudo, este investimento decresceu a partir desse ano e, não obstante, os valores de poluição continuaram a decrescer, porque a indústria passou a utilizar uma abordagem integrada no controlo da poluição. Os custos de operação mantiveram-se constantes a partir de 1990 (Quadbeck-Seeger, 1999, pp. 119-123).

A Revolução Industrial que teve o seu começo no Reino Unido levou à concentração de operários e trabalhadores em centros urbanos. As águas residuais de uso doméstico e os efluentes industriais vieram a agravar em muito as condições sanitárias destes aglomerados populacionais, com surtos epidémicos de cólera e tuberculose frequentes. Os maus cheiros, as doenças e a poluição levaram, ainda no século XIX, à produção de legislação para métodos de tratamento de águas e criação de redes de esgotos. Mas a legislação sobre a protecção ambiental só veio a assumir um crescimento verdadeiramente hiperbólico a partir de 1970, com fortes reflexos na actividade industrial e na economia. Mormente quando se evoluiu da ideia de que a gestão de resíduos era uma mera responsabilidade local ou nacional para o reconhecimento da influência regional e planetária dos efeitos da poluição; até meados da década de 70 não havia legislação da Comunidade Europeia sobre a gestão de resíduos.

Todo este enquadramento mostra que a área de regulação ambiental na indústria se encontra em forte mutação, com um horizonte de previsibilidade da ordem dos cinco anos. A esta problemática junta-se a da redução das emissões de dióxido de carbono, proveniente de combustíveis fósseis, a nível mundial, para evitar o aquecimento do nosso planeta, dado que o carbono proveniente dos combustíveis fósseis actua no efeito de estufa num ciclo de milhares a milhões de anos. Há quotas atribuídas a cada país no Protocolo de Quioto, em 1998, que podem vir a implicar compensações monetárias entre países com excesso de emissões de CO(índice 2) como é o caso de Portugal, a outros que não esgotaram as respectivas quotas.

Assim, no nosso país, medidas para a gestão de resíduos podem vir a implicar um maior recurso a combustíveis no ciclo de carbono natural, como biomassa e resíduos orgânicos para assegurar a competitividade das nossas indústrias.

Com o aparecimento de um catalisador NiO-MgO para a reacção entre o metano e o dióxido de carbono (Ruckenstein e Hu, 2000), dois dos gases mais responsáveis pelo efeito de estufa, surgirão com certeza inovações tecnológicas na utilização destes gases para formar hidrogénio e monóxido de carbono, numa mistura gasosa (syngas) mais rica em hidrogénio que o velho «gás de água» utilizado como combustível no início do século. O syngas será posteriormente utilizado na preparação de metanol ou de hidrocarbonetos. Mas uma tal perspectiva só se abrirá a médio prazo.

No nosso país, no tocante à gestão de resíduos industriais perigosos, as medidas devem ser decididas e persistentes, mas procurando evitar compromissos de investimentos com horizontes de amortização muito superiores ao limite temporal acima referido, a não ser nos casos em que tais opções se apresentem como mais desfavoráveis na perspectiva de impacte ambiental.

1.5 - Avaliação dos métodos mais correctos sob o ponto de vista

ambiental

Uma análise de ciclo de vida (life cycle analysis ou life cycle assessment, LCA) de um produto (ou serviço) é precisamente uma medida do impacte ambiental desse produto (ou serviço) durante todo o seu ciclo de vida (v. figura 1.1).

Trata-se de um conceito dos inícios da década de 70 que vem na sequência natural de outras metodologias com impacte social e ambiental, como as auditorias de energia da década de 60. Uma análise LCA leva a uma quantificação da energia e das matérias-primas necessárias para conceber e, subsequentemente, produzir um dado bem de consumo. Requer a quantificação da energia e dos resíduos que são gerados na concepção, na produção, na distribuição e na utilização, bem como os impactes ambientais da sua reciclagem ou da sua gestão até ao termo de vida. Através desta metodologia a indústria está a tomar consciência de que o impacte ambiental não começa e acaba com a manufactura de um produto ou a prestação de um serviço.

Em suma, os quatro grandes objectivos das análises de ciclo de vida são:

i) A prevenção da poluição;

ii) A conservação dos recursos naturais;

iii) A sustentabilidade dos ecossistemas;

iv) Uma maior rentabilidade económica.

(ver documento original) Figura 1.1 - Ciclo de vida. Figura adaptada do Ciambrone (1997) Por vezes, as conclusões de tais estudos vão contra a opinião corrente. Um exemplo publicado na revista Science clama que os copos de espuma de poliestireno para bebidas quentes, usados em restaurantes de fast food, têm um menor impacte ambiental do que os copos de papel, quando se levam a cabo boas práticas de gestão de resíduos. A visão corrente resulta de uma análise parcelar do problema, fruto da circunstância de os copos de poliestireno não serem biodegradáveis. Contudo, tal como os copos de papel, podem ser incinerados sem problemas; já a deposição em aterro dos copos de papel conduz à formação de dois volumes de metano para um de dióxido de carbono, o que é mais gravoso para o «efeito de estufa» do que a incineração. Uma análise mais global revela que o fabrico de um copo de papel requer 36 vezes mais electricidade e gera 500 vezes mais resíduos sob a forma de efluentes líquidos e gasosos, mormente de compostos clorados, do que o fabrico de um copo de poliestireno. Por exemplo, por copo produzido as emissões para a atmosfera são 2,6 vezes superiores no caso do papel.

Acresce que os copos de poliestireno podem ser reutilizados algumas vezes, após lavagem, e que podem ser reciclados/valorizados no fabrico de resinas, os copos de papel não podem ser reutilizados após lavagem e a sua protecção adesiva não facilita o seu processo de reciclagem. O fabrico de um copo de papel requer 49 g de matérias-primas (madeira, derivados do petróleo, outros produtos químicos), enquanto o de um copo de poliestireno requer somente 4,75 g de derivados do petróleo e outras substâncias. À época deste estudo, um copo de papel custava 2,5 vezes mais do que um copo de poliestireno (Hocking, 1991).

Um outro exemplo, também contra a opinião corrente, é o da comparação dos sacos de compras: papel ou plástico (polietileno)? Para o mesmo número de sacos o papel produz um impacte em peso para colocação em aterro cerca de 9 vezes superior ao do plástico; o papel requer 2,3 vezes mais energia na produção, liberta 2 vezes mais dióxido de enxofre, 5 vezes mais efluentes líquidos, etc. A LCA pode ir além do impacte ambiental, que é sempre o mais importante, e levar em conta outras componentes do custo do ciclo de vida incorporando a capacidade de reciclagem, o tratamento de efluentes gerados, a energia e a manufacturabilidade. A tabela 1.1 apresenta um tal balanço, em que cada área é valorizada com um certo número de pontos. No caso em apreço, a pontuação mais elevada corresponde a um menor impacte ambiental; para as outras áreas a pontuação pode ser estimada em termos de custos económicos. A cada área é atribuído um peso que permite estimar o resultado global para cada uma das opções, sacos de plástico ou sacos de papel. Do resultado global verifica-se serem os sacos de plástico 45% melhores do que os de papel (Ciambrone, 1997, cap. 2).

O impacte negativo que temos dos sacos de plástico resulta de os vermos espalhados um pouco por todo o lado, desde as matas às águas dos rios, nas ruas, etc. Uma atitude correcta de gestão por parte de todos nós, ao não os abandonarmos mas ao colocá-los em dispositivos próprios para serem recolhidos, evitaria isso. É que o resultado de uma LCA implica uma prática de boa gestão. Mas com os sacos de plástico o impacte é somente visual. Com resíduos industriais que são perigosos ou mesmo tóxicos facilmente compreenderemos que a necessidade da sua entrega e do seu tratamento, em vez do abandono irresponsável ou da colocação em lixeiras que não prestam qualquer tipo de segurança ambiental, é ainda muito mais premente para o bem-estar de todos nós.

TABELA 1.1

Comparação de atributos para sacos de plástico e sacos de papel

através de uma análise de ciclo de vida (LCA); dados de Ciambrone

(1997).

(ver documento original) Após o estabelecimento de objectivos e da limitação do campo de análise com o que se deve estudar e aquilo que não se inclui no estudo (as fronteiras da LCA), uma análise de ciclo de vida requer duas etapas principais, uma primeira de inventário e uma segunda de avaliação de impacte ambiental. No inventário procura-se a quantificação de todas as matérias-primas, combustíveis e emissões de poluentes gerados durante todo o ciclo de vida do bem produzido, bem como a energia gerada e aproveitada, esta última vista como um impacte evitado. Assim são construídas tabelas de impacte expressas em termos de substâncias com impacte ambiental como CO(índice 2), NO(índice x), SO(índice 2), CO, etc. Este é o resultado mais objectivo de uma LCA. A obtenção de tais dados no processo de produção e nos diferentes impactes ambientais em ciclos de vida complexos requer o trabalho de um elevado número de cientistas e técnicos, inúmeras análises químicas, mais ou menos delicadas, e deve ser realizada num período suficientemente longo (9 a 12 meses) para eliminar variações atípicas. Portanto este tipo de análise é moroso, cerca de um ano para uma LCA pormenorizada, e dispendioso.

Mas uma tabela de impactes entre dois produtos ou dois processos de gestão de resíduos não dá resposta imediata à questão: qual deles é o mais ecológico? Há que avaliar o impacte das diferentes emissões em relação ao efeito de estufa, à depleção da camada de ozono, aos metais pesados, às características eutróficas por acumulação excessiva de nutrientes no solo que favorecem um certo tipo de plantas (por exemplo, crescimento de algas) e causam uma perda de biodiversidade, à toxicidade, etc., por uma atribuição de pesos de efeito ambiental às diferentes substâncias (CO(índice 2), NO(índice x), SO(índice 2), CO, etc.) e aos diferentes tipos de efeitos. Por exemplo, o NO(índice x) é tóxico, tem carácter ácido e carácter eutrófico, pelo que lhe são atribuídos pesos em cada uma destas classes de efeitos ambientais.

Continuando a exemplificação, para o carácter ácido ao SO(índice 2) é atribuído o peso 1 e ao NO(índice x) o peso 0,7. Já a respeito da toxicidade em humanos os pesos correntemente atribuídos são para o SO(índice 2) o peso 1,2 e para NO(índice x) o peso 0,78. Há alguma subjectividade nestas atribuições, mas o seu carácter intersubjectivo vai evoluindo no sentido de se criarem consensos. Desta forma as substâncias poluentes são comparadas quantitativamente pelos seus efeitos ambientais e assim se alcançam respostas para as questões formuladas acima. Para uma leitura mais fácil, geralmente tais análises são normalizadas em relação a uma situação tomada como padrão de referência.

As análises LCA têm uma dependência geográfica. Por exemplo, se a electricidade utilizada numa dada produção, num certo país, é de origem hidroeléctrica, o seu impacte ambiental é menor do que o da mesma quantidade de energia gerada noutro país por via termoeléctrica clássica ou nuclear. Este tipo de análises também está dependente do progresso tecnológico. Igualmente tais análises dependem dos meios de transporte utilizados na entrega dos produtos, vias de transporte utilizadas, congestionamento de tráfegos, etc. Não obstante este tipo de limitações, a metodologia LCA está-se a revelar como um instrumento de gestão de grande utilidade na conquista do progresso tecnológico e como guia orientador para permitir uma escolha correcta entre várias opções de gestão de resíduos, dado permitir uma comparação integrada entre dois ou mais processos alternativos.

Geralmente as análises LCA favorecem a reciclagem em relação a outras alternativas de gestão de resíduos, devido ao impacte evitado em matérias-primas e outros recursos para a produção, bem como no evitar do respectivo impacte ambiental da produção e da destruição dos resíduos de quantidade equivalente à da matéria reciclada. Excepções verificam-se quando os impactes ambientais dos transporte requeridos para a recolha sejam muito elevados, como no caso de recolhas em meios populacionais dispersos; num país de grandes dimensões como a Austrália, uma recolha urbana pode representar cerca de 15 km por tonelada de produto, ao passo que em meio rural poderá ascender a percursos médios de 270 km por tonelada (RMIT, 1999), ou ainda quando as tecnologias de reciclagem disponíveis não tenham uma elevada performance, mormente com consumos de energia superiores ou comparáveis com os da manufactura do produto virgem. Os esforços para reciclagem devem ser fomentados quando os produtos tiverem mercados finais de alto valor acrescentado.

1.6 - O controlo industrial e as garantias do cumprimento de

procedimentos normalizados - normas ISO

Os problemas de controlo ambiental levantam frequentemente dúvidas sobre a possibilidade de garantir que determinados procedimentos são respeitados pelas empresas que tratam do processamento de resíduos. Numa actividade produtiva normal sabemos que o mercado exerce uma acção correctora sobre eventuais faltas de qualidade de qualquer produto. Se esse produto vai constituir matéria-prima para uma outra indústria, será esta que vai exercer uma acção de controlo, verificando se o produto corresponde às especificações desejadas. Se a produção se destina ao mercado final, o consumidor tem alguma possibilidade de avaliar, ainda que de forma indirecta, se os requisitos necessários para assegurar um determinado padrão de qualidade estão ou não a ser cumpridos.

Há, portanto, nestes dois casos um reflexo económico que premeia o cumprimento das especificações e que se traduz, nomeadamente, numa melhor qualidade ou fiabilidade para um determinado produto. Porém, quando a actividade de uma empresa está dedicada ao tratamento de resíduos, a questão que se levanta é a de saber quem poderá garantir que os procedimentos previstos estão efectivamente a ser cumpridos, o cliente final duma actividade de tratamento de RIP é toda a comunidade que, de uma forma ou de outra, vai pagar o custo desse tratamento. No entanto, da qualidade desse trabalho não há, de imediato, nenhum receptor que a possa controlar. O eventual incumprimento de determinadas regras poderá originar danos ambientais muitas vezes de difícil detecção. É que os mecanismos habituais de controlo que se aplicam a outras mercadorias, como a sua devolução, a perda de prestígio de uma marca ou a perda de clientes, não são claramente aplicáveis a este tipo de actividade.

No entanto, há um conjunto de possibilidades de controlo de um processo de tratamento de resíduos. A existência de organismos de controlo exterior, que procurem avaliar através de medições, por exemplo, os teores das emissões, não chega para garantir totalmente a qualidade do trabalho efectuado.

Exemplificando no caso do tratamento de RIP, os teores em dioxinas e furanos, resultantes do emprego de processos de destruição térmicos, só podem ser avaliados de forma esporádica, dados os elevados custos das respectivas análises químicas. A determinação dos teores dos metais pesados nos efluentes também não pode ser feita de forma contínua. Haverá, portanto, longos períodos de laboração em que apenas alguns parâmetros, relativamente à condução das operações de tratamento, estarão registados de forma contínua.

Se é certo que a existência desses registos poderá permitir indicar eventuais deficiências na condução do processo, a verdade é que só indirectamente daí se poderá inferir que possa ter havido uma transgressão em relação a normas previamente impostas.

Assim, o controlo de uma actividade deste tipo terá de ser baseado, antes do mais, na credibilidade da entidade que realiza o trabalho de destruição dos RIP. E a credibilidade dessa entidade pode ser baseada num processo de certificação a que a mesma tenha sido previamente sujeita. No processo de certificação vai ser exigido o cumprimento de um certo número de preceitos e verificados os meios e as competências necessárias para esse efeito, que se pormenorizará no capítulo 6 para as normas ISO (Internacional Standard Organization).

1.7 - Economia da gestão de resíduos: imposto ambiental

Um resíduo pode ser um material que se encontra sob uma forma ou num meio inadequados. Para o colocar novamente sob uma forma ou num meio adequado ao uso produtivo requer-se energia. Igualmente há um custo a pagar para os resíduos que se pretende eliminar de forma segura. Nos países desenvolvidos os custos com a gestão de resíduos situam-se ao nível dos 0,2%-0,5% do PIB, o que representa uma carga financeira significativa para qualquer país. Dada a carga envolvida, alguns países optaram por aplicar um tipo de «imposto ambiental» pago pelo produtor e ou utilizador de modo a assegurar previamente os custos com a gestão de resíduos de origem industrial e doméstica e a garantir as suas reciclagem, valorização ou eliminação de forma controlada e segura. Mas toda esta problemática justifica mais algumas considerações introdutórias.

A economia ambiental procura essencialmente internalizar as externalidades, que o sistema de mercado tende a ignorar. Não qualquer tipo de externalidade, mas somente as que produzem um impacte ambiental. A análise económica da gestão de resíduos oferece igualmente uma alternativa nas metodologias integradas para a gestão de resíduos (Integrated Waste Management, IWM). E, de um certo modo, complementa conceptualmente as metodologias LCA. Os estudos IWM recorrem a análises de custos/benefícios para diferentes opções de gestão de um dado tipo de resíduo.

Custos/benefícios medidos em termos de impacte de bem-estar social e de saúde pública.

Na hierarquia da gestão de resíduos figura em primeiro lugar a «redução de resíduos». Mas este princípio de gestão também tem os seus custos e perda de benefícios. Tomemos o exemplo das embalagens para alimentos. Nos países da OCDE o desperdício de alimentos entre a produção e o consumo ronda os 2%-5%. Na ex-União Soviética esta percentagem para os cereais era superior (20%-30%), por deficiente organização dos transportes, mas igualmente por uma embalagem sofrível. Pelas mesmas razões, valores da mesma grandeza se verificam no Brasil para o arroz (20%) e a farinha (25%) (Pearce e Brisson, 1995, pp. 131-152).

A análise IWM permite igualmente responder à questão: «Qual é o nível óptimo de um dado processo de gestão para um certo resíduo?». É aquele em que os custos sociais do processo de gestão do resíduo estão minimizados.

Consideremos a título exemplificativo uma competição entre a reciclagem e a deposição em aterro. Para uma pequena quantidade de resíduos a reciclagem traz mais benefícios, fruto da venda do reciclado, do que custos. Mas à medida que a quantidade aumenta, os custos também aumentam, devido às dificuldades de recolha e à menor qualidade do resíduo recolhido. O mercado situaria o nível de reciclagem (RM) quando os benefícios fossem máximos ou, de forma equivalente, o «custo social marginal» (custo de reciclar uma unidade extra; primeira derivada do custo social total) fosse nulo. Mas o que a economia ambiental procura minimizar é o «custo social total» para a gestão do resíduo. O que se vai minimizar é a função: custos de reciclagem + custos de colocação em aterro - lucro do produto reciclado. Um tal nível de reciclagem (RR) é superior ao do nível do mercado (RR>RM), pelo que terá de ser alcançado mediante a aplicação de uma política de taxas (por exemplo para o aterro) e ou de incentivos (para a reciclagem). Mas este tipo de análise também revela que uma reciclagem total não é desejável sob o ponto de vista ambiental.

Com efeito uma reciclagem a 100% raramente é uma boa solução em termos de gestão de resíduos (Gascoigne e Ogilvie, 1995, p. 96), pois implicaria elevados impactes ambientais, devido à necessidade de um alargamento dos circuitos de transportes para recolha de maiores quantidades de produtos que se encontram espalhados por uma área mais vasta, e igualmente devido às recolhas de material de menor qualidade cuja adequada descontaminação implicaria igualmente altos impactes ambientais em energia e efluentes líquidos e gasosos. Na prática, o melhor que se consegue é inferior a 70%, para os metais (v. figura 3.2, cap. 3).

Também a IWM não está isenta de dificuldades em atribuir custos a certos impactes ambientais, como o impacte visual ou a desvalorização por perda de amenidade do local, mas permite balizar com critérios económicos e ambientais o plano de hierarquia de gestão de resíduos apresentado anteriormente.

Os Governos dispõem de diversos «instrumentos económicos» para alcançarem as melhores opções de gestão de resíduos, sem recorrer à fixação de metas tais como a de x% de reciclagem. As metas fixadas sem recurso a análises IWM têm revelado bastante ineficiência em custo social.

Instrumentos de acção a jusante, como taxas, incentivos e subsídios já foram referidos. As taxas municipais para os lixos domésticos indexadas, por exemplo, ao consumo de água não são um instrumento incentivador da redução de lixo, porque o custo marginal de produzir mais lixo é nulo. Por isso, em alguns países recorre-se a outros instrumentos associados à quantidade de resíduos produzidos, tais como o pré-pagamento de sacos de lixo, uma taxa em função da frequência da recolha do lixo ou do seu peso. As municipalidades que recorreram a tais instrumentos alcançaram significativas margens de redução de resíduos domésticos/urbanos.

Em alguns casos os Governos optam por uma acção a montante, pela inclusão no preço de um produto do custo da sua valorização ou eliminação.

Isto requer bastante informação para a fixação de um custo realista, mas assegura previamente o pagamento dos custos com a gestão de resíduos de origem industrial e doméstica.

Os esquemas de depósito com devolução por entrega são aplicados a algum tipo de resíduos, como os de embalagens de bebidas. Este tipo de esquema é aconselhável quando os benefícios suplantam os custos. Poderá ser igualmente aconselhável para certo tipo de resíduos perigosos, pelo perigo que representam se forem misturados com outro tipo de resíduos. Por exemplo, poder-se-ia aplicar a baterias e óleos usados. Neste esquema a eficiência da entrega não parece depender muito do valor do depósito, mas do número de postos e condições disponíveis para uma entrega fácil e rápida.

Refira-se, a título exemplificativo, o esquema de taxas para reciclagem praticado na relação entre autarquias e a Sociedade Ponto Verde (SPV). Esta relação assenta na celebração de contratos ou acordos voluntários que estabelecem as obrigações recíprocas e os mecanismos de apoio financeiro e de garantia de retoma dos resíduos de embalagens recolhidos. Ao aderirem à SPV, as autarquias ou o agrupamento de autarquias beneficiam de um valor de contrapartida, pago pela Sociedade Ponto Verde, em função das quantidades de resíduos de embalagens recolhidos selectivamente e triados. Este valor destina-se a cobrir o custo acrescido que a recolha selectiva e a triagem representam para as autarquias, por oposição à recolha indiferenciada, deduzidos os custos evitados de deposição em aterro. O valor de contrapartida é único e estável para cada tipo de material (vidro, madeira, plástico, papel/cartão, aço, alumínio, outros materiais), o que significa que não está sujeito às oscilações de mercado verificadas para aqueles materiais. A tabela 1.2 concretiza alguns dos valores de contrapartida, por quilograma.

A SPV garante também às autarquias aderentes a retoma e a reciclagem da totalidade dos materiais recolhidos e triados, desde que os mesmos estejam em conformidade com as especificações técnicas definidas pela própria SPV.

Tabela 1.2

Valores de contrapartida pagos pela Sociedade Ponto Verde, por

quilograma de material

(ver documento original) A SPV assegura ainda o co-financiamento de campanhas de sensibilização das populações para a recolha selectiva. Pretende-se deste modo mobilizar as pessoas para a adopção dos procedimentos correctos de separação dos resíduos de embalagens e para a sua deposição nos equipamentos apropriados para esse fim disponibilizados por cada autarquia. Para se candidatarem a este financiamento, as autarquias aderentes ao sistema ponto verde apresentam planos de comunicação referentes a cada uma das campanhas que realizam ao longo do tempo.

As autarquias aderentes ao sistema ponto verde comprometem-se a proceder à recolha selectiva e à triagem dos resíduos de embalagens, de acordo com as especificações técnicas, na sua área de intervenção, e a entregar a totalidade daqueles resíduos à SPV por via dos retomadores acreditados.

Ficam também responsáveis pela realização de acções de sensibilização junto das populações para a importância que a pré-triagem doméstica tem na viabilização da reciclagem e, portanto, no sucesso de todo o sistema.

1.8 - Reacção pública a procedimentos da gestão de resíduos

A reacção pública a alguns dos processos de gestão é particularmente negativa, um pouco por todo o mundo desenvolvido, mais a respeito dos processos de queima do que para a deposição em aterro. Os estudos realizados revelam a existência de um conjunto complexo de factores que não podem ser interpretados somente em termos de uma reacção irracional de base NIMBY (not in my back yard; não no meu quintal) (Edulgie, 1995, pp.

68-69; Gascoigne e Ogilvie, 1995, pp. 91-113; RMIT, 1999, pontos 5, 87, 88;

SAEFL, 1998). Parte provém de reacções mais gerais como as de LULU (locally unacceptable land uses; utilizações inaceitáveis de terrenos do local) para auto-estradas, aeroportos, centrais de produção de energia, etc. Outras situam-se noutros planos:

i) Percepção de risco para a saúde e o ambiente;

ii) Falta de suficiente confiança nos organismos encarregados da monitorização, do controlo e da inspecção;

iii) Informação disponível insuficiente e uma mais consensual avaliação

dos riscos ambientais pelos peritos;

iv) Assunção de riscos sem contrapartidas;

v) Exclusão da população sobre a formação de decisões sobre a gestão de resíduos.

A CCI procurará neste relatório esclarecer melhor algumas das legítimas preocupações das populações e fazer recomendações que assegurem a prestação regular de informação ao público interessado e formas de acompanhamento que, de modo transparente para as populações, garantam um controlo eficaz para a operação de valorização e eliminação de resíduos por processos de queima que, quando operados por tecnologias BAT e com procedimentos de boa gestão, não oferecem riscos inaceitáveis para as populações locais.

2 - Resíduos industriais perigosos em Portugal

2.1 - Introdução

As directivas do Parlamento e do Conselho Europeus, no âmbito de uma política e uma gestão de ambiente e desenvolvimento sustentável, colocaram como objectivo nunca exceder cargas e níveis críticos de poluentes como NO(índice x), SO(índice 2), metais pesados e dioxinas, protegendo globalmente as populações contra os reconhecidos efeitos sobre a saúde resultantes da poluição atmosférica. Nesse sentido, foi proposto atingir até 2005 uma redução de 90% das emissões de dioxinas a partir de fontes identificadas (por comparação com valores de 1985) e uma redução de 70% das emissões de cádmio, mercúrio e chumbo, de todas as origens, em 1995 (Conselho de Ministros da UE, Fevereiro de 1993), os metais pesados e as dioxinas, como outros contaminantes do ecossistema, resultam sobretudo das actividades humanas e têm como uma das fontes significativas o tratamento de resíduos, nomeadamente os resíduos industriais perigosos.

Contudo, é a própria Comissão que reconhece ser a distinção entre resíduos perigosos e não perigosos uma definição baseada nas propriedades dos resíduos para incineração, e não uma classificação fundamentada nas diferenças de emissões (CCE, 1999). Esta especificação é fundamental, pois lembra que o conceito de perigosidade, eivado naturalmente de conotações capazes de desencadearem respostas emocionalmente desadequadas, deve ser preterido em favor de uma visão centrada na responsabilidade social pela generalidade da produção e do tratamento integrado dos resíduos.

Deve-se promover a aceitação de uma partilha de responsabilidades e de cuidado com os efeitos dos resíduos que ultrapasse os grupos humanos afinal só na aparência mais directamente implicados, pela proximidade com a produção ou o tratamento, pois toda a população está directamente implicada, o exemplo das dioxinas é a este nível paradigmático: a sua integração na cadeia alimentar faz com que a sua acção deletéria na saúde possa reflectir-se, de facto, em indivíduos que residam a centenas de quilómetros dos locais onde foram produzidas.

Estes factos não deixam de implicar a necessidade de antecipar os efeitos indesejáveis, com base nas melhores evidências disponíveis em cada momento, promovendo a redução da produção dos resíduos, incentivando a reciclagem e a reutilização, mas igualmente resolvendo os problemas que se colocam de forma inadiável pela constante produção e acumulação de resíduos para os quais não foi ainda definida uma solução. Essa resolução passa também pelos processos de incineração ou co-incineração, cujos efeitos têm de ser minimizados por atenção ao conjunto de actividades potencialmente associadas a risco humano e ambiental, como são o transporte, o tratamento e finalmente a combustão dos resíduos.

Em Portugal, como aliás nos países do Sul da Europa, não existem informações que nos permitam conhecer, de uma forma quantitativa pelo menos aceitavelmente aproximada, quais as fontes reais de produção e os teores de exposição humanos à generalidade desses contaminantes considerados fundamentais para a saúde humana e o equilíbrio do ecossistema.

Neste contexto de incerteza, que exige a tomada de medidas tendentes a colmatar com urgência essa lacuna de conhecimento, indispensáveis para de forma séria avaliar o impacte de qualquer atitude tomada ou a tomar em matéria ambiental, a fundamentação de uma escolha sobre o tratamento de resíduos industriais perigosos, particularmente a implementação de processos de incineração ou co-incineração, obriga a fazer um exercício inicial que nos dê, repete-se, dentro de inevitáveis limites imprecisos de confiança, uma aproximação à dimensão material do problema em duas vertentes:

i) O que se pode esperar dos processos de tratamento de resíduos como impacte no ambiente, medido por intermédio do possível acréscimo de emissões, de que as dioxinas são um exemplo relevante;

ii) Que quantidade e tipos de resíduos são produzidos em Portugal, particularmente entre os resíduos industriais ditos perigosos. Esse quantitativo, bem como as suas características, determinam as opções nacionais mais eficientes em termos ambientais, sanitários e económicos, entre as escolhas tecnicamente disponíveis.

2.2 - Emissões de dioxinas. Impacte possível dos processos de

incineração ou co-incineração

As policlorodibenzo-para-dioxinas, que constituem uma família de compostos mais genericamente designados como dioxinas, têm sido descritas como os compostos químicos mais tóxicos produzidos pelo homem, caracterizando-se pela sua natureza sintética, a sua afinidade pelos lipídeos e a persistência no ambiente e nos tecidos, onde se acumulam e concentram.

As dioxinas são formadas, como subprodutos, por vezes em combinação com policlorodibenzofuranos, em reacções químicas de produção de clorofenois e na produção de herbicidas, e têm sidos detectadas como contaminantes nestes produtos, mas resultam sobretudo de processos de combustão, como na incineração de resíduos, e ainda no processamento de metais e no branqueamento da pasta de papel com cloro livre. As quantidades relativas dos congéneres de dioxinas e de furanos dependem do processo de produção ou de incineração e podem variar largamente.

As dioxinas são ubíquas no solo, nos sedimentos e na atmosfera. Excluindo as exposições ocupacionais ou acidentais, a maior parte da exposição humana resulta da alimentação, designadamente através de carne, leite, ovos, peixe e produtos derivados, uma vez que persistem no ambiente e acumulam-se na gordura animal. A exposição ocupacional a níveis mais elevados de dioxinas ocorre desde a década de 1940, como resultado da produção e do uso de clorofenois e de herbicidas. Ocorreram esporadicamente exposições ainda mais elevadas, como resultado de acidentes nestas indústrias, estando descritos pelo menos 22 desses acidentes, que se constituíram numa fonte fundamental de informação para o conhecimento dos riscos associados à exposição a dioxinas (Quab e Fermann, 1997).

Na prática, as dioxinas ocorrem como misturas de diferentes substâncias congéneres, dificultando a sua identificação individual e a avaliação do risco por exposição. Existem 75 dioxinas e 135 furanos, mas só 17 com cloro nas posições 2, 3, 7 e 8 têm sido avaliadas pelos seus efeitos tóxicos. Com a finalidade de agregar os possíveis efeitos dessas misturas de congéneres, desenvolveram-se vários sistemas de factores de equivalência de toxicidade (TEF), que expressam a toxicidade dos diversos congéneres em relação à da 2, 3, 7, 8-tetraclorodibenzo-p-dioxina (TCDD; TEF = 1). Por multiplicação da concentração de cada congénere pelo correspondente valor TEF obtêm-se os equivalentes de TCDD (TEQ). O somatório de todos os TEQ resulta num TEQ total que descreve cada amostra particular.

Diferentes agências internacionais desenvolveram os chamados TEF para a avaliação do risco associado às misturas complexas de dioxinas e furanos, com base em valores de toxicidade aguda, derivados de estudos in vivo e in vitro. Esta aproximação resultou da evidência de mecanismos comuns de acção para estes compostos, mediados por receptores, Ah. Contudo, a aproximação centrada nos TEF, se é um instrumento administrativo útil, resulta em simplificação limitadora. Saliente-se também que os TEF resultam do estado actual de conhecimentos e devem ser revistos à medida que se acumula informação nova.

Actualmente, os TEF mais aplicados são os estabelecidos pelo Working Group NATO/CCMS como TEF internacionais (I-TEF). Em 1997 a Organização Mundial de Saúde reavaliou os I-TEFs, decidindo incluir os policlorobifenis com substitutos não-orto e mono-orto (Kutz et al., 1990; NATO/CCMS, 1988; Van Leeuwen e Younes, 1998).

Os níveis médios basais de 2, 3, 7, 8-TCDD observados actualmente em tecidos humanos variam entre 2 e 3 ng/kg de gordura. Os dados disponíveis sugerem que estes níveis decresceram, segundo um factor de 3 a 5, desde os finais da década de 1970, quando o desenvolvimento de metodologia envolvendo cromatografia gasosa e espectrometria de massa permitiu pela primeira vez a medição válida de níveis extremamente baixos de dioxinas no ambiente e nos tecidos. De um modo semelhante, desde o meio da década de 1980, os níveis teciduais médios totais na população em geral diminuíram duas a três vezes (Comissão Europeia, 1999).

Há que prestar atenção às comparações de quantidades absolutas e concentrações de dioxinas, pois continuam em uso diferentes formas de as exprimir para diferentes finalidades. As quantidades no organismo são por vezes descritas como ng/kg de peso corporal, mas mais frequentemente como pg/g de gordura. Tanto pesos absolutos como TEQ podem ser expressos por kg de peso corporal como g de gordura e na América usam-se ainda unidades não padrão como ppm.

Embora não seja possível fornecer um valor seguro para as emissões anuais globais de dioxinas em Portugal, assumindo valores publicados a partir de múltiplas análises realizadas em diferentes países europeus, pode-se prever que em Portugal estaremos perante uma produção anual de cerca de 130 g I-TEQ (v. figura 2.1). Este valor pode ser comparado com os totais previstos, por exemplo, para a Holanda - 484 g ou para o Reino Unido - 560 g, embora nestes países as estimativas efectuadas se baseassem em dados mais sólidos, pois resultaram de múltiplas medições locais (Quab e Fermann, 1997). Os valores apresentados na figura 2.1 resultaram de uma transposição para a realidade portuguesa, em função de estatísticas de produção existentes (por exemplo, a produção anual de cimento ou o número de cigarros consumidos) de factores de emissão médios avaliados em diferentes países europeus, seguindo os valores propostos para o nosso país no âmbito do European Dioxin Inventory e recalculando alguns de acordo com dados mais válidos para a nossa realidade.

O quantitativo estimado para Portugal, a título meramente indicativo, obteve-se tendo em conta as fontes suspeitas de contribuírem para a produção de dioxinas. Nesse total, pode-se estimar que a incineração de resíduos industriais perigosos poderá representar cerca de 0,2%. Deve contudo atender-se, neste tipo de cálculos, a que a combustão controlada dos resíduos, a temperaturas adequadas e com controlo de emissões, deverá na prática resultar numa redução global da emissão de dioxinas, pois evita as que previsivelmente estão a ser produzidas em resultado de processos ilegítimos de manipulação de resíduos cuja existência se supõe mas para os quais é impossível propor um quantitativo.

Deste exercício de cálculo resulta reforçada, uma vez mais, a necessidade de proceder a análises objectivas no ambiente, em espécies animais, nos alimentos, no sangue e no leite humanos. A aproximação convencional no estabelecimento de padrões de qualidade ambiental baseia-se na relação entre níveis de poluentes nas águas e efeitos observáveis em espécies-alvo. Esta estratégia foi também usada para as dioxinas em muitos países mas já não é reconhecida como adequada, pois as dioxinas têm baixa solubilidade e alta afinidade para adsorsão à matéria orgânica. Só com mensurações noutros sistemas (sedimentos) e usando diferentes métodos será possível dispor de informação para objectivar tendências temporais e conhecer as consequências da libertação (input) de dioxinas para o ambiente e para a cadeia alimentar. Do mesmo modo, não é aceitável, sem essas informações, ultrapassar a controvérsia entre os que defendem padrões de exposição mais restritivos para a protecção dos ecossistemas naturais do que os exigidos para proteger as populações humanas.

(ver documento original) Figura 2.1 - Estimativa anual da emissão de dioxinas em Portugal, baseada nas informações do Inventário Europeu das Dioxinas (Quab e Fermann, 1997);

vide anexo 1, tabela A.7

2.3 - Estimativa dos quantitativos de resíduos industriais perigosos

produzidos em Portugal

Um problema fundamental para a avaliação e o controlo do impacte dos resíduos industriais perigosos, bem como para uma correcta perspectivação das escolhas disponíveis para o seu tratamento, em Portugal, é o conhecimento o mais aproximado possível da quantidade e da natureza dos resíduos produzidos pela nossa indústria. Com essa finalidade foi efectuada uma análise de quatro fontes de informação que quantificaram os resíduos perigosos produzidos em Portugal nos últimos anos partindo de diferentes metodologias.

Um inventário realizado pela TECNINVEST refere a produção de 123 915 t de resíduos perigosos em 1996 (TECNINVEST, 1997). Um relatório efectuado pela SCORECO indica uma produção de 108 000 t de resíduos perigosos e não perigosos, por ano (SCORECO, 1999).

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), ainda não publicados em toda a sua extensão, e resultantes dos únicos inquéritos com carácter oficial, referentes aos anos de 1995 e 1997, estimaram a produção de resíduos industriais perigosos num total de 668 062 t e 595 156 t, respectivamente.

O Plano Estratégico de Gestão de Resíduos Industriais - PESGRI (Diário da República, 1999) apresenta informação relativa aos resíduos produzidos em 1998, tendo como fonte a direcção regional do ambiente (DRA), sendo quantificadas 262 875 t de resíduos perigosos.

Tendo sido observadas diferenças claras entre os quantitativos de resíduos indicados por cada uma das fontes de informação, procedeu-se à sua comparação no sentido de expor diferenças de objectivos, âmbito de amostragem e metodologia que justifiquem a discrepância observada.

Deste modo, serão evidenciados os processos utilizados para a classificação de resíduos, o período a que se referem os inventários e os métodos de recolha e tratamento da informação.

2.3.1 - Classificação de resíduos perigosos

Nos diferentes inventários os resíduos foram classificados como perigosos ou não perigosos com base na classificação expressa no Catálogo Europeu de Resíduos (CER, Portaria 818/97, de 5 de Setembro).

O inventário apresentado pela TECNINVEST utiliza também a classificação em vigor em 1993. Os quantitativos de resíduos perigosos produzidos no ano de 1996 são de 2 463 494 t, segundo a classificação de 1993, e de 123 915 t segundo a classificação expressa no CER. Pode verificar-se que a classificação dos resíduos com base no CER vem reduzir substancialmente os quantitativos de resíduos perigosos para cerca de 20 vezes menos.

No entanto, deve ser sublinhado que a eventual existência, nalguns dos resíduos não incluídos no CER, das características de perigosidade referidas no anexo III da Directiva n.º 91/689/CEE, que só poderiam ser confirmadas por análise desses resíduos, poderia reaproximar ligeiramente os quantitativos determinados segundo a CER. Como referido no inventário, esta mesma é a tendência manifestada pelas propostas de revisão da Lista de Resíduos Perigosos, apresentadas pelos países membros - Dinamarca, Bélgica, França e Alemanha, com particular relevo para a proposta apresentada pela França, que introduz subdivisões de perigosidade para determinados códigos CER, actualmente não perigosos, mas onde se reconhece que existem condições de «parcial» perigosidade. De um modo geral, essas subdivisões abrangem lamas de tratamento de águas residuais e outros resíduos, tais como embalagens contaminadas e catalisadores usados, os quais não foram incluídos nos quantitativos, de acordo com o CER.

O relatório apresentado pela SCORECO quantifica os resíduos que esta empresa se disponibiliza para tratar, incluindo também resíduos que são considerados não perigosos segundo o CER. As diferenças observadas entre os quantitativos apresentados pela SCORECO e os referidos pela TECNINVEST parecem ser justificadas essencialmente por diferenças de objectivos dos respectivos relatórios.

Embora o INE classifique os resíduos quanto à sua perigosidade com base na classificação expressa no CER, os quantitativos são cerca de cinco vezes superiores aos indicados pela TECNINVEST.

O INE refere algumas dificuldades relacionadas com a classificação dos resíduos baseada na nomenclatura do CER:

Algumas empresas estavam menos atentas a alguns dos textos legais que recentemente passaram a reger a problemática dos resíduos industriais, pelo que surgiram algumas dificuldades em particular na aplicação da nomenclatura CER;

O CER segue uma lógica de identificação dos resíduos por actividade económica, e não por natureza do resíduo. Todavia, houve situações em que a sua aplicação se revelou não linear:

Exemplo (1): os resíduos de óleos de maquinismos e equipamentos foram classificados no grupo 13 relativo aos óleos, independentemente da actividade económica de origem;

Exemplo (2): para as empresas de impressão e edição foram aceites resíduos classificados no grupo 09, uma vez que a natureza dos resíduos os definia como mais próximos de algumas das classificações contempladas no âmbito da indústria fotográfica;

Algumas empresas, não conseguindo integrar-se em nenhuma das classificações existentes, seguiram o princípio da natureza do resíduo, optando pela classificação mais próxima;

Verificou-se alguma dificuldade em classificar os resíduos de embalagens de vidro, uma vez que no grupo das embalagens não há nenhum código relativo a este resíduo. A opção foi classificar este tipo de resíduo no grupo 20 da CER, embora ele seja mais adequado para classificar especificamente os resíduos de origem doméstica recolhidos pelos serviços municipais ou equivalentes;

O facto de as empresas utilizarem unidades de medida diferentes (m3 ou toneladas) para especificação de um mesmo tipo de resíduo levantou algumas dificuldades na quantificação. Daí ter sido solicitado às empresas um esforço suplementar por forma a especificarem um factor que permitisse converter em toneladas todos os resíduos que foram mencionados em metros cúbicos.

O INE constatou a existência de dois critérios para a classificação dos resíduos ao nível do CER, sendo premente a elaboração de um conjunto de regras que antecipem e permitam orientar a classificação dos resíduos de modo concertado e uniforme, estabelecendo um padrão para a especificação dos resíduos sector a sector. Para 1997, com base na experiência de 1995, foi elaborada uma lista que associava aos vários sectores económicos os resíduos mais comuns e que seriam de esperar resultar deles, e que, além de identificar os sectores económicos que possuem grupos de resíduos específicos, informava como deveriam ser assinaladas algumas situações de excepção.

A classificação diferencial dos resíduos pela TECNINVEST e pelo INE poderá ser responsável por divergências nos quantitativos de cada tipo de resíduo.

Contudo, não justifica as diferenças observadas nos quantitativos globais de resíduos perigosos.

2.3.2 - Método de recolha de informação

Existem diferenças nos métodos de recolha de informação utilizados nos relatórios comparados. Os processos utilizados para a recolha dos dados apresentados no PESGRI e pela TECNINVEST apresentam semelhanças, mas diferem substancialmente da metodologia utilizada pela SCORECO.

Os processos de recolha e tratamento de informação utilizados pela SCORECO e pela TECNINVEST apresentam semelhanças, mas diferem substancialmente da metodologia utilizada pelo INE. O INE não se limita a apresentar os quantitativos de resíduos declarados, estimando a produção de resíduos no País.

A TECNINVEST efectuou uma recolha directa de informação junto dos maiores produtores, apesar de não referir quantos, tendo ainda realizado correcções nos sectores industriais de menor significado, com base nos actuais níveis de produção, através das estatísticas de produção mais recentes (Índices de Produção Industrial, Banco de Portugal, relatório anual de 1995). A informação obtida junto dos maiores produtores foi também complementada com a dos mapas de registo de resíduos dos estabelecimentos industriais (Instituto dos Resíduos) e com contactos directos com os responsáveis pelos principais sistemas de gestão de resíduos, em funcionamento ou a implementar a curto prazo (SCORECO, Autovila, Quimitécnica, ECTRI, ETAR, Instituto da Água, DRARN - Norte).

A SCORECO, através dos seus serviços comerciais, recolheu informação junto de cerca de 800 industriais. Os quantitativos de óleos usados foram estimados com base em dados estatísticos europeus de produção e consumo de óleos minerais. A quantidade de embalagens contaminadas resulta de inquéritos sobre os modos de acondicionamento mais usados pelos industriais, bem como sobre estatísticas de vendas de produtos químicos e afins na Europa (são os únicos números da SCORECO que não correspondem a um recenseamento minucioso dos produtores, antes se apoiam na aplicação de índices de actividade e parâmetros económicos). As quantidades anunciadas pela SCORECO correspondem ao conhecimento que a SCORECO obteve da produção de resíduos industriais perigosos e não perigosos à data de redacção do relatório.

Quer a SCORECO quer a TECNINVEST incluíram nos seus relatórios os quantitativos de resíduos que irão resultar dos principais projectos em curso ou a implementar a curto prazo.

Os dados fornecidos pelo INE resultaram da observação de cerca de 4500 empresas, representativas de mais de 80% do volume de negócios gerado nas actividades económicas consideradas no âmbito do inquérito. A base de amostragem considerou todas as empresas classificadas nas secções C, D, E e F da CAE Ver. 2 com 30 e ou mais pessoas ao serviço. Em 1995 foram observadas 4673 empresas (taxa de resposta 96%) e em 1997 foram observadas 4502 empresas (taxa de resposta 93%). A recolha de dados fez-se numa primeira fase por via postal; quando as diligências por esta via se revelaram esgotadas, recorreu-se a entrevistadores para recolha directa da informação junto das empresas. Como metodologia de tratamento de não-respostas, foi adoptado um processo equivalente a imputar às não-respostas a média dos resultados obtidos nas respostas do estrato a que pertencem. Deste modo, o INE não se limita a apresentar os quantitativos de resíduos declarados, estimando a produção de resíduos no País. Às estimativas calculadas pelo INE estão associados erros de dimensão variável em função do tipo de resíduos gerados, do sector de actividade de que provêm e das opções de gestão para cada tipo de resíduo. Adicionalmente, o INE forneceu a esta Comissão dados não publicados, alguns dos quais referentes apenas aos quantitativos declarados pelas empresas contactadas, sem que tivesse sido a partir deles estimada a produção nacional dos resíduos em causa.

Os quantitativos de resíduos perigosos apresentados no PESGRI baseiam-se nos mapas de resíduos que cada produtor de resíduos industriais deve preencher e remeter anualmente à DRA, identificando os resíduos de acordo com o CER (Portaria 792/98, de 22 de Setembro). Esta informação foi extraída de 3061 mapas de empresas, correspondentes a 11 599 mapas de registo de resíduos. Segundo o PESGRI, relativamente ao ano de 1998 notou-se um aumento significativo do preenchimento de mapas de registo de resíduos industriais face aos anos anteriores, facto a que não serão alheias as campanhas de sensibilização efectuadas.

Nos dados apresentados no PESGRI o número de empresas declarantes encontra-se ainda longe do universo dos estabelecimentos existentes, tratando-se apenas de 1,3% do total, o que se poderá dever não só a desconhecimento da legislação ou falta de consciencialização, mas também à escassez de infra-estruturas de tratamento de resíduos, uma vez que, ao não poderem indicar um destino adequado para os mesmos, muitos industriais poderão optar por não declarar a sua produção. Apesar destas limitações, constata-se que a grande maioria dos registos diz respeito a empresas com maior dimensão. Este facto permite concluir que os quantitativos declarados representem uma parte muito importante dos resíduos produzidos no País, nomeadamente no capítulo dos resíduos perigosos, em que constituirão a sua esmagadora maioria. Sendo verdade que os valores recolhidos não constituem mais de uma amostra em termos de análise económica global, neste contexto específico no PESGRI é considerado que, mormente para os resíduos perigosos, esta mesma amostra se constitui praticamente no universo das empresas que produzem estes resíduos.

As quantidades de resíduos anunciadas em qualquer dos relatórios analisados não tomam em consideração as necessidades de solucionar o destino para os resíduos já armazenados nas instalações dos produtores, efeito que se virá a produzir necessariamente logo que esteja operacional uma solução economicamente aceitável pelos industriais.

Segundo a SCORECO, os industriais demonstraram bastante abertura ao inventariar as suas produções anuais; contudo, mantiveram-se relativamente fechados sobre as quantidades de resíduos armazenados.

Os relatórios efectuados pela TECNINVEST e pela SCORECO limitam-se a quantificar os resíduos perigosos gerados por um número limitado de empresas enquanto a metodologia utilizada pelo INE consiste na quantificação dos resíduos produzidos numa amostra de cerca de 4500 indústrias e estimação dos quantitativos de resíduos produzidos em Portugal. Às estimativas calculadas pelo INE estão associados erros de dimensão variável em função do tipo de resíduos gerados, do sector de actividade de que provêm e das opções de gestão para cada tipo de resíduo.

Quer a SCORECO quer a TECNINVEST incluíram nos seus relatórios os quantitativos de resíduos que irão resultar dos principais projectos em curso ou a implementar a curto prazo. Os resultados apresentados pelo INE não quantificam estes resíduos.

A necessidade de resolver o problema dos resíduos já armazenados nas instalações dos produtores, logo que esteja operacional uma solução economicamente aceitável pelos industriais, poderá ter uma influência significativa nas opções de gestão. Contudo, os relatórios analisados não quantificam os resíduos que se encontram nesta situação.

2.3.3 - Quantitativos dos resíduos perigosos

A comparação dos quantitativos dos resíduos perigosos apresentados pelos relatórios da TECNINVEST e da SCORECO e pelos dados disponibilizados pelo PESGRI e pelo INE pode ser efectuada através da análise dos quantitativos globais de resíduos perigosos e dos quantitativos por tipo de resíduos, por sector de actividade ou por região.

Análise dos quantitativos globais

Os dados apresentados pela TECNINVEST, tal como os apresentados pela SCORECO, referem-se à produção anual em 1996, apesar de esta informação não ser explícita, sendo os quantitativos 123 915 t e 108 000 t, respectivamente. O INE apresenta estimativas referentes aos anos de 1995 e 1997, com os valores de 668 062 t e 595 156 t respectivamente, correspondendo para esses anos a aproximadamente 2,2% do total de resíduos industriais. Os dados apresentados no PESGRI referem-se a resíduos produzidos no ano de 1998, sendo contabilizadas 262 875 t de resíduos industriais perigosos, ou seja, 1,3% do total.

Análise por tipo de resíduos

O relatório da TECNINVEST apresenta os quantitativos de cada tipo de resíduo perigoso, segundo o CER, e agrupa-os sob a designação utilizada pela classificação de resíduos em vigor antes de 1993 Os valores apresentados pela SCORECO, apesar de se referirem a resíduos perigosos classificados segundo o CER, são comparados com base no agrupamento efectuado sob a designação utilizada antes de 1993.

Os dados disponibilizados pelo INE apenas diferenciam resíduos perigosos de resíduos não perigosos (com base na classificação expressa no CER).

Quanto aos quantitativos segundo os códigos do CER, apenas se referem aos dois primeiros dígitos da classificação, não permitindo uma comparação directa com os valores apresentados pela TECNINVEST e pela SCORECO.

O INE poderá fornecer os quantitativos de resíduos perigosos por cada tipo de resíduo (seis dígitos segundo o CER), mas os erros associados a cada uma das estimativas serão muito elevados devido à grande diversidade de resíduos produzidos.

De seguida são comparados os quantitativos apresentados pela TECNINVEST, pela SCORECO e pelo PESGRI, tendo como base o agrupamento segundo as designações da classificação anterior a 1993, apesar de terem sido classificados com base no CER.

Orgânicos halogenados

A TECNINVEST refere a produção de 2000 t de solventes orgânicos halogenados no ano de 1996, enquanto a SCORECO apenas quantificou 1500 t.

Segundo a SCORECO, a diferença de 500 t relativamente ao estudo TECNINVEST deve corresponder a pequenos produtores não inquiridos. O PESGRI apresenta o valor de 2075 t de orgânicos halogenados.

Solventes orgânicos não halogenados

A TECNINVEST fornece um valor de 4000 t, enquanto a SCORECO se refere a 17 500 t de solventes orgânicos não halogenados. Contudo, os valores apresentados pela SCORECO tomam em conta resíduos não quantificados pela TECNINVEST, nomeadamente cerca de 10 000 t actualmente incineradas por um grande industrial que, devido à transcrição para o direito nacional da directiva europeia relativa à incineração de resíduos perigosos, deverá renovar o seu equipamento ou contratar a eliminação desses solventes no exterior, e 6000 t de solventes valorizáveis energicamente, gerados por uma empresa de química fina, dois fornecedores de solventes com serviço de retoma e uma empresa do ramo automóvel. O PESGRI quantificou 12 760 t de solventes não halogenados.

Óleos usados

O inventário efectuado pela SCORECO contabiliza apenas os óleos industriais com teor em cloro compreendido entre 0,5% e 1,5%, inadequados para operações de desmetalização que tenham como objectivo a queima em caldeiras não equipadas com um sistema de lavagem de gases, num total de 6000 t. A TECNINVEST não efectuou esta distinção, tendo contabilizado 39 219 t.

Apesar de não ter sido efectuado este tipo de agrupamento pelo INE, é possível estabelecer uma comparação entre os resíduos incluídos neste grupo pelo facto de todos eles se incluírem no código 13 do CER. Os quantitativos apresentados pelo INE são de 207 312 t no ano de 1997.

Lamas orgânicas

A TECNINVEST contabilizou a produção de 11 800 t de lamas orgânicas, enquanto a SCORECO incluiu no seu inventário 36 000 t, referentes à totalidade das lamas orgânicas classificadas como resíduos perigosos pela TECNINVEST, assim como 15 000 t de uma produção até agora tratada internamente mas que vai deixar de o poder ser por alterações de matérias-primas (estas 15 000 t são mais subprodutos industriais do que resíduos perigosos, mas apresentam um alto valor energético que justifica a sua integração no processo SCORECO); também são incluídas lamas orgânicas de estações de tratamento de efluentes industriais aquosos não considerados como perigosos pela CER.

Soluções aquosas

A TECNINVEST incluiu no seu inventário 3150 t de soluções aquosas, enquanto a SCORECO fornece um valor de 7000 t, justificando as diferenças observadas pelo facto de incluir neste inventário:

Cerca de 1200 t da produção efluente de base aquosa de uma indústria química que actualmente exporta para eliminação numa cimenteira francesa;

Cerca de 1000 t de óleos de corte e 600 t de águas de cabinas de pintura, gerados pela indústria de construção mecânica.

Sólidos orgânicos

A TECNINVEST contabilizou 557 t de resíduos sólidos orgânicos. A SCORECO refere a produção de 8000 t, quantidades essencialmente geradas por instalações de produção térmica de electricidade (cerca de 7000 t/ano) e cerca de 1000 t de sólidos orgânicos perigosos e não perigosos constituídos por lamas de pintura secas e falhas de fabrico de resinas industriais polimerisadas. Os dados apresentados pelo PESGRI referem 20 460 t de lamas e sólidos orgânicos produzidos em 1998 e sem destino de gestão adequado.

Sólidos e lamas inorgânicos

No inventário da TECNINVEST são contabilizadas 10 047 t de lamas inorgânicas e 40 524 t de sólidos inorgânicos, enquanto o inventário efectuado pela SCORECO inclui nesta rubrica somente os produtos passíveis de valorização no processo cimenteiro, ou seja, sólidos e lamas de base mineral contendo: calcário; sílica; óxido de ferro; alumina, num total de 25 000 t.

Admite-se que cerca de 80% destes resíduos sejam classificáveis como «não perigosos» (não figuram nas estimativas da TECNINVEST). Os restantes 20% apresentarão uma ou mais características que lhes atribuem o carácter «perigoso». O PESGRI quantificou a produção de 9711 t de lamas e sólidos inorgânicos em 1998.

Ácidos e bases

A TECNINVEST refere a produção de 4107 t em 1996 e o PESGRI quantificou 1305 t de ácidos/bases em 1998.

Soluções com metais pesados

Em 1996 foram produzidas 6448 t de soluções com metais pesados e em 1998 produziram-se 1273 t de soluções com metais pesados sem que houvesse uma solução adequada de gestão para estes resíduos.

Soluções com cianetos

A TECNINVEST apresenta um valor de 2118 t relativo a 1996 e o PESGRI refere a produção de 2638 t em 1998.

Embalagens contaminadas

Apenas a SCORECO contabilizou este tipo de resíduos, num total de 5000 t.

2.3.4 - Análise por sectores de actividade

No relatório da TECNINVEST e nas estimativas do INE existe informação acerca dos quantitativos de resíduos perigosos produzidos por sector de actividade. Contudo, os sectores considerados nem sempre são directamente comparáveis, sendo possível comparar apenas uma parte da informação disponível.

A TECNINVEST apresenta os quantitativos de resíduos agrupando os diversos sectores de actividade em três classes:

Indústria transformadora (45 844 t; 37%);

Produção de electricidade (6196 t; 5%);

Comércio e serviços (71 871 t; 58%).

A TECNINVEST não quantifica resíduos perigosos produzidos pela indústria extractiva nem pelo sector da construção.

Os dados fornecidos pelo INE e pelo PESGRI permitem o agrupamento dos diferentes sectores de actividade em indústrias extractivas, indústrias transformadoras, produção e distribuição de electricidade, de gás e de água, e construção, calculando a produção de resíduos de acordo com essas proveniências (tabela 2.1).

TABELA 2.1

Produção de resíduos por actividade económica de acordo com os

dados obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e pela direcção

regional do ambiente (PESGRI)

(ver documento original) O INE e o PESGRI não apresentam quantitativos de resíduos perigosos gerados pelo sector de comércio e serviços.

Indústria extractiva, sector têxtil e sector dos curtumes

No relatório efectuado pela TECNINVEST é afirmado que a indústria extractiva, o sector têxtil e o sector dos curtumes não originam resíduos que sejam actualmente considerados perigosos. Contudo, os dados fornecidos pelo INE estimam uma produção de 18 213 t, 85 620 t e 226 t, respectivamente.

Indústrias de pasta, de papel e cartão e seus artigos, edição e impressão

O relatório da TECNINVEST refere que o sector de pasta e papel é responsável pela produção de quantidades significativas de resíduos, classificados como não perigosos de acordo com o código CER. Apenas os óleos usados são considerados resíduos perigosos.

No que diz respeito às artes gráficas, a TECNINVEST considera este sector pouco representativo em termos de quantitativos de resíduos, com uma produção de 599 t.

O INE apresenta uma estimativa de 32 099 t relativamente ao ano de 1997.

Refinarias de petróleo

A TECNINVEST atribui às refinarias de petróleo a produção de 4210 t de resíduos perigosos, enquanto o INE estima que a fabricação de coque, produtos petrolíferos refinados e combustível nuclear produziu 2735 t de resíduos perigosos em 1997.

Produção de electricidade

A TECNINVEST contabilizou 6200 t de resíduos perigosos gerados pela produção de electricidade. O INE atribui à produção e distribuição de electricidade, de gás e de água uma produção de 8536 t de resíduos perigosos.

Comércio e serviços

O relatório da TECNINVEST inclui os resíduos perigosos produzidos pelo sector do comércio e serviços, num total de 72 125 t, das quais 36 487 t são constituídas por óleos usados. O INE não faz referência a este sector de actividades.

Agrupamento dos sectores de actividade

A TECNINVEST apresenta os quantitativos de resíduos agrupando os diversos sectores de actividade em três classes:

Indústria transformadora;

Produção de electricidade;

Comércio e serviços.

Os dados fornecidos pelo INE permitem o agrupamento dos diferentes sectores de actividade em:

Indústrias extractivas;

Indústrias transformadoras;

Produção e distribuição de electricidade, de gás e de água;

Construção.

Pode-se verificar que a TECNINVEST não quantifica os resíduos perigosos produzidos pela indústria extractiva nem pelo sector da construção. O INE não apresenta quantitativos de resíduos perigosos gerados pelo sector do comércio e serviços. Apesar de muito superiores aos apresentados pela TECNINVEST ou pelo PESGRI, os quantitativos de resíduos perigosos estimados pelo INE, ao não incluírem os resíduos gerados pelo sector do comércio e serviços (58% do total de resíduos quantificados pela TECNINVEST), podem constituir uma subestimativa dos resíduos perigosos produzidos em Portugal.

2.3.5 - Gestão dos resíduos perigosos

No que diz respeito à gestão dos resíduos perigosos, os dados comparados diferem quanto à terminologia utilizada para a sua descrição.

O relatório efectuado pela TECNINVEST descreve, por sector de actividade, os destinos dos diferentes resíduos produzidos, não incluindo os resíduos que são reutilizados/reciclados nas próprias instalações produtoras. Considerou-se que os sectores de indústria extractiva, pasta e papel, têxtil (bacia do Ave), curtumes (região de Alcanena) e produção de electricidade tinham, em prática ou previstas, soluções de gestão autónomas, tendo sido quantificados, sectorialmente, os resíduos sem destino assegurado.

Não foram incluídos os óleos usados e outras soluções aquosas (óleos de corte), já que existem várias entidades licenciadas pela DGE para efectuar a sua recolha, considerando-se que existe implementada uma solução de gestão para este tipo de resíduo.

Foram incluídos os quantitativos de resíduos que são actualmente exportados, bem como os que são armazenados temporariamente nas próprias unidades produtoras ou em instalações licenciadas para o efeito, bem como as areias de fundição contaminadas, de que uma pequena parte é enviada para as cimenteiras, e ainda os resíduos do complexo industrial de Sines, os quais são actualmente depositados em bacias de lamas e de sólidos industriais (não impermeabilizadas), cuja exploração é da responsabilidade do Instituto da Água.

Após identificação e quantificação dos resíduos industriais que não tinham destino assegurado, o relatório efectuado pela TECNINVEST, define as formas de tratamento/destino final mais adequadas às diferentes categorias de resíduos. A TECNINVEST contabilizou 75 588 t de resíduos sem soluções actuais de gestão.

Assim, embora dependendo das características de inflamabilidade dos resíduos, a TECNINVEST considera necessário o tratamento térmico de 13 000 t e 16 000 t de resíduos por ano, o tratamento físico-químico de 13 000 t/ano e a deposição em aterro de cerca de 45 000 t/ano.

O INE fornece estimativas dos quantitativos de resíduos perigosos em função das operações de eliminação/valorização a que foram sujeitos em 1997, por subsecção de actividade económica. Contudo, uma vez que este trabalho foi desenvolvido pelo INE com recurso a técnicas de amostragem, em alguns casos os erros associados às estimativas efectuadas situam-se acima do limite aceitável de 20%. Deste modo, foram calculados os quantitativos de resíduos perigosos, sem solução adequada de gestão no momento do inquérito (códigos 3, 4 e 5 R12 e R13 do código 6) e passíveis de sofrerem tratamento térmico (sólidos e lamas orgânicos e compostos orgânicos não halogenados) com base nos quantitativos reportados pelas empresas em vez das estimativas, sendo o valor de cerca de 7550 t, afinal inferior ao previsível a partir da informação da TECNINVEST.

No PESGRI, relativamente ao ano de 1998, são quantificadas 33 220 t de solventes não halogenados e de lamas e sólidos orgânicos sem soluções actuais de gestão e com características adequadas ao tratamento térmico.

As diferenças observadas entre os quantitativos de três anos consecutivos poderá ser devida às diferentes metodologias utilizadas pelas fontes de informação em causa e por variações na sua declaração por parte dos produtores. Não são prováveis oscilações desta ordem de grandeza e em tão curto espaço de tempo.

No que diz respeito às possibilidades de gestão dos diferentes tipos de resíduos, a SCORECO considera a possibilidade de coincinerar 108 000 t de resíduos por ano, incluindo resíduos perigosos e resíduos não perigosos.

Contudo, a SCORECO salienta que não existe informação detalhada, sobre as características físicas e químicas dos resíduos, que permita concluir se um determinado resíduo preenche as condições de aceitabilidade pela indústria cimenteira.

A TECNINVEST estima que cerca de 7600 t dos resíduos sem soluções de gestão e com características adequadas ao tratamento térmico não cumpram os critérios para co-incineração em cimenteiras. Contudo, é necessária a verificação das condições de aceitação por análise dos resíduos.

2.3.6 - Conclusões

Apesar das dificuldades de comparação directa dos quantitativos de resíduos perigosos apresentados pelas diferentes fontes de informação disponíveis, podem ser retiradas as seguintes conclusões:

i) A TECNINVEST quantifica os resíduos perigosos produzidos por um número reduzido de empresas, não sendo estimada a produção de resíduos perigosos em Portugal;

ii) A SCORECO refere-se a resíduos perigosos e não perigosos que se dispõe a co-incinerar, não tendo a preocupação de quantificar os resíduos perigosos produzidos em Portugal;

iii) O INE apresenta uma estimativa da produção de resíduos industriais perigosos em Portugal, baseada numa amostra representativa de mais de 80% do volume de negócios gerado nas actividades económicas consideradas no âmbito do inquérito;

iv) As estimativas do INE, apesar de, em princípio, poderem constituir a melhor aproximação aos quantitativos de resíduos industriais perigosos produzidos em Portugal, por um lado parecem subestimar a totalidade dos resíduos perigosos produzidos, na medida em que não abrangem os resíduos produzidos pelo sector do comércio e serviços que foi responsável por 58% dos resíduos perigosos quantificados pela TECNINVEST (1996). Mas, por outro lado, aquela estimativa é cerca de duas a seis vezes superior às estimativas das outras fontes, o que suscita dúvidas sobre a credibilidade dos quantitativos globais do INE, por comparação com os dados do produto interno bruto (PIB) que serão referidos mais adiante;

v) Os dados apresentados pelo PESGRI baseiam-se nas empresas do mesmo ramo de actividade económica do inquérito do INE calculando uma produção de 260 000 t (1998) a partir de auto-declaração e tendo como informantes cerca de 3100 empresas, 1,3% da totalidade dos estabelecimentos industriais recenseados. Não obstante, o valor global está muito próximo do valor por nós estimado a partir do PIB;

vi) As opções de gestão dos resíduos perigosos poderão ser influenciadas pela existência de resíduos perigosos armazenados temporariamente a aguardar opções de eliminação/revalorização economicamente viáveis. Contudo, nenhuma das fontes de informação analisadas quantificou estes resíduos;

vii) De acordo com o inquérito do INE, o total de resíduos industriais perigosos representará cerca de 2,2% do quantitativo global de resíduos gerados em Portugal (cerca de 600 000 t). Embora não seja possível ter uma noção precisa de qual a proporção dos resíduos industriais perigosos terá indicação para ser sujeita a um processo de tratamento por queima, devido à larga margem de incerteza na computação dos quantitativos de cada resíduo em particular, esse valor deverá ser inferior a 50% do total;

viii) O conjunto de informações disponíveis sugere um quantitativo muito impreciso para a produção portuguesa de resíduos industriais perigosos.

No entanto, se atendermos aos dados apresentados na tabela 2.2 e representados na figura 2.2, existe uma forte correlação linear (r = 0,97) entre o produto interno bruto dos países da União Europeia e a quantidade de resíduos perigosos por eles produzidos. Embora ela não seja conhecida para Portugal, como aliás para a Espanha, a Itália e a Grécia, por substituição na equação da regressão linear simples obtida, ao nosso PIB corresponderia uma quantidade anual de resíduos perigosos de cerca de 300 000 t por ano. Este valor, com o próprio intervalo de confiança que lhe está associado, poderá ser um bom referencial, pois situa-se entre as estimativas extremas já efectuadas.

Tabela 2.2

Produção de resíduos perigosos e produto interno bruto nos países da

União Europeia (1996 ou 1997)

(ver documento original) Figura 2.2 - Produto interno bruto (PIB) em milhares de milhões de dólares e produção nacional de RIP, para diversos países da OCDE

3 - Técnicas de tratamento de resíduos perigosos

3.1 - A sigla dos 3 R

3.1.1 - Redução e reutilização

Como foi anteriormente referido, quando se trata um problema de controlo de resíduos é necessário que essa abordagem siga uma hierarquia:

i) Em primeiro lugar é necessário verificar se não será possível evitar a produção do resíduo, por exemplo utilizando produtos fabricados de forma diferente, ou prolongando o tempo de vida útil dos produtos;

ii) Em segundo lugar é necessário verificar se não é possível encontrar uma nova serventia para esses produtos, em que grande parte das suas propriedades ainda possam ser rentabilizadas, caso, por exemplo, de um pneu que seja recauchutado; grande parte dos materiais usados para o seu fabrico e toda a tecnologia vão ser aproveitados, apenas se acrescentando a borracha gasta durante o seu primeiro ciclo de vida;

iii) Finalmente, quando não é possível aproveitar grande parte do valor do produto, podemos tentar a terceira alternativa, ou seja, aproveitar a matéria-prima que o constitui, em alguns casos para fabricar produtos idênticos, como no caso do uso de sucatas de aço para produzir perfis e chapas com características similares às do produto original. Neste caso estamos perante uma operação que actualmente se denomina «reciclagem».

Os três princípios constituem a conhecida sigla dos 3 R: reduzir, reutilizar e reciclar.

Dada a grande perda de trabalho e tecnologia incorporada na maioria dos produtos quando passamos da segunda para a terceira opção, importa aqui questionarmo-nos sobre se os esforços necessários à implementação das duas primeiras hipóteses estão a ser encarados de forma igual à actualmente dedicada à reciclagem.

Só partindo desta análise será correcto que esta Comissão venha a debruçar-se sobre o problema dos RIP, visto que a produção de resíduos deste tipo em grande quantidade é o resultado de um processo de industrialização, sendo portanto a produção industrial a causa primeira de aparecimento de RIP. Importa avaliar, antes de procurar uma solução para os resíduos, se estarão a ser desenvolvidos os necessários esforços para evitar a produção dos resíduos perigosos, pois, como é do senso comum, a melhor forma de resolver um problema é evitar o seu aparecimento. Se cada vez que um problema deste tipo surgir nos limitarmos a procurar medidas para a sua remediação, então estaremos de forma, porventura inconsciente, a contribuir para a perpetuação da situação.

Como diz Alvin Toffler (A Terceira Vaga), até à Revolução Industrial o grande volume de todos os alimentos, bens e serviços era consumido pelos próprios produtores e pelas suas famílias, ou por uma pequena elite que conseguia arrebatar o excesso para seu próprio uso. A sociedade industrial quebrou a unidade da produção e do consumo, acabando com a auto-suficiência. O comércio passou a abranger praticamente a totalidade de tudo o que consumimos durante a vida.

A sociedade tecnológica desenvolve-se sem o controlo de uma racionalidade que lhe permita adoptar as estratégias mais recomendáveis para impedir a delapidação dos recursos naturais e a agressão ao ambiente. O primado do económico origina uma voragem de crescimento onde as metas a atingir são sempre mais e mais diversificadas.

Com a completa separação entre a produção e o consumo, a lógica de vender mais e mais produtos passa pela necessidade de criar novos mercados que permitam continuar o crescimento económico, quando um determinado patamar já se encontra saturado. A produção de bens materiais esgota-se quando estiverem satisfeitas todas as necessidades dos consumidores. Há portanto que inventar novas necessidades, que originem novos mercados, independentemente de isso ser ou não um processo de provocar novos problemas para o ser humano, em vez de contribuir para a sua solução.

Em contrapartida, o desenvolvimento industrial permitiu o acesso ao consumo de muitos bens necessários ao desenvolvimento da humanidade: desde os livros aos medicamentos, até à substituição do trabalho braçal pelo mecânico, tudo contribuindo para aumentar enormemente o acesso à cultura, melhorar o nível de vida de milhões de pessoas e prolongar, com qualidade, o tempo de vida do ser humano. Mas as empresas não param, e a lógica prevalecente é a do crescimento contínuo, tal como no caso das bactérias ou qualquer outra espécie de ser vivo: a espécie vai-se multiplicando até ao esgotamento dos recursos, ou até que o desenvolvimento de uma espécie antagonista reponha o equilíbrio.

Com o quase completo domínio dos seus inimigos naturais, excepto os de menor tamanho, a sociedade humana enfrenta hoje um dilema: ou consegue auto-regular rapidamente a sua expansão, ou inevitavelmente vai perecer da mesma forma que algumas bactérias, isto é, por esgotamento dos recursos, ou devido a uma alteração tão drástica do seu meio ambiente que acabe por pôr em risco a própria sobrevivência. No nosso sistema económico as empresas garantem o funcionamento da sociedade industrial: delas depende actualmente quase tudo de que necessitamos para sobreviver.

Quando uma empresa produz um determinado artigo, a sua preocupação é que ele seja vendável, independentemente dos benefícios que possa ou não trazer para a humanidade.

Veja-se por exemplo o caso das indústrias de material de guerra ou de fabrico de cigarros, para só citar duas actividades apoiadas normalmente pelos Estados.

A tecnologia avança com grande rapidez e acaba por se impor, independentemente da classificação «moral» que possamos fazer da sua aplicação.

A globalização da economia impõe uma cerrada concorrência entre empresas produtoras de bens de consumo, que fabricam cada vez com mais tecnologia, com margens de lucro reduzidas, maior produtividade e maior velocidade de rotação do capital. Para satisfazer uma maior velocidade de rotação do capital é necessário que cada produto seja rapidamente substituído.

Com o desenvolvimento tecnológico foi também possível produzir produtos mais fiáveis e com maior duração. Compare-se, por exemplo, a duração da chapa de um carro actual com um produzido há 20 anos, ou a fiabilidade dos antigos pneus com a dos actuais. Isto não significa que se use sempre os processos que produzem o bem mais duradouro, até porque há interesse em impor uma limitação ao seu tempo de vida útil.

A indústria automóvel será um bom exemplo para análise da sociedade industrial, pois recebe os seus componentes de um grande número de outras empresas, desde os produtores de metais, plásticos, vidros, baterias, cablagens eléctricas, estofos e um sem número de componentes específicos.

Como vimos anteriormente, uma percentagem elevada dos RIP está relacionada com a indústria automóvel (solventes e tintas), ou com o uso do automóvel (óleos usados).

Em Portugal, entre 1992 e 1997, o número de habitantes por veículo automóvel passou de 4,8 para 3,3 (DGV, 2000), ou seja, um acréscimo de 45% em apenas cinco anos.

Conforme se pode observar na figura 3.1, o número de veículos ligeiros tem crescido a um ritmo constante nos últimos anos.

Em 1997 apenas 19,8% do parque automóvel de ligeiros de passageiros tinha mais de 10 anos. Este valor, como veremos adiante, é baixíssimo, face à capacidade tecnológica actual.

O uso do transporte motorizado deixou de ser facultativo para muitos milhares de pessoas, e passou a ser obrigatório. Os exemplos do relógio, do telefone, do televisor e do telemóvel são idênticos, saldando-se sempre pela sua indispensabilidade.

Parque automóvel em circulação por 1000 habitantes

(ver documento original) Figura 3.1 - Crescimento do parque automóvel de veículos ligeiros em Portugal (DGV, 2000) A produção deixou há muito de se dirigir ao mercado dos bens essenciais, para criar um universo em expansão, onde todos os dias são criadas novas necessidades. Mesmo quando um veículo ainda não atingiu a sua fase terminal, a sociedade industrial teve de introduzir mecanismos especiais de condicionamento do mercado, que só regulam o valor dos produtos de grande série, precisamente aqueles que um certo modelo de desenvolvimento exige que continuem a ser produzidos em ritmo sempre crescente.

Da consulta de uma revista da especialidade verificamos que o preço médio de três veículos familiares de gama média, de marcas diferentes, é de 4006 contos. Os mesmos veículos, ou modelos idênticos, produzidos em 1995 têm um valor comercial médio estimado em 1867 contos. Se, por hipótese, um veículo produzido em 1995 apresentar um uso muito reduzido, e se se apresentar em perfeitas condições de conservação, o seu valor poderá ser um pouco mais alto do que o indicado, mas não muito diferente, dificilmente ultrapassando o preço médio dum modelo utilitário, que para as mesmas marcas é de 2254 contos. Apesar de haver uma evolução tecnológica constante, as diferenças entre um veículo de gama baixa e um de gama superior não são geralmente ultrapassadas neste intervalo de tempo. A qualidade de projecto duma gama superior permite superar o diferencial tecnológico e assegurar um elevado valor de uso para o veículo mais caro, desde que bem conservado e com poucos quilómetros. No entanto, como se pode concluir dos números apresentados, só porque foi produzido há cinco anos, e independentemente do seu desgaste, o valor do veículo familiar passa a ser inferior ao de gama mais baixa, isto apesar de os seus desempenhos, previsível duração em serviço e espaço interior serem superiores. O absurdo da desvalorização comercial corresponde a substituir o valor real inerente à capacidade de desempenho de uma função por um valor virtual e psicológico criado pelo marketing: o ano de fabrico.

Este critério já não é aplicado na mesma escala a outros bens, como a habitação ou o mobiliário. Só a necessidade de produção em massa permitiu introduzir os mecanismos psicossociais que forçam a depreciação subjectiva dos valores dos objectos, em função do seu ano de fabrico. Esta lógica está progressivamente a estender-se a novos domínios, geralmente com o simples enunciado de uma frase lapidar: «já não se usa».

Produção optimizada e recondicionamento artesanal

Enquanto o processo de produção em série foi sendo altamente aperfeiçoado desde os tempos de Henry Ford, os processos de reparação e substituição de peças continuam perfeitamente artesanais. Para uma reparação, mesmo em oficinas de uma única marca, o mesmo mecânico vai ter frequentemente de lidar com modelos diferentes e componentes diversos a substituir. As consequências são o elevadíssimo custo para as operações de reparação.

Contrastando com uma gestão just in time das cadeias de produção, a grande variedade de modelos, com variantes periodicamente renovadas, origina uma gestão de stocks de peças de substituição extremamente complexa e onerosa. Se um veículo fosse totalmente construído numa oficina de reparação, a partir dos seus componentes isolados, fornecidos pela secção de peças da empresa, o seu preço seria astronómico.

Estes factos, bem conhecidos, resultam da evidente falta de motivação da indústria automóvel em investir em unidades de manutenção programada, quando todas as suas capacidades estão voltadas para o aumento do volume de produção e para a luta contra a concorrência. O prolongamento da longevidade do produto seria um forte obstáculo ao aumento do número de unidades vendidas e portanto à rotação rápida do capital.

Se o processo de recondicionamento das partes gastas de qualquer produto fosse implementado de forma industrializada, esses componentes modulares poderiam ser retirados, enviados para empresas onde a substituição dos componentes gastos se pudesse fazer de forma optimizada e substituídos por componentes idênticos, não novos, mas recondicionados. A reparação poderia sair da situação artesanal actual, para ser mais uma actividade industrial exercida de forma especializada, a custos muito inferiores.

Qual será o tempo de vida expectável para um automóvel? Compare-se o número de horas de voo de um avião com o número de horas de funcionamento de um carro em fim de vida, para se poder avaliar até que ponto, mesmo em condições de segurança muito mais exigentes, é possível, com operações de manutenção programadas, prolongar o tempo de vida útil dos equipamentos.

Um avião pode voar com segurança durante dezenas de milhares de horas.

Para um avião comercial encontramos uma regulamentação da ATA prevendo uma grande revisão D, ao fim de 12 000 horas de voo, o que permitirá ao avião continuar a voar por outro largo período. O período de vida esperado para um avião comercial actual é de 20 000 horas de voo, ao fim das quais, mediante grandes revisões ao nível de toda a estrutura, poderá ainda continuar a voar, dependendo do facto de ainda ser económico continuar com a sua exploração.

Um avião de transporte militar, por exemplo, pode voar 30 anos sem problemas. Em contrapartida, um automóvel a gasolina, onde as exigências de segurança são bem menores, considera-se como gasto se tiver 150 000 km.

Esta quilometragem, a uma média de 50 km/hora corresponde a 3000 horas de condução, uma perfeita insignificância em comparação com a aviação civil.

Com veículos concebidos num sistema modular de componentes em que o acesso às peças fosse simples e a sua substituição pudesse ser feita por troca com componentes recondicionados industrialmente, um automóvel poderia, na proporção do avião, atingir sem problemas de segurança um milhão de quilómetros.

Nesse caso os 0,6% de veículos ligeiros de passageiros que em Portugal tinham em 1997 mais de 20 anos poderiam ser em maior número, originando uma viragem industrial em que a produção de novas unidades dava parcialmente lugar a uma indústria especializada de recondicionamento, eventualmente com incorporação de inovações tecnológicas, mormente nas áreas da segurança e do consumo. As oficinas gerais de material aeronáutico e a divisão de manutenção da TAP são bons exemplos de que a actividade de manutenção pode ser economicamente atractiva.

O exemplo aqui escolhido pode aplicar-se em maior ou menor escala a outras indústrias que, para aumentarem sempre a sua produção, desenvolvem diariamente campanhas de incentivo ao consumo, geradoras de uma produção industrial crescente, de que os RIP são a ponta do icebergue.

O uso das melhores tecnologias actualmente disponíveis em condições economicamente aceitáveis (BATNEC) permite fabricar produtos com elevada longevidade. Não corresponde portanto ao avanço tecnológico o slogan implícito da nossa sociedade: «Deite fora e compre novo».

Do exposto podemos concluir que em relação à sigla dos 3 R, só para o terceiro R existem políticas concretas, planos e incentivos, como veremos mais adiante. Para a implementação do princípio da redução e para o da reutilização pouco mais se tem feito do que uma vaga campanha moral, com efeitos muito reduzidos.

A criação de incentivos para o aparecimento de veículos de construção modular, com grande longevidade para os aspectos estéticos, acompanhada de um incentivo a uma verdadeira indústria de recondicionamento como existe para a aviação e para a reparação naval, seria uma boa oportunidade de efectivamente reduzir a produção de resíduos, baixar drasticamente o consumo de matérias-primas e outros recursos não renováveis, conseguindo criar novas actividades económicas bem mais compatíveis com o desenvolvimento sustentado do que a actual espiral da produção intensiva.

Enquanto tal não acontece, teremos de baixar na hierarquia dos 3 R, continuando a tentar a reciclagem como forma de minimizar os problemas referidos.

3.1.2 - Reciclagem

No dicionário da Porto Editora actualmente disponível na Internet encontramos:

«reciclar, verbo transitivo - fazer a reciclagem de; reconverter; voltar a tratar;

(Do fr. recycler, 'id.')».

Em dicionários mais antigos procurámos sem êxito os vocábulos «reciclar», «reciclagem», recycler, recycle, recycling (Silva, 1960; Carvalho, 1974; Grolier, 1969; Morais, 1964; Oxford, 1964). No Novo Micha"elis Português-Inglês, de 1987 encontramos: «to do pedagogical, cultural updating». Na edição do Chambers 20th Century Dictionary, já de 1987 nada consta. Finalmente na 5.ª edição do Oxford Advanced Learners Dictionary Oxford, de 1995, encontramos: «recycle: to treat things that have been used so that they can be used again».

Vemos assim que os vocábulos «reciclar» e «reciclagem», ou os correspondentes em francês e inglês, são palavras bastante recentes.

Todavia, o aproveitamento de materiais usados deve ser quase tão antigo quanto a humanidade. O termo corresponde obviamente ao desenvolvimento de uma actividade industrial nova, que se distingue do processo de aproveitamento tradicional de objectos ou materiais usados.

Quando encontramos num pacote de plástico de iogurte o símbolo com as (ver documento original) setas apontando para um percurso circular, sugerindo um regresso ao princípio, imaginamos que os materiais que constituem a embalagem podem ser reaproveitados para fazer uma nova embalagem, idêntica à anterior.

Contudo, para isso seria necessário, em primeiro lugar, que o consumidor colocasse essa embalagem num recipiente de recolha reservado aos plásticos; em segundo lugar, seria necessário que a empresa de reciclagem separasse este tipo de embalagem de outras, por exemplo das garrafas de refrigerantes:

existem cinco tipos principais de termoplásticos que têm de ser separados para permitir uma reciclagem em boas condições técnicas. Em terceiro lugar, seria necessário remover toda a sujidade. Apesar destes cuidados, o polímero reprocessado não serviria para fazer uma embalagem idêntica, mas sim para produzir um objecto com menores exigências, por exemplo um vaso ou um cabide. O facto de o plástico reciclado não servir para fazer uma nova embalagem idêntica à anterior significa que novas matérias-primas obtidas a partir do petróleo, ou seja, polímero novo, vão ser gastas para alimentar esta indústria de produção crescente.

Em Portugal, em 1980, os resíduos de embalagens de vidro, papel, cartão e plásticos representavam cerca de 20% do conteúdo dos resíduos urbanos. No início da década de 90 os mesmos materiais representavam já cerca de 45% do lixo doméstico (SPV, 2000).

Este crescimento enorme verifica-se também noutros países, nomeadamente nos EUA. O aumento da produção de resíduos cresceu igualmente para outros tipos de materiais.

Portugal produz actualmente 3,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos e as estimativas apontam para um acréscimo de 1,15 milhões de toneladas na próxima década. Destes resíduos, 628 000 t correspondem a embalagens não recuperáveis declaradas à Sociedade Ponto Verde.

Apenas 3,1% das embalagens plásticas foram recicladas em Portugal, em 1998. Embora Portugal esteja ainda muito longe de outros países, onde a actividade de reciclagem se desenvolveu há muito tempo, a verdade é que, mesmo com grandes progressos (por exemplo, se atingíssemos resultados 10 vezes superiores aos actuais), dificilmente conseguiremos ultrapassar os 40% dos EUA. Significa isto que mais de 360 000 t de matérias-primas vão ser perdidas anualmente e que as restantes serão realmente aplicadas para fazer novos produtos, idênticos aos originais, no caso dos metais e do vidro.

A actividade de reciclagem, embora útil, não resolve portanto o problema da nossa sociedade de consumo: muitos dos materiais reciclados não substituem as matérias-primas virgens necessárias ao fabrico de novos produtos, nem mesmo das simples embalagens descartáveis, que exigem um elevado nível de qualidade das matérias-primas. Contudo, as campanhas de reciclagem têm tido um papel pedagógico atraindo a atenção das populações sobre um assunto que normalmente não constituía preocupação para a generalidade dos cidadãos: o problema da quantidade de materiais desperdiçados pela nossa sociedade. Ao apelar à triagem dos resíduos, deu-se um primeiro passo para iniciar um processo de consciencialização da sociedade para a necessidade de tomar medidas contra um problema que de certo modo parece abstracto:

o efeito nocivo para cada cidadão resultante do consumo dum produto que ele pagou, e para o qual até existiam já mecanismos de recolha estabelecidos, a recolha tradicional dos resíduos sólidos urbanos (RSU). A recolha selectiva para reciclagem pode contribuir também para uma diminuição dos totais de RSU, permitindo a valorização económica dos resíduos e originando o aparecimento de empresas voltadas para a utilização de matérias-primas processadas numa óptica ambiental.

Reciclagem de recipientes

A recuperação de embalagens tem registado avanços em Portugal. A Sociedade Ponto Verde (SPV, 2000) representa um universo empresarial que em conjunto movimenta cerca de 70% do total de embalagens não reutilizáveis anualmente colocadas no mercado nacional. Trata-se de 148 empresas agrupadas em três holdings, representativas dos seguintes sectores de actividade: embaladores/importadores; distribuição; produção de embalagens e materiais de embalagem. A Sociedade Ponto Verde integra ainda como aderentes mais de 3000 empresas embaladoras e importadoras e ainda 147 concelhos.

As campanhas, sem dúvida úteis, de reciclagem aparecem frequentemente como uma vitória do sistema industrial sobre a lógica consumista. A observação fria dos números é bastante menos animadora, com excepção dos metais e do vidro, quando utilizados em embalagens. Vejamos em primeiro lugar o caso da recuperação de sucatas.

Na sua forma tradicional, a recuperação de sucatas de metais ferrosos e não ferrosos é talvez a mais antiga forma de valorização dos materiais constituintes dos produtos depois de eles deixarem de ter a funcionalidade para a qual tinham sido concebidos. Por exemplo, na Grã-Bretanha, para 19 milhões de toneladas de aço e ferro fundido produzidas em 1996, o total de sucata recuperado corresponde a 44% desta quantidade (DETR, 1998).

Confrontando esta percentagem de metal recuperado no mesmo país com os valores dos anos anteriores, no período de 1984-1996, verifica-se uma estabilização em torno dos 40%, com um máximo de 46% em 1984 e um mínimo de 34% em 1988. Para o alumínio, a evolução da quantidade de latas de bebida recuperadas entre 1989 e 1996 sofre um enorme incremento, pois passa de 72 milhões em 1989 para 1500 milhões em 1996, o que corresponde ao lançamento do conceito de reciclagem envolvendo a população, a que se vai seguir o aparecimento pela primeira vez do vocábulo nos dicionários. No entanto, os valores percentuais do total de alumínio recuperado como sucata apresentam no mesmo período oscilações sem qualquer tendência para aumentar, pois em 1984 a percentagem recuperada era de 41%, para atingir um mínimo de 29% em 1993, e um máximo em 1995 de 53%, descendo em 1996 para 44%. No mesmo período as percentagens de sucatas de cobre e zinco oscilavam entre os 30% e os 50% para o cobre e os 19% e 24% para o zinco. A actividade de recuperação de sucatas na Grã-Bretanha envolve cerca de 10 000 pessoas, com cerca de 750 a trabalharem com metais ferrosos e 850 com metais não ferrosos (Report Finder, 1994).

Os resultados para os metais onde se atingiu há muitos anos altos níveis de recuperação demonstram que o aparecimento dos novos «recicladores» não conseguiu impor uma melhoria em relação aos valores atingidos pelos antigos sucateiros, isto é, que a possibilidade de reciclar metais se estabilizou de algum modo, parecendo ser difícil alterar os valores já atingidos.

Em muitos países já mais de 50% do alumínio de embalagens de bebidas é reciclado, consumindo apenas 5% da energia necessária à produção de alumínio novo. Se observarmos a evolução do processo de reciclagem nos EUA, verificamos que o alumínio das latas de bebidas ocupa também uma posição privilegiada na reciclagem, ao contrário de outros materiais, em que é difícil ultrapassar os 45% de rendimento, conforme se pode observar no gráfico da figura 3.2 (USEPA, 1997).

Outros tipos de resíduos sofreram uma evolução pouco acentuada em 25 anos, verificando-se uma diminuição dos materiais perdidos, no caso dos metais e do vidro, entre 1970 e 1995, conforme se pode observar no gráfico da figura 3.3, mas um aumento de todos os outros: o aumento da reciclagem não compensou o aumento do consumo de papel, plásticos e outros materiais.

O aumento do consumo bruto continua a verificar-se, embora haja uma previsível estabilização do consumo per capita, conforme se pode verificar no gráfico da figura 3.4 (USEPA, 1997). Note-se que esta é a situação dos EUA, país onde já há muitos anos reina o princípio do descartável.

Taxas de reciclagem de embalagens de refrigerantes

(ver documento original)

Figura 3.2 - Percentagem de embalagens de bebidas de alumínio, plástico (PET) e vidro, nos EUA (USEPA, 1997)

Materiais não aproveitados (após reciclagem)

(ver documento original) Figura 3.3 - Evolução dos materiais rejeitados, depois de descontados os materiais reciclados (USEPA, 1997) Neste gráfico verifica-se que a produção de resíduos mais do que duplicou em 40 anos, isto numa das sociedades economicamente mais favorecidas do planeta. Ainda nos EUA, o incremento da eficiência da reciclagem parece estar a diminuir nos últimos anos, tendendo para se fixar em torno dos 30%, conforme se pode verificar no gráfico da figura 3.5.

Taxas de produção de resíduos - 1960-2000

(ver documento original) Figura 3.4 - Evolução da produção de resíduos nos EUA (USEPA, 1997)

Taxas de reciclagem (1960-2000)

(ver documento original) Figura 3.5 - Evolução da taxa de reciclagem nos EUA (USEPA, 1997) Só o vidro atingia, já em 1991, percentagens muito elevadas de reciclagem, em especial na Suíça, conforme se pode observar na figura 3.6.

Reciclagem do vidro nos EUA e em alguns países europeus (1991)

(ver documento original) Figura 3.6 - Reciclagem do vidro nos EUA e em alguns países europeus, em percentagem reciclada e em milhões de toneladas por ano (adaptado de USEPA, 1997) Os totais de materiais reciclados vão continuar a aumentar, conforme resulta da análise do gráfico seguinte (figura 3.7) mas a quantidade de matérias-primas que têm de ser usadas de novo não vai deixar de continuar também a aumentar. A reciclagem não consegue combater eficazmente o ritmo vertiginoso do uso de novas matérias-primas.

Evolução dos processos de tratamento de resíduos

(ver documento original) Figura 3.7 - Evolução dos diferentes processos de tratamento de resíduos nos EUA (USEPA, 1997)

Pneus

Um dos problemas gerados pela expansão do tráfego automóvel é a acumulação de pneus usados. Em Portugal, segundo o INE, o valor de vendas resultante do fabrico de pneus e câmaras de ar atingiu 31 milhões de contos em 1997, sendo este valor apenas referente à produção nacional.

Tipicamente, um pneu de automóvel pesará entre 9 kg e 13 kg, dos quais cerca de 60% é borracha, uma mistura de borracha natural (35%) com borracha sintética (65%).

A acumulação de pneus ao ar livre constitui um problema ambiental: devido à forma côncava do pneu, verifica-se a acumulação de água que favorece o desenvolvimento de mosquitos; um incêndio num depósito de borracha é de difícil extinção, sendo os fumos da combustão incompleta nocivos para a saúde. A deposição em aterro levanta também problemas: o metano gerado pela decomposição da matéria orgânica tende a acumular-se dentro dos pneus e devido à retenção de ar ou de metano os pneus tendem a flutuar quando o aterro é inundado pelas chuvas.

Nos EUA, os pneus são na sua maioria utilizados como combustível, conforme se pode verificar pela observação da figura 3.8.

Dos 253 milhões de pneus usados dos EUA, parte é recauchutada. Segundo a USEPA (USEPA, 1999) o uso de pneus recuperados por recauchutagem permite poupar 70% de energia petrolífera, reutilizar cerca de 75% do material incorporado e reduzir os custos de 30% a 70%, poupando ainda a ocupação de aterros.

Em Portugal, o volume de vendas de pneus recauchutados ascendia em 1997 a 8 milhões de contos (Estatísticas INE, CAE 25).

Uma parte dos pneus pode ser utilizada em diversas aplicações, depois de uma operação de corte ou moagem, utilizando diversas tecnologias de corte por lâminas, uso de moinhos abrasivos, ou fragilizando primeiramente a borracha pelo uso de azoto líquido (moagem criogénica). Entre as diversas aplicações podemos citar o fabrico de novos pneus com incorporação até 50% de granulado de borracha, de tapetes, guarda-lamas, pára-choques, solas de sapatos e incorporação no asfalto de estradas, com excelentes resultados na redução do ruído (até 90%), e de redução do problema do aquaplanning, permitindo duplicar o tempo de vida dos pavimentos. Em Portugal existe uma empresa com capacidade para a produção de 20 000 t anuais de granulados de borracha (Biosafe, 2000).

Destino dos pneus usados nos EUA, 1999

(ver documento original) Figura 3.8 - Destino dos pneus usados nos EUA, adaptado da USEPA (1997) Apesar da reutilização dos pneus e da sua reciclagem, a verdade é que o mercado não absorve senão uma pequena parte dos pneus usados. Cerca de metade dos pneus usados nos EUA em 1995 (figura 3.8) foram utilizados como combustível. A USEPA sublinha o facto de que a combustão em condições controladas nada tem a ver com os problemas de emissão de fumos resultantes da queima ao ar livre (USEPA, 1999), possibilitando uma economia de peso equivalente em petróleo e cerca de 25% maior do que usando carvão.

Óleos usados

No caso dos óleos usados, em particular dos óleos lubrificantes, que, como vimos no capítulo 2, constituem uma das parcelas significativas dos RIP, tem sido gerada alguma polémica em torno do seu aproveitamento. Actualmente existem algumas empresas que se encarregam da recolha e procedem a operações ditas de reprocessamento, isto é, de decantação e filtragem de forma a retirarem a maior parte dos resíduos sólidos em suspensão. Esta actividade permite recolher no país vários milhões de litros por ano, correspondentes a cerca de 25% do total de óleos novos que entram no mercado. Esses óleos usados, depois de reprocessados, são utilizados actualmente como combustível, principalmente em caldeiras industriais e de aquecimento de edifícios. Dos restantes 75%, uma pequena parte será consumida, por exemplo, nos motores de explosão, outra perdida, uma parte significativa lançada descontroladamente para o meio ambiente e finalmente, tudo o indica, haverá uma fracção importante que é queimada sem qualquer tratamento adequado.

A combustão de óleos usados sem tratamento é perigosa para o ambiente (UNEP, 1994b). Será aconselhável controlar a venda de óleos lubrificantes, incentivando os distribuidores a só venderem óleo mediante o retorno de uma percentagem elevada de óleo usado. A venda de óleos lubrificantes sem controlo de recolha pode originar o lançamento nos cursos de água, nos esgotos e na terra de muitos milhares de litros de óleo contaminado.

Também algumas lamas resultantes do tratamento de filtração, contendo a maior parte dos metais, estão actualmente a ser usadas em Portugal para outras aplicações industriais, sendo sujeitas a uma combustão incompleta, o que, como se poderá concluir da leitura deste relatório, não é recomendável.

A alternativa que tem sido defendida por algumas organizações ambientalistas é a da regeneração ou re-refinação, isto é, o fabrico de óleos base por destilação dos óleos usados. Na Catalunha encontra-se a funcionar uma unidade deste tipo. O óleo produzido tem uma qualidade equivalente à do óleo base novo, conforme se pode deduzir do reconhecimento feito por vários fabricantes de automóveis. Este problema foi aliás objecto duma tese de doutoramento na Faculdade de Engenharia do Porto, há mais de 10 anos (Alves dos Reis, 1982), tendo sido realizada uma instalação piloto, com bons resultados.

De um ponto de vista estritamente económico, as empresas de regeneração têm tido grandes dificuldades face à concorrência das empresas petrolíferas, não sendo significativas as percentagens de óleo regenerado. O problema está dependente, como é óbvio, do preço do crude: se o preço for baixo, as operações de recolha e tratamento dos óleos não são compensadoras face ao preço do óleo, que necessariamente resulta das operações de destilação para obtenção de combustível.

Vejamos um exemplo concreto do que se passa numa refinaria ibérica: da destilação atmosférica do crude, cerca de 50% correspondem a uma fracção pesada. Da fracção mais leve faz-se uma destilação em vácuo, da qual se retira cerca de metade de produtos combustíveis. Da fracção mais pesada vai extrair-se com propano uma nova fracção de óleos base sendo os produtos restantes utilizados para o fabrico de asfalto e fuel.

Se a regeneração fosse implementada em Portugal, por hipótese a 100%, o consumo de óleos base virgens iria diminuir e simultaneamente a petroquímica teria de fornecer mais fuel ao mercado, repondo o défice de vários milhões de litros, que constitui actualmente o total de óleos filtrados usados como combustível. A consequência previsível seria a diminuição do tratamento de extracção com propano, seguindo para a produção de fuel uma fracção maior dos destilados pesados.

Do ponto de vista de um balanço de massa, a regeneração não alterava o actual panorama de consumo de uma energia não renovável.

Do ponto de vista de mercado, como a destilação atmosférica do crude para a produção de combustíveis não origina excessos de óleos base, obrigando o volume do mercado ibérico ao tratamento com propano da fracção mais pesada da primeira destilação, parece haver lugar para o aparecimento desta indústria. Contudo, a reciclagem de óleos usados, embora pareça à primeira vista uma opção ambientalmente sedutora, acaba por ser pouco significativa.

Talvez por algumas das razões apontadas a regeneração ou refinação tem sido relativamente marginal quer na Europa quer nos EUA. Neste país, dos 5200 milhões de litros de óleo usado apenas 12% serão reconvertidos em produtos de qualidade, sendo cerca de 56% queimados e 32% aparentemente depositados de forma ilegal (IRC, 2000).

Portugal também já tem uma razoável capacidade de recolha de óleos usados (ver tabela 3.1).

TABELA 3.1

Recolha de óleos usados em Portugal, na década de 90 (valores da

Direcção-Geral da Energia)

(ver documento original) Vejamos agora, de um ponto de vista ambiental, ponderando os aspectos mais significativos, qual será a verdadeira importância da re-refinação ou regeneração. Nos termos da directiva europeia de 1987, «a hierarquia da gestão de óleos usados é dada pela prioridade ao tratamento de óleos usados por regeneração».

A pedido do Ministério do Ambiente de França, foi realizado muito recentemente, pela Sociedade Ecobilan e sob encomenda da Agência do Ambiente e da Energia (ADEME), um estudo de análise de ciclo de vida sobre «As cadeias de reciclagem e valorização energética de óleos usados». O estudo desenvolveu-se entre Janeiro de 1997 e Março de 1998 e teve a avaliação crítica do BIO Intelligence Service em Abril de 1999, para verificar da sua conformidade com as normas internacionais sobre LCA (ISO 14 040 e 14 041) e a qualidade dos resultados produzidos (ADEME, 1998; BIS, 1999).

Foram comparadas cinco cadeias de reciclagem e valorização:

i) Regeneração por destilação em vazio e purificação em coluna de

argila (RDV);

ii) Regeneração por hidrogenação catalisada com hidrogénio gasoso

(RH);

iii) Valorização energética em cimenteiras (VC);

iv) Valorização energética em indústrias de revestimentos de estradas

(VERE);

v) Reciclagem em refinarias, com pré-tratamento para remoção de cloro (RR).

A LCA escolheu uma unidade funcional de 1000 kg de óleos usados com um padrão de características físico-químicas, o estudo não abrangeu o impacte ambiental dos processos de recolha, por ser comum a todas as cadeias industriais.

No que concerne ao impacte em «utilização de energia primária», a cadeia que menor impacte tem é a VC, cerca de 1,45 vezes melhor que qualquer das outras alternativas, que são quase todas equivalentes. Para o impacte do «consumo de energia de combustíveis», a VC é muito superior à VERE, cerca de três vezes melhor; as outras alternativas são inferiores na redução deste impacte e a RDV tem um impacte de maior consumo. Sob o efeito de estufa aplicam-se as mesmas considerações que na rubrica anterior. Para o consumo de água, o melhor impacte, com o valor mais negativo (os valores mais negativos correspondem ao melhor impacte para o ambiente), provém da RH, seguida da RDV e VC. Sobre o impacte dos efluentes gasosos ácidos, os melhores são a RH e a VC, cerca de 3,3 vezes que o segundo melhor que é a RDV; contudo, o impacte da VERE neste campo depende muito da qualidade do combustível utilizado e poderá ser reduzido com certos combustíveis fósseis. Sob o ponto de vista da toxicidade humana, avaliada em emissões de Pb, os três melhores, quase todos equivalentes com impactes ligeiramente positivos ou negativos, são RH, RR e VC. A RDV e a VP têm impactes com valores bastante superiores ao impacte da VC.

(ver documento original) Figura 3.9 - Análise de ciclo de vida para diferentes cadeias de reciclagem e valorização energética de óleos usados, em termos de utilização de energia, de efeito de estufa e de acidificação atmosférica. Cadeias de reciclagem e valorização - RDV: regeneração por destilação em vazio e purificação em coluna de argila; RH: regeneração por hidrogenação catalisada com hidrogénio gasoso; VC: valorização energética em cimenteiras; VERE:

valorização energética em indústrias de revestimentos de estradas; RR:

reciclagem em refinarias, com pré-tratamento para remoção de cloro. Eixos coordenados com impactes negativos no sentido do ponto de cruzamento dos eixos(adaptado de ADME, 1998) A figura 3.9 apresenta graficamente uma visão global desta LCA para todos os canais de recuperação/valorização de óleos usados previamente referidos em termos de três áreas de impacte ambiental. A opção mais amigável é aquela cujo triângulo representativo tem menor área. A ela correspondem os impactes com valor numérico mais negativo, isto é, ambientalmente mais favoráveis, que tornam evidente um recurso economizado ou uma poluição evitada.

De toda esta LCA sai claramente indicada como a melhor opção ambiental para a gestão de óleos usados a valorização por queima em cimenteiras. A segunda melhor, cerca de quatro vezes inferior na globalidade, é a regeneração por hidrogenação com H2, na presença de catalisador. Todas as outras contribuem pouco para redução do impacte ambiental e são globalmente cerca de nove vezes inferiores à VC. Há que referir, no entanto, que os dados relativos à RH são de uma instalação piloto da sociedade Puralube Inc.; à data do estudo ainda não havia nenhuma unidade industrial em funcionamento, esperando-se que a primeira viesse a ser instalada na Pensilvânia, com uma capacidade de tratamento de 80 000 t de óleos usados por ano.

Esta análise LCA tem alguma sensibilidade a imputações económicas para os preços dos derivados mais pesados da destilação do petróleo, mas esta variação não altera a hierarquia das opções atrás referida. A adaptação da LCA à situação real ainda agrava mais o fraco desempenho das unidades de regeneração de óleos em França, porque estas unidades não se encontram optimizadas.

O relatório conclui que só uma via de regeneração de óleos usados de alta qualidade pode vir a competir em pé de igualdade com a valorização por queima em unidades cimenteiras.

Assim se verifica que algumas das ideias correntes sobre a reciclagem carecem de um estudo global aprofundado. Não será o avanço tecnológico dos processos de tratamento de resíduos que irá resolver os problemas resultantes de uma sociedade de consumo descontrolada.

A reciclagem é sem dúvida útil, e deve ser incentivada, mas sem perder de vista que tem de ser encarada como o parente pobre da família dos 3 Rs. Nos vários níveis de hierarquia do tratamento dos resíduos, a reciclagem vem imediatamente abaixo da reutilização. No entanto, para os produtos com maior incorporação tecnológica o fosso que separa um objecto reutilizado de um reciclado, em termos de perda de valor incorporado, é imenso.

Voltando ao exemplo do automóvel, um veículo cujo valor comercial é de 4000 contos será reciclado como um fardo de sucata de aço, que é actualmente comprado pela Siderurgia Nacional a preços que variam entre 16$00 e 20$00 por quilograma, ficando assim a valer como metal ferroso menos de 20 contos, ou seja, algo como 0,5% do seu valor original. Na reciclagem de um veículo perdem-se assim 99,5% do valor incorporado no fabrico e comercialização de um produto de elevada tecnologia.

Reduzir os RIP na origem

A lógica do mercado consumista, promotora de novos consumos, tem recorrido à publicidade para incentivar a criação de novos hábitos e valores.

Passamos a considerar como normais factos que, analisados fora do contexto, acabam por se revelar inaceitáveis. o recurso a conceitos que apenas servem uma lógica de expansão de mercado é outra das causas para o contínuo crescimento do consumo e de uma verdadeira inversão da política dos 3Rs: diminui-se o tempo de vida útil dos produtos promovendo a sua substituição precoce, e simultaneamente apresenta-se a reciclagem como a forma amigável de recuperar o défice ambiental gerado pela onda consumista.

Combater a publicidade que conduz à espiral do consumo é uma das formas de evitar a delapidação de recursos e diminuir os subprodutos industriais, que vão destruindo o nosso equilíbrio ecológico, entre os quais se encontram os RIP.

Os benefícios da reciclagem só podem verdadeiramente ter efeitos práticos se ao mesmo tempo se travar a actual tendência de diminuição da vida útil dos produtos e se encontrar uma forma industrializada de os podermos reutilizar.

Impõe-se que os Estados dêem alguns passos para inverter a actual situação, agindo de forma pioneira, como já foram capazes de o fazer quando incentivaram a substituição dos CFC, numa altura em que a indústria dizia não haver tecnologia para o fazer, ou promovendo motores de combustão mais limpa, substituindo a gasolina com chumbo. Sem empresas de recauchutagem, a reutilização dos pneus não passaria de uma utopia. Sem empresas de recondicionamento e campanhas incentivando a substituição dos objectos que «já passaram de moda», a política dos 3 R reduz-se ao actual «R», o mais pequeno.

É imperioso subir na hierarquia de prioridades e reduzir a produção de resíduos, incentivando politicamente a reutilização e o recondicionamento dos produtos de forma eficiente, e não com os actuais processos artesanais.

Impõe-se uma política de incentivo à criação de bens duradouros, nomeadamente pelo emprego das melhores tecnologias na concepção de produtos em que seja possível a substituição fácil das partes constituintes gastas ou danificadas, em alternativa a duvidosas soluções do tipo destruição/reciclagem, só com indústrias de recondicionamento será possível inverter o ritmo crescente da delapidação de recursos, e atingir um desenvolvimento sustentado.

Transferir para os resíduos (os produtos últimos da cadeia do consumo) os problemas que têm de ser atacados na sua origem traduz-se na prática numa operação de diversão, em que todos estamos a ser prejudicados. Resolver o problema dos resíduos industriais, encontrando uma forma de tratamento adequada, é apenas uma pequena parte de um problema mais grave: o de estarmos a seguir cegamente a lógica da sociedade industrial, sem conseguirmos impor uma inversão do processo de delapidação acelerada dos recursos do planeta, e simultaneamente a desequilibrar todo o seu frágil ecossistema.

3.2 - Tratamento biológico

O tratamento biológico de resíduos consiste na utilização de microrganismos vivos para estabilizar ou destruir contaminantes orgânicos e inorgânicos. Estes microrganismos utilizam os resíduos como fonte de energia e de carbono. A especificidade destas tecnologias restringe significativamente o âmbito da sua aplicação.

O fornecimento de carbono aos microrganismos pode ser feito pelo CO(índice 2) (autotróficos); outros organismos, ditos heterotróficos, utilizam compostos orgânicos como fonte de carbono.

A degradação dos resíduos pode ser feita em meio aeróbio (oxigenado) ou anaeróbio, ao abrigo do ar. Nos processos aeróbicos o oxigénio é utilizado para transformar moléculas orgânicas complexas em anidrido carbónico, vapor de água e eventualmente sais inorgânicos. Este mecanismo de degradação exige a presença de elementos como o fósforo e o azoto, bem como outros elementos residuais em presença de oxigénio, que funciona como receptor de electrões.

A destruição de substâncias orgânicas por microrganismos anaeróbios é conseguida através de aceitadores de electrões diferentes do oxigénio, por exemplo moléculas de nitrato.

3.2.1 - Condições de aplicação dos processos biológicos

O desenvolvimento dos microrganismos que vão permitir degradar as moléculas nocivas exige condições bem definidas de ambiente sem as quais os microrganismos não têm possibilidade de se desenvolverem. A capacidade de degradação dos resíduos pode ser avaliada por testes laboratoriais em que se determina a quantidade de oxigénio necessária para degradar biologicamente o resíduo.

A viabilidade do tratamento por esta via dependerá também da concentração de nutrientes disponíveis, azoto, fósforo e enxofre bem como de elementos residuais, que poderão ser controlados. As quantidades de água, oxigénio, temperatura, acidez ou alcalinidade do meio, bem como a eventual presença de microrganismos competidores com os organismos úteis, têm de ser avaliadas e eventualmente condicionadas. Alguns destes parâmetros poderão ser corrigidos por intervenção externa. Os microrganismos promotores da degradação podem ser administrados utilizando as estirpes mais adequadas.

As actuais técnicas de manipulação genética permitem prever a possibilidade da criação de microrganismos particularmente resistentes a meios adversos, mas levantam graves objecções sobre as consequências ambientais resultantes da disseminação de novas estirpes com consequências colaterais dificilmente previsíveis.

3.2.2 - Processamento dos resíduos para tratamento biológico

Quando são utilizados organismos aeróbios, o fornecimento de oxigénio é essencial. Isto pode ser assegurado quer pela injecção de ar, quer pela adição de água oxigneada, ou mesmo ozono ou oxigénio puro, embora estas duas últimas hipóteses sejam de elevado custo. Para evitar um crescimento exagerado nos pontos de acesso do oxigénio é necessário assegurar uma distribuição tanto quanto possível uniforme, o que obriga a instalar um sistema ramificado de acesso. É necessário recolher os produtos de degradação e simultaneamente monitorizar todo o processo de forma a garantir a sua continuidade.

A utilização de estirpes anaeróbias implica, como se referiu, o uso de nitratos ou sulfatos que constituem parte fundamental do mecanismo de destruição das moléculas orgânicas.

Estas tecnologias, embora de controlo delicado, podem ser economicamente competitivas. Contudo, a existência de várias substâncias diferentes nos depósitos de resíduos pode ser um forte obstáculo à utilização desta técnica, que assim está limitada a condições particulares bem definidas. O processo permite o tratamento de grandes volumes de resíduos.

A sua boa aceitação, por ser considerado um processo «natural», pode ser posta em causa pela tendência para a utilização de microrganismos resistentes cuja propagação poderá sempre suscitar problemas ambientais inesperados.

3.3 - Tratamentos físicos de resíduos

Os tratamentos físicos são normalmente parte integrante de qualquer processo de tratamento de resíduos. Existem contudo algumas técnicas de processamento físico que eliminam a toxicidade potencial dos resíduos, ou então tornam-nos inertes.

Os problemas ambientais de muitas substâncias resultam do perigo do seu transporte pelas águas e posterior acumulação nos níveis freáticos e passagem para a cadeia alimentar. Essas substâncias, não sendo propriamente tóxicas, podem produzir elevados prejuízos ambientais; a sua imobilização no local de deposição pode constituir uma solução aceitável como forma de tratamento.

Os tratamentos físicos não alteram a natureza química dos produtos tratados, podendo originar efluentes susceptíveis de serem posteriormente tratados por outras técnicas ou então permitirem inertizar os resíduos.

3.3.1 - Técnicas de vácuo

Para retirar substâncias orgânicas voláteis dos resíduos pode-se proceder à sua vaporização recorrendo a técnicas de vácuo. A utilização de furos nos montes de resíduos permite a criação de pontos de baixa pressão, se esses furos forem ligados a bombas de vácuo. Os produtos voláteis são vaporizados e arrastados pelo ar que vai penetrando na superfície dos resíduos. O ar contaminado poderá depois ser tratado, eliminando as substâncias voláteis.

Os vapores são depois parcialmente condensados, sendo a fase gasosa residual sujeita à oxidação catalítica ou ao tratamento por carvão activado.

Uma alternativa à técnica de vácuo, isto é, o uso de temperaturas baixas e pressões também reduzidas, é o uso de vapor de água para promover a volatilização de algumas substâncias orgânicas. Os vapores são depois condensados e tratados por destilação, sendo as águas residuais tratadas com carvão activado. Os vapores destilados são depois incinerados.

3.3.2 - Adsorção

Quando um resíduo ambientalmente perigoso se encontra diluído em concentrações muito baixas numa solução aquosa, pode ser feita a sua descontaminação pelo uso de colunas contendo carvão activado. A grande superfície do carvão activado permite fixar por adsorção os produtos contaminantes. O carvão poderá ser regenerado pela passagem de vapor de água ou eliminado por incineração.

3.3.3 - Inertização

A imobilização ou inertização das substâncias nocivas pode ser feita através de vários processos. O uso de cimento tipo Portland, encapsulamento com silicatos, asfaltos, termoplásticos ou resinas permite criar uma barreira estanque entre as substâncias perigosas e o meio externo. Depois de transformados em blocos ou microcápsulas, os resíduos deixam de ser facilmente solubilizados e transportados pelos agentes ambientais, podendo ser depositados em aterros controlados.

Numa perspectiva geral pode-se dizer que as técnicas de extracção por vácuo de produtos voláteis é relativamente simples e barata, originando habitualmente produtos sujeitos a posterior oxidação. As técnicas de inertização obrigam geralmente à deposição em contentores secundários que evitem a sua dispersão, bem como a deposição final em aterros controlados, o que pode vir a originar problemas a longo prazo, como veremos na parte dedicada aos aterros. A inertização efectuada com termoplásticos ou resinas é muito dispendiosa e obriga a elevados consumos energéticos.

3.4 - Tratamento químico in situ

O objectivo deste tipo de técnica é promover a fixação ou, mais geralmente, a remoção das substâncias nocivas de locais onde se tenha feito a deposição de resíduos.

O sucesso destas técnicas depende muito da natureza química das substâncias a remover.

O uso de soluções que vão ter de ser misturadas com os resíduos impõe especiais cuidados no conhecimento da geologia do local e em particular da hidrologia das zonas, de forma a salvaguardar a possível dispersão das soluções químicas de tratamento pelas águas do subsolo. O processo de tratamento químico é aplicável não só a contaminantes orgânicos, mas também inorgânicos.

3.4.1 - Lavagem do solo e dos resíduos por percolação

A utilização de soluções aquosas na lavagem dos produtos nocivos pode permitir a solubilização e remoção das substâncias indesejáveis ou então a sua concentração e confinação em locais predeterminados. No último caso, as soluções contaminadas são bombeadas para fora do local e sujeitas a um tratamento posterior.

A lavagem do solo é facilitada pela presença de resíduos de elevada dimensão, que permitem a circulação das soluções de lavagem. Pelo contrário, sedimentos finos tornam este método dificilmente aplicável, não só pela dificuldade de percolação das soluções, como também pela elevada superfície específica das partículas que tendem a adsorver os contaminantes, tornando difícil a sua remoção.

Os reagentes utilizados para a preparação das soluções podem ser ácidos ou bases, geralmente fracos, agentes complexantes, detergentes e agentes químicos redutores. Os detergentes oferecem uma boa forma de aplicação, em particular os surfactantes aniónicos.

Uma alternativa à percolação dos depósitos pelas soluções químicas é a lavagem dos resíduos e do solo contaminado. Neste caso o solo e os resíduos são removidos e sujeitos a uma operação de crivagem de forma a separar partículas de maior dimensão. As fracções mais finas, que devido às elevadas superfícies adsorvem a maioria das fracções nocivas, são depois lavadas em contracorrente por soluções químicas específicas para as substâncias a tratar.

Os resíduos sólidos depois de lavados são novamente depositados em aterro, enquanto as soluções contaminadas de lavagem serão tratadas e eventualmente recicladas.

Estas técnicas de lavagem podem ser aplicadas a uma ampla variedade de depósitos contaminados por substâncias tais como solventes halogenados, reagentes aromáticos, metais pesados, etc. Uma variante dos processos de percolação e lavagem com soluções aquosas é a utilização de solventes orgânicos. O uso de solventes orgânicos permite em situações particulares diminuir a carga poluente dos resíduos, nomeadamente quando se trata de contaminantes orgânicos como os PCB e os compostos orgânicos voláteis [VOC (volatile organic compounds)].

Alguns destes processos utilizando solventes orgânicos são efectuados por instalações móveis. Os produtos do tratamento podem ser separados em fracção orgânica, água e sólidos. A completa separação da emulsão água/óleo é conseguida pela adição na água de uma amina, por exemplo tri-etil-amina, que permite separar totalmente as moléculas da água das moléculas orgânicas e assim permitir a extracção das últimas.

Um processo de centrifugação permite então separar os sólidos dos líquidos.

O aquecimento dos sólidos permite a sua secagem.

A solução contaminada é sujeita a um aquecimento que permite separar a fracção orgânica arrastada com o solvente que é vaporizado. Os óleos são decantados e os solventes reciclados. Os óleos serão objecto de posterior tratamento por incineração ou regeneração.

O uso de solventes orgânicos implica cuidados especiais, dada a sua elevada inflamabilidade. Uma alternativa aos solventes orgânicos consiste no uso de gases liquefeitos, sendo o processo realizado a pressões elevadas.

Gases liquefeitos como o propano ou o anidrido carbónico são misturados com os resíduos, em câmaras pressurizadas. Estes gases são capazes de dissolver elevadas quantidades de substâncias orgânicas. As soluções de gases contendo os produtos a separar são sujeitas a um tratamento de separação, efectuado também a pressão elevada, permitindo regenerar os gases liquefeitos e isolar os produtos nocivos. Os gases são reciclados e os resíduos retirados.

A utilização destes fluidos implica que os resíduos sejam intimamente misturados com os gases liquefeitos, na forma de uma polpa capaz de ser bombeada para a câmara de reacção. Esta exigência obriga à prévia calibração dos resíduos antes de se iniciar a operação de limpeza.

Resíduos contendo metais pesados podem ser tratados quimicamente pelo uso de reagentes químicos redutores ou oxidantes. Mais uma vez é necessário que os resíduos sejam intimamente combinados com os reagentes químicos.

Este facto pode implicar operações complementares de crivagem e moagem.

As simples alterações de pH podem ser úteis como tratamento prévio do tratamento de oxidação-redução ou de precipitação de substâncias indesejáveis. Para ajustar o pH é necessário injectar nos resíduos soluções ácidas (por exemplo ácido sulfúrico), ou fortemente básicas (por exemplo soda cáustica). As mudanças de pH podem permitir a precipitação de alguns metais pesados.

Os reagentes oxidantes (ozono, água oxigenada, cloro, hipoclorito de sódio) podem possibilitar o tratamento de resíduos contendo substâncias aromáticas e compostos tóxicos como os cianetos, soluções contendo arsénio, etc.

Os compostos orgânicos halogenados, em particular os halogenados benzénicos, são dos produtos mais nocivos do ponto de vista ambiental. O uso de polietilenoglicol ou de um sal de potássio deste reagente permite separar os halogénios ligados às moléculas orgânicas, convertendo-as em sais (por exemplo cloreto de sódio). O processo exige uma mistura homogénea entre os reagentes e os resíduos, sendo a reacção efectuada a temperaturas da ordem dos 150ºC. A produção inevitável de vapor exige um sistema de condensação para recolha das fracções voláteis. As reacções de desalogenação utilizando os sais de polietilenoglicol são muito sensíveis à presença de água e de oxigénio, pelo que é necessário utilizar atmosferas de protecção de azoto.

Como se pode concluir da descrição sumária aqui feita, os processos de tratamento químico são muito específicos, sendo apenas aplicáveis a resíduos relativamente homogéneos do ponto de vista da composição. A lavagem dos solos por percolação é relativamente barata, mas condicionada pelo tamanho das partículas (areias ou produtos de maior granulometria). Os tratamentos de lavagem com remoção dos resíduos do seu local de depósito não permitem bons resultados na presença de partículas de elevado poder de adsorção, como é o caso de lodos e argilas. A aplicação de solventes orgânicos, além de implicar o uso de áreas fechadas, tem o perigo resultante da fuga e da inflamabilidade dos reagentes usados.

Na generalidade destes processos são originadas soluções ou resíduos que necessitam ainda de tratamento posterior das fracções resultantes do tratamento. Não são portanto processos limpos, sendo em muitos casos de eficiência baixa. A incineração será o destino final das lamas de tratamento em que se encontram concentrados os produtos a eliminar.

O estudo aprofundado dos efluentes e do ciclo completo do tratamento poderia decerto apresentar muitos mais inconvenientes e reservas do ponto de vista ambiental do que os aqui referidos.

A valorização dos resíduos recuperados através da sua reutilização implicaria novas operações de purificação, com consequentes custos energéticos, para além de grande dificuldade na garantia de produtos finais de qualidade controlada.

3.4.2 - Processos de precipitação

Estes processos são particularmente úteis para separar os metais pesados em soluções aquosas (Wentz, 1995). Para cada metal há um intervalo de pH óptimo para promover a precipitação de um composto insolúvel. O anião associado ao metal vai influenciar fortemente a possibilidade de o precipitar.

Agentes complexantes podem tornar particularmente difícil a reacção de precipitação.

Nalguns casos é necessário alterar o estado de oxidação do ião, como por exemplo no caso do Cr(elevado a 6+), que é mais perigoso, mas também mais solúvel, do que o Cr(elevado a 3 +). Será então necessário proceder a reacções de oxidação prévias à modificação de pH que leve à precipitação.

O uso de reagentes como o sulfureto de sódio ou o bissulfito de sódio originam com os metais pesados a formação de precipitados, mas têm o grave inconveniente de poderem provocar a formação de gás sulfídrico, que é tóxico.

Em associação com as reacções químicas de formação de substâncias insolúveis podem usar agentes floculantes que neutralizam as cargas eléctricas das partículas coloidais em suspensão promovendo a sua floculação. Mais uma vez esta técnica tem de ser ajustada de forma específica ao efluente: o pH e o potencial zeta das partículas vão ser os factores determinantes no tipo de tratamento a efectuar. O uso de reagentes tais como o sulfato de alumínio, o cloreto fénico ou o sulfato fénico permite geralmente uma boa separação dos metais pesados de soluções aquosas. As alterações de pH são geralmente conseguidas pela adição de cal ou soda (carbonato de sódio). Uma alternativa ao uso destes reagentes é o recurso aos polielectrólitos, materiais poliméricos de elevada solubilidade na água, com capacidade de troca iónica que pode permitir a fixação dos iões metálicos.

3.5 - Aterros controlados e deposição em furos

Segundo as recomendações da agência norte-americana EPA, a hierarquia de tratamento dos resíduos deverá ser a seguinte: redução da sua produção, reciclagem, combustão e deposição em aterro (USEPA, 1989). Também a UE define na directiva de 18 de Março de 1991 uma hierarquia para o tratamento dos resíduos, e recomenda também a deposição em aterro como a última das alternativas (Legislação europeia, 1991). Não obstante, como se verificou na figura 3.7, a deposição em aterro continua a representar uma fracção muitíssimo significativa da gestão de resíduos.

Se esta metodologia é seguida em relação a resíduos banais como os resíduos sólidos urbanos, em relação aos resíduos industriais perigosos ela parece ter ainda mais razões para ser aplicada. Para evitar a deposição superficial, alguns países usam há muitos anos a deposição em profundidade, seja em furos, seja em minas de sal ou locais considerados geologicamente seguros.

3.5.1 - Injecção de resíduos

Esta técnica, utilizada há muito tempo nos EUA, consiste na deposição a grande profundidade dos resíduos industriais perigosos, em locais onde as formações geológicas permitem supor que não haverá grandes riscos de migração desses resíduos. A agência americana EPA classifica este tipo de depósitos em cinco classes, que variam desde poços especialmente abertos para o efeito, supostamente abaixo das camadas geológicas que suportam os níveis freáticos, até ao aproveitamento de antigos poços de exploração de petróleo, ou mesmo utilizando a injecção de resíduos como forma de auxiliar a saída do petróleo.

Neste processo, o furo efectuado é impermeabilizado pela colocação de cimento nos níveis superiores, constituindo um tubo de maior diâmetro externo que protegerá o solo e os lençóis de água superficiais. A partir de uma certa profundidade, depois de atravessar várias camadas geológicas, os resíduos sob pressão são injectados em camadas argilosas (Wentz, 1995).

O processo pode apresentar sérios problemas quando a camada impermeabilizante de cimento não puder garantir a necessária estanquicidade.

A pressão de injecção pode ser conseguida com águas residuais, que são aquecidas para a produção de vapor, de forma a consumir no processo o máximo de águas contaminadas.

Os regulamentos da EPA obrigam ao ajuste do pH e à filtração das águas contaminadas, limitando ainda os caudais de injecção em função da estação do ano, de forma a limitar o perigo de contaminação dos lençóis freáticos.

Apesar de este tipo de deposição ser efectuado a grande profundidade e, supostamente, não contaminar as águas subterrâneas, mesmo assim está sujeito a um grande número de restrições quanto à composição química dos resíduos. É proibida a injecção no solo de resíduos contendo solventes tais como tetracloreto de carbono, metanol, nitrobenzeno, tolueno, xileno, éter etílico, etc., bem como resíduos contendo dioxinas/furanos (USEPA, 1999c).

A partir de 1990, o estado da Califórnia proibiu a injecção em furos subterrâneos de substâncias contendo vários elementos, desde que excedam as concentrações-limites: As (500 mg/l), Cd (100 mg/l), Cr (VI) (500 mg/l), Hg (200 mg/l), Ni (134 mg/l), Si (100 mg/l), Th (130 mg/l). O mesmo regulamento limita também a deposição de halogenados orgânicos, desde que o seu teor ultrapasse os 10 000 mg/kg. As disposições minuciosas que constituem a parte 148 do Regulamento 40 CFR de 7 de Janeiro de 1999, da EPA dos EUA, demonstram que há sérias dúvidas quanto à possibilidade de garantir uma fixação no terreno de produtos químicos tão variados, como as substâncias inorgânicas ou os produtos orgânicos anteriormente referidos, cuja deposição em aterro está actualmente proibida pela legislação portuguesa.

3.5.2 - Aterros de resíduos industriais

A simples deposição de resíduos industriais originou no passado alguns casos tristemente célebres. No Norte dos EUA, em Niagara Falls, no final do século XIX, um industrial de nome William Love decidiu ligar os lagos Erie e Ontário por um canal, o Love Channel, que permitisse aproveitar a electricidade gerada pela passagem da água, resultante da diferença de cotas dos dois lagos.

A possibilidade de transporte de energia eléctrica, resultante do desenvolvimento da tecnologia da corrente alternada, veio a originar o abandono do empreendimento. Ficaram assim no local duas secções das escavações com cerca de 400 m de comprimento cada, que permaneceram ao abandono durante largos anos. A partir de 1930, as escavações começaram a ser usadas como depósitos de produtos químicos, por uma empresa que produzia plásticos, pesticidas e soda cáustica, a Hooker Chemical (Wentz, 1995).

No fim dos anos 40 muitas companhias estavam a usar o Love Channel para deposição de produtos químicos e cinzas volantes. O Exército Americano também depositou aí grandes quantidades de restos de armamento biológico e resíduos variados. Em 1952 o canal foi encerrado e selado com terra pela empresa proprietária.

No ano seguinte foi decidido construir no local uma escola, e, apesar dos avisos feitos pela empresa, os responsáveis locais avançaram com o projecto.

O terreno do Love Channel foi cedido à comuna do Niagara por um preço simbólico de um dólar, e começaram a ser construídas mais casas junto à escola. Sobre o aterro foi construído um parque e o local foi sendo progressivamente habitado ao longo do canal.

Foram detectados vários problemas na zona, nomeadamente infiltrações de produtos corrosivos em canalizações, piscinas, caves, etc. Ocorreram em 1958 os primeiros casos de crianças nascidas com horríveis deformidades.

Em 1976 começaram a aparecer, nos quintais de muitas casas, afloramentos de produtos químicos. Em 1977 as autoridades reconheceram que o local apresentava odores desagradáveis, mas não admitiram que a situação fosse perigosa para a saúde pública.

Estes factos ocorrem já depois de terem sido detectados vapores de várias substâncias tóxicas, e de ter sido verificado um número anormal de abortos espontâneos: 250 vezes acima da taxa normal.

Finalmente, em 1978, a escola foi encerrada e, devido a uma intervenção da administração central, 237 famílias foram evacuadas do local. Muitas destas pessoas sofriam de fadiga permanente, insónias, irritações de pele, náuseas, vertigens e paralisia. Em 1980 foi divulgado um estudo em que se evidenciava os resultados da exposição aos produtos químicos sobre os cromossomas dos habitantes da área. O presidente Carter ordenou então a evacuação de 700 famílias da área de Love Channel, mas as autoridades locais não só se opuseram à evacuação, como se recusaram a indemnizar as vítimas, até que o Governo Central garantisse a verba necessária para o pagamento da desastrosa política municipal que incentivara a ocupação da zona.

A empresa que procedera à deposição dos resíduos, a referida Hooker Chemical, demonstrou que a técnica de deposição dos resíduos nem fora descuidada nem desactualizada, respeitando as directivas existentes à época (1940-1952) sobre a deposição em aterro de produtos industriais. Só depois de uma longa batalha jurídica os residentes foram indemnizados. A intervenção para confinar os resíduos de Love Channel custou mais de 150 milhões de dólares, tendo terminado em 1990.

Embora seja evidente que construir junto a um aterro controlado de resíduos industriais perigosos é uma irresponsabilidade, o exemplo anterior serve para ilustrar até que ponto a deposição inadequada de produtos químicos, mesmo após vários anos, pode permitir o seu transporte pelas águas pluviais, aparecendo depois em locais diferentes, contaminando o solo e a água de extensas zonas. Um dos erros cometidos neste caso foi o de se ter depositado naquele local produtos químicos que nunca deveriam ter sido conduzidos para aterro, como aliás a legislação actual já reconhece. Em consonância, a possibilidade de libertação de vapores de substâncias tóxicas, mesmo em baixas concentrações, acabará por traduzir-se numa agressão ambiental com sérios riscos para a saúde humana.

Nos aterros municipais podem ser encontrados, embora com concentrações muito baixas, muitos dos mesmos tipos de resíduos industriais: pesticidas, solventes e produtos químicos variados são diariamente lançados ao lixo.

Neste aspecto, os lixiviados de um aterro municipal chegaram a ser considerados como tendo produtos tão nocivos como os de um aterro de resíduos industriais (Rachel's, 1988). De facto estas concentrações são muito inferiores, pelo que a extrapolação de alguns dos dados conhecidos sobre a composição de efluentes para os aterros de resíduos industriais para aterros urbanos seria sempre excessiva.

Apesar da quantidade desses produtos ser muito pequena, quando comparada com um resíduo industrial, que normalmente será constituído por grandes quantidades de uma mistura de substâncias que mantêm um espectro de composição típico, a verdade é que, se não houver cuidados apropriados, os níveis de emissão de alguns aterros municipais serão suficientes para serem detectados.

Num aterro municipal a decomposição da matéria orgânica, restos de comida principalmente, origina a formação de metano e dióxido de carbono. Note-se que o metano é particularmente agressivo para o ambiente, sendo estimado que a sua contribuição para o efeito de estufa é de cerca de 20 vezes a produzida pelo CO(índice 2). A quantidade de gases emitidos pode ser muito significativa; a título de exemplo refira-se que no distrito americano de Saint Louis Obispo, os regulamentos impõem como obrigatória a recolha de VOC emitidos pelos aterros, quando a emissão previsível em função da dimensão do aterro ultrapasse as 15 t de gases por ano (SLOCAPCD, 1995).

Nos aterros de resíduos industriais perigosos o metano não será preocupante, mas já o mesmo não se pode afirmar com segurança sobre outros gases.

Veja-se que nos aterros municipais, apesar da baixa concentração de produtos químicos voláteis, foi possível detectar concentrações significativas de amónia e sulfuretos e traços de tolueno, diclorometano, etilbenzeno, acetona, acetato de vinilo, benzeno e alguns organoclorados (Tchobanoglous et al., 1993). Por isso, presentemente, as directivas existentes não permitem depositar em aterros compostos deste tipo.

O resultado da deposição em aterro com alguma preocupação de separação dos produtos, como no caso de Love Channel, ou simplesmente acumulados em lixeiras de produtos de toda a espécie, foi a contaminação em larga escala desses lugares. As consequências foram suficientemente importantes para a administração norte-americana se ver na necessidade de criar um programa dotado de muitos milhões de dólares, o programa Superfund, destinado à recuperação desses locais. Para se poder avaliar da complexidade e do número de casos que têm vindo a ser tratados, bastará dizer que foi elaborado um completo manual para permitir um levantamento das situações (USEPA, 1999g). Já em 1993 havia 155 locais tratados e encontravam-se em fase de tratamento 380 lixeiras/aterros (USEPA, 2000a).

O programa Superfund é financiado quer pelas entidades responsáveis pela contaminação, quer pelo Superfund Trust Fund, proveniente de taxas aplicadas a indústrias químicas e petrolíferas. Este fundo é prioritariamente aplicado nas situações em que não é possível responsabilizar alguma entidade pelos danos ambientais, ou quando esta for insolvente (USEPA, 2000).

O problema das emissões gasosas provenientes dos aterros foi abordado, de forma sistemática, pela agência americana do ambiente (EPA) que publicou um manual, o User's Manual Landfill Gas Emission Model (Pelt et al., 1998), para avaliar o impacte dos gases tóxicos emanados de lixeiras e aterros.

Por exemplo, num desses numerosos locais, no aterro de Fultz, Byesville, Countyroad 52, no Ohio, aproveitando antigas minas de carvão, verificou-se uma contaminação dos solos e dos aquíferos da zona. Produtos orgânicos voláteis, tais como benzeno, PCE, TCE, tolueno, fenóis e resíduos metálicos contendo arsénio, crómio e chumbo, tiveram de ser confinados numa operação que custou 19,5 milhões de dólares e terá de prolongar-se durante 30 anos, com custos de manutenção da ordem dos 218 000 dólares anuais (USEPA, 1991). É que certos produtos orgânicos mantêm a sua actividade durante períodos longos. A título de exemplo, refira-se que o tempo de semivida de produtos orgânicos derivados da hidrólise ou desidrogenação de compostos halogenados alifáticos a 20ºC é de 7000 anos para o tretraclorometano e de 384 anos para o 1,1,1,2-tetracloroetano (Tchobanoglous et al., 1993).

A deposição indiscriminada de resíduos em lixeiras ou em aterros mal planificados ou mal geridos origina um negócio que inicialmente é de baixo custo, mas pode vir a revelar-se não só catastrófico do ponto de vista ambiental, mas também ruinoso do ponto de vista económico.

Para evitar os problemas acima descritos, a deposição em aterro dos resíduos industriais está, hoje em dia, sujeita a severas restrições, como veremos a seguir.

3.5.3 - Condições para a implantação de um aterro

As condições para a implantação e exploração de um aterro de materiais perigosos foram definidas na Conferência de Basileia de Março de 1994 (UNEP, 1994a). As condições mínimas para o estabelecimento de um aterro passam por:

i) Local adequado do ponto de vista geológico, e sobretudo hidrológico;

ii) Local relativamente afastado de zonas densamente povoadas;

iii) Local de acesso fácil sem passar pelo meio de agregados

populacionais;

iv) Impermeabilização do local de deposição;

v) Recolha e tratamento dos produtos lixiviados;

vi) Cobertura dos resíduos.

Segundo a Directiva n.º 99/31/CE, de 26 de Abril de 1999, os aterros são classificados em três grupos: para resíduos perigosos, não perigosos e resíduos inertes.

Construção e gestão de um aterro

Um aterro é geralmente uma cavidade efectuada no solo no qual os resíduos vão ser depositados. Para a protecção do solo é feito um revestimento do fundo com telas impermeáveis. Para evitar que os produtos, arrastados pelas águas das chuvas, possam vir a infiltrar-se no solo, ou serem transportados para as linhas de água, é montado um sistema de recolha das soluções lixiviadas. Para evitar a entrada de água, à medida que o processo de deposição prossegue, vai-se procedendo à cobertura dos resíduos.

O revestimento do fundo pode ser constituído por um leito impermeável de argila ou por membranas poliméricas (geotêxtil). Da geometria do fundo vai depender a possibilidade de captação das soluções que escorrem do aterro resultantes da acção das águas pluviais, ou de líquidos preexistentes misturados com os sólidos.

As escorrências são recolhidas, e através de uma tubagem são bombeadas ou deslocam-se devido à força da gravidade para uma bacia de recepção, onde são tratadas como águas residuais.

A cobertura pode ser conseguida pela deposição de argilas ou tela impermeável, acima da qual é depositada uma camada de solo permeável ou areia, e finalmente na superfície uma camada de solo que permite a fixação da vegetação.

O aterro é dividido em células que vão sendo ocupadas em períodos de tempo curtos (geralmente um dia). Um aterro tem ainda de dispor de um sistema de monitorização que permita determinar a contaminação das soluções que escorrem, bem como avaliar a emissão de gases.

Para além dos constituintes indicados, é necessário haver a existência de tubagens para a recolha das escorrências líquidas e dos gases libertados. A recolha dos gases é efectuada em tubos perfurados, envolvidos por uma camada de gravilha.

Um aterro bem projectado deve permitir a retenção dos lixiviados, mesmo no caso de o sistema normal apresentar alguma falha. A retenção dos efluentes não vai eliminar em absoluto o risco de uma contaminação perigosa vir a ocorrer no futuro, na medida em que muitos produtos mantêm a sua actividade durante longos períodos. Todavia, esta protecção é uma medida muito mais eficaz do que o que se passava com as lixeiras portuguesas, que felizmente estão a ser encerradas.

Para assegurar uma boa drenagem dos lixiviados, a melhor forma é utilizar uma impermeabilização do fundo constituída por uma tela depositada sobre o solo (a partir da qual se faz a recolha do lixiviado), coberta com uma camada de drenagem. A camada de drenagem prevista na legislação europeia é de pelo menos 0,5 m (Legislação europeia, 1999). Sobre esta camada é colocada uma segunda tela, reforçando assim a protecção contra infiltrações acidentais.

A recolha dos lixiviados é feita normalmente no fundo da tela superficial; se no entanto houver uma falta de estanquicidade desta tela, o infiltrado vai atravessar a camada de enchimento que é permeável, permitindo a acumulação no fundo da tela exterior, onde é feita a recolha das escorrências da fuga.

Havendo centenas de produtos químicos perigosos, é praticamente impossível prever as consequências que resultem de eventuais reacções entre eles. A criação de células individuais, agrupando produtos compatíveis, é assim essencial para evitar reacções químicas imprevisíveis: reacções de oxidação/redução, ácido/base e decomposição biológica podem alterar profundamente a composição inicial do aterro.

O isolamento das células e a protecção contra a acção das águas pluviais é essencial para garantir a segurança do aterro. A legislação comunitária exige a existência de um talude, de pelo menos 5 m de espessura, que evite que a água o atravesse a uma velocidade superior a 1000 m/s, ou seja, 2,6 mm/mês.

Dadas as características químicas muito diversas dos materiais depositados e a existência de sólidos com arestas vivas, é muito difícil encontrar uma tela de protecção que resolva todos os problemas. Por exemplo, uma tela de borracha butílica é atacada por hidrocarbonetos, sendo contudo muito estanque e impermeável à passagem de vapores; um polietileno clorado é sensível ao contacto com substâncias aromáticas (Wentz, 1995, cap. 12).

Telas feitas à base de PVC resistem bem aos reagentes inorgânicos, mas são atacadas por produtos orgânicos; o polietileno comporta-se bem em contacto com óleos, mas é mais facilmente perfurado do que as telas de borracha. Será portanto quase impossível que um aterro deste tipo não venha a apresentar fugas devido à danificação do seu sistema de impermeabilização.

Para prevenir a ocorrência dos problemas descritos é essencial evitar que determinados materiais sejam conduzidos para aterro. A Directiva n.º 1999/31/CE proíbe nomeadamente a aceitação em aterros de resíduos líquidos e dos que nas condições do aterro sejam explosivos, corrosivos, oxidantes ou inflamáveis.

A recolha dos produtos lixivados e a monitorização do aterro através da recolha de amostras em piezómetros (furos com um máximo de 10 cm de diâmetro) abertos nas imediações são a única garantia contra eventuais falhas no sistema de contenção dos resíduos.

Dado o grande isolamento dos produtos, este controlo poderá ter de ser feito durante muitas dezenas de anos. As amostras colhidas nesses poços de controlo permitem saber quais os poluentes que estão a começar a contaminar o terreno, bem como avaliar a pluma de distribuição da mancha contaminada.

A localização dos furos de controlo tem de ser adequadamente estudada para evitar fornecer informações erradas, principalmente se existirem falhas ou zonas geologicamente estanques. Nesse caso, a água recolhida no furo pode não estar em contacto com o lençol do aquífero directamente ligado com o aterro. Isto significa que mesmo localizando a jusante os poços de controlo, não será sempre garantido que o percurso de águas eventualmente contaminadas seja intersectado.

A salvaguarda de todos os problemas anteriormente referidos pode tornar muito cara a exploração de um aterro. Este facto pode originar o aparecimento de ofertas a um preço incompatível com o estabelecimento de medidas rigorosas de segurança, conforme se reconhece nos considerandos da Directiva n.º 1999/31/CE.

A preocupação de reduzir a quantidade de materiais destinados a aterro está expressa no artigo 5.º do referido diploma, onde, mesmo para os resíduos urbanos biodegradáveis, se recomenda uma redução para 75% no prazo máximo de cinco anos e para 35% no prazo máximo de 15 anos.

Conforme já foi referido, estas disposições inviabilizam a deposição em aterro de grande parte dos resíduos actualmente existentes em Portugal com elevado valor energético. De facto, tanto os óleos como os solventes orgânicos são inflamáveis, e a sua diluição para satisfazer as normas não é permitida.

A necessidade de garantir as verbas necessárias à selagem do aterro, e a sua vigilância e monitorização por um período predefinido, levou os legisladores a exigirem o estabelecimento de garantias bancárias antes do início da operação de exploração dos aterros. Todas estas precauções e muitas outras, como o controlo de recepção, registo de quantidades e características dos resíduos previstos na legislação aprovada em 1999, poderão evitar os casos trágicos anteriormente referidos.

A deposição em aterro de resíduos industriais perigosos, contudo, exigirá sempre especiais cuidados e, pelo número de transformações imprevisíveis que podem aumentar com o tempo, deverá ser sempre uma alternativa última, a evitar sempre que possível, como aliás foi fixado na hierarquia de opções de gestão de resíduos em vigor em Portugal e na UE. Uma parte significativa dos resíduos industriais encontra-se associada a líquidos constituindo pastas ou lamas, de composição muito variada. Esses resíduos terão de ser necessariamente inertizados para poderem ser colocados em aterro, nos termos da legislação em vigor.

Como se referiu anteriormente, a mistura dessas substâncias com cal, cimento Portland, silicatos ou com produtos mais caros como termoplásticos ou resinas (Wozniak, 1991) pode tornar inerte o resíduo, evitando o seu arrastamento pelas águas pluviais.

A limitação da emissão de vapores de substâncias orgânicas voláteis é mais difícil de conseguir; embora muitos desses produtos na forma gasosa sejam degradáveis pela acção da luz solar, não deixa de ser preocupante a possibilidade de eles se virem a combinar dentro do aterro com outros efluentes, vindo depois a ser arrastados para o exterior.

Há um grande número de questões para as quais dificilmente se pode fornecer respostas peremptórias: Qual é o tempo de degradação do material de inertização?; Qual o efeito dos resíduos, a longo prazo, sobre o seu invólucro?;

Não há reacções entre os diversos produtos depositados?; Como vão ser assegurados no futuro (daqui a umas dezenas de anos) a recolha e o tratamento dos efluentes do aterro? Porém, desde que seja escrupulosamente respeitada a legislação em vigor na UE, as substâncias que constituem maior risco não irão para aterro.

O argumento utilizado para a deposição controlada de resíduos industriais perigosos, nomeadamente contendo produtos orgânicos voláteis, é o de que se deverá evitar a todo o custo a destruição dos materiais, procurando a sua reutilização e novas formas de valorização. Mas este argumento colide com outro ambientalmente defensável: guardar materiais com valor energético potencial é desperdiçar combustíveis fósseis que poderiam ser poupados se fossem substituídos pelos resíduos.

A confinação de resíduos industriais perigosos minerais, contendo pequenas percentagens de metais pesados, poderá ser uma opção aceitável: a sua inertização pela utilização de soluções relativamente baratas, com a incorporação em blocos de cimento, dificilmente originará grandes riscos ambientais, pois mesmo que esses blocos se venham a degradar ao fim de umas dezenas de anos, a libertação dos metais será sempre um processo muito lento, o que assegura que os teores dos elementos nocivos serão sempre muito baixos, assemelhando-se o processo ao arrastamento dos constituintes minerais das rochas devido à acção das águas e dos fenómenos naturais de erosão.

3.6 - Métodos térmicos

Tanto os tratamentos químicos como os físicos não apresentam geralmente, como se referiu, uma solução final para os produtos químicos perigosos.

Quase todas as técnicas apresentadas anteriormente originam novos efluentes que são ambientalmente indesejáveis.

A destruição dos compostos orgânicos pode ser conseguida utilizando processos térmicos. Ao contrário das tecnologias biológicas, químicas e físicas, as técnicas de destruição pelo calor são muito menos dependentes da especificidade do produto a tratar. Enquanto os processos químicos exigem para cada tipo de produto condições particulares (tempo de contacto e regulação do meio onde ocorre a reacção, para além de reagentes adequados a cada caso), no tratamento térmico bastará garantir que determinadas temperaturas são atingidas durante um tempo mínimo, para se poder considerar que praticamente todas as moléculas orgânicas iniciais vão ser destruídas.

Em relação aos metais a situação é mais complexa: todos os metais introduzidos vão sair nos efluentes, sendo ainda possível que alguns se possam volatilizar durante o processo, o que poderá ocasionar efluentes gasosos se não forem tomadas medidas cautelares.

Se exceptuarmos os metais pesados, as técnicas térmicas são uma solução final para o problema dos resíduos perigosos, podendo as mesmas condições de condução do processo ser aplicadas a centenas de espécies químicas orgânicas.

Os objectivos a atingir serão normalmente três: destruir os componentes orgânicos dos resíduos, reduzir o seu volume e originar a produção de produtos sólidos e efluentes gasosos inócuos. As tecnologias de destruição térmica têm vindo a aumentar o número de instalações e a quantidade de resíduos tratados, na medida em que as exigências crescentes de preservação do ambiente têm tornado cada vez mais restritivo o uso de aterros.

A deposição em aterro de matéria orgânica com poder calorífico relevante representa, em termos globais, o desperdício de uma fonte energética com dois inconvenientes: gasto de recursos para tratar o resíduo e perda das potencialidades por este oferecidas de substituir recursos não renováveis, como é o caso dos combustíveis fósseis.

As técnicas de tratamento de resíduos permitem o tratamento de cargas sólidas, líquidas ou gasosas.

Podemos classificar genericamente os processos térmicos em três grupos: a incineração, isto é, combustão na presença de oxigénio; a gaseificação, que é uma combustão parcial com deficiência de oxigénio; e a pirólise, efectuada ao abrigo do ar. No caso da incineração os produtos finais mais importantes serão anidrido carbónico, óxidos de azoto (NO(índice 2)), vapor de água e cinzas.

Nos processos de incineração o oxigénio é fornecido em excesso para permitir a combustão completa. A capacidade de destruição das moléculas orgânicas depende da temperatura atingida e do tempo de residência a alta temperatura.

Admite-se que um mínimo de 850ºC durante pelo menos dois segundos, na presença de um mínimo de 6% de oxigénio em excesso, são necessários para destruir as moléculas orgânicas. No caso de incineração de resíduos perigosos com um teor superior a 1% de substâncias orgânicas halogenadas, expresso em cloro, a temperatura deverá atingir valores iguais ou superiores a 1100ºC durante pelo menos dois segundos (Brunner, 1994; Legislação europeia, 1994).

No tratamento por gaseificação pode-se usar várias alternativas de combustão incompleta, com produção de um gás combustível.

Nos tratamentos de pirólise, que abordaremos com maior detalhe, provoca-se a decomposição da matéria orgânica com formação de metano, monóxido de carbono e vapor de água. Estes gases combustíveis permitem obter energia térmica. Esta pode ser depois aproveitada para a produção de vapor que poderá ser transformado em electricidade.

Quanto às temperaturas atingidas há processos que utilizam temperaturas relativamente baixas (inferiores a 550 ºC), enquanto outros utilizam temperaturas elevadas.

3.6.1 - Incineradores de infravermelhos

O uso de resistências eléctricas em atmosfera oxidante permite a decomposição de resíduos sólidos contendo matéria orgânica. Os gases produzidos são depois encaminhados para uma segunda câmara onde é efectuada a combustão completa. Os gases de combustão são finalmente submetidos a um tratamento de lavagem antes de serem lançados para o exterior. Um destes equipamentos foi construído experimentalmente pela Shirco Infrared Systems e aparentemente não se encontra comercializado (Waznick e Reisch, 1991).

Uma versão deste método, construída pela empresa K. Wastes com o objectivo de tratar efluentes da indústria petrolífera, utiliza uma técnica de centrifugação prévia das lamas contendo hidrocarbonetos, que são depois transportadas por uma tela metálica onde são aquecidas pelas resistências.

Os hidrocarbonetos são vaporizados numa atmosfera pobre em oxigénio, sendo depois condensados e recuperados (Wentz, 1995).

3.6.2 - Gaseificação

É uma técnica eficiente para a redução significativa do volume de alguns tipos de resíduos. A sua aplicação ao tratamento de resíduos veio a retomar uma tecnologia desenvolvida a partir dos meados do século XIX para a produção de combustíveis gasosos para aplicações industriais. Este processo foi depois estendido à alimentação de automóveis, com a construção de equipamentos adaptados ao próprio veículo.

O processo de gaseificação envolve reacções entre o carbono da matéria orgânica e oxigénio com formação de anidrido carbónico, monóxido de carbono, metano e hidrogénio, o que origina uma mistura gasosa com baixo poder calorífico e ainda um líquido contendo matéria orgânica e um resíduo sólido. Existem várias alternativas de construção deste tipo de gasógenos: leito fixo vertical, leito fixo horizontal, leito fluidizado, leito múltiplo e forno rotativo.

Os gasogénios permitem alcançar níveis de emissões gasosas muito favoráveis mesmo quando usam sistemas de controlo simples (Tchobanoglous et al., 1993). O nível de emissão de VOC e partículas pode atingir valores muito baixos, mesmo usando apenas um ciclone para o tratamento de gases efluentes, como o sistema Puro X fabricado pela Union Carbide, que utiliza uma tecnologia de leito fixo vertical.

Alguns equipamentos de leito horizontal fixo começam por realizar a produção de gás numa primeira câmara, completando numa segunda câmara a combustão dos gases, que alimentam uma caldeira para produção de vapor.

Estes equipamentos apresentam, contudo, alguns inconvenientes que os tornam de difícil aplicação para tratamento de resíduos provenientes de fontes diversas: a remoção das cinzas das câmaras de combustão é um dos problemas e muitos modelos não passaram de tentativas à escala piloto.

Deve-se sublinhar que, embora muitos equipamentos não façam a combustão da matéria orgânica, a verdade é que produzem combustíveis gasosos que depois serão queimados (Staniewski, 1995), normalmente em caldeiras.

Da utilização dos gasogénios resultam, além dos gases, combustíveis líquidos contendo matéria orgânica e resíduos sólidos que terão depois de ser encaminhados para outros destinos.

A decomposição térmica dos compostos orgânicos vai absorver energia durante a combinação parcial com o oxigénio (gaseificação directa); estes processos podem por vezes confundir-se parcialmente com as técnicas de pirólise (decomposição ao abrigo do oxigénio).

Alternativamente à introdução de oxigénio, pode-se usar o vapor de água, que se vai combinar com os produtos orgânicos para originar a produção de gás combustível. Quando as reacções de gaseificação se dão com o emprego de oxigénio puro, as temperaturas atingidas, da ordem dos 2000.ºC, originam a fusão das cinzas, com produção de uma escória líquida.

Os efluentes líquidos e as cinzas, em particular se estiverem fundidas, ou seja, na forma de escórias, não apresentam em princípio problemas de eliminação.

Os efluentes gasosos resultantes da combustão dos gases produzidos apresentam níveis muito baixos de dioxinas e furanos bem como de outros efluentes nocivos (VOC e partículas).

Os gasogénios continuam a ser equipamentos adequados para utilizar o carvão como fonte energética (Duffy e Nelson, 1997). Em particular os sistemas que promovem a dessulfuração dos gases são adequados para o uso de carvões com elevado teor de enxofre (DOEFE, 2000), sendo também alguns equipamentos utilizados para produzir electricidade a partir da biomassa (DOE, 1993).

Um processo de gaseificação em leito fluidizado utilizando vapor de água (Viking Gasification System) tem sido usado para o tratamento de resíduos industriais perigosos, nomeadamente contendo metais pesados (Environment Australia, 2000) que ficarão combinados com as cinzas.

A oxidação catalítica de hidrocarbonetos permite uma alternativa às tecnologias anteriores (CSW Corporation, 2000). Mais uma vez o resultado de operação é a produção de um gás combustível com a possibilidade de fixação nas escórias fundidas dos metais e dos constituintes inorgânicos da carga.

3.6.3 - Pirólise

Ao contrário da combustão e da gaseificação, em que a matéria orgânica reage com o oxigénio, na pirólise provoca-se a decomposição da matéria orgânica sem contacto com o ar, por aquecimento a temperaturas relativamente baixas, da ordem dos 430ºC, a pressões elevadas (CPEO, 1998), ou a temperaturas da ordem dos 800ºC como num estudo à escala piloto para o tratamento de resíduos de polímeros (Westerhout, 1996). A decomposição pode ser facilitada se a pressão for baixa como no sistema Pyrocycling (Enviro Access, 1995).

Os produtos resultantes da pirólise são:

i) Gases (hidrogénio, metano, monóxido de carbono, dióxido de carbono e outros gases), dependendo do tipo de resíduos a tratar;

ii) Líquidos do tipo alcatrão de hulha, ácido acético, metanol e

hidrocarbonetos oxigenados;

iii) Sólidos, tipicamente um alcatrão essencialmente constituído por carbono e elementos residuais.

Os processos pirolíticos são endotérmicos, ao contrário do processo de gaseificação ou de incineração; é pois necessário fornecer externamente calor ao sistema para que a reacção de pirólise se possa processar. A formação de maiores ou menores quantidades de líquido ou gás depende da temperatura do processo.

Os equipamentos de pirólise têm sido usados industrialmente para a produção de carvão de madeira, coque a partir de carvão e gás combustível, a partir de fracções pesadas de petróleo.

Uma forma de aquecer os resíduos é utilizar sais fundidos (CPEO, 1998) que podem reter parte dos elementos residuais. O processo tem sido também usado para o tratamento de resíduos hospitalares contaminados (Statewide Medical Services, 2000) combinando um ciclo de aquecimento de alta temperatura (1200 ºC) durante dezoito horas com um sistema de combustão dos gases formados. Uma alternativa é a associação do processo de pirólise ao aquecimento a alta temperatura por plasma (EBA, 1998), ou combinando a pirólise por plasma com a gaseificação (Camadro, 2000).

Para o tratamento de resíduos diversificados, à escala de uma instalação dedicada, as técnicas de pirólise não parecem ter alcançado grande desenvolvimento industrial. Os resíduos acabam por ser incinerados de forma indirecta, isto é, são decompostos e depois eliminados por combustão. A produção de resíduos sólidos e de líquidos contaminados pode constituir um problema suplementar de exploração.

No que diz respeito à produção de dioxinas/furanos, aparentemente não estão disponíveis estudos que permitam garantir inequivocamente uma vantagem nítida sobre as tecnologias de incineração mais avançadas nem com as técnicas mais simples de gaseificação.

3.6.4 - Incineradores de forno rotativo

Existe um grande número de variantes desta tecnologia. No essencial este processo é considerado uma técnica de incineração de alta temperatura podendo tratar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos.

O sistema consiste num forno cilíndrico rotativo, inclinado, seguido de uma câmara de combustão final e de um sistema mais ou menos complexo de tratamento dos gases. A inclinação do forno permite que os resíduos vão caminhando ao longo do forno, enquanto que o movimento rotativo das paredes origina uma circulação constante da carga que facilita a sua combustão completa. Os resíduos são carregados na extremidade do forno no mesmo ponto em que podem ser utilizados queimadores auxiliares para fornecerem a energia necessária ao processo. Os produtos finais são gases de combustão, cinzas e água de lavagem dos gases.

Conforme a temperatura de trabalho, as cinzas podem sair num estado sólido mais ou menos disperso, ou atingir o estado líquido, originando assim uma massa de maior estabilidade térmica dentro do forno. Os incineradores que permitem fundir as escórias podem receber cargas em bidões, que acabarão por ser oxidados e incorporados nas escórias. A produção de uma escória viscosa pode originar o entupimento do forno.

Como a combustão na câmara rotativa não é geralmente completa, estes incineradores possuem normalmente uma segunda câmara de combustão, dita de pós-combustão, onde os gases acabam de ser queimados permitindo uma elevação da sua temperatura.

Na Europa os incineradores deste tipo tratam geralmente uma grande variedade de resíduos e exigem um parque de pré-tratamento da carga (v.

preparação de combustíveis alternativos) e um aterro onde possam depositar os efluentes contaminados resultantes do processo de incineração. A recuperação de energia é feita pela produção de vapor que vai ser usado na produção de electricidade. Depois da câmara de pós-combustão, os gases têm de ser tratados de forma a eliminar os ácidos, algumas substâncias voláteis como mercúrio e substâncias orgânicas não totalmente destruídas no processo de queima. A parte de tratamento de gases constitui uma grande fracção da totalidade do sistema (v. capítulo 4).

Existem sistemas destes a operar na Alemanha, por exemplo a unidade instalada em Hesse com dois fornos rotativos e uma capacidade anual de 60 000 t. A temperatura máxima atingida na câmara de pós-combustão é de 950ºC. Uma outra unidade encontra-se instalada em Ebenhausen, na Baviera, desde 1976, recebendo resíduos de cerca de 10 000 empresas. A instalação permite o tratamento de PCB, visto atingir 1200ºC no forno rotativo, com um tempo de residência de três segundos. Apesar destas características, o teor máximo de cloro dos resíduos incinerados não pode ultrapassar os 10%.

Apesar dos sistemas de lavagem de gases, o estudo dos terrenos envolventes permitiu identificar teores elevados de Hg, Cd e Pb (Brunner, 1994).

Na Dinamarca, em Nyborg, opera desde 1975 uma incineradora que recebe resíduos de 21 estações de transferência. Um dos fornos rotativos não está equipado com um sistema de lavagem de ácidos, o que limita a sua capacidade de tratar resíduos com teores em cloro inferiores a 1%. Um novo forno está já provido de tratamento de gases ácidos, sendo operado a alta temperatura, 1400ºC, o que permite fundir os resíduos de combustão, e inclusive destruir os bidões de transporte.

Com algumas variantes existem instalações utilizando fornos rotativos em França (Sandouville, 1970; Saint Vulbas, 1975; MitryCompans, 1977; Limay, 1975), Finlândia (Riihimaki, 1985), Holanda, Suécia, Áustria, Noruega...

3.6.5 - Incinaradores de leito fluidizado

Trata-se de um sistema de incineração dedicada em que a carga é mantida em suspensão dentro de um forno vertical contendo um leito inerte cerâmico, ou grelhas de metal perfuradas. A suspensão das partículas é conseguida devido à grande velocidade de ascensão dos gases de combustão dos resíduos e de combustível auxiliar.

O tempo de retenção é longo, cinco a oito segundos (Wentz, 1995), permitindo a manutenção das partículas de resíduos até que a sua completa combustão a temperaturas entre 750ºC e 880ºC faça diminuir as suas dimensões, possibilitando o arrastamento pelos gases ascensionais. O sistema utiliza uma câmara secundária onde é completada a combustão. Os gases são depois submetidos a purificação usando sistemas de filtragem e lavagem.

Os resíduos podem estar na forma sólida, líquida ou gasosa, mas o seu controlo dimensional e a homogeneidade da densidade são fundamentais para garantir a estabilidade do processo.

Uma variante desta técnica utiliza velocidades muito altas capazes de obrigarem ao arrastamento das partículas sólidas até um ciclone de separação, onde os gases são separados e recirculados para a câmara anterior. Esta técnica permite trabalhar a temperaturas mais baixas do que o leito fluidizado, originando assim a produção de menores teores de NO(índice x).

3.6.6 - Técnicas de vitrificação

O uso de temperaturas muito elevadas permite que os sólidos resultantes da combustão possam ser fundidos. Este método permite imobilizar os metais pesados no meio de uma matriz vítrea, o que os torna particularmente estáveis perante os efeitos das águas pluviais, quando são posteriormente depositados em aterro. Uma destas técnicas (Camadro, 2000; EBA, 1998) utiliza uma tocha de plasma alimentada electricamente. Um pequeno fluxo de gás permite o estabelecimento do plasma por descarga de eléctrodos colocados na tocha.

No extremo da tocha é injectado o material a destruir.

A temperatura máxima é altíssima (4000ºC a 7000ºC), o que permite fundir todos os metais e cerâmicos. O aquecimento da matéria orgânica origina a sua decomposição (pirólise). A injecção na zona de alta temperatura de água permite a gaseificação da matéria orgânica. O sistema consome água e energia eléctrica em grande escala: 650 kW/t de resíduos sólidos urbanos (Camadro, 2000). Produz uma mistura de gases combustíveis (H(índice 2), CO, CO(índice 2), N(índice 2)) e uma escória fundida totalmente vetrificada. Os gases, depois de sujeitos a um processo de lavagem e filtragem, podem ser utilizados como energia térmica e eventualmente empregues na produção de electricidade.

Balanço energético

Apesar do elevado consumo de energia eléctrica na produção do plasma, a combustão dos gases resultantes do processo de gaseificação permite a produção de energia eléctrica. O balanço energético final é positivo, da ordem dos 700 kW/t de resíduos urbanos (Camadro, 2000).

Os produtos retidos nos sistemas de lavagem (soda cáustica ou cal) podem ser introduzidos na câmara de tratamento, sendo assim incorporados nas escórias vitrificadas (RCLO, 2000). É assim possível ter apenas um único tipo de resíduo, a escória vitrificada.

Uma instalação deste tipo, dado o elevado consumo de energia eléctrica, faz sentido para o tratamento de grandes volumes de resíduos, tipicamente resíduos sólidos urbanos, acoplada a uma central termoeléctrica; trata-se portanto de uma solução alternativa às incineradoras de resíduos urbanos.

3.6.7 - Oxidação com ar húmido

É um processo de tratamento de baixa temperatura (200 - 350ºC), no qual água e ar são misturados a alta pressão (20-200 bar), com os resíduos orgânicos. A mistura é conduzida para um permutador de calor, onde se dá uma reacção de oxidação da matéria orgânica, com produção de calor. Os líquidos e gases resultantes desta reacção de oxidação a baixa temperatura são depois separados, sendo o seu calor sensível aproveitado no permutador de calor para aquecer a massa de ar/água/resíduos que vai continuar o processo.

Após uma separação dos gases e líquidos já arrefecidos, é necessário proceder ao tratamento dos efluentes que ainda podem conter algumas cargas orgânicas (Waznick e Reisch, 1994) tais como acetaldeído, acetona, ácido acético e metanol. Tratamentos com carvão activado podem completar o processo de purificação.

Resumindo os subcapítulos anteriores, poderemos dizer que as características essenciais das técnicas de tratamento térmico permitem trabalhar com uma grande variedade de resíduos, eliminando eficazmente a matéria orgânica. Apenas alguns destes processos possibilitam a inertização de metais pesados na forma de vidros, facilitando a sua posterior deposição em aterro. Todos os processos descritos necessitam de formas complexas de tratamento de gases, sendo particularmente sensíveis à presença de metais voláteis nas cargas a tratar.

3.6.8 - Condições de queima eficiente

A destruição de uma substância orgânica dentro de um forno depende fundamentalmente de dois tipos de parâmetros: características dessa substância e características do forno e da sua condução.

As principais características das substâncias são: a dimensão das partículas utilizadas no sistema de queima e o tempo necessário à sua completa volatilização e destruição, que está relacionado com a energia de activação necessária para a destruição das ligações químicas das moléculas.

A eficiência da destruição de um combustível num forno depende assim, em primeiro lugar, da capacidade do sistema de queima para destruir as maiores partículas nele introduzidas e também de a temperatura usada ser suficientemente elevada para fornecer a energia de activação necessária para a destruição das moléculas dessa substância e a formação de novas ligações.

As características das condições de queima dependerão, portanto, não só da temperatura atingida no forno, como do tempo de residência a uma temperatura suficientemente elevada para assegurar que 99,99% dos principais constituintes orgânicos perigosos, ou 99,9999% no caso de tratamento de resíduos especificados como contendo dioxinas/furanos, sejam destruídos ou removidos (USEPA, 1999e).

Como se disse, os processos de queima são utilizados para um grande número de substâncias. O estudo das condições operacionais é feito para duas ou três moléculas cujas condições de destruição possam representar um grande espectro de compostos orgânicos.

Escolhe-se assim uma substância de fácil destruição, e uma particularmente resistente, que obrigue ao uso de temperaturas e tempos de permanência elevados. Perante o estudo feito para estas substâncias de referência, é então possível saber se outro qualquer produto químico poderá ser eficientemente destruído em determinada situação particular, conhecidas algumas das suas características termodinâmicas.

Em cada resíduo devem ser determinados os produtos orgânicos perigosos nele existentes, sobre os quais se deve avaliar a capacidade de destruição do processo. Esses produtos são designados por POHC [principal organic hazardous constituent(s)], sendo escolhidos em cada caso em função da sua concentração e da dificuldade da sua destruição. Existem várias centenas de produtos químicos que podem constituir um POHC.

Quanto às condições dentro do forno, sabe-se que a temperatura não é uniforme, variando entre um valor máximo próximo da zona de combustão e um valor mínimo, geralmente no ponto mais afastado.

O tempo de residência dependerá da trajectória e da turbulência do processo de queima, havendo partículas que percorrem o forno seguindo o trajecto mais curto, transportadas pelos gases de maior velocidade, enquanto outras podem permanecer mais tempo se percorrerem trajectórias mais longas e ou se forem transportadas a menor velocidade.

Um cálculo aproximado das situações-limites permite obter as condições máximas e mínimas de temperatura e tempo de residência para um determinado equipamento. A sobreposição dos gráficos que representam a relação entre a temperatura e o tempo necessário à destruição de uma dada substância com o gráfico referente ao forno permite determinar se as condições de queima são suficientes, ou não, para garantirem a destruição de pelo menos 99,99% das moléculas orgânicas dos compostos existentes em maior concentração.

Ao contrário dos processos físicos ou químicos, é assim possível saber com segurança se um determinado equipamento a operar a uma temperatura previamente imposta é ou não capaz de destruir as substâncias orgânicas presentes no RIP. Esta capacidade de avaliar a eficiência do processo independentemente do tipo de resíduo a tratar constitui uma grande vantagem no caso do tratamento de resíduos variados contendo constituintes diversos.

As condições anteriores, isto é, temperatura e tempo de residência no forno, não chegam contudo para garantir uma correcta operação de destruição dos compostos orgânicos: é necessário que o oxigénio disponível seja superior ao gasto nas reacções de oxidação. Só perante um excesso de oxigénio será possível garantir que todos os compostos orgânicos são transformados em moléculas simples, isto é, anidrido carbónico, água e eventualmente alguns compostos de cloro ou outros halogénios, enxofre e fósforo, se existirem substâncias contendo estes átomos na carga do forno. Estes produtos residuais terão de ser removidos pela lavagem e pelo tratamento adequado dos gases de combustão.

Se a combustão não for completa, então haverá uma certa concentração de monóxido de carbono nos gases de saída, o que permitirá avaliar de imediato o erro cometido na condução do processo, visto que o CO pode ser analisado em contínuo. Note-se que a presença de CO será um bom indicador de más condições operacionais na generalidade dos sistemas de incineração, mas não no caso particular da co-incineração em fornos de cimento, que envolve a presença de carbonatos, pois nesse caso pode ser a decomposição destes últimos que origina o CO, e não as condições deficientes de queima.

Este aspecto será abordado com mais detalhe na parte referente à co-incineração em cimenteiras.

Como foi anteriormente referido, para a maioria dos produtos químicos perigosos considera-se que uma substância será destruída para temperaturas superiores ou iguais a 850ºC medida na parede interior do forno, durante pelo menos dois segundos na presença de um mínimo de 6% de oxigénio, para a generalidade dos resíduos e 1100ºC e o tempo de residência superior a dois segundos para produtos orgânicos halogenados com cloro superior a 1%. Este critério, aceite pela legislação de vários países, resulta de estudos do processo de incineração que levaram ao estabelecimento de índices que caracterizam a operação. As condições da operação de incineração devem poder garantir um elevado índice de eficiência de destruição e remoção da substância perigosa.

O índice é o chamado DRE (destruction and removal efficiency) em que:

DRE = (m(índice e) - m(índice s))/m(índice e) x 100% sendo m(índice e) e m(índice s), respectivamente, a massa do constituinte à entrada e nos gases de combustão do incinerador. A identificação do constituinte vai depender das suas características químicas e da sua concentração.

Um índice DRE de 99,99% significa que, no máximo, apenas uma décima milionésima parte do peso da substância perigosa poderá sair nos efluentes gasosos depois do tratamento.

O facto de a substância não sair nos efluentes não significa que ela tenha sido destruída, mas apenas que foi removida.

3.6.9 - Índices de incinerabilidade e de eficiência de destruição

Num resíduo contendo várias substâncias orgânicas é necessário, como se disse, determinar qual é a natureza dos seus principais constituintes orgânicos perigosos, os POHC.

Para poder garantir um DRE de pelo menos 99,99% é necessário identificar em cada resíduo complexo qual é o seu POHC: garantida a eficiente destruição desse constituinte, estarão automaticamente garantidas as condições óptimas de eliminação dos restantes produtos químicos principais.

Um critério para a determinação do POHC consiste em determinar um índice de incinerabilidade I definido da seguinte forma (Brunner, 1994):

I = C + (a/H) em que C é a concentração de cada espécie química orgânica existente no resíduo, a é uma constante com o valor de 100 kcal/g e H é o valor do calor de combustão por grama da substância. Valores elevados do índice I para uma dada substância indicam grande dificuldade na sua eliminação por incineração.

Assim, grandes concentrações ou calores de combustão muito baixos são indicadores de maiores dificuldades na eliminação da substância.

Este conjunto de critérios permite prever, mediante a análise química de um resíduo, se haverá ou não problemas na sua eliminação.

Deve-se ainda notar que um elevado valor de DRE não significa necessariamente que um determinado composto tenha sido eliminado, mas sim que ele não faz parte, em concentrações significativas, dos efluentes gerados. Se o produto perigoso tiver sido captado, por exemplo, por um sistema de lavagem de gases, então haverá uma remoção eficiente, mas operada à custa de uma transferência para um novo resíduo perigoso, agora o fluido de lavagem utilizado.

Um índice mais representativo da capacidade de eliminação de um processo é o índice da eficiência de destruição, DE (destruction efficiency), calculado de forma idêntica ao DRE, mas entrando agora com um valor para m(índice s), que é a soma de todas as massas de produtos gerados, ou seja, gases, cinzas ou escórias e produtos retidos nos sistemas de lavagem e nos filtros.

Do exposto resulta claro que a transferência de um resíduo do produtor para o operador do sistema de incineração obriga a protocolos rigorosos que permitem ao operador saber quais os limites admissíveis para tratamento de determinado resíduo, isto é, avaliar qual o POHC presente para determinar se o seu sistema tem possibilidade de o tratar, obrigando eventualmente a alterar as condições do processo de tratamento.

Um aspecto importante é a possibilidade de saber antecipadamente quais os limites operacionais que irão implicar o corte do queimador que está a operar com resíduos, isto é, saber quais as temperaturas e composições da atmosfera mínimas necessárias para garantir um DRE de pelo menos 99,99%, ou 99,9999% no caso de existirem na carga dioxinas identificadas como POHC.

Quanto aos compostos contendo metais, pode-se, genericamente, afirmar o seguinte: nas condições favoráveis anteriormente referidas, a grande maioria dos metais originará óxidos que poderão abandonar o forno na forma de cinzas ou escórias sendo também arrastados parcialmente na forma gasosa ou na de cinzas volantes. Na presença de halogéneos, nomeadamente cloro, alguns metais podem passar à forma de vapor.

O cádmio e o tálio terão de ser objecto de cuidados especiais, pois, tal como o mercúrio, sairão em percentagem significativa na forma gasosa. A sua retenção exige sistemas particularmente eficientes de tratamento de gases, ou em alternativa uma triagem cuidadosa dos resíduos a tratar, evitando a sua entrada no equipamento de incineração.

Os DRE dos metais podem ser elevados, mas os DE são sempre nulos, isto é, um metal nunca será destruído, podendo contudo perder a sua periculosidade ambiental se durante a operação de incineração sofrer uma reacção de combinação com outra substância, dando por exemplo origem a um vidro pouco solúvel.

Felizmente, o número de compostos contendo os metais referidos é relativamente reduzido e as suas origens pouco numerosas, pelo que é possível assegurar a sua exclusão no processo de identificação dos resíduos através de protocolos de tratamento.

Os factos apontados realçam a importância da triagem dos resíduos como operação essencial num correcto sistema de tratamento de RIP.

3.7 - Cinzas, escórias e cinzas volantes. Inertização dos constituintes

perigosos

Do exposto anteriormente, podemos resumidamente dizer que a maioria dos tratamentos de resíduos, envolvendo produtos orgânicos, com excepção dos tratamentos biológicos, acaba sempre por gerar novos resíduos.

Vejamos em que diferentes formas poderão ficar os elementos residuais metálicos que são uma parte importante dos constituintes perigosos:

i) Cinzas - chamamos cinzas aos produtos inorgânicos, eventualmente contendo vestígios não queimados de substâncias orgânicas, nomeadamente carbono, que se encontrem na forma de partículas dispersas e friáveis de dimensão variável;

ii) Escórias - chamamos escórias aos produtos inorgânicos, eventualmente contendo vestígios não queimados de substâncias orgânicas, nomeadamente carbono, que tenham sofrido um processo de fusão durante o processo de combustão, apresentando-se como aglomerados vítreos das partículas residuais;

iii) Cinzas volantes - são substâncias orgânicas ou inorgânicas provenientes dos filtros de despoeiramento dos gases de combustão.

Os tratamentos físicos permitem separar, em algumas situações, os constituintes orgânicos, mas nem sempre será possível obtê-los num grau de pureza suficiente para serem utilizados, pelo que se acaba por valorizá-los aproveitando o poder calorífico que possam ter, procedendo à sua combustão:

há portanto produção final de resíduos de incineração.

Os tratamentos químicos envolvendo RIP, contendo produtos industriais orgânicos, terminam geralmente de forma idêntica. Como é óbvio, todas as variantes de processos térmicos (pirólise, gaseificação, plasma-pirólise, incineração «dedicada» ou co-incineração) vão sempre produzir produtos finais de combustão, quando não produzem, simultaneamente, produtos intermédios do mesmo tipo, como é o caso das técnicas de pirólise e gaseificação. No caso dos RIP, aparecem frequentemente nas lamas contendo produtos orgânicos vestígios de elementos metálicos pesados diversos, tais como Cr, Pb e Ni, pelo que os produtos de combustão são considerados perigosos. Para avaliar o interesse ambiental de qualquer das tecnologias térmicas, é preciso entrar em conta com o novo problema resultante da produção de resíduos de combustão, analisando a forma do seu tratamento.

Nos processos térmicos trabalhando com excesso de oxigénio, as partículas metálicas sofrem um processo de oxidação. No caso dos metais estarem já na forma de iões, os produtos finais serão idênticos aos resultantes do aquecimento a elevada temperatura das partículas metálicas: a maior parte dos átomos metálicos passará a fazer parte de óxidos mais ou menos complexos. Muitos desses óxidos residuais ficarão na forma de partículas pouco agregadas, disseminadas nas cinzas de combustão (devido à sua composição ou à temperatura insuficiente dentro dos fornos) e cinzas volantes, captadas pelos sistemas de lavagem e despoeiramento de gases, ou parcialmente vitricados na forma de escória. A temperatura do processo e a constituição desse produto residual é que vão determinar a estrutura final.

Veja-se, por exemplo, a composição das cinzas volantes retidas num filtro de uma incineradora, na tabela 3.2. Como se pode verificar, o teor de alguns elementos metálicos é bastante elevado. Isto significa que, como anteriormente se referiu, os metais existentes nos resíduos ficaram nos efluentes da incineradora, neste caso nos filtros dos gases de combustão.

Tabela 3.2

Composição das cinzas volantes colhidas pelo filtro de uma incineradora

dedicada

(ver documento original) O destino final deste tipo de resíduos de incineração será a deposição em aterro.

Tratando-se de partículas contendo iões de metais pesados não agregados, a sua superfície específica é elevada. Num aterro, este pó seria facilmente arrastado pelas águas pluviais, não só na forma de partículas de óxidos ou outros compostos, como na de iões dissolvidos na água. Se não fossem tomadas medidas complementares, estaríamos a originar um novo problema ambiental.

Com excepção do tratamento em fornos de cimento, a maioria dos outros processos anteriormente referidos originam a formação de cinzas e cinzas volantes. Note-se que, para alguns tipos de resíduos, a quantidade de cinzas, escórias ou cinzas volantes pode constituir uma parte muito significativa dos resíduos tratados. Por exemplo, nos resíduos urbanos a produção de cinzas pode constituir 18% - 20% da massa tratada (Lipor, 1999), podendo, no entanto, ser quase nula no caso do tratamento de produtos químicos clorados no estado líquido (Teris), nesse caso apenas com produção de cinzas volantes, isto é, sem formação de cinzas ou escórias.

A inclusão das cinzas e ou gesso, cimento ou alcatrão (INPI Paris, 1998) constitui um processo de inertização em que as cinzas, que é necessário preservar do contacto com os agentes ambientais, são encapsuladas numa massa resistente aos processos de degradação. As partículas inorgânicas contendo metais pesados ficam, assim, aprisionadas no interior de uma matriz, constituindo inclusões sem alteração das suas propriedades químicas.

Isto significa que a degradação do invólucro poderá libertar o produto inorgânico perigoso, mesmo que tal possa ocorrer muito tempo depois do seu tratamento.

No caso da co-incineração em forno de cimento, as cinzas vão sofrer um processo de combinação química, originando compostos de baixa solubilidade, se o teor em alcalinos for mantido baixo. No ponto seguinte abordaremos, mais em detalhe, o processo de inertização durante a formação do clínquer.

3.8 - Destruição de resíduos em processos industriais - co-incineração

Vários processos industriais de temperatura elevada são utilizados ou têm potencialidades para a destruição de resíduos. Quando os resíduos possuem um poder calorífico significativo, de pelo menos 5000 kJ/kg, a sua destruição em processos industriais, substituindo combustíveis fósseis, pode justamente ser considerada como um processo de valorização energética, em que algumas das propriedades úteis do material vão ser aproveitadas. Neste caso uma apreciação numa perspectiva ambiental do problema não diz respeito apenas aos aspectos de destruição dos resíduos. Trata-se agora de substituir combustíveis fósseis por resíduos ambientalmente perigosos, o que obriga a ponderar se efectivamente haverá acréscimos significativos de emissões em relação ao uso de combustível normal. Se essas emissões não forem significativamente diferentes, então, do ponto de vista da lógica ambiental, será defensável substituir combustíveis fósseis por matérias que chegaram ao fim da sua vida útil.

Esta análise pressupõe que os resíduos com poder calorífico não oferecem possibilidade de reutilização a custos aceitáveis, tratando-se portanto de produtos com reduzidas alternativas de valorização. Os líquidos orgânicos ou os sólidos podem constituir fontes alternativas de alimentação de processos industriais, mas geralmente implicarão sistemas de queima dedicados.

A mistura de outras substâncias orgânicas ao fuel, por exemplo, pode originar problemas de entupimento das canalizações, precipitação de sólidos em suspensão, incrustações nos queimadores e toda uma série de problemas que tornaria problemática a condução do processo, comprometendo a eficiência da combustão. Esses factos inviabilizavam a garantia de uma destruição completa dos produtos tóxicos e aconselham a existência em paralelo de um sistema de queima tradicional, capaz de garantir a estabilidade térmica e gasosa dos fornos, sendo os resíduos injectados em sistemas auxiliares. É fundamental poder garantir a monitorização em contínuo das condições de combustão com possibilidade de corte imediato do fornecimento do sistema de queima de resíduos, se as condições de combustão de segurança não estiverem a ser alcançadas. A medição do teor de CO e de 0(índice 2) nos gases de saída, bem como da temperatura dos mesmos, poderá garantir que as substâncias usadas como combustível alternativo estão a ser completamente queimadas, não sendo lançadas para a atmosfera.

A manutenção de condições óptimas de combustão implica também o tratamento prévio de homogeneização e calibração dimensional dos resíduos.

Na maioria dos processos não térmicos anteriormente descritos os produtos orgânicos perigosos eram separados, sendo depois encaminhados para um tratamento final, que em muitos casos consistia na sua incineração.

Perante uma grande variedade de substâncias impõe-se esclarecer quais as condições operacionais que permitem garantir, com uma boa margem de segurança, as condições de combustão que provocam a sua destruição, ou seja, de pelo menos 99,99% da generalidade dos resíduos orgânicos tratados.

Seguindo a metodologia proposta pela European Union for Responsible Incineration and Treatment of Special Waste (EURITS, 1997), o problema que se coloca neste momento na Europa é o de saber como tratar os RIP com um elevado nível de protecção ambiental num mercado de livre concorrência.

A utilização de equipamentos industriais para destruir os RIP pode resultar da convergência de quatro factores importantes:

i) A possibilidade da valorização energética de muitas substâncias «irrecuperáveis» dada a sua constituição heterogénea, os «resíduos dos resíduos», tais como as lamas de decantação e filtração;

ii) O investimento relativamente reduzido necessário à adaptação de equipamentos já existentes, cujos custos operacionais e amortização estão à partida garantidos pela sua finalidade económica;

iii) A elevada performance térmica de alguns desses equipamentos;

iv) O acréscimo de competitividade resultante do uso de combustíveis mais baratos e a vantagem estratégica que tal uso promove, pela diversificação das fontes energéticas que possibilita.

Chegamos assim ao conceito da co-incineração que, segundo a definição da EURITS (lobby do sector das incineradoras dedicadas), será o uso de processos térmicos tradicionais onde os resíduos perigosos serão tratados como matéria-prima ou substituto do combustível (EURITS, 1997). Esta prática está há muito generalizada na Europa, nomeadamente na Bélgica, na França, na Alemanha e no Reino Unido, onde segundo a EURITS serão incineradas anualmente, em fornos de cimento, 800 000 t de resíduos perigosos por ano.

Como se expôs anteriormente, os equipamentos industriais, que trabalham a temperaturas elevadas, superiores a 1100ºC, e apresentam dimensões significativas da zona quente, são potenciais candidatos à utilização de substâncias orgânicas como combustíveis alternativos. Para garantir condições de condução do processo que permitam eliminar eficientemente as substâncias orgânicas nocivas, será necessário utilizar lotes homogéneos e sistemas de queima dedicados, de preferência em paralelo com queimadores a trabalhar com combustível tradicional.

3.8.1 - Preparação de combustíveis alternativos

Resíduos perigosos produzidos em pequenas quantidades tornam particularmente difícil um controlo sobre o processo de destruição. Num sistema regulado de tratamento de resíduos é necessário não só identificar, classificar e seleccionar o tipo de resíduo enviado para o tratamento, como é essencial poder exercer uma acção de controlo de admissão na unidade de tratamento. A dispersão de produtos químicos perigosos por várias embalagens tornará muito difícil a verificação da especificação definida para o resíduo, tornando o controlo analítico extremamente dispendioso.

A formação de lotes relativamente homogéneos do ponto de vista físico e químico é fundamental para garantir um sistema de tratamento seguro. Os resíduos dispersos, quimicamente muito variáveis, terão de ser objecto de cuidados especiais e a sua eliminação será necessariamente muito onerosa.

As melhores técnicas actuais consistem num processo de preparação de lotes de RIP, em que os produtos orgânicos líquidos com poder calorífico são misturados com resíduos sólidos ou pastosos e incorporados em serradura.

Consegue-se assim um produto homogéneo de elevado poder calorífico que permite uma marcha estável dos equipamentos, para além de garantir um funcionamento regular dos queimadores. É ainda necessário garantir que os lotes preparados possuam boas propriedades de transporte e armazenamento, para além de possuírem boas propriedades de combustão.

Nestas condições obtém-se um combustível que pode ser utilizado em paralelo com um combustível normal.

O poder calorífico tem de atingir um valor mínimo para permitir que a sua combustão seja passível de ser executada com eficiência e segurança, dentro dos limites de emissão previstos, usando a tecnologia disponível.

Outros aspectos têm ainda de ser considerados: os riscos resultantes do manuseamento deste combustível, as consequências técnicas do seu uso num determinado equipamento e o respeito pelas normas e disposições legais.

O uso de combustíveis alternativos obtidos a partir de resíduos permite diminuir o uso de combustíveis fósseis. Dentro de certos limites podem ser incluídas misturas de produtos inorgânicos, constituintes habituais de muitas lamas.

3.8.2 - Caldeiras industriais

As caldeiras industriais, em particular as de grandes dimensões, atingem temperaturas de trabalho superiores a 1300ºC, com temperaturas de saída dos gases da zona de combustão ainda superiores a 1000ºC. Para muitos destes equipamentos a temperatura, o tempo de residência e as condições de alimentação com oxigénio são suficientes para destruir qualquer molécula orgânica.

Quanto à possibilidade de garantir um baixo nível de emissões de partículas, deve-se referir que as grandes caldeiras das termoeléctricas dispõem de processos de filtração electrostática dos gases.

O rendimento energético destes equipamentos, quer na produção directa de vapor, quer na produção indirecta de electricidade, está optimizado. O uso de algumas substâncias classificadas como perigosas (óleos, solventes e produtos orgânicos não halogenados) poderá ser energicamente compensador. A monitorização das condições de queima permite assegurar a destruição sem o perigo de lançar na atmosfera gases parcialmente queimados.

A limitação da emissão de vapores ácidos exigirá uma triagem eficiente (limitação de substâncias contendo enxofre e cloro), podendo ser complementada com sistemas de lavagem de neutralização dos gases, o que será também recomendável quando se utiliza combustíveis como o fuelóleo ou o carvão; com elevado teor em enxofre.

O problema dos metais pesados poderá ser resolvido por uma rigorosa triagem dos resíduos. De qualquer forma, as caldeiras industriais têm naturais limitações que condicionam a sua utilização a substâncias com baixos teores de cinzas, o que obrigará à utilização de classes bem definidas de resíduos industriais, ao contrário de equipamentos de incineração dedicada.

A vantagem do uso de caldeiras industriais das termoeléctricas para a queima de resíduos assenta no facto de serem equipamentos de elevada eficiência energética, geralmente superiores a 30%, e terem grandes capacidades de combustão (várias toneladas por hora), o que lhes confere uma grande inércia, aspecto importante para a garantia de condições estáveis de queima.

A política europeia no que diz respeito à limitação das emissões, nomeadamente de anidridos sulfurosos, definida na Directiva n.º 88/609/CEE (legislação europeia, 1988) (transposta para a Portaria nacional n.º 399/97), poderá obrigar as termoeléctricas a fazerem o tratamento dos gases efluentes.

Nesse caso uma termoeléctrica poderá destruir com eficiência muitos dos resíduos industriais perigosos que constam do anexo II da Portaria 818/97, de 5 de Setembro, em particular os possuidores de elevado poder calorífico e que não originem problemas de corrosão.

Em nosso entender, o Governo deverá deixar em aberto a possibilidade de valorização energética de alguns desses resíduos pelo sector termoeléctrico.

3.8.3 - Fornos de cimento

Na produção de cimento, uma percentagem elevada dos custos corresponde ao pagamento da factura energética: até cerca de 65% dos custos, no processo de via húmida.

Os fornos de cimento são fornos rotativos trabalhando a elevadas temperaturas (1300ºC-1450ºC), com elevados tempos de residência, resultantes da grande dimensão dos equipamentos (geralmente igual ou superior a 80 m). Trabalham com excesso de oxigénio na zona quente (3%-6%) e com pressões inferiores à atmosférica.

Quando comparados com incineradoras dedicadas, os fornos de cimento atingem temperaturas mais altas, possuem maior tempo de residência a temperaturas elevadas e têm muito maior inércia térmica (tipicamente 700 t de refractário e carga aquecidos a mais de 1000ºC) para além de cerca de 500 t de pedra moída circulando nas torres dos ciclones com temperaturas variando dos 300ºC aos 850ºC. Os produtos de combustão, as cinzas, são incorporados no próprio cimento através de um processo de fusão parcial da carga (clinquerização). O facto de trabalharem em depressão evita a fuga de quaisquer substâncias voláteis antes da sua completa combustão.

O contacto dos gases com uma carga circulante de sólidos finamente divididos permite neutralizar os ácidos resultantes da queima, mesmo usando um combustível com elevado teor em enxofre (4%-4,5%) como no caso do pet-coque. Por exemplo, comparando o sistema de lavagem de uma incineradora dedicada com um sistema avançado de tratamento de gases como a Lipor II, com uma cimenteira a funcionar como co-incineradora via seca (Couvrot, França), encontramos uma enorme disparidade de cargas de «partículas lavadoras»: a cimenteira usa uma carga 3800 vezes superior de partículas finamente divididas em contacto com os gases emitidos.

Formação do clínquer

No estágio inicial a rocha calcária vai sofrer uma calcinação à temperatura de 800ºC-1000ºC. Os carbonatos decompõe-se com libertação de CO(índice 2) (e também de algum CO), que vai aparecer depois nos gases do forno. A carga vai progressivamente aumentar a sua temperatura e então os seus constituintes principais vão reagir entre si.

Silicatos, óxidos de alumínio e óxidos de ferro vão reagir com o óxido de cálcio proveniente da reacção de calcinação, para originar uma mistura de silicatos de cálcio SC(índice 3) e SC(índice 2) (Vlack, 1973), aluminato tricálcico AC(índice 3), bem como óxidos complexos de ferro, alumínio e cálcio FAC(índice 4).

As fases mais complexas AC(índice 3) e FA(índice 4) vão ter pontos de fusão mais baixos, fundindo entre os 1250ºC e os 1290ºC. Haverá então uma massa fundida, entre 20% e 30% da carga, que vai aglomerar os constituintes do ponto de fusão mais elevados, os silicatos de cálcio SC(índice 3) e SC(índice 2), chamados alite e belite, respectivamente.

A coloração do cimento vai depender do tipo de óxidos metálicos presentes.

No cimento Portland corrente, a cor acinzentada deriva da presença do óxido de ferro. O cimento branco apresenta teores muito baixos em óxidos de ferro.

Deve-se aqui sublinhar que têm sido fabricados cimentos com colorações especiais (Keil, 1973), pela adição intencional de óxidos metálicos até 10% da carga do clínquer, sem que haja diminuição das suas propriedades mecânicas. Podem ser feitas adições intencionais ao clínquer, de ferro em diferentes condições de oxidação para dar cores amarela ou vermelho alaranjado, de óxidos de crómio para obter cor verde, de manganés para obter cor azul, e cor branca resultante da incorporação de zinco. Estes tipos de cimentos coloridos são normalmente fabricados in situ, mas agora por adição de pigmentos na argamassa, embora as referências anteriormente feitas demonstrem a possibilidade de integrar os metais pesados na estrutura do clínquer, em particular nas suas fases fundidas, durante a reacção a altas temperaturas.

Os vidros coloridos, constituídos maioritariamente por silicatos de alumínio, devem justamente a sua coloração ao tipo de óxido metálico incorporado durante a fusão. Os óxidos de selénio, cobalto, manganês, níquel, cobre, cádmio e crómio são industrialmente utilizados no fabrico de vidros coloridos.

Alguns óxidos metálicos, como o vanádio, podem apresentar tendência para a formação da rede estrutural do vidro, mas outros actuarão como fundentes ou modificadores da rede de silicato, como sucede com os óxidos de zinco e chumbo, por exemplo (Vlack, 1973), visto apresentarem resistências de ligação* baixas, da ordem dos 20 kcal/mol ou 30 kcal/mol.

Se observarmos a estrutura do clínquer, verificamos a existência de cristais da fase SC(índice 2) e SC(índice 3), alite e belite, rodeados de uma fase inicialmente vítrea e depois parcialmente cristalizada durante o arrefecimento, rica em ferro.

A incorporação de um metal pesado na rede de um vidro ou de um cerâmico cristalino significa uma efectiva formação de um composto totalmente diferente dos seus constituintes originais. Veja-se, por exemplo, o caso do chumbo, cujo óxido é um dos constituintes do chamado «cristal», em percentagens de 11% a 38%. Apesar da sua grande concentração neste vidro, só haverá alguma possibilidade de contaminar uma bebida com algumas partes por milhão de chumbo após vários meses de armazenamento.

O uso de largas quantidades de chumbo neste tipo de vidros demonstra até que ponto é eficaz a fixação deste metal pesado na estrutura do silicato, que constitui a matriz do vidro.

A fixação das cinzas resultantes da destruição de RIP no clínquer é, portanto, um processo de inertização química de elevada eficiência, conforme o demonstram os ensaios de lixiviação de cimentos fabricados a partir do uso de resíduos como combustível.

Aspectos controversos da co-incineração em cimenteiras

O processo de co-incineração nas cimenteiras, que será abordado adiante com mais pormenor, apresenta do ponto de vista térmico (temperatura, tempo de residência) vantagens nítidas sobre os equipamentos dedicados. Se considerarmos o contacto em contracorrente com a pedra calcária moída, podemos dizer que possui o mais longo circuito de gases de todos os sistemas de combustão existentes.

A existência de duas técnicas de fabrico de cimento (via húmida e via seca), aliada à possibilidade de introduzir resíduos em diferentes zonas do processo, gera enorme confusão sobre as consequências da utilização das cimenteiras como co-incineradoras.

Note-se que o processo mais simples de introduzir resíduos será a sua adição à carga da rocha que vai alimentar o forno. Esta prática conduziu a resultados desastrosos, pois o processo de queima é feito em contracorrente, isto é, a carga vai ser aquecida progressivamente antes de chegar à zona de combustão. Assim, as substâncias voláteis poderão ser arrastadas antes de atingirem a temperatura necessária à sua completa destruição.

De uma forma genérica, podemos considerar que, com algumas restrições no tipo de resíduos a tratar, os fornos de cimento constituem no estado actual da técnica uma das tecnologias mais seguras para a eliminação de substâncias orgânicas perigosas. As exigências do processo, isto é, a necessidade de impedir o entupimento do forno ou de introduzir substâncias prejudiciais à qualidade do cimento constituem um factor autolimitativo de admissão de resíduos demasiado contaminados com halogéneos ou metais pesados.

3.8.4 - Alto forno

No alto forno os minérios de ferro e calcário são carregados conjuntamente com coque na parte superior do equipamento.

Na parte inferior é injectado ar quente, que vai originar a combustão do coque a elevada temperatura. O CO(índice 2) produzido junto das tubeiras vai reagir com o coque imediatamente acima, produzindo o CO. O monóxido de carbono vai funcionar como redutor do óxido de ferro, permitindo a produção de gusa (ferro com elevado teor em carbono).

Para diminuir o consumo de coque pode-se injectar um combustível ao nível das tubeiras, o que permite a produção de calor e de CO(índice 2) que vai seguir o mesmo percurso dos gases provenientes do coque. A substituição de combustíveis (gás natural, gás de coque, carvão pulverizado ou nafta) por resíduos orgânicos de elevado poder calorífico é possível, dando-se a sua destruição na zona do ventre do forno. Toda a carga que vem descendo em contracorrente funciona como um sistema de arrefecimento em atmosfera redutora.

Neste tipo de equipamento, as altas temperaturas atingidas permitem a destruição da matéria orgânica. Os altos fornos podem ser encarados como sistemas de co-incineração interessantes para alguns tipos de resíduos.

3.9 - Aplicações e vantagens comparativas

Entre os vários processos descritos - biológicos, físicos, químicos e térmicos -, sem dúvida que, do ponto de vista da opinião pública, os processos térmicos serão os menos atraentes. O conceito de tóxico, associado, em muitos casos indevidamente, aos resíduos industriais perigosos, traz como consequência o receio de que qualquer processo térmico produza gases nocivos para a saúde.

Importa pois avaliar quais os limites de cada uma das alternativas, aparentemente mais defensáveis, para poder inferir até que ponto tem validade adoptar uma estratégia genérica para um número significativo de resíduos industriais.

A deposição em aterro, pelas razões atrás apontadas, de produtos quimicamente diferentes, começa a ser encarada como uma transferência do problema para os nossos filhos. O facto de as substâncias químicas estarem imobilizadas ou simplesmente fechadas em contentores, sem terem perdido as suas propriedades mais indesejáveis, deixa antever facilmente a ideia de que o aterro de resíduos perigosos é uma forma de adiamento do problema.

O facto de muitas das formas de inertização diluírem os produtos, aumentando a massa a depositar, vai contrapor-se à tese dos defensores da deposição em locais bem identificados, com agrupamento dos produtos do mesmo tipo: se actualmente com os produtos mais concentrados é difícil encontrar uma solução para a sua eliminação, é pouco provável que, mesmo com uma grande evolução tecnológica, seja fácil vir a tratá-los no futuro, estando eles dispersos nos materiais usados para a sua inertização.

A destruição dos produtos perigosos, e não apenas a sua transferência, como ocorre nalguns processos, assume assim uma estratégia de risco calculado que pressupõe o domínio de uma tecnologia segura.

Todos os processos anteriormente referidos vão operar a transferência dos RIP ou dos seus produtos de degradação para o ar, a água e a terra. As tecnologias de destruição apresentam uma nítida vantagem sobre as outras: o que estamos a transferir já não é um RIP, mas um efluente banal (CO(índice 2), H(índice 2)O...) eventualmente com vestígios de substâncias ainda perigosas (elementos voláteis, produtos orgânicos, metais pesados, dioxinas, furanos...).

Sendo possível avaliar os limites de concentração das substâncias perigosas, estaremos perante um quadro mais facilmente previsível do que no caso da transferência da totalidade dos RIP para um qualquer depósito que terá de ser vigiado, controlado e mantido durante muitas dezenas de anos (teoricamente, por tempo indefinido).

A lógica da seriação dos métodos deverá ser, em nosso entender, a escolha dos processos que possam assegurar o melhor nível de destruição dos RIP sem transferência relevante de produtos perigosos, sejam eles fracções dos RIP ou de novos produtos gerados no processo de tratamento.

Desta perspectiva resulta que os processos físicos não são os ideais, visto que não destroem os produtos, apenas os transferem, normalmente para novos contentores, de forma mais concentrada. Como se referiu, os processos físicos são aplicáveis normalmente apenas a resíduos do mesmo tipo, o que tornaria economicamente inviável o tratamento de pequenas quantidades de natureza diversa.

Apesar dos inconvenientes apontados, deve-se ter em conta que, por exemplo, pequenas quantidades de hidrocarbonetos podem afectar grandes volumes de águas residuais, pelo que um processo de concentração físico pode ser uma forma eficiente de separar o RIP da água, permitindo depois a sua posterior reciclagem ou eliminação por incineração.

Os processos químicos são, mais uma vez, só aplicáveis a situações particulares bem definidas e estáveis: um número reduzido de compostos químicos em meio bem caracterizado. Os processos químicos já podem originar a efectiva destruição em proporções elevadas (75%-99%) (Wentz, 1995).

Em muitas situações, os tratamentos químicos vão operar um processo de transferência do produto: por exemplo, a sua precipitação sob a forma de um novo composto, a partir de uma solução onde se encontrava diluído. Neste caso, o processo químico vai ter de ser seguido de um processo de deposição, eventualmente de uma substância mais estável ou da sua incineração.

Os processos biológicos são ainda mais exigentes no que diz respeito ao tipo das substâncias a tratar: natureza química, tipo de meio onde o RIP está disperso, possibilidade e fornecimento de oxigénio, são algumas das condicionantes para garantir a proliferação dos microrganismos destruidores dos RIP. É possível com processos biológicos atingir taxas de destruição idênticas às conseguidas pelos processos químicos. O recurso a novos microrganismos geneticamente manipulados tem de ser encarado com extrema prudência, como já se referiu, sob pena de poder vir a desencadear uma cascata de efeitos biológicos imprevisível, e evidentemente perigosa.

Finalmente, os processos térmicos permitem um DRE entre um mínimo de 99,99% e mais de 99,9999%.

Deve-se, mais uma vez, sublinhar que os metais não podem ser eliminados, apenas transferidos; assim, muitos processos térmicos aparentemente atraentes, como a pirólise de baixa temperatura ou a gaseificação, vão originar resíduos não inertizados, abrindo um novo problema para o seu tratamento.

Como se disse, as técnicas térmicas são muito mais generalistas do que todas as outras, no que diz respeito ao tratamento dos RIP contendo compostos orgânicos. Se exceptuarmos o caso dos processos de pirólise/vitrificação, onde se consegue a inertização das cinzas, a generalidade dos outros processos alternativos à incineração começa por gerar gases, e em muitos casos líquidos, originando ainda produtos residuais sólidos não inertizados. Os gases e os líquidos combustíveis são depois incinerados com recuperação da energia. Os processos de pirólise e gaseificação acabam por ser etapas intermediárias de um processo final de incineração.

As vantagens destes processos sobre a incineração podem, eventualmente, estar na menor exigência de uma grande complexidade do sistema de tratamento de gases, o que pode ser vantajoso para pequenas instalações.

Tanto quanto nos foi possível averiguar, muitas das tecnologias térmicas alternativas à incineração não passaram, neste momento, de projectos pilotos ou de modelos comerciais de expansão ainda muito reduzida.

As técnicas de incineração «dedicada» podem permitir destruir os produtos orgânicos e evitar a saída de efluentes gasosos perigosos. Para isso, necessitam de uma técnica eficiente de lavagem de gases, que pode originar novos efluentes contaminados: poeiras retidas nos filtros de gases, águas residuais utilizadas para a lavagem dos gases e neutralização dos ácidos produzidos durante a queima, bem como cinzas ou escórias contaminadas.

Os limites actualmente impostos para as temperaturas (850ºC para produtos não halogenados e dois segundos de tempo mínimo de residência) (legislação europeia, 1994) são valores tangenciais para assegurar a destruição de muitas moléculas orgânicas, de que é exemplo o caso de uma molécula não halogenada como a piridina, que não é completamente destruída nessas condições (Brunner, 1994).

Se a incineração for praticada em instalações dedicadas, o aumento da temperatura implicará aumentos de custos de exploração que se irão repercutir integralmente no custo do tratamento. Para garantir uma emissão reduzida de efluentes, trabalhando com um DE baixo, será necessário ter um tratamento de gases com elevada eficiência, que minimizem a saída dos orgânicos não totalmente destruídos (o que originará maior produção de águas de lavagem e poeiras retidas nos filtros).

Para conseguir manter condições estáveis em qualquer equipamento de incineração, em particular quando se trabalha no limiar dos mínimos térmicos para poder garantir a destruição de alguns resíduos orgânicos, é preciso também assegurar condições de estabilidade no sistema de combustão.

Dadas as grandes diferenças de poder calorífico entre as muitas substâncias orgânicas, e das quantidades de oxigénio necessárias para oxidar cada uma delas, resulta evidente que um sistema de incineração necessitará de funcionar com cargas relativamente homogéneas em períodos longos. A incineração de produtos variados de forma isolada vai criar condições de instabilidade, com períodos transitórios em que será difícil garantir um elevado DE. O tratamento de loteamento e homogeneização das cargas anteriormente referido vai ser importante para estabilizar a queima e diminuir riscos de eliminação incompleta de substâncias perigosas.

A incineração de resíduos aquosos, isto é, contendo lamas com uma percentagem elevada de água, sem constituintes orgânicos voláteis, deverá ser feita em contracorrente dos gases quentes, para permitir secar a carga antes desta chegar à zona de alta temperatura. Pelo contrário, o tratamento de resíduos contendo materiais orgânicos voláteis terá de ser feito com a introdução dos resíduos na zona dos queimadores, deslocando-se a carga no sentido dos gases (Brunner, 1994, p. 73), pois em caso contrário haveria vaporização dos produtos orgânicos na zona mais fria do forno, o que provocaria a sua saída da câmara de combustão sem terem sido completamente destruídos.

A destruição dos produtos halogenados coloca outro tipo de problemas: mais uma vez será necessário garantir não só temperaturas mais altas (1100ºC) como também utilizar equipamentos altamente resistentes à corrosão, devido principalmente à formação de ácido clorídrico. Uma alternativa consiste em obrigar os gases a abandonarem o forno a uma pressão e uma temperatura tais que todo o ácido clorídrico esteja na forma gasosa, e não no estado líquido, em que seria muito corrosivo (Teris). Estamos assim perante uma instalação altamente especializada, esta sim realmente «dedicada» ao tratamento de organoclorados, nomeadamente ao tratamento de resíduos de PVC.

Dos exemplos anteriores podemos concluir que o equipamento de incineração ideal para um resíduo aquoso funciona de forma diferente do que o que deve ser usado para cargas contendo produtos voláteis ou produtos halogenados.

Podemos assim concluir que a expressão «incineradora dedicada» só seria correctamente aplicada se fosse utilizada para alguns tipos de resíduos, e nunca para uma situação generalizada de tratamento de RIP. Se a incineradora «dedicada» não puder assegurar uma destruição completa ao nível de câmara de combustão, então terá de aumentar a segurança do tratamento de gases, recorrendo eventualmente ao uso de carvão activado ou catalisadores.

Todas estas medidas vão encarecer a operação e mais uma vez exigirão, tanto quanto possível, uma marcha estável da instalação, que irá modificar-se de acordo com o tipo de resíduo a tratar.

Todos estes aspectos associados ao facto de uma incineradora «dedicada» corresponder a um investimento apenas destinado ao tratamento de resíduos tornam o preço do tratamento muito elevado, em particular para alguns resíduos mais «difíceis». Apesar disso, as condições técnicas melhores exigiriam várias incineradoras, essas sim realmente dedicadas para cada grupo de resíduos.

Quando se compara a dimensão e a inércia térmica de uma incineradora com qualquer dos sistemas industriais aptos à co-incineração anteriormente referidos (centrais termoeléctricas, alto forno ou cimenteira), verifica-se de imediato dois aspectos fundamentais: a inércia térmica dos últimos é muito superior e as temperaturas e tempos de residência dos gases são por vezes muitíssimo mais altos.

Ao trabalhar a temperaturas mais altas, os sistemas de co-incineração referidos garantem uma elevada eficiência de destruição DE, podendo assegurar a eliminação da matéria orgânica em condições muito mais favoráveis do que os equipamentos que trabalham apenas a 850ºC ou 1100ºC.

A maior inércia térmica dos sistemas de co-incineração garante também que, em situações transitórias (por exemplo, quando se inicia a operação de tratamento do RIP), a temperatura do equipamento não vai ser fortemente alterada, e sobretudo as condições de combustão não vão ser grandemente alteradas, se houver um grande volume de gases a circular no equipamento. A hipótese de haver momentos em que não se consegue garantir o DE desejado é assim muito menos provável para o caso dos grandes equipamentos, quando comparada com os sistemas dedicados.

Para podermos, de forma fundamentada, comparar o desempenho de um equipamento dedicado com um sistema de co-incineração, será assim necessário discutir em detalhe não só o aspecto da queima como o de tratamento de gases e a eventual produção de cinzas ou escórias.

A comparação entre a incineração dedicada e a co-incineração será feita nos capítulos seguintes.

Das várias hipóteses de co-incineração anteriormente referidas, focaremos apenas o caso da indústria cimenteira por ser o processo que tem já uma longa experiência de tratamento de resíduos não só na Europa (800 000 t/ano) (EURITS, 1997), como nos EUA, e sobre o qual foi possível reunir um largo acervo de informação credível.

4 - Incineração e co-incineração

4.1 - A co-incineração em cimenteiras

4.1.1 - Funcionamento de uma cimenteira; descrição do processo

Para visualizar claramente as vantagens, as limitações e os inconvenientes da utilização de uma linha de produção de cimento para a queima de resíduos industriais perigosos é necessário compreender perfeitamente o processo e os detalhes de funcionamento de um forno de cimento. Contrariamente ao que acontece com a queima numa incineradora dedicada, a co-incineração numa cimenteira é efectuada sem grandes modificações ao processo normal de funcionamento na produção de cimento (daí advém que usualmente os custos de investimento e funcionamento sejam muito menores na co-incineração em cimenteiras do que na incineração dedicada). Assim, a descrição do funcionamento normal de um forno de cimento espelha quase completamente o modo de operação de um processo de co-incineração em cimenteira.

O cimento é um material existente na forma de um pó fino, com dimensões médias da ordem dos 50 (mi)m, que resulta da mistura de clínquer com outras substâncias, tais como o gesso, ou escórias siliciosas, em quantidades que dependem do tipo de aplicação e das características procuradas para o cimento. O cimento normal é formado por aproximadamente 96% de clínquer e 4% de gesso. O clínquer, o principal constituinte do cimento, é produzido por transformação térmica, a elevada temperatura em fornos apropriados, de uma mistura de material rochoso contendo aproximadamente 80% de carbonato de cálcio (CaCO(índice 3)), 15% de dióxido de silício (SiO(índice 2)), 3% de óxido de alumínio (Al(índice 2)O(índice 2)) e quantidades menores de outros constituintes, como o ferro, o enxofre, etc. Estes materiais são normalmente escavados em pedreiras de calcário, ou margas, localizadas nas proximidades dos fornos de produção do clínquer.

Constituintes minoritários contidos em areias, minério de ferro, etc., podem ser transportados de locais mais remotos.

A matéria-prima é misturada e moída finamente, e submetida a um processo de aquecimento que leva à produção final do clínquer. Por aquecimento, inicialmente evapora-se a água contida e outros materiais vestigiais voláteis.

Seguidamente, a temperaturas de 500ºC-900ºC, procede-se à descarbonatação do material calcário, com produção de óxido de cálcio (OCa) e libertação de CO(índice 2) gasoso. Este processo denomina-se, na indústria cimenteira, calcinação. Finalmente, a temperaturas entre os 850ºC e os 1250ºC dá-se a reacção entre o óxido de cálcio e as substâncias sílico-aluminosas, com a formação do produto final, o clínquer, constituído por silicatos di-cálcicos (2CaO.SiO(índice 2)), aluminatos tricálcicos (3CaO.Al(índice 2)O(índice 3)) e ferro-aluminatos tetra-cálcicos (4CaO.Al(índice 2)O(índice 3).Fe(índice 2)O(índice 3)). Este último processo denomina-se sinterização.

Existem vários tipos de instalações que produzem clínquer, embora no presente todas as que laboram com uma capacidade significativa sejam baseadas na existência central de um forno cilíndrico rotativo, com uma razão comprimento/diâmetro que varia entre 10:1 e 38:1, colocado numa posição quase horizontal, com uma inclinação ligeira que varia entre os 2,5% e os 4,5%, através do qual circulam em contracorrente os gases de aquecimento resultantes da queima de um combustível, e a matéria-prima para a produção do clínquer.

O forno é apoiado sobre vários rolamentos e roda com uma baixa rotação, entre 0,5 e 4,5 rotações por minuto. A matéria-prima é fornecida ao forno pela extremidade mais elevada (entrada) e movimenta-se para a extremidade inferior por motivo da rotação do forno e da sua inclinação, saindo no extremo oposto já sob a forma de clínquer. O combustível é fornecido e queimado na extremidade mais baixa (saída), viajando os gases de queima em contracorrente com a matéria-prima até à extremidade oposta. Os fornos estão revestidos internamente com material refractário que dificulta a perda de calor para o exterior e permite a existência no seu interior de elevadas temperaturas, que na zona perto da saída do clínquer podem atingir os 2000ºC, na chama.

Existem dois tipos principais de instalações de produção de clínquer: por via húmida e por via seca. Nas unidades de via húmida, a matéria-prima é moída juntamente com água sendo fornecida ao forno na forma de lama ou pasta.

Nestes fornos, para a produção do clínquer é necessário fornecer energia em excesso para proceder primeiro à evaporação da água contida na matéria-prima. Os fornos de via seca não usam água para moer a matéria-prima e esta é fornecida ao forno na forma de um pó fino, a farinha.

Existem ainda processos intermédios denominados de via semi-seca e semi-húmida.

Enquanto os processos de via húmida necessitam de valores de energia térmica acima de 5000 MJ, por tonelada de clínquer, um processo optimizado por via seca pode consumir somente 3000 MJ de energia térmica por tonelada de clínquer produzida (IPPC, 1999). Os processos por vias semi-húmida e semi-seca têm consumos de energia intermédios entre estes dois extremos.

Devido à sua ineficiência energética os sistemas por via não seca têm vindo sistematicamente a ser abandonados e actualmente na Europa 78% da produção de cimento é efectuada em fornos por via seca, sendo somente 6% por via húmida (IPPC, 1999). Tendo em conta que em Portugal todas as cimenteiras funcionam com fornos por via seca, iremos referir-nos somente a este tipo de instalações.

Nos sistemas por via seca, a matéria-prima, proveniente normalmente de pedreiras locais, é primeiro moída grosseiramente e misturada com outros materiais trazidos do exterior, como areia, minério de ferro, argila, alumina, cinzas de centrais térmicas, etc., de modo a obter uma composição optimizada para a produção de clínquer. Esta mistura homogeneizada é vulgarmente armazenada em grandes pilhas a céu aberto, ou em grandes armazéns, ou silos, cobertos. A matéria-prima é em seguida moída finamente em moinhos de cru de vários tipos, verticais ou horizontais, onde frequentemente há uma mistura com o ar quente e seco proveniente do forno para um aproveitamento da energia térmica da combustão. Em muitos processos os próprios gases de combustão servem para separar e arrastar o material já moído, a farinha, conduzindo-o para sistemas de separação e despoeiramento, sendo os gases expelidos para o exterior, pela chaminé, e a matéria-prima conduzida ao forno para tratamento térmico.

(ver documento original) Figura 4.1 - Descrição de uma linha típica de produção de cimento pelo processo seco com pré-aquecedor e pré-calcinador (IPPC, 1999) Existem várias adaptações aos métodos por via seca que estão fundamentalmente ligadas ao modo como o calor é adicionado à matéria-prima e à maneira como o clínquer é arrefecido à saída e a energia térmica nele contida é aproveitada. Nos métodos mais antigos toda a energia térmica é fornecida na extremidade do forno rotativo (saída), no queimador principal.

Estes fornos têm de ter um comprimento elevado para permitir a calcinação e a sinterização completas.

Frequentemente, para aumentar a eficiência energética e a capacidade de processamento de matéria-prima, os actuais sistemas de produção de clínquer estão providos de um pré-aquecedor para permitir uma evaporação completa da água e o início da calcinação da farinha antes da entrada no forno rotativo. Os pré-aquecedores mais comuns no presente são constituídos por uma torre de ciclones montados em cascata, na vertical, descendo a farinha da parte superior na forma de pó em suspensão, em contracorrente com os gases de queima provenientes do forno rotativo. Sistemas com 4-6 estágios de ciclones e com alturas de 50 m-120 m são comuns. Nestes sistemas há uma mistura íntima entre a matéria-prima e os gases de combustão, permitindo uma troca de calor eficaz. Os gases entram na base da torre de ciclones a temperaturas acima dos 800ºC e saem no topo da torre a temperaturas da ordem dos 300ºC.

Nestes sistemas, quando a farinha entra no forno rotativo já se encontra com -30% da calcinação efectuada. Para aumentar a eficiência do sistema, uma fracção minoritária do combustível pode ser queimada num queimador secundário na base da torre de ciclones. Neste local podem ser adicionados valores da ordem dos 15%-25% da energia térmica total.

Entre o pré-aquecedor, formado pela torre de ciclones, e o forno rotativo, e para aumentar a capacidade de produção de clínquer, pode-se adicionar uma câmara de combustão especial, denominada pré-calcinador, onde quantidades de combustível da ordem dos 60% do combustível total podem ser queimadas.

Esta energia é basicamente utilizada para descarbonatar a matéria-prima, que entra no forno rotativo quase totalmente calcinada. A fim de não existir uma penalização térmica exagerada, o ar comburente fornecido ao pré-calcinador tem de ter uma temperatura já elevada e conter uma parte substancial do calor recuperado no arrefecimento do clínquer, à saída do forno rotativo. Este ar é transportado normalmente por um tubo isolado termicamente, colocado paralelamente ao forno rotativo, da zona de arrefecimento do clínquer.

Sistemas com pré-aquecedores com cinco torres de ciclones e pré-calcinador são considerados tecnologia normal na indústria cimenteira europeia da actualidade (IPPC, 1999).

O clínquer sai na extremidade do forno rotativo a uma temperatura acima dos 1400ºC e necessita de ser arrefecido rapidamente para poder ser manuseado e para congelar termodinamicamente as suas características químicas e cristalinas. O arrefecimento pode ser efectuado por vários mecanismos, quer através de fornos satélites, quer por grades, entre outros. O sistema de fornos satélites é formado por um conjunto de fornos tubulares de menores dimensões (normalmente 9 a 11) acoplados tangencialmente de forma homogeneamente distribuída à parte final de saída do clínquer, com entradas situadas alguns metros antes do fim do forno rotativo. Durante a rotação do forno principal o clínquer cai para o forno satélite que se encontra na parte inferior, onde é arrefecido rapidamente com ar fresco sugado do exterior. Este ar aquecido serve de comburente ao queimador existente na extremidade do forno, permitindo uma recuperação parcial da energia térmica existente no clínquer. Já que a quantidade de ar de arrefecimento só é a necessária à combustão completa, é usual haver nestes sistemas um arrefecimento incompleto do clínquer que tem de ser completado pela injecção de água.

Visto ser praticamente impossível extrair ar terciário deste sistema, os processos com arrefecimento do clínquer por fornos satélites não são adaptáveis à adição de câmaras de pré-calcinação.

O arrefecimento do clínquer pode também ser efectuado num sistema de grades. Neste sistema o clínquer quente cai da parte terminal do forno sobre uma grade móvel ou fixa.

No sistema mais actualizado, as grades são fixas e o clínquer é deslocado através de um movimento recíproco de pratos que deslizam sobre as grades.

O clínquer, formado por partículas com dimensões de 0,2 cm-5 cm, é arrefecido por ar insuflado através das grades, provindo de compartimentos separados existentes por baixo. Estes compartimentos permitem a existência de duas zonas: uma zona de recuperação, em que o ar de arrefecimento, aquecido, vai servir de comburente ao queimador principal; e uma zona de pós-arrefecimento, onde ar excedentário arrefece sucedaneamente o clínquer a mais baixas temperaturas. Este ar, ou é lançado para o exterior após remoção das poeiras em suspensão, ou então é transportado para o pré-calcinador, quando este existe, servindo de ar de combustão.

O clínquer arrefecido é armazenado em depósitos de grandes dimensões e posteriormente moído em moinhos onde se junta os aditivos, como o gesso e outros, que permitem a obtenção de cimentos com características diferenciadas.

A energia necessária à secagem, à calcinação e à sinterização do clínquer é obtida pela queima de uma variedade de combustíveis, dos quais os mais comuns no presente em Portugal são o carvão mineral e o coque de petróleo (pet-coque). Outros combustíveis também usados na Europa são o fuel, o gás natural e combustíveis alternativos como pneus usados, papel velho, resíduos de madeira, etc. Uma fracção importante da energia térmica libertada na combustão é utilizada para a descarbonatação do calcário, que é uma reacção endotérmica. Assim, uma tonelada de clínquer necessita de um mínimo de 1700-1800 MJ para aumentar a sua entalpia acima da farinha. A energia de combustão total consumida é bastante maior, já que é necessário evaporar a água adsorvida e de hidratação presente na farinha e há perdas importantes por convecção e radiação para o exterior (10%-15%) e de calor sensível nos gases de saída (10%-20%) (RDC e KEMA, 1999).

Num processo com a melhor tecnologia BAT (com pré-aquecedor em torre de ciclones e pré-calcinador) a energia térmica total gasta por tonelada de clínquer é da ordem dos 3000 MJ. Sistemas equipados só com ciclones pré-aquecedores podem gastar 3100-4200 MJ/t clínquer. A energia total consumida numa cimenteira é maior do que estes quantitativos, visto ser necessária energia mecânica (eléctrica) para a moagem e a movimentação dos sólidos e fluidos líquidos e gasosos. A energia eléctrica representa usualmente 20% da energia total necessária à produção do cimento e tem valores de 90-130 kWh por tonelada de cimento (IPPC, 1999).

A produção de clínquer e as reacções térmicas associadas exigem uma permanência prolongada da matéria-prima dentro do forno. No forno rotativo principal existem assim pelo menos duas zonas, uma inicial de calcinação e outra final de sinterização. Os gases resultantes da combustão têm nestes fornos tempos de residência de 4-6 segundos a temperaturas acima dos 1200ºC, saindo pela chaminé com valores da ordem dos 150ºC-250ºC (Freeman, 1989).

Devido às altas temperaturas mantidas na parte final do forno, um conjunto de materiais presentes na matéria-prima, ou no combustível, tais como sulfatos e cloretos de sódio e potássio (alcalis), são volatilizados e arrastados pelos gases para a entrada do forno. Ao encontrarem temperaturas mais baixas, da ordem dos 800ºC, estas substâncias alcalinas condensam, sendo arrastadas novamente para o interior do forno. Dependendo do perfil térmico do sistema, a condensação pode dar-se ainda no interior do forno rotativo ou já na torre de ciclones do pré-aquecedor. Quando o último processo acontece, pode surgir uma acumulação de alcali incrustado que entope os ciclones e que obriga a medidas de desincrustação que por vezes podem causar mesmo a paragem da linha de produção.

Este ciclo interno de alcali é mais intenso e importante quando a presença de sódio e potássio é elevada nas matérias-primas e ou no combustível.

É assim imprescindível a utilização de matéria-prima e combustível com níveis baixos e controlados de material alcalino. Quando isso não é possível, pode tornar-se necessária a existência de uma saída alternativa para uma parte dos gases de queima (by-pass) de modo a retirar do circuito uma fracção do alcali volatilizado no forno. Algumas unidades de fornos curtos, com pré-aquecedor ou pré-aquecedor/pré-calcinador, estão equipadas com um by-pass na zona entre a torre de ciclones e a entrada do forno, onde uma fracção da ordem dos 5% a 30% dos gases do forno é desviada para um sistema de despoeiramento dedicado, por vezes com uma chaminé separada. Alternativamente, em alguns fornos longos existe um by-pass a meio do forno para desviar uma parte dos gases antes de se atingir a zona de calcinação. Nas unidades sem pré-aquecedor, a eficácia da condensação e remoção do alcali no sistema é menor e uma fracção importante chega ao sistema de despoeiramento, onde condensa. Neste caso, o pó de cimento do sistema de despoeiramento é enriquecido em material alcalino, podendo uma parte ser removida do circuito para quebrar o ciclo e a acumulação interna de alcali.

A instalação de by-pass para o alcali é evitada sempre que possível devido aos custos do equipamento, à diminuição da eficiência energética e à perda de matéria-prima na forma de pó de cimento (CKD - cement kiln dust).

Normalmente, nestes casos, o limite máximo de entrada de cloro no forno é da ordem dos 0,015%, em peso (USEPA, 1999a).

As cimenteiras portuguesas propostas para a co-incineração laboram sem o recurso a by-pass para o alcali, resolvendo o problema do ciclo alcalino interno através da limitação de material alcalino na matéria-prima e recorrendo a técnicas de desincrustação automática dos depósitos alcalinos acumulados nos ciclones.

Uma linha de produção de clínquer não pode ser completamente estanque devido à existência de partes móveis, como o forno rotativo. Assim, para evitar fugas de material e produtos de combustão ao longo do sistema, toda a linha funciona em subpressão, sendo o movimento dos fluidos gasosos efectuado pelo vácuo gerado por ventiladores colocados na parte inicial da linha, imediatamente antes da chaminé. Uma parte substancial da energia eléctrica consumida (da ordem dos 80%) é utilizada nos ventiladores de exaustão dos diferentes gases presentes na fábrica de cimento.

Por motivo de poupança energética, a queima de combustível numa fábrica de cimento efectua-se com um controlo rigoroso dos fluxos de ar comburente, trabalhando o sistema tão perto quanto possível das condições estequiométricas, usando somente um excesso de ar mínimo necessário para se verificar uma combustão completa, minimizar os níveis produzidos de compostos orgânicos inqueimados e de CO, e produzir clínquer com qualidade. Valores de concentração de oxigénio à saída do forno rotativo de 2% a 4% são comuns. Entradas de ar não desejadas ao longo da linha fazem com que a concentração de oxigénio nos gases de saída na chaminé atinjam normalmente valores da ordem dos 10%.

4.1.2 - Poluentes produzidos e emitidos

Uma unidade de produção de cimento origina um conjunto de efluentes para o ambiente, que, sob o ponto de vista prático, se resume a emissões para a atmosfera. As emissões resultam de produtos da combustão, da suspensão da matéria-prima e do produto final, da evaporação de compostos voláteis e semivoláteis durante o aquecimento, a calcinação e a sinterização, e da formação de novos compostos. Numa cimenteira, principalmente em unidades a funcionar pela via seca, devido ao contacto íntimo entre os gases de queima e a matéria-prima, o principal problema de emissões está relacionado normalmente com a presença de elevadas concentrações de partículas de pó de cimento, ou matéria-prima, nos gases de saída do sistema. Assim, o maior investimento efectuado pela indústria cimenteira no controlo de efluentes é aplicado na remoção de partículas. Para além do problema inerente à poluição atmosférica na zona circundante à fábrica, em unidades como as cimenteiras portuguesas em que a moagem da farinha é efectuada com mistura e suspensão pelos gases do forno, é imprescindível a remoção eficaz das partículas por um sistema de despoeiramento, se não se quiser perder pela chaminé a própria matéria-prima necessária à produção de cimento. O potencial para perda de partículas na chaminé seria de 100 a 300 g/Nm(elevado a 3), se não houvesse sistema de despoeiramento eficaz (RDC e KEMA, 1999).

Emissões importantes de poluentes estão associadas à temperatura elevada de combustão, resultando na produção de óxidos de azoto, principalmente NO, pela reacção entre o N(índice 2) atmosférico e o oxigénio, na chama (NO-térmico), e pela oxidação de compostos azotados presentes no combustível (NO-combustível). Em média, os fornos de cimento europeus emitem no presente 1300 mg NO(índice x)/Nm(elevado a 3) (como NO(índice 2), a 10% O(índice 2)).

A formação do NO-combustível depende do conteúdo deste em azoto. A formação do NO-térmico aumenta com a temperatura, de uma forma exponencial para temperaturas acima dos 1400ºC. A velocidade de formação do NO cresce também com o conteúdo em oxigénio (excesso de oxigénio) presente no forno. Em fornos onde uma parte importante do combustível é queimada no pré-calcinador, as temperaturas aí prevalecentes são da ordem dos 850ºC-950ºC, suficientemente baixas para que a produção de NO-térmico e de NO-combustível não seja eficaz. Nestes sistemas, as emissões de NO(índice x) são usualmente mais baixas do que em unidades em que todo o combustível é queimado no queimador principal.

TABELA 4.1

Gamas de emissão para atmosfera, para unidades produtoras de cimento

na Europa (IPPC, 1999)

(ver documento original) Outro dos poluentes emitidos pelo forno é o SO(índice 2). Normalmente, o SO(índice 2) é produzido a partir da oxidação do enxofre presente no combustível. Combustíveis como o pet-coque podem ter de 4% a 6% de enxofre. Nas condições da combustão presentes no forno, fracções da ordem dos 99% do enxofre presente no combustível são oxidados a SO(índice 2), havendo também quantidades pequenas de SO(índice 3) formado. Quando a matéria-prima contém enxofre orgânico, ou pirite (FeS), uma fracção razoável, que pode ser de 30% no primeiro estágio do pré-aquecedor (IPPC, 1999), pode volatilizar e ser arrastada com os gases.

Dado que o material sólido que circula na linha de produção é básico, o SO(índice 2) e outros gases ácidos produzidos durante a combustão são removidos com bastante eficácia da fase gasosa. Assim, 90% do SO(índice 2) libertado na zona de sinterização é adsorvido pelo material (farinha) na zona de calcinação e pré-calcinação, formando anidrite (CaSO(índice 4)). O SO(índice 2) libertado antes da zona de pré-calcinação, no pré-aquecedor, é mais dificilmente removível. Quando os gases passam subsequentemente pelo moinho de cru, uma parte importante das substâncias sulfurosas libertadas (da ordem dos 20%-70%) pode ser novamente readsorvida pela farinha e removida do efluente. De qualquer modo, os problemas de emissão de enxofre gasoso pelas chaminés para a atmosfera põem-se principalmente quando se utiliza na preparação da farinha matérias-primas ricas em enxofre volátil. Num forno de clínquer, em média 39% do SO(índice 2) gerado é removido pelo clínquer, 56% é colhido nos despoeiradores (ambos sob a forma de CaSO(índice 4)) e 5% é emitido na forma gasosa para a atmosfera (RDC e KEMA, 1999). Normalmente os fornos com pré-aquecedor são mais eficazes do que os fornos longos na remoção do SO(índice 2) já que há um contacto mais íntimo dos gases com a matéria-prima alcalina.

Normalmente, pelos motivos atrás expostos para o SO(índice 2), a emissão de gases ácidos como o ácido clorídrico e o ácido fluorídrico não costuma ser um problema nos fornos de cimenteiras, porque a reacção com a matéria-prima alcalina é bastante eficaz na adsorção dos HCl e HF produzidos, removendo mais de 99% dos ácidos formados (RDC e KEMA, 1999). O cloro e o flúor reagem com o CaO, formando CaCl(índice 2) e CaF(índice 2). As reacções também se podem dar com o Na(índice 2)O e o K(índice 2)O, formando-se cloretos e fluoretos alcalinos que podem volatilizar entrando no ciclo interno do alcali previamente descrito.

A produção de clínquer dá origem a elevadas emissões de CO(índice 2).

Aproximadamente 40% do CO(índice 2) emitido provém da oxidação completa do combustível, enquanto 60% resulta da calcinação dos carbonatos presentes na farinha. Uma parte importante dos compostos orgânicos presentes na matéria-prima é também completamente oxidada a CO(índice 2) (85%-95%) durante o processo térmico. No entanto, uma parte substancial (da ordem dos 5%-15%) pode ser emitida na forma de CO devido às baixas temperaturas existentes nesta zona da linha de produção (RDC e KEMA, 1999). Uma pequena parte, normalmente bem menor que 1%, pode ser emitida na forma de compostos orgânicos voláteis (VOC - volatile organic compounds).

Alguns CO e VOC podem também ser produzidos pela queima incompleta do combustível, ou devido às elevadas temperaturas de combustão que termodinâmica e cineticamente favorecem a formação de CO a partir do CO(índice 2). As emissões resultantes da combustão incompleta são normalmente muito baixas, dado o elevado tempo de residência a temperaturas altas e os níveis de oxigénio presentes. Emissões mais altas de CO e VOC poderão acontecer principalmente em casos em que se efectua um fornecimento de combustível não totalmente controlado e ou em que há uma mistura pouco eficaz com o ar comburente, originando localmente uma deficiência de oxigénio, tais como a queima de pneus inteiros, principalmente se forem de elevada dimensão.

Principalmente como resultado da evaporação da matéria-prima, os níveis de VOC nos gases da chaminé variam tipicamente entre 10 e 100 mg/Nm(elevado a 3). Em alguns casos, e devido às características da matéria-prima, os gases efluentes podem atingir valores de 500 mg/Nm(elevado a 3) em VOC (IPPC, 1999).

Os níveis de CO na chaminé podem ser bastante altos, da ordem dos 1000 mg/Nm(elevado a 3), ultrapassando mesmo os 2000 mg/Nm(elevado a 3), em algumas instalações (Cembureau, 1997). Quando, por motivos de falta de controlo do processo de combustão, se dão condições de queima subestequiométricas, ou e quando há modificações nas características da matéria-prima inesperadas, poderão surgir picos de CO acima dos 0,5%, o que, para unidades funcionando com despoeiradores electrostáticos, obriga à inactivação do despoeirador, para evitar o perigo de explosão, originando uma emissão não controlada de partículas.

Qualquer entrada de cloro, e ou bromo, no forno pode potencialmente originar a produção térmica de dioxinas/furanos, os quais poderão ser emitidos com os efluentes gasosos, ou concentrados no CKD (pó de cimento), quando este existe. A emissão de dioxinas/furanos por um forno de clínquer pode resultar de processos diferentes, tais como evaporação de dioxinas/furanos presentes na matéria-prima (e não queimados às temperaturas não muito elevadas existentes no pré-aquecedor), da destruição incompleta de dioxinas/furanos existentes no combustível, ou da síntese a partir de compostos precursores, na zona de arrefecimento dos gases de exaustão, normalmente na área de despoeiramento.

As substâncias precursoras de formação das dioxinas/furanos são principalmente hidrocarbonetos aromáticos halogenados (clorofenóis, clorobenzenos e clorobifenis), compostos com semelhanças estruturais com as dioxinas/furanos, e resultam normalmente da evaporação de compostos orgânicos presentes na matéria-prima e da queima incompleta de contaminantes do combustível, ou da síntese produzida na chama e gases efluentes aquecidos (EPG, 1998; USEPA, 1999d).

Há dúvidas sobre a importância relativa da emissão de dioxinas/furanos presentes nos fluxos de entrada ao forno. Alguns testes efectuados pela USEPA parecem indicar que a contribuição da matéria-prima para a emissão de dioxinas/furanos é insignificante. Nestes testes a distribuição das espécies de dioxinas nos materiais entrados e nos gases de escape é completamente diferente, o que indica que os constituintes emitidos não são restos da contaminação entrada no sistema, mas são antes novas substâncias sintetizadas a partir de precursores na zona de despoeiramento. A quantidade de dioxinas/furanos presentes nos efluentes gasosos antes do sistema de despoeiramento é baixa; uma parte predominante das dioxinas/furanos emitidos pela chaminé forma-se assim no sistema de despoeiramento (USEPA, 1999c).

Existe um conjunto de variáveis não completamente conhecidas que influenciam a produção de dioxinas/furanos por uma cimenteira. Dentre estas, a que parece ter uma influência predominante é a temperatura de funcionamento do sistema de despoeiramento. A síntese de dioxinas/furanos no sistema de despoeiramento parece ser catalisada pela presença de partículas e acontece para temperaturas na gama de 150ºC-450ºC (IPPC, 1999; USEPA, 1998). A formação de dioxinas é acelerada para temperaturas acima dos 200ºC, com um máximo aos 300ºC. Nesta gama de temperaturas, um aumento de temperatura de 50ºC origina um aumento de uma ordem de grandeza na produção de dioxinas/furanos no sistema de despoeiramento (USEPA, 1999c; USEPA, 1999d).

As estimativas na emissão de dioxinas/furanos pela indústria de cimento têm variado enormemente ao longo dos últimos anos. Inicialmente, os factores de emissão estimados eram elevados em resultado das primeiras medições. Tal resultava possivelmente das menores exactidão e sensibilidade das técnicas de medida recentemente aperfeiçoadas, do menor grau de controlo das condições de queima de materiais e do despoeiramento dos gases na janela de temperaturas incentivadora de formação de dioxinas/furanos.

Estimativas para os EUA em 1994 davam um factor de emissão de dioxinas para fornos de cimento de - 2,5 ng TEQ/kg clínquer produzido (USEPA, 1994).

No inventário norte-americano provisório de emissão de dioxinas elaborado em 1998 é proposto um factor de emissão de 0,29 ng TEQ/kg clínquer para cimenteiras que não queimem resíduos perigosos (USEPA, 1998). O inventário europeu para as dioxinas de 1997 usa um factor de emissão típico de - 0,16 ng TEQ/kg clínquer, com uma gama variando entre - 0,053 e - 5,3 ng TEQ/kg clínquer (Quab e Fermann, 1997). Nos EUA um número significativo de cimenteiras introduziu nos últimos anos modificações no processo de produção, com o arrefecimento rápido dos gases de escape antes do sistema de despoeiramento, resultando numa diminuição significativa dos níveis de dioxinas/furanos emitidos (USEPA, 1999c).

Na Europa, a informação existente indica que a maioria dos fornos de clínquer consegue níveis de concentração nas emissões abaixo dos 0,1 ng TEQ/Nm(elevado a 3) (IPPC, 1999). Medições em 16 fornos de cimento na Alemanha realizadas durante os últimos 10 anos deram valores médios de concentração nas chaminés da ordem dos 0,02 ng TEQ/Nm(elevado a 3) (Schneider et al., 1996). Do mesmo modo um número restrito de medições (seis) efectuadas em cimenteiras portuguesas revelaram valores de concentração inferiores a 0, 01 ng TEQ/Nm(elevado a 3) (ERGO, 1997).

TABELA 4.2

Balanço mássico dos metais no forno das cimenteiras. Percentagens da

massa entrada: removidas com clínquer; existentes nas poeiras que

chegam ao despoeirador; e presentes na fase gasosa nos gases

efluentes (RDC e KEMA, 1999).

(ver documento original) A matéria-prima para a produção do cimento contém normalmente quase todos os elementos do quadro periódico, dos quais sobressaem os metais, pelos efeitos que possam ter na saúde e no ambiente. Como os elementos não se gastam nem se formam, os seus efeitos poderão ser somente influenciados, quer pela modificação do seu estado de oxidação, quer pela sua concentração nos efluentes, resultante da diversa volatilidade às altas temperaturas do processo. Os metais são usualmente classificados, consoante a sua capacidade de volatilização com a temperatura, em metais não voláteis ou refractários (Cu, Ba, Cr, Zn, As, Be, Co, Mn, Ni, V, Al, Ti, Ca, Fe, Ag, etc.), semivoláteis (Pb, Cd, Se, Sb, Zn, K, Na) e muito voláteis (Hg, Tl).

Vários destes metais, como Na, K, Ca, Fe, Al, Sb, Co e Mn, são inertes ou pouco tóxicos. Outros, como o Hg e o Pb, são altamente tóxicos.

O comportamento dos metais durante o processo de cozedura do clínquer é fundamentalmente dependente da sua facilidade de volatilização. Os metais não voláteis permanecem na fase particulada e saem normalmente integrados com o clínquer. Os metais semivoláteis podem ter ciclos internos dentro do forno, como o sódio e o potássio, e têm tendência a concentrar-se nas partículas que circulam em suspensão na parte mais fria da linha de cozedura, podendo ser removidos pelo sistema de despoeiramento, ou sair com as partículas pela chaminé. Quando as poeiras colhidas no despoeirador são adicionadas novamente ao fluxo de matéria-prima, poderão acontecer ciclos externos de circulação, originando, com o tempo, uma acumulação do metal nas partículas afluentes ao despoeirador. Os metais muito voláteis sairão de um modo importante na forma gasosa com os gases efluentes.

O mercúrio e o tálio são os metais que, quando presentes nas matérias-primas ou no combustível, mais facilmente se volatilizam em resultado do aumento de temperatura. O Tl vaporizado nas regiões mais quentes do forno começa a condensar sobre as partículas a temperaturas de 300-330ºC. O Hg só começa a condensar a temperaturas menores que 120ºC.

Como resultado, aproximadamente 50% do mercúrio sairá com os gases efluentes pela chaminé na forma gasosa, em condições normais de laboração e tratamento de efluentes.

4.1.3 - Sistemas de controlo de emissões para a atmosfera

Partículas

Para evitar e reduzir as emissões para a atmosfera as unidades de produção de cimento estão providas de sistemas de controlo de poluentes, procurando evitar a sua formação através do controlo dos parâmetros de funcionamento das diversas unidades e principalmente evitar a emissão pela instalação de sistemas de remoção dos gases efluentes. Nas cimenteiras actuais a instalação de sistemas de remoção limita-se usualmente a sistemas de despoeiramento, visto serem as poeiras o maior problema em termos de contaminação ambiental posto pelas unidades de produção de cimento.

Há três pontos principais onde é necessário controlar a emissão de partículas, na saída dos gases do forno, nos gases de arrefecimento do clínquer e nos moinhos de cimento.

Numa cimenteira funcionando pelo sistema seco os níveis de partículas que chegam nos gases do forno ao despoeirador são superiores a 70 g/Nm(elevado a 3), podendo atingir valores de 700 g/Nm(elevado a 3) quando toda a farinha passa pelo despoeirador.

Existem três tipos principais de sistemas de despoeiramento encontrados na indústria cimenteira: ciclones, precipitadores electrostáticos e filtros de mangas. Os ciclones são somente eficientes para colher as partículas de tamanhos maiores e têm um decréscimo rápido de eficiência para partículas de diâmetro inferior a 5-10(mi)m. Devido a esse factor, uma grande quantidade de poeiras pode ser emitida por sistemas providos de ciclones. Hoje em dia só raramente se encontram sistemas com ciclones no despoeiramento em cimenteiras, sendo considerada uma tecnologia ultrapassada.

Historicamente, nas últimas décadas, o sistema de despoeiramento considerado mais adaptado para aplicação na indústria do cimento tem sido o precipitador electrostático, devido às suas eficácias, robustez, facilidade de manutenção e pequena queda de pressão introduzida no fluxo gasoso. Num precipitador electrostático, as partículas são removidas porque se cria uma diferença de potencial elevada entre um par de eléctrodos positivo e negativo.

Quando o gás efluente passa entre os eléctrodos, as partículas são carregadas electricamente e arrastadas pela força do campo eléctrico para um dos eléctrodos, onde se depositam, sendo removidas do fluxo gasoso.

Usualmente os precipitadores electrostáticos são bastante eficazes na remoção de partículas submicrométricas, contrariamente aos ciclones. A eficiência de um precipitador electrostático é dependente da resistividade eléctrica das partículas, da velocidade do fluxo gasoso, da intensidade do campo eléctrico e da forma e da área dos eléctrodos.

Para uma remoção eficaz a resistividade das partículas não pode ser muito baixa nem muito elevada. Resistividades na gama de 2 x 10(elevado a 8) - 2 x 10(elevado a 11) ohm.cm são consideradas ideais. Quando as partículas têm uma resistividade elevada, esta pode ser diminuída pela adição ao efluente de compostos de enxofre e ou de vapor de água.

A eficiência total de um precipitador electrostático pode ser melhorada pela colocação em série de várias unidades. A colocação de baterias de precipitadores em série tem algumas vantagens sob o ponto de vista da colheita fraccionada das partículas. Normalmente as partículas maiores são colhidas no(s) primeiro(s) estágio(s) do precipitador e são reenviadas ao forno.

Nos estágios restantes depositam-se partículas enriquecidas em alcali, de menores tamanhos e de maior resistividade, contendo metais semivoláteis, como o chumbo, que se condensam na parte mais fria do precipitador. Uma parte destas partículas pode ser removida, interrompendo o ciclo externo de alcali e metais semivoláteis e evitando a sua acumulação na linha de cozedura.

Tem havido ao longo dos anos uma evolução clara na tecnologia de despoeiramento pelos precipitadores electrostáticos, através da optimização da geometria do sistema e de uma melhoria do controlo da voltagem fornecida aos eléctrodos, a qual passou a ser controlada por computador utilizando programas que permitem ter sempre as condições de trabalho mais convenientes (USEPA, 1999a). Os novos filtros electrostáticos permitem consistentemente a obtenção de concentrações nos gases efluentes inferiores a 11 mg/Nm(elevado a 3) (USEPA, 1999c).

Embora em condições normais os precipitadores electrostáticos modernos sejam altamente eficazes na remoção de partículas, o seu funcionamento põe alguns problemas que diminuem a eficiência média de remoção, o que faz com que actualmente estejam a ser substituídos, nas novas instalações de cimento na Europa, por filtros de mangas. Um dos problemas principais de operação dos precipitadores electrostáticos está relacionado com a impossibilidade da sua operação quando os níveis de CO nos gases de escape ultrapassam um valor limite máximo, devido ao perigo de explosão por inflamação do monóxido de carbono quando atravessa o intenso campo eléctrico do precipitador. Assim, no arranque e na paragem, ou quando existem picos de CO durante o processo, o precipitador electrostático é automaticamente desligado, o que origina uma libertação incontrolada de poeiras para a atmosfera.

Os filtros de mangas são a tecnologia mais recentemente adaptada à remoção de partículas na indústria cimenteira. Durante muitos anos a utilização dos filtros de mangas nas fábricas de cimento era considerada inapropriada porque se considerava que os materiais do filtro não conseguiam resistir às altas temperaturas dos efluentes e porque a manutenção era considerada elevada e dispendiosa. O desenvolvimento tecnológico das baterias de filtros e os novos materiais utilizados, à base de teflon, como o gore-tex e o tetratex, permitem eficiências de colheita elevadas, superiores às dos precipitadores electrostáticos, principalmente para partículas da ordem dos 0,1 (mi)m e inferiores, suportando temperaturas máximas superiores a 200ºC, com uma duração e uma manutenção aceitáveis.

A eficiência dos filtros de mangas depende do tipo de material filtrante e da velocidade do gás através da superfície de filtração, sendo tanto maior quanto menor for essa velocidade. Gamas de velocidade de filtração comuns são 0,9-1,5 m/minuto, obtendo-se valores de eficiência melhorados para velocidades de 0,6 m/min. A eficiência do filtro aumenta com a espessura do bolo de material depositado, porque este serve de leito de filtração para as partículas que chegam. Tendo em atenção que a queda de pressão também cresce com a espessura do material depositado, deve ser encontrado um ponto de equilíbrio nos ciclos de limpeza e remoção do bolo filtrado que tenha em conta os dois parâmetros. Os filtros de mangas conseguem obter eficiências de remoção de partículas com diâmetros de 0,1(mi)m, da ordem dos 99 a 99,99%.

A utilização dos filtros de mangas em cimenteiras nos EUA mostrou concentrações nos gases filtrados entre 2 e 160 mg/Nm(elevado a 3). No entanto, mais de metade dos filtros de mangas testados deram valores de concentração médios de partículas nos gases filtrados inferiores a 35 mg/Nm(elevado a 3), obtendo-se valores abaixo dos 5 mg/Nm(elevado a 3) para filtros em teflon, tipo gore-tex (USEPA, 1999c).

Os filtros de mangas podem operar mesmo quando as concentrações de CO são elevadas, evitando assim as emissões descontroladas durante o arranque e a paragem, ou quando acontecem os picos de CO durante a operação normal do forno. Os filtros de mangas, pelo contacto estreito entre as partículas depositadas e o gás efluente, permitem uma remoção mais eficaz no despoeirador de gases ácidos, metais semivoláteis e dioxinas, do que os precipitadores electrostáticos. A remoção de gases ácidos é ainda incentivada pela operação a mais baixas temperaturas, com níveis mais elevados de humidade relativa, apropriados para uma adsorção mais rápida sobre as partículas básicas depositadas no filtro.

Óxidos de azoto

Como resultado das altas temperaturas de queima prevalecentes na parte final do forno, necessárias para a produção de clínquer, os fornos das cimenteiras produzem quantidades elevadas de NO. O controlo da emissão dos óxidos de azoto faz-se através de técnicas alternativas, que incluem: medidas primárias com modificações no processo de queima que baixam a temperatura máxima da chama; injecção de compostos de azoto reduzido, tipo XNH(índice 2), para reduzir o NO a N(índice 2) (redução não catalítica selectiva - SNCR - selective non-catalitic reduction; e redução selectiva catalítica - SCR selective catalitic reduction) do NO formado a N(índice 2), pelo XNH(índice 2), sobre uma superfície catalisadora.

As medidas primárias são aquelas que têm sido mais aplicadas no passado.

Envolvem a utilização de queimadores «de baixa produção de NO(índice x)» que por mistura conveniente do ar comburente com o combustível, permitem uma redução de até 30% na produção de NO(índice x), em relação aos queimadores de primeira geração (British Cement Association, 1997).

Também incluem a combustão por etapas em pré-calcinadores especialmente desenhados. A primeira etapa de combustão no pré-calcinador é efectuada com deficiência de ar, o que provoca uma atmosfera redutora, a alta temperatura, que permite a redução do NO(índice x) previamente produzido a jusante, na zona de sinterização, a N(índice 2). As outras etapas de combustão do pré-calcinador, situadas a montante, fazem a queima de combustível com excesso de oxigénio, permitindo completar a combustão iniciada na primeira etapa. Estes sistemas de combustão por etapas permitem reduções nas emissões de NO(índice x) de 10% a 50% (IPPC, 1999).

Uma medida simples para diminuir a produção de NO(índice x) consiste na injecção de água para arrefecer a chama, misturando água com o combustível de queima. Reduções na produção de NO(índice x) desde 0% a 50% têm sido relatadas (Cembureau, 1997).

Este processo envolve um consumo adicional de energia para evaporar e aquecer a água injectada.

A redução não catalítica do NO(índice x) a N(índice 2) (SNCR) obtém-se por injecção de amónia, ureia, ou outro composto reduzido de azoto, nos gases de escape do forno. A reacção tem um rendimento óptimo na janela de temperaturas 800-1000ºC, sendo necessário um tempo mínimo de residência nesta gama de temperaturas para que a redução do NO(índice x) se efectue com eficácia. Os sistemas com pré-aquecedor e pré-calcinador têm o perfil de temperatura conveniente para o funcionamento do método SNCR.

Experiências efectuadas em várias cimenteiras a funcionar com este método na União Europeia (UE) mostraram que a amónia é o agente mais conveniente para a redução do NO(índice x) em cimenteiras (Cembureau, 1997).

O controlo da emissão de NO(índice x) pelos fornos de produção de cimento é uma tecnologia desenvolvida e aplicada à escala industrial só recentemente.

Há actualmente mais de 18 unidades de produção de cimento a controlar as emissões de NO(índice x) com métodos SNCR (IPPC, 1999). Nestas instalações a junção de NH(índice 3) efectua-se normalmente numa razão NH(índice 3)/NO(índice x) variável entre 0,5 e 0,9 permitindo reduções de emissão de NO(índice x) de 10% a 50%, com níveis de emissão de 500 mg a 800 mg NO(índice x)/m3. Algumas unidades com controlo de NO(índice x) por SCNR, especialmente desenhado e garantido pelos fornecedores de equipamento de controlo para permitir reduções de 80% de emissão, conseguem níveis de emissão abaixo dos 200 mg NO(índice x)/m3, com rendimentos de redução do NO(índice x) de 80%-85% (IPPC, 1999).

Podem surgir problemas de poluição com a injecção de amónia no tratamento do NO(índice x) por SNCR, se não houver um controlo cuidadoso das condições de funcionamento do forno. A temperaturas acima da janela de reacção a amónia pode ser oxidada a NO(índice x). Se a temperatura descer muito rapidamente abaixo da gama óptima, pode a reacção não ser completada e haver emissão de amónia para a atmosfera.

A possibilidade de fuga de amónia pode ocorrer também, mesmo quando se funciona na janela de temperaturas conveniente, se houver um excesso de amónia injectada, em relação às condições estequiométricas de reacção com o NO(índice x) presente nos gases do forno.

O rendimento na redução do NO(índice x) pelo NH(índice 3) é limitado pela cinética da reacção, sendo dependente da concentração da amónia no forno.

Valores de concentração de amónia com razões NH(índice 3)/NO(índice x) acima da estequiometria não são convenientes, pela possibilidade de fuga pela chaminé de NH(índice 3) não reagido. Em consequência, é previsível que o controlo na emissão de NO(índice x) pela técnica SNCR não possa ser muito melhorado em relação aos valores actuais.

Uma técnica alternativa ainda em fase experimental na indústria cimenteira consiste na redução do NO(índice x) pelo NH(índice 3), de uma forma catalítica, a temperaturas de 300ºC-400ºC, sobre a superfície de um catalisador (Sistema SCR). Com este sistema de controlo de reduções nas emissões de NO(índice x) de 85% a 95% são possíveis (Cembureau, 1997). A redução do NO(índice x) por SCR é uma técnica BAT já aplicada no tratamento de efluentes noutras indústrias. A sua aplicação à indústria cimenteira põe alguns problemas específicos relacionados com os níveis elevados de partículas presentes normalmente nos gases efluentes, que podem limitar o tempo de vida útil do catalisador.

Em unidades industriais com filtros de mangas, a sua aplicação a jusante do sistema de filtragem das partículas obriga a um reaquecimento dos gases, com o consequente aumento do consumo de energia. Actualmente já existem fornecedores de equipamento de controlo de NO(índice x) para a indústria cimenteira baseados no sistema SCR. Estes fornecedores prometem níveis máximos de 100-200 mg NO(índice x)/m3 nas unidades utilizando SCR. No entanto, as primeiras unidades à escala industrial a funcionar com este sistema só agora começam a estar operacionais (IPPC, 1999). O sistema SCR tem ainda a vantagem de o catalisador ser eficaz na oxidação dos VOC e das dioxinas/furanos, originando em geral uma diminuição na emissão destes poluentes. Está em fase de estudo a adição de catalisadores específicos ao sistema SCR, especialmente dirigidos à remoção de VOC e dioxinas/furanos (MHSPE, 1997).

SO(índice 2) e outros poluentes

Os fornos de clínquer lidam com matéria-prima básica e, principalmente os que funcionam por via seca com pré-aquecedor, podem ser considerados como um sistema lavador (scrubber) eficiente para todos os gases ácidos, nomeadamente o SO(índice 2), gerados durante a combustão no interior do forno. No entanto, o sistema não é totalmente eficaz e, quando os níveis de enxofre no combustível são muito elevados ou, principalmente, quando há uma contaminação importante com enxofre orgânico ou enxofre reduzido na matéria-prima, as concentrações de SO(índice 2) nos gases da chaminé podem ser não desprezáveis.

Várias técnicas têm sido propostas e implementadas para a remoção do enxofre dos efluentes gasosos. Uma das mais comuns consiste na adição ao forno de adsorventes, tais como cal apagada Ca(OH) (índice 2), cal viva (CaO) ou cinzas volantes contendo níveis elevados de CaO. A adição pode ser efectuada na forma de pó seco ou de uma suspensão líquida que podem ser injectados nos gases ou adicionados à matéria-prima.

Nos fornos com pré-aquecedor a adição à matéria-prima parece permitir eficiências de remoção mais elevadas do que a injecção directa nos gases de combustão. Para concentrações de SO(índice 2) elevadas, reduções de 60% a 80% podem ser conseguidas com a adição de adsorventes.

Uma outra técnica de remoção do SO(índice 2) aplicada em alguns fornos de clínquer europeus utiliza lavadores húmidos (wet scrubber), do tipo dos sistemas de dessulfuração utilizados comummente nas centrais termoeléctricas. Nestes sistemas o SO(índice 2) é absorvido por um líquido, ou uma suspensão líquida, dispersa sob a forma de spray numa torre, ou num tanque por borbulhamento do gás através da solução/suspensão líquida. O absorvente é, usualmente, hidróxido de cálcio ou carbonato de cálcio e a eficiência de remoção do SO(índice 2) pode ser superior a 90%. O lavador húmido também consegue remover significativamente ácidos clorídrico e fluorídrico, poeira residual, metais e amónia, das emissões. De acordo com o IPPC (1999), existem cinco unidades europeias com este sistema instalado.

Poluentes como SO(índice 2), compostos orgânicos, metais voláteis, NH(índice 3), HCl e HF podem ser removidos dos gases efluentes por adsorção sobre carvão activado. Se houver NH(índice 3) presente, o carvão activado também pode remover NO(índice x). O carvão activado é instalado na forma de leito compactado (packed bed) imediatamente a seguir ao sistema de despoeiramento. Os gases despoeirados são forçados através do leito, onde os poluentes são removidos. Quando o carvão activado está saturado é substituído por material fresco, o carvão activado contaminado pode ser tratado para remoção de metais voláteis, colocado em aterro, ou queimado no forno. A queima no forno permite destruir a maior parte das substâncias adsorvidas, ou originar a sua incorporação no clínquer. No entanto, se se desejar aplicar este método para a remoção de metais voláteis como o mercúrio, a queima não é viável, porque todo o mercúrio seria libertado nos gases efluentes saturando rapidamente o filtro com novo carvão activado.

Há ainda pouca experiência na aplicação de carvão activado para limpeza de gases em cimenteiras. Nos EUA não existe nenhuma instalação a trabalhar com carvão activado, sendo considerado um sistema demasiado dispendioso pela USEPA (USEPA 1999c; Federal Register 1999b). De acordo com o IPPC, existe na Europa uma única unidade produtora de cimento com um filtro de carvão activado instalado, na Suíça (IPPC, 1999).

4.1.4 - Co-incineração em cimenteiras

Os fornos de cimento reúnem algumas características que os recomendam como possíveis instalações para a eliminação de resíduos perigosos, principalmente se esses resíduos forem combustíveis e puderem ser destruídos por reacção com o oxigénio atmosférico.

Dado o seu carácter perigoso, a queima destes resíduos tem de ser efectuada de modo que a sua remoção e destruição (DRE - destruction and removal efficiency) sejam elevadas. Usualmente as normas para o tratamento térmico de resíduos perigosos impõem DRE melhores que 99,99% (ou 99,9999% para dioxinas/furanos) (Federal Register, 1999a, 1999b).

Devido à necessidade de calcinação e sinterização, a matéria-prima para a produção do clínquer necessita de um tempo de residência elevado dentro do forno. Os gases no forno de clínquer atingem temperaturas máximas de 2000ºC no queimador principal e permanecem a temperaturas acima dos 1200ºC por períodos de quatro-seis segundos. Por sua vez, o clínquer sai do forno a temperaturas à ordem dos 1450ºC. Estas temperaturas são das mais elevadas encontradas em qualquer processo industrial e o tempo de residência dos gases a alta temperatura é também bastante superior ao conseguido noutros processos de combustão alternativos, como a incineração dedicada. Assim, um forno de clínquer é um local com condições óptimas para uma queima ou destruição eficaz de qualquer resíduo orgânico que se possa oxidar/decompor com a temperatura.

(ver documento original) Figura 4.2 - Perfis típicos de temperatura para os gases (linha a tracejado) e sólidos (linha a cheio) num forno de cimento com pré-aquecedor e pré-calcinador (USEPA, 1999a) Devido à quantidade elevada de matéria-prima existente no interior do forno, este tem uma inércia térmica superior à de muitas outras instalações industriais a alta temperatura.

Nos fornos de cimento as variações de temperatura são lentas e mais facilmente controláveis. Esta característica é vantajosa quando se queimam substâncias com composição e poder calorífico variáveis como são os resíduos industriais.

Para que a queima dos resíduos seja eficaz é necessário tomar algumas precauções em relação ao modo como o material é adicionado ao forno, o local de injecção mais apropriado é o queimador principal junto à saída do clínquer, porque nestas condições a temperatura e o tempo de residência são maximizados. Substâncias líquidas ou sólidos triturados são normalmente queimados neste ponto do forno.

Os problemas de queima põem-se principalmente para sólidos não moídos.

No passado, em alguns fornos principalmente por via húmida, os resíduos sólidos eram adicionados à matéria-prima à entrada do forno. O aquecimento lento a que eram submetidos causavam emissões elevadas de produtos inqueimados pela chaminé. A adição de material sólido, não moído, à saída do forno também pode causar problemas porque pode não haver tempo para uma combustão completa, levando ao arrastamento de inqueimados com o clínquer, com contaminação do cimento e emissão de poluentes nos gases de arrefecimento do clínquer. Algumas unidades tentaram resolver este problema através de meios engenhosos que procuram catapultar os resíduos sólidos para o interior do forno, de modo que estes caiam alguns metros antes da saída do clínquer, permitindo assim um tempo de residência da parte não volátil suficiente para uma inertização completa (USEPA, 1999a). No entanto, dada a variabilidade de formas e volumes dos resíduos, estes métodos são de difícil implementação num sistema e numa zona que trabalham a temperaturas tão elevadas.

Uma das alternativas mais utilizadas em fornos com pré-aquecedor ou pré-queimador consiste na introdução dos resíduos sólidos directamente no pré-calcinador ou entre o pré-aquecedor e o forno rotativo. Nestes locais é adicionado um sistema de dupla gaveta que permite a adição controlada de material sólido sem problemas de entrada excessiva de ar para dentro do sistema. É nestes locais que normalmente são queimados resíduos como pneus inteiros. A queima de resíduos nesta zona do forno não é efectuada com as mesmas condições de tão elevada temperatura e tempo de residência como no queimador principal, pelo que não é aconselhável a sua utilização para a queima de resíduos perigosos (RDC e KEMA, 1999).

Usualmente, a utilização das cimenteiras para a destruição de resíduos perigosos é efectuada com um mínimo de adaptações na unidade fabril, as quais consistem vulgarmente na instalação de reservatórios e condutas apropriados para armazenar e transportar os resíduos, sistemas de injecção para queima do resíduo e unidades de medição e controlo dos níveis de poluição nos gases de escape. Os resíduos têm de chegar à unidade fabril com uma composição conhecida e com uma uniformidade em composição e granulometria especificada. Por conseguinte, às modificações efectuadas no interior da unidade fabril deve ser acrescentada a necessidade de instalações, normalmente externas, de recepção, filtragem, análise e acondicionamento do resíduo. De qualquer modo, o capital específico investido para a destruição de resíduos perigosos numa unidade cimenteira é aproximadamente um quarto do necessário para implementar o tratamento de resíduos perigosos numa incineradora dedicada (Degré - comunicação pessoal, 2000; Degré, 1996).

Durante a queima de qualquer material orgânico há necessariamente produção e emissão de dioxinas/furanos, desde que coexistam no processo de queima átomos de cloro e ou flúor. Tem existido ao longo dos últimos 15 anos muita discussão sobre a importância relativa da produção de dioxinas por cimenteiras a co-incinerar resíduos perigosos. Tem também havido um aumento rápido do conhecimento sobre este problema e actualmente há muito mais informação e certezas do que mesmo no passado recente.

Inicialmente, com base em medições efectuadas nos anos 80, principalmente nos EUA e Reino Unido, considerava-se que as cimenteiras a co-incinerar resíduos emitiam bastante mais dioxinas do que as cimenteiras a queimar unicamente combustíveis clássicos. Tal facto deve-se em parte ao fraco controlo das condições de queima iniciais dos resíduos que por vezes era efectuada por adição directa destes à matéria-prima na parte fria do forno.

Mesmo ainda recentemente, em 1998, o relatório provisório sobre o inventário das fontes de dioxinas nos EUA considerava que fornos de cimenteiras a co-incinerar resíduos perigosos tinham factores médios de emissão de dioxinas/furanos de 24,34 ng TEQ por quilograma de clínquer produzido, enquanto que cimenteiras sem co-incineração emitiam somente valores de 0,29 ng TEQ por quilograma de clínquer produzido (USEPA, 1998).

Com base em resultados recentes, entretanto surgidos, a Comissão de Revisão deste relatório provisório criticava a divisão das cimenteiras em duas classes distintas, por considerar que as emissões de dioxinas não são dependentes do tipo de combustíveis consumidos (ERG, 1998).

A legislação norte-americana e todos os documentos técnicos de apoio sobre a queima de resíduos perigosos publicados no ano de 1999 (Federal Register, 1999a, 1999b) concluem, com base em dezenas de estudos efectuados ao longo dos anos anteriores, que a emissão de dioxinas pelas cimenteiras é estatisticamente independente da co-incineração de resíduos tóxicos e que, por conseguinte, as emissões de dioxinas/furanos pelos fornos de cimento são as mesmas estando estes a co-incinerar, ou não, resíduos. As medições efectuadas na indústria cimenteira europeia apontam na mesma direcção, mostrando ainda que as cimenteiras europeias têm melhores performances do que as norte-americanas na emissão de dioxinas/furanos (Schneider, 1998).

Há muitos factores potenciais que influenciam o nível de emissões de dioxinas/furanos durante o processo de co-incineração de resíduos perigosos em fornos de cimento.

Medições efectuadas sob controlo da USEPA em cimenteiras a co-incinerar resíduos perigosos mostraram que, do mesmo modo que para cimenteiras com combustível normal, os níveis de dioxinas/furanos nos gases de escape antes de se atingir o sistema de despoeiramento são muito baixos e que as dioxinas/furanos emitidos pela chaminé são produzidos principalmente no despoeirador (USEPA, 1999c).

A figura 4.3 mostra o resultado de medições de dioxinas/furanos em cimenteiras norte-americanas, com e sem co-incineração de resíduos perigosos, expressa em função da temperatura existente no sistema de despoeiramento. A figura permite concluir que a temperatura do despoeirador é o parâmetro mais importante na emissão de dioxinas/furanos pelos fornos de cimento e que as emissões de dioxinas/furanos não resultam da incapacidade do forno para destruir completamente os resíduos perigosos, mas sim da síntese das moléculas de dioxinas/furanos no sistema de despoeiramento, a partir de átomos de cloro/flúor e moléculas orgânicas precursoras, que poderão advir da evaporação da matéria orgânica presente na matéria-prima.

(ver documento original) Figura 4.3 - Emissões de dioxinas/furanos por fornos de cimenteiras a laborar com combustível normal ou a co-incinerar resíduos perigosos, expressas em função da temperatura de funcionamento do sistema de despoeiramento (USEPA, 1999c) Seria de esperar que a queima de resíduos contendo níveis mais elevados de cloro do que os combustíveis clássicos desse origem a uma síntese de dioxinas/furanos mais eficiente.

Alguns estudos à escala laboratorial mostram existir, nessas condições, uma relação entre os fluxos de entrada de cloro nos resíduos e os níveis de dioxinas produzidos (Gullett et al., 1994). No entanto, muitas medições à escala industrial sugerem não haver uma relação clara entre estes dois factores (EER, 1995; USEPA, 1999d). As causas para este resultado parecem ser:

i) As dioxinas/furanos formarem-se mesmo com níveis muito baixos de cloro, da ordem de grandeza dos que existem nos combustíveis normais;

ii) A formação de dioxinas/furanos ser muito mais sensível aos níveis de cloro nas cinzas volantes/partículas do que aos níveis de cloro presentes na fase gasosa. A saturação de cloro nas cinzas volantes/partículas ocorre a níveis de cloro muito baixos. Assim, mesmo o ar ambiente pode ter 100 a 10(elevado a 5) vezes mais cloro do que o necessário para produzir 20 ng/m3 de dioxinas.

A formação de dioxinas/furanos no sistema de despoeiramento parece dar-se sobre a superfície das partículas depositadas, sob a acção catalítica de certos metais como o cobre, o ferro e o níquel (Hinton e Lane, 1991). Contudo, algumas experiências não indicam qualquer correlação entre os caudais de Cu e a formação de dioxinas em cimenteiras (EER, 1995). A presença de certos compostos como o NH(índice 3) e o SO(índice 2) parece limitar a formação de dioxinas porque envenena os metais catalisadores da reacção de formação de dioxinas.

A emissão de dioxinas pelas cimenteiras não é influenciada grandemente pela eficiência do sistema de despoeiramento. À temperatura de saída dos gases e nas baixas concentrações existentes, as dioxinas/furanos encontram-se principalmente na fase gasosa, não podendo ser removidas eficazmente pelos sistemas de despoeiramento. O pó do cimento não é um meio de adsorção muito eficaz para as dioxinas/furanos. Por sua vez, como a combustão é geralmente completa, não existem partículas de fuligem para efectuar a adsorção das moléculas gasosas.

O controlo das emissões de dioxinas pelas cimenteiras a co-incinerar faz-se principalmente pela redução da temperatura de funcionamento do despoeirador. Várias unidades nos EUA conseguiram diminuir significativamente as emissões de dioxinas/furanos promovendo o arrefecimento rápido dos gases à entrada do sistema de despoeiramento, por injecção de água e ou por modificações no processo (USEPA, 1999c). A alteração dos sistemas de despoeiramento para os filtros de mangas obriga necessariamente à existência de temperaturas de filtração baixas, por questões de resistência térmica dos materiais filtrantes, sendo por conseguinte uma garantia de melhores performances na produção e na emissão de dioxinas pelos fornos de cimento.

Visto que a grande maioria das partículas em suspensão dentro do forno de uma cimenteira é constituída por matéria-prima, ou pó de cimento, não há nada que indique que as emissões de partículas serão mais elevadas pelo facto de a cimenteira estar a queimar resíduos perigosos. Do mesmo modo, as diferenças nas emissões de ácido clorídrico não são significativas entre cimenteiras a co-incinerar resíduos e cimenteiras a funcionar somente com combustíveis normais. Isto deve-se a dois factores:

i) Por um lado, a matéria-prima alcalina presente em grandes quantidades no interior do forno forma um scrubber seco eficaz na remoção de gases ácidos. A eficiência na remoção do cloro em fornos a co-incinerar nos EUA varia maioritariamente entre 90% e > 99,95%, com a maioria dos valores medidos situando-se acima dos 95% (USEPA, 1999c).

As unidades com filtros de mangas têm melhores eficiências de remoção do que aquelas que possuem precipitadores electrostáticos;

ii) Por outro lado, as cimenteiras não podem receber resíduos com um elevado conteúdo em cloro pelos problemas que fluxos elevados de cloro na entrada ao forno podem causar na operação normal do sistema e na qualidade do clínquer.

Níveis elevados de cloro aumentam os problemas do circuito interno do alcali, com os consequentes resultados de incrustação e entupimento nos sistemas de pré-aquecimento. Para evitar estes fenómenos nos fornos pelo método seco, a quantidade de halogéneos deve ser menor do que 250 mg/kg de material seco suprido (ou 2% do resíduo fornecido) (RDC e KEMA, 1999).

Como se viu anteriormente, a matéria-prima alcalina é também um meio eficaz de remoção do SO(índice 2), removendo em média 95% de todo o enxofre que entra no forno através do combustível e da matéria-prima. A eficiência de remoção é bastante mais elevada do que 95% para o enxofre que é injectado no queimador principal, como acontece com o contido nos resíduos perigosos.

Neste caso, as moléculas de SO(índice 2) têm de percorrer um trajecto mais extenso do que aquelas que derivam da matéria-prima, com uma maior oportunidade de serem removidas pela farinha na zona de calcinação. Pode-se assim considerar que «as emissões de SO(índice 2) são as mesmas para cimenteiras a trabalhar com ou sem co-incineração» (RDC e KEMA, 1999).

As emissões de NO(índice x) num forno de cimento são dependentes principalmente da temperatura da chama. Assim, a co-incineração de resíduos perigosos não introduz qualquer aumento das emissões deste poluente. Se o resíduo for aquoso, haverá uma diminuição da temperatura máxima da chama, causando mesmo uma diminuição nas emissões dos óxidos de azoto.

Devido às características de temperatura e ao tempo de residência, as concentrações de resíduos inqueimados (VOC) nos gases de escape são também bastante baixas, se houver o cuidado de se efectuar a queima no local apropriado e com as condições de combustão convenientes, os níveis de VOC presentes nos gases da chaminé resultam muito mais da evaporação de contaminantes orgânicos da matéria-prima do que da ineficácia de queima dos resíduos ou combustível. Este facto põe alguns problemas na avaliação das condições de queima durante o processo de combustão, já que os níveis de VOC na chaminé não podem ser usados como referência total para se avaliar a eficiência da combustão. Assim, se os níveis de VOC forem muito baixos, a combustão deu-se de uma forma eficiente.

Pode haver contudo combustões eficientes com níveis mais significativos de VOC na chaminé em resultado da evaporação de compostos orgânicos da matéria-prima. Quando isto acontece deverá haver um outro parâmetro que possa mostrar com alguma representatividade a eficácia das condições de queima. O valor dos níveis de oxigénio em excesso (não consumido) nos gases que saem do forno rotativo poderá servir de parâmetro de segurança das condições de queima perfeitas quando os níveis de VOC na chaminé ultrapassem os valores estabelecidos em resultado da evaporação da matéria-prima. Normalmente os fornos de cimento laboram com um excesso de oxigénio o mais baixo possível para optimizar o rendimento térmico. Nas condições em que a eficiência de combustão não pode ser avaliada continuamente pelos níveis de VOC, por uma questão de segurança, os níveis mínimos normais de excesso de oxigénio deveriam ser aumentados ligeiramente (por exemplo 2%).

O principal problema que se põe em relação à co-incineração de resíduos perigosos encontra-se relacionado com o conteúdo dos resíduos em metais e outros elementos tóxicos vestigiais, os elementos que são pouco voláteis, ou que formam compostos refractários involáteis durante a combustão, transferem-se totalmente para a fase particulada e misturam-se de forma química e estrutural no clínquer, sendo removidos e adicionados ao cimento.

As emissões que se poderão dar destes elementos são as que se relacionam com a emissão de partículas que passam através do sistema de despoeiramento.

Já o comportamento dos elementos semivoláteis e voláteis é completamente diferente. Às elevadas temperaturas existentes dentro do forno estes metais volatilizam, sendo transportados com os gases para a zona de despoeiramento. Neste local a temperatura é muito mais baixa e os elementos têm tendência a condensar sobre a superfície das partículas mais finas (de maior área superficial específica). Estas partículas, enriquecidas, são menos eficazmente removidas pelo sistema de despoeiramento, resultando numa maior emissão destes elementos por comparação com os elementos não voláteis, uma fracção importante dos elementos mais voláteis, como o mercúrio, permanece na fase gasosa, sendo emitida pela chaminé independentemente da eficiência de remoção de partículas do sistema de despoeiramento.

Usualmente, as partículas enriquecidas em elementos voláteis e semivoláteis, colhidas no despoeirador, são adicionadas ao processo e reentram no forno.

Neste, os elementos mais voláteis são novamente volatilizados e reenviados para o sistema de despoeiramento, causando uma acumulação dentro do despoeirador, com a eventual saída final pela chaminé. Nas unidades com by-pass, ou precipitador electrostático em etapas, pode-se, se o processo assim o permitir, remover uma parte do pó de cimento do circuito, quebrando o ciclo externo destes elementos. Neste caso produz-se um resíduo sólido com elevados níveis de contaminantes, que tem de ser considerado um resíduo perigoso.

Em muitas unidades cimenteiras não existe by-pass, não sendo possível também segregar uma parte mais enriquecida em metais, de partículas no despoeirador (porque têm filtros de mangas ou porque toda a farinha passa pelo sistema de despoeiramento). Nestes casos o controlo das emissões de metais faz-se usualmente através do controlo nas concentrações e fluxos das substâncias nos resíduos perigosos admitidos para co-incineração (USEPA, 1999a, 1999b).

Estudos efectuados num número significativo de fornos de cimenteiras a co-incinerar nos EUA (25 unidades) mostraram rendimentos de remoção de mercúrio variáveis entre 0% e 90%, os valores de remoção considerados mais representativos foram somente de 10%, saindo 90% do mercúrio adicionado ao forno pela chaminé (USEPA, 1999c). Em termos práticos pode-se afirmar que as cimenteiras não estão preparadas para receber resíduos como o mercúrio, funcionando para o mercúrio como sistemas não controlados. Para evitar emissões importantes para a atmosfera, numa cimenteira a funcionar com os métodos de controlo normais (sem carvão activado), os resíduos (mas também o combustível e a matéria-prima para a produção do cimento) deverão ter concentrações reduzidas de mercúrio. No relatório preparado para a Comissão Europeia sobre as vantagens comparativas da co-incineração e da incineração dedicada, os autores propõem valores máximos de mercúrio nos resíduos perigosos admitidos à co-incineração em cimenteiras de 0,2 a 0,5 g/Gjoule de energia térmica produzida (RDC e KEMA, 1999).

4.1.5 - Técnicas de controlo na co-incineração

Uma das vantagens da co-incineração em cimenteiras resulta do facto de a unidade fabril poder ser utilizada na destruição de resíduos perigosos com um grau elevado de eficiência, sem a necessidade de alterações significativas no processo industrial. Em consequência, a co-incineração é normalmente mais barata do que outros processos alternativos de destruição de resíduos.

Usualmente considera-se que as emissões de uma cimenteira a co-incinerar resíduos são as mesmas que para a mesma unidade a utilizar combustíveis normais, com excepção dos metais voláteis, e por conseguinte as técnicas de controlo utilizadas são as comuns ao processo de produção de cimento, o controlo das emissões de metais voláteis como o mercúrio só se poderia efectuar pela filtração dos gases com carvão activado.

Normalmente as cimenteiras a efectuar co-incineração não utilizam o sistema de remoção do mercúrio com carvão activado por o considerarem demasiado dispendioso, preferindo diminuir as emissões do metal através da análise, do controlo e da limitação das concentrações nos resíduos aceites para co-incinerar.

Embora a co-incineração não introduza uma alteração significativa nas emissões, por comparação com a laboração da unidade com combustível normal, não necessitando por conseguinte de métodos de controlo específicos, o facto de operar com combustíveis alternativos mais baratos torna a unidade mais competitiva, em termos económicos.

Assim, estas unidades estão mais aptas a adoptar as melhores técnicas disponíveis para a indústria cimenteira (BAT) do que as outras cimenteiras, podendo mesmo certas técnicas de controlo vir a ser consideradas BAT primeiro para as cimenteiras a co-incinerar, do que para as cimenteiras normais.

4.2 - Incineração dedicada

4.2.1 - Introdução

A incineração é um meio de tratar resíduos que consiste na destruição térmica a alta temperatura por reacção dos compostos orgânicos com o oxigénio do ar.

A energia térmica necessária para uma queima e destruição eficaz provém do próprio poder calorífico dos resíduos ou e da queima de um combustível auxiliar. A incineração é um sistema de tratamento especialmente apropriado para resíduos perigosos contendo fracções importantes de matéria orgânica, porque só deste modo se consegue uma redução em massa e volume dos resíduos significativa, o objectivo da incineração é transformar todos os átomos de carbono e hidrogénio contidos na matéria orgânica em CO(índice 2) e vapor de água, substâncias inertes que podem ser descarregadas para a atmosfera sem problemas (ou com menos problemas) ambientais.

Como os resíduos não contêm somente carbono e hidrogénio, e como a combustão nunca é completa, durante o processo de incineração há a produção de efluentes contendo poluentes, os quais têm de ser removidos e ou destruídos. Uma fracção maioritária do investimento e da operação numa incineradora de resíduos perigosos consiste no controlo e no tratamento dos efluentes resultantes do processo de incineração.

Há dois tipos de incineradoras de resíduos perigosos. Aquelas que se situam no interior de unidades industriais, geralmente da indústria química, que se destinam unicamente, ou prioritariamente, à destruição dos resíduos produzidos no interior da unidade fabril. E as que são montadas de uma forma independente em instalações próprias e que têm como objectivo económico único obter lucros do tratamento de resíduos perigosos produzidos por terceiros.

As incineradoras internas tratam normalmente resíduos perigosos muito específicos gerados pelo complexo industrial onde estão inseridas, embora possam receber também resíduos do mesmo tipo produzidos noutros locais afastados. A instalação deste tipo de incineradoras tem por objectivo evitar os custos de armazenamento e transporte, e a falta, por vezes, de incineradoras comerciais que possam aceitar os resíduos perigosos típicos produzidos nas instalações industriais locais. O funcionamento de uma incineradora dedicada integrada num complexo industrial maior tem também a vantagem de alguns dos efluentes do sistema de tratamento da incineradora poderem servir como reagentes no resto do processo industrial e de permitir um melhor aproveitamento térmico da energia gerada durante a incineração.

4.2.2 - Descrição do processo de incineração

As incineradoras comerciais de resíduos perigosos têm de estar preparadas tecnicamente para incinerar e tratar uma gama de resíduos mais abrangente, tendo assim de ter sistemas de queima e de tratamento de efluentes mais completos. Um sistema de incineração comercial de resíduos perigosos moderno é usualmente constituído por quatro unidades essenciais:

i) Unidade de pré-tratamento e armazenagem de resíduos;

ii) Unidade de combustão;

iii) Unidade de recuperação e conversão de energia;

iv) Unidade de depuração e controlo de efluentes.

Unidade de pré-tratamento e armazenagem de resíduos A unidade de pré-tratamento e armazenagem de resíduos destina-se à recepção dos RIP, em condições de segurança, e às suas mistura e homogeneização, de modo a permitir a obtenção de um material com condições de queima conhecidas e estáveis. Uma das tarefas mais importantes da unidade consiste na caracterização e na análise química dos resíduos recepcionados. Tendo em atenção que esta unidade é comum e necessária a todas as técnicas de tratamento de resíduos perigosos, uma descrição mais aprofundada será apresentada em capítulo posterior deste relatório.

Unidade de combustão

A unidade de combustão constitui a parte fundamental de uma incineradora dedicada, porque do seu funcionamento depende a capacidade da incineradora para destruir mais, ou menos, eficazmente os resíduos orgânicos perigosos. Há diferentes tipos de tecnologias aplicadas na queima de resíduos perigosos que incluem maioritariamente fornos rotativos, sistemas de injecção líquida e sistemas em leito fluidizado.

A maioria das incineradoras comerciais de resíduos perigosos é do tipo forno rotativo devido às suas maleabilidade e capacidade para tratar diferentes tipos de resíduos. Os fornos rotativos podem processar resíduos na forma líquida e sólida, aceitando também resíduos em contentores fechados e materiais menos comuns, como munições. Os fornos rotativos utilizados na incineração de resíduos perigosos são constituídos tipicamente por duas partes: o forno rotativo propriamente dito e a câmara de pós-combustão (afterburner), o forno rotativo é formado por uma carcaça cilíndrica em aço, revestida internamente com refractário, com diâmetro de 4,5 m a 6 m e com uma razão comprimento/diâmetro entre 2:1 e 10:1. A carcaça encontra-se numa posição quase horizontal, com um ângulo de 2º-4º, e rola segundo o seu eixo com uma velocidade de 0,5-2 rotações por minuto. A câmara de pós-combustão situa-se no final do forno rotativo, como mostra a figura 4.5, e recebe os gases e cinzas dele provenientes. Na câmara de pós-combustão completa-se a queima dos gases, iniciada no forno rotativo.

(ver documento original) Figura 4.4 - Desenho esquemático de uma incineradora dedicada de resíduos perigosos com caldeira de recuperação de calor e aproveitamento energético (adaptado de Farag, 1993) No topo do forno rotativo existe sempre um injector de combustível auxiliar, à base de gás ou fuel, que é usado para iniciar o arranque da unidade, de modo a permitir atingir a temperatura de operação, a partir da qual podem ser introduzidos e queimados os resíduos. O injector de combustível auxiliar também funciona durante o processo de incineração quando o poder calorífico dos resíduos não é suficiente para suster a temperatura a níveis suficientemente elevados. As incineradoras dedicadas têm mais dificuldades em manter temperaturas elevadas do que os fornos das cimenteiras porque não fazem o reaproveitamento do calor gerado na combustão para aquecer o ar comburente. Assim, há uma maior necessidade de consumo de combustível auxiliar quando o poder calorífico dos resíduos é baixo.

Normalmente os resíduos são adicionados à parte mais elevada do forno rotativo, os resíduos líquidos e sólidos moídos são introduzidos através de uma lança de injecção, ou no injector do combustível auxiliar. Os resíduos sólidos de maiores dimensões, ou os contentores, são adicionados por uma porta adaptada, quer continuamente, quer em etapas, através de uma variedade de metodologias, como passadeiras rolantes, transportadores de parafuso, etc.

(ver documento original) Figura 4.5 - Esquema de um forno rotativo típico numa incineradora de resíduos perigosos (USEPA, 1999a) Os fornos rotativos funcionam normalmente em co-corrente e o ar comburente é adicionado ao forno no mesmo local que os resíduos. Algum ar entra também através da porta de adição dos resíduos e pelas juntas do forno rotativo, visto que todo o sistema é mantido sob um vácuo de 1-5 cm de coluna de água por um ventilador colocado a jusante, junto à chaminé. A manutenção do forno e do equipamento de tratamento de efluentes em depressão evita problemas de fugas indesejadas de efluentes gasosos.

Os resíduos são aquecidos pela chama primária no topo do forno rotativo. A fracção volátil é gaseificada e queimada, enquanto que a parte sólida em combustão é transportada para a parte de baixo do forno devido à inclinação e ao movimento de rotação. Tipicamente, o tempo de residência dos sólidos no interior do forno varia entre 0,5 e 1,5 horas, enquanto que os gases têm tempos de residência da ordem dos dois segundos. A temperatura no interior do forno rotativo varia entre 650ºC e 1650ºC.

As cinzas e outros inqueimados sólidos caem da base do forno, por gravidade, para um cinzeiro onde são arrefecidas. Os gases são sugados para a câmara de pós-combustão, onde a reacção de oxidação se completa. A câmara de pós-combustão é revestida internamente com material refractário e opera tipicamente a temperaturas de 1100ºC-1400ºC com um excesso de ar de 100% a 200%. Para manter a temperatura dentro dos parâmetros estabelecidos pode ser injectado combustível auxiliar directamente na câmara de pós-combustão. A temperatura elevada, o excesso de ar comburente e o tempo de residência de um a três segundos permitem concluir, com uma eficiência elevada, a destruição dos compostos orgânicos iniciada no forno rotativo.

Unidade de recuperação e conversão de energia

Embora não seja necessária para se efectuar uma incineração eficaz, as incineradoras comerciais actuais são providas de uma caldeira de recuperação de calor para co-geração de energia eléctrica. Em alguns locais, quando as condições de clima e ou localização assim o permitem, há também o aproveitamento do calor na forma de vapor ou água quente para processos industriais ou para o aquecimento de casas e estufas.

A recuperação e a conversão energéticas, além de serem ambientalmente vantajosas, porque permitem poupar recursos energéticos e diminuir a emissão de gases de estufa e poluentes, são também essenciais para tornar o processo de destruição de resíduos perigosos por incineração menos dispendioso. O rendimento termodinâmico na produção de energia eléctrica em resultado da co-geração pelas incineradoras é bastante mais baixo do que o obtido pela queima de combustíveis em centrais termoeléctricas. Isso deve-se ao facto de que numa incineradora de resíduos perigosos toda a instalação tem de ser optimizada para uma queima eficaz dos resíduos e para uma remoção elevada dos poluentes dos efluentes. Também os gases gerados durante a combustão na incineradora são de modo geral altamente corrosivos, necessitando de caldeiras especialmente adaptadas para resistir à corrosão e de fluxos térmicos que limitem o fenómeno.

Estima-se que as incineradoras de resíduos perigosos europeias tenham rendimentos termodinâmicos variáveis entre 18% e 25%, com um valor médio de 21% (RDC e KEMA, 1999).

A recuperação de energia térmica numa caldeira tem também vantagens sob o ponto de vista do condicionamento do efluente gasoso. A temperatura de saída dos gases do forno é demasiado elevada para o sistema de tratamento de gases a jusante. Tem de haver assim, necessariamente, um arrefecimento do efluente trazendo a temperatura para dentro dos parâmetros de funcionamento do equipamento, de modo a aumentar a eficiência de remoção dos poluentes e a permitir a utilização de materiais como os filtros de mangas, que não resistem a temperaturas acima dos 200ºC-250ºC. Este arrefecimento é feito quer por remoção do calor num permutador/caldeira, quer por injecção de água líquida no efluente. A diminuição de temperatura dos efluentes pela passagem na caldeira diminui o volume dos gases a tratar pelo sistema de despoluição, que pode ser assim dimensionado para um menor caudal de efluentes.

Há certas desvantagens na recuperação energética com caldeiras. Nestas condições, o arrefecimento dos gases efluentes do forno faz-se de um modo muito mais lento do que quando o arrefecimento é efectuado pela injecção de água líquida. Há, assim, um período de tempo muito mais extenso em que os gases efluentes permanecem na janela de temperatura óptima para a produção catalítica de dioxinas/furanos, em contacto com partículas de fuligem e cinzas depositadas na tubagem da caldeira. As incineradoras dedicadas de resíduos perigosos com aproveitamento energético do calor têm maiores concentrações de dioxinas/furanos nos gases de escape do que incineradoras em que o arrefecimento é efectuado mais rapidamente por injecção de água.

As incineradoras dedicadas com caldeira recuperadora de calor emitem dioxinas com concentrações de 1-8 ng TEQ/Nm(elevado a 3), com valores de emissão que podem chegar aos 40 ng TEQ/Nm(elevado a 3), se não existir a jusante um sistema de tratamento de gases à base de injecção de carvão activado (USEPA, 1999c).

Unidade de depuração e controlo de efluentes

A queima em incineradoras dedicadas, embora eficaz, nunca é total, como em qualquer processo térmico. Além do mais, os elementos vestigiais presentes nos reagentes não são destruídos e têm de sair com os efluentes. Também os produtos de combustão completa nem sempre são substâncias inócuas, como os resultantes da queima de enxofre, cloro e flúor, que são substâncias ácidas (SO(índice 2) e H(índice 2)SO(índice 4), HCl e HF).

Assim, da incineração resultam efluentes sólidos e gasosos que contêm poluentes, nomeadamente compostos orgânicos resultantes da queima incompleta ou sintetizados a partir de precursores, monóxido de carbono, partículas de cinzas e fuligem, óxidos de azoto, SO(índice 2), HCl e HF, e elementos vestigiais tóxicos como o mercúrio, o chumbo e outros. Uma parte das substâncias poluentes sai com as cinzas e os resíduos sólidos da combustão, pela base do forno. Estes resíduos contêm normalmente inqueimados, podendo estar contaminados com concentrações importantes de metais tóxicos não voláteis ou semivoláteis, de compostos orgânicos tóxicos e de dioxinas/furanos (Williams, 1994, pp. 49-52). Têm de ser assim considerados resíduos perigosos e tratados com as regras de segurança aplicadas a este tipo de resíduos.

Os efluentes gasosos provenientes do forno são normalmente depurados de poluentes por passagem através de diferentes unidades de tratamento. Numa unidade de incineração de resíduos perigosos moderna utilizando todas as técnicas BAT, existem no mínimo três tipos de sistemas de tratamento de efluentes:

i) Um sistema de lavagem (scrubber) para a remoção de gases ácidos;

ii) Um sistema de despoeiramento para a remoção de partículas;

iii) Um sistema para a remoção de compostos orgânicos em geral, dioxinas e metais voláteis.

Muitas das incineradoras de resíduos perigosos a operar no mercado europeu e norte-americano não se encontram providas de todos os sistemas de controlo acima referidos.

Sistema de lavagem (scrubber)

Normalmente, o primeiro sistema de tratamento de efluentes encontrado pelos gases à saída do forno é scrubber. Os scrubbers têm como objectivo primordial remover do efluente as substâncias ácidas gasosas, embora possam também remover partículas e metais voláteis. O princípio de funcionamento de um scrubber consiste na injecção na corrente gasosa de uma substância básica com a qual os poluentes ácidos gasosos reagem, dando origem a produtos neutros, na forma condensada, que são separados do efluente gasoso. Existem vários tipos de scrubber que procuram de diferentes modos aumentar a velocidade e a eficiência de remoção dos poluentes ácidos sem a introdução de grandes perdas de carga no sistema.

Normalmente a eficiência de remoção é optimizada pela utilização de substâncias com grande afinidade para reagir com os ácidos, pelo aumento da superfície de contacto entre o adsorvente/absorvente e o efluente e por uma mistura vigorosa entre as duas fases.

Consegue-se condições desejáveis de remoção pela dispersão do material de absorção, quer em torres de enchimento, quer produzindo um spray intimamente misturado com o gás efluente utilizando chuveiros ou sistemas de venturi. Os reagentes de remoção mais utilizados incluem hidróxido de cálcio e carbonato de cálcio. Os reagentes com cálcio, devido à sua baixa solubilidade, são apresentados na forma de uma suspensão aquosa, ou de partículas secas finamente divididas.

Existem vários designs de scrubber a operar na indústria de incineração de resíduos perigosos que incluem scrubber húmidos, secos e semi-húmidos.

Nos scrubber húmidos o agente de remoção é adicionado e mantém-se na forma líquida, ou de suspensão líquida, sendo os poluentes ácidos removidos por absorção. Os gases reagem com o absorvente formando sais, os quais são muitas vezes insolúveis, tendo de ser removidos por sedimentação ou filtragem num sistema de recirculação externo. Os scrubber húmidos aparecem numa gama de configurações, com eficiências de remoção variadas, que incluem sistemas de leito fixo, torres de pratos, e ou sistemas de venturi. Nos scrubber húmidos os gases saem do sistema de lavagem saturados em vapor de água, o que traz vantagens e inconvenientes. As vantagens estão relacionadas com uma maior eficiência deste tipo de sistemas no controlo da poluição ácida e com o consumo de menos reagente, porque a eficiência de absorção dos gases ácidos é maior quando os gases estão saturados em vapor de água. Os inconvenientes estão associados a uma corrosão elevada e uma manutenção custosa, com a existência de um efluente líquido perigoso que necessita de ser tratado, com a existência de problemas de despoeiramento a jusante, e com a necessidade provável do reaquecimento do efluente antes da emissão pela chaminé.

Os scrubber secos envolvem a injecção de um adsorvente básico sólido na corrente do efluente gasoso, sob a forma de um pó fino. Os gases ácidos são removidos por adsorção sobre as partículas com formação de um sal sólido.

Os sais sólidos particulados são colhidos a jusante pelo sistema de despoeiramento. Estes sistemas de lavagem são menos complexos do que os scrubber húmidos, e não geram efluentes líquidos com a consequente necessidade de uma unidade de tratamento própria. Tipicamente, o material adsorvente é cal hidratada ou carbonato de sódio, dependendo da temperatura.

Os scrubber secos têm uma cinética de absorção mais lenta do que os sistemas húmidos.

Assim, para se conseguir eficiências de remoção aceitáveis é necessário adicionar grandes quantidades de reagente em excesso (com valores de 50% a 300% de excesso em relação às condições estequiométricas). Há assim um maior consumo de reagentes e uma maior massa de resíduos produzidos.

Os scrubber semi-secos procuram reunir as vantagens de ambos os sistemas húmido e seco. O sorvente é injectado na forma de um spray líquido, mas este, em contacto com o gás efluente quente, perde água por evaporação, originando partículas sólidas. O sistema semi-seco tem as vantagens de simplicidade e remoção das partículas do sistema seco, mantendo uma cinética de remoção dos gases ácidos mais aproximada da do sistema húmido, consumindo por isso menos reagente do que o sistema seco.

Os scrubber são utilizados principalmente para a remoção do cloro gasoso originado pela combustão de plásticos, como o PVC, resinas e hidrocarbonetos halogenados. A combustão destas substâncias origina principalmente HCl. Há também a produção de Cl(índice 2), mas numa fracção menor do que 10% do cloro gasoso total gerado. Contudo, como a lavagem no scrubber é muito mais eficiente para o HCl do que para o Cl(índice 2), as emissões de Cl(índice 2) pela chaminé de uma incineradora dedicada podem ser da mesma ordem de grandeza das emissões de HCl.

Uma forma de melhorar a eficiência do sistema de lavagem na remoção do cloro gasoso é promover a formação de HCl. Consegue-se este objectivo por minimização do excesso de ar na combustão e fornecendo hidrogénio no combustível, ou no resíduo, de modo a manter uma razão atómica H/Cl>2.

Uma outra forma de melhorar a eficiência do sistema de lavagem na remoção do cloro gasoso é adaptar as características do licor de lavagem, aumentando o pH, para uma mais eficaz absorção do Cl(índice 2). No entanto, aos pH elevados necessários para a absorção do Cl(índice 2) o anidrido carbónico resultante da combustão começa a ser absorvido, originando um consumo excessivo de reagente alcalino. A utilização de dois lavadores em série, um primeiro a pH mais baixo para a remoção do HCl, seguido de um outro a pH mais elevado para a absorção do Cl(índice 2) parece ser um compromisso, recomendado para uma eficaz remoção de cloro gasoso sem excessivo consumo de reagente.

Os lavadores, quando bem dimensionados e operados, permitem eficiências de remoção de cloro gasoso superiores a 90% com várias unidades a conseguirem operar com eficiências >99,9% de remoção e com concentrações de cloro gasoso na chaminé <25 ppm (USEPA, 1999c).

Os sistemas de lavagem tipo húmido podem remover outros compostos, como o mercúrio, com eficiências que variam entre 0% e >99%, com a maior parte dos valores de eficiência situando-se na gama 15%-60% (USEPA, 1999c). Esta gama de eficiências de remoção deve-se a uma variedade de factores que inclui:

i) Especiação do mercúrio - a eficácia dos lavadores depende do estado de oxidação do mercúrio, o qual pode encontrar-se principalmente nas formas Hg(elevado a 0) ou Hg(elevado a 2+). A forma Hg(elevado a 0) pode ser importante nos gases de combustão quando os níveis de enxofre no processo de queima forem elevados. A forma Hg(elevado a 2+) é a termodinamicamente mais estável em sistemas de combustão com níveis razoáveis de cloro, dando origem à produção de cloreto mercúrico. O HgCl(índice 2), ao contrário do mercúrio metálico, é solúvel em água e pode ser removido eficazmente no lavador húmido;

ii) Perfil de temperaturas - o perfil de temperaturas dentro do sistema tem influência no estado de oxidação do mercúrio, um arrefecimento muito rápido dos gases dificulta a formação de HgCl(índice 2) e diminui a eficácia de remoção do mercúrio pelo sistema de lavagem dos gases;

iii) Parâmetros de funcionamento do scrubber - a eficiência de remoção do HgCl(índice 2) é afectada pelas características do sistema de lavagem.

Quando o licor de lavagem tem pH>7 e, principalmente, se há iões sulfito no licor, o Hg(elevado a 2+) absorvido pode ser reduzido a mercúrio metálico que é reemitido para a fase gasosa.

Sistema de despoeiramento

As partículas geradas durante a combustão, ou resultantes da lavagem dos gases, são removidas com sistemas de despoeiramento colocados a jusante do scrubber. Os próprios scrubber, se forem do tipo húmido, têm capacidade para remover uma parte substancial das partículas do efluente gasoso.

Do mesmo modo que numa unidade cimenteira, os sistemas de despoeiramento utilizados em incineração dedicada são do tipo ciclone, precipitador electrostático e filtro de mangas. O ciclone, como tem uma eficiência baixa para partículas de menores dimensões, é tipicamente incorporado na unidade como um sistema de pré-filtração para remover uma fracção, que pode ser elevada, das partículas sobre-micrométricas, de modo a descongestionar os sistemas de filtração, precipitador electrostático ou filtro de mangas, colocados a jusante.

Os precipitadores electrostáticos têm uma eficiência de remoção elevada para as partículas de grandes e pequenas dimensões e podem trabalhar tanto a baixas como a altas temperaturas. Não havendo tantos problemas de controlo das concentrações de CO nas incineradoras dedicadas como nos fornos de clínquer, o problema da necessidade de desligar o fornecimento de energia eléctrica por perigo de explosão põe-se muito menos frequentemente neste caso. Existem precipitadores electrostáticos especialmente construídos para fazer a colheita de partículas líquidas, podendo mesmo ser utilizada uma corrente de água para limpar os eléctrodos. Estas características fazem com que os precipitadores electrostáticos sejam os únicos sistemas de remoção de partículas que podem funcionar em conjunto com sistemas de lavagem de gases ácidos específicos, como os scrubber húmidos.

Um sistema de despoeiramento com precipitador electrostático bem concebido inclui:

i) Áreas específicas de colheita superiores a 1,6 m2/(m3/minuto);

ii) Sistemas avançados de controlo de voltagem;

iii) Ciclos de rapping optimizados;

iv) Geometria dos eléctrodos apropriada para altas voltagens;

v) Sectorização em várias etapas do precipitador;

vi) Condicionamento do efluente com água ou reagentes para diminuir a resistividade das cinzas volantes.

Nestas condições um precipitador electrostático consegue limitar normalmente os níveis de partículas na chaminé para valores abaixo dos 35 mg/Nm(elevado a 3). Alguns fornecedores de equipamento garantem valores de concentração abaixo dos 10 mg/Nm(elevado a 3) (USEPA, 1999c).

Os filtros de mangas são actualmente os métodos de filtração mais utilizados nas incineradoras modernas. A eficiência dos filtros de mangas é igual, ou superior, à dos precipitadores electrostáticos, principalmente para partículas muito finas, os novos designs de filtros de mangas e os novos materiais aplicados, como o Teflon, permitem eficiências de colheita elevadas para todas as gamas de partículas a temperaturas razoavelmente altas. As partículas colhidas sobre a tela filtrante formam um bolo através do qual tem de passar o gás efluente. O contacto estreito entre as partículas e o gás aumenta a eficiência de adsorção dos poluentes. Isto é especialmente importante para a remoção dos gases ácidos pelas partículas básicas injectadas no scrubber a montante.

Os filtros de mangas só podem operar em condições de subsaturação em vapor de água.

A presença de água líquida daria características de agregação do bolo que, por um lado, provocariam uma queda de pressão rápida e a colmatação do filtro, e que por outro lado dificultariam a sua remoção periódica da tela filtrante.

Haveria ainda um aumento de corrosão acentuado e um encurtamento do tempo de vida do sistema de despoeiramento.

Uma incineradora de resíduos perigosos com filtros de mangas, se utilizar técnicas correctas de manutenção e ciclos apropriados de limpeza, consegue níveis de emissão de partículas da ordem dos 35 mg/Nm(elevado a 3). Se a tela filtrante for tipo membrana de alto rendimento (Teflon, por exemplo) podem ser atingidos de uma forma contínua níveis de concentração de partículas na chaminé de 2 mg/Nm(elevado a 3) (Feldt, 1995).

Sistema para a remoção de VOC, dioxinas e metais voláteis

Os sistemas de lavagem e despoeiramento não conseguem remover uma fracção considerável de compostos voláteis tóxicos como certos hidrocarbonetos perigosos, dioxinas e metais voláteis. Estas substâncias têm de ser removidas do efluente antes da sua emissão pela chaminé, quer por adsorção sobre sorventes específicos, quer por destruição por um material catalisador. Na indústria de incineração tem sido experimentado e aplicado um conjunto de agentes adsorventes, dos quais o mais eficaz e comum é o carvão activado. O carvão activado tem uma superfície específica elevada (300 m2-1500 m2/g), tendo a superfície características químicas e propriedades catalíticas que o tornam apropriado para a adsorção e remoção de um número diverso de compostos voláteis. A adição de certos compostos químicos ao carvão activado pode aumentar a eficácia de remoção para certos poluentes de mais difíceis características de adsorção.

O carvão activado pode ser introduzido no sistema de tratamento de efluentes, quer sob a forma de um leito fixo, usualmente situado após o sistema de despoeiramento, quer por injecção na forma de suspensão antes do sistema de despoeiramento, com recolha no despoeirador. Este último método é utilizado somente em associação com os filtros de mangas devido à eficiência acrescida de remoção durante a passagem do gás através do bolo contendo as partículas de carvão activado, depositado sobre a tela filtrante, e também devido aos perigos de incêndio resultantes da adição de um material combustível ao precipitador electrostático.

Normalmente os sistemas de leito fixo dão eficiências de remoção mais elevadas do que o sistema de injecção. A eficiência de remoção é dependente de várias variáveis, que incluem:

i) A temperatura de operação - normalmente a eficiência é maior a

temperaturas mais baixas;

ii) As características de adsorção do carvão para cada poluente;

iii) A razão entre o volume de gás efluente e a massa de carvão

presente;

iv) O tempo de contacto entre o gás e as partículas;

v) A capacidade e o grau de saturação do adsorvente.

A adição de carvão activado permite uma remoção das dioxinas/furanos com uma eficiência sempre elevada. Em sistemas de injecção de carvão a eficiência é da ordem dos 99% quando os níveis nos efluentes são mais elevados, como é o caso da utilização de caldeiras de recuperação de calor.

Quando os gases já contêm níveis baixos de dioxinas, a eficiência de remoção por injecção de carvão activado é algo menor, da ordem dos 95%. Os sistemas de leito fixo conseguem remoções mais elevadas do que os sistemas de injecção de carvão, consistentemente acima dos 99% de eficiência de remoção. De qualquer modo, a utilização de carvão activado permite sempre a obtenção de concentrações de dioxinas/furanos na chaminé abaixo dos 0,1 ng TEQ/Nm(elevado a 3), com níveis atingindo os 0,005 ng TEQ/Nm(elevado a 3) em alguns casos (USEPA, 1999a).

O carvão activado é necessário para a remoção de mercúrio não removido pelo scrubber quando os resíduos queimados têm contaminações importantes deste metal. A aplicação de carvão activado por injecção na conduta ou no scrubber permite eficiências de remoção de mercúrio próximas dos 80% quando efectuada em incineradoras usando técnicas BAT (USEPA, 1999c). O rendimento de remoção pode atingir valores >95% com a injecção de maiores quantidades de carvão activado, utilização de carvão especialmente impregnado (com enxofre ou iodo) e a diminuição da temperatura dos gases.

O uso de carvão em leito fixo permite eficiências de remoção do mercúrio superiores a 99%, principalmente quando se usa carvão activado impregnado.

O tipo de carvão activado tem uma influência grande na sua capacidade para remoção de mercúrio. O mercúrio na forma de vapores metálicos só é adsorvido eficazmente por carvão activado impregnado.

O mercúrio na forma oxidada (HgCl(índice 2)) adsorve facilmente sobre carvão activado não impregnado.

Outros sistemas de tratamento de efluentes complementares ou alternativos As incineradoras usam frequentemente outras técnicas de controlo para os poluentes atrás referidos ou para outros. O controlo dos óxidos de azoto é efectuado por diminuição da temperatura máxima da chama, por utilização de queimadores de baixo NO(índice x), ou por adição de reagentes redutores, com ou sem a utilização de catalisadores, de modo semelhante ao descrito anteriormente para o controlo da emissão de NO(índice x) em fornos de cimenteiras. A utilização de sistemas de catalisação para a redução do NO(índice x) (SCR) pode permitir também a destruição/remoção de compostos orgânicos tóxicos e de dioxinas/furanos. Nestes catalisadores, constituídos por substâncias como os óxidos de vanádio e tungsténio, depositados sobre uma matriz de óxido de platina, a oxidação catalítica das dioxinas/furanos ocorre a temperaturas de 250ºC-350ºC.

Eficiências de remoção de dioxinas/furanos na gama 95%-98% foram observadas em experiências efectuadas à escala industrial em incineradoras de resíduos urbanos na Europa, com níveis de emissão controlada <0,1 ng TEQ/Nm(elevado a 3) (USEPA, 1999c).

O sistema de remoção catalítica tem de ser instalado depois do sistema de despoeiramento para diminuir os problemas de envenenamento do catalisador por gases ácidos, metais e partículas. Tal pode obrigar a um reaquecimento dos gases efluentes para se atingir o nível óptimo de reacção catalítica.

4.3 - Vantagens comparativas da incineração dedicada a da

co-incineração em cimenteiras

Os processos de incineração dedicada e de co-incineração em fornos de cimenteiras são os únicos que, de um modo generalizado, são utilizados à escala comercial nos países industrializados para a destruição térmica de resíduos industriais perigosos. Existe um número importante de unidades de incineração e co-incineração a funcionar em paralelo e concorrência na América do Norte e na União Europeia. A existência dos dois tipos desolução é uma demonstração pragmática de que nenhuma das duas alternativas tem vantagens claras e insofismáveis sobre a outra e de que ambas as soluções podem ser aplicadas na destruição térmica dos resíduos perigosos.

O problema que se põe na escolha da melhor solução não é, assim, uma escolha clara entre branco e preto, mas antes a avaliação entre dois graus diferentes de cinzento, tentando pesar as vantagens e desvantagens de cada solução, que são variáveis com a área geográfica, com a competição existente no mercado, com o tipo de resíduos existente e com a evolução actual e futura em termos de resíduos produzidos, métodos alternativos de tratamento, técnicas de controlo de efluentes e custos de operação.

Nas páginas seguintes procuraremos fornecer uma listagem das vantagens e desvantagens mútuas de cada uma das duas técnicas, procurando dar uma opinião, necessariamente com algum carácter subjectivo, sobre a importância relativa de cada uma das vantagens e desvantagens relativas.

As incineradoras dedicadas permitem uma maior maleabilidade na escolha do local de instalação, de modo a minimizar os efeitos ambientais relativos às emissões e os custos e riscos do transporte dos resíduos desde os seus locais de produção. A co-incineração em cimenteiras só pode ser efectuada em unidades já existentes e dá uma possibilidade de escolha muito menor.

Além do mais, muitas cimenteiras, como as portuguesas, têm uma idade relativamente elevada e embora, em vários casos, tenham sido instaladas em locais relativamente ermos, a falta de uma política de ordenamento do território permitiu fazer crescer o número de habitações e de população nas suas redondezas, que são densamente habitadas.

As incineradoras dedicadas necessitam de um volume mínimo de resíduos perigosos para tratar, por ano, para poderem ter custos de tratamento suportáveis pela indústria, em termos de competição internacional. Isso obriga a concentrar o tratamento de resíduos perigosos num número de unidades restritas, que em Portugal se limitaria a uma única unidade. A co-incineração não é tão exigente em termos do volume de resíduos a tratar porque o objectivo principal do forno da cimenteira continua a ser a produção de clínquer.

Assim, a queima pode ser efectuada em cada local com um menor volume de resíduos tratados, em cada ano, o que implica uma possível menor carga local de efluentes.

As incineradoras dedicadas permitem uma maior abrangência no tipo de resíduos a tratar que as cimenteiras. Nos fornos de cimento não podem ser queimados resíduos com níveis elevados de cloro, devido aos problemas que o cloro põe no processo de fabricação do clínquer, nem resíduos com mercúrio, porque as cimenteiras não permitem o controlo deste metal tóxico, que sairia maioritariamente pela chaminé. As incineradoras dedicadas, se possuírem as técnicas BAT, incluindo scrubber e sistema de carvão activado, podem lidar com resíduos contendo níveis mais elevados de cloro e mercúrio.

Isto põe o problema do destino a dar a este tipo de resíduos se for instalado unicamente o sistema de co-incineração em Portugal.

Se o território português fosse um espaço fechado, a capacidade da incineração para tratar uma gama de resíduos mais vasta seria certamente uma vantagem importante em relação à co-incineração. No entanto, o mercado europeu já é e ainda virá a ser mais, previsivelmente, um mercado aberto à circulação para reciclagem, tratamento, etc., dos resíduos perigosos.

Assim, existem já na Europa unidades especialmente adaptadas ao tratamento de resíduos perigosos especiais, como os hidrocarbonetos halogenados, para as quais poderão ser exportados os volumes minoritários de resíduos perigosos que não podem ser tratados num sistema de co-incineração.

Prevê-se ainda que, no futuro, o volume de resíduos com certos contaminantes, como o mercúrio, venha a ser cada vez mais reduzido devido ao efeito das políticas que restringem a sua utilização industrial.

As unidades de incineração dedicada têm como única finalidade lidar com resíduos perigosos e, por conseguinte, há a perspectiva de que o pessoal numa unidade deste tipo esteja melhor treinado e seja mais sensível aos problemas ambientais do que as pessoas que laboram numa cimenteira, que têm uma outra cultura industrial que necessariamente se prende com optimização da produção de cimento aos mais baixos custos possíveis.

Este é um daqueles pontos de discussão que não pode facilmente ser provado, nem num sentido nem no outro, e que só pode ser demonstrado a posteriori pela verificação do desempenho de cada tipo de sistema de tratamento. Não existem, tanto quanto o sabemos, estudos comparativos sobre esta variável, devido possivelmente à só recente introdução de práticas de incineração e co-incineração modernas e reguladas no mercado dos países industrializados.

É preciso ter em atenção que um dos aspectos mais importantes, sob o ponto de vista do impacte ambiental, no tratamento de resíduos industriais perigosos, se encontra associado à recepção, à caracterização e à homogeneização dos resíduos, de maneira a obter um combustível com características estáveis e apropriadas. Esta parte fundamental do tratamento térmico dos resíduos é efectuada nos dois casos em instalações específicas por pessoal especialmente treinado. Na co-incineração a recepção e homogeneização são mesmo frequentemente efectuadas em instalações externas à unidade cimenteira. Contudo, na parte que diz respeito à co-incineração propriamente dita dentro da unidade cimenteira, é necessário um esforço de formação e fiscalização suplementar para que a cultura industrial dos gestores e operários vigente no passado não resulte num laxismo das rígidas normas de procedimento que é necessário adoptar quando a unidade se encontra a co-incinerar resíduos perigosos.

O investimento na instalação de uma unidade de incineração de resíduos perigosos dedicada é bastante maior do que o necessário para adaptar uma cimenteira para a co-incineração. Como consequência, os custos de tratamento de resíduos são bastante mais elevados numa incineradora dedicada do que numa cimenteira. Não existem tabelas fixas e preços claros sobre o custo de tratamento de cada tipo de resíduos pelos dois processos, até porque os preços aplicados no mercado europeu parecem ser afectados pela concorrência verificada entre co-incineradoras e incineradoras. O custo depende do tipo de resíduos e tem muito a ver com a contaminação em substâncias tóxicas e o seu conteúdo energético e em matéria-prima. Certos resíduos com elevado valor energético até poderão ter um custo de tratamento negativo, dependendo do preço do combustível tradicional e da competição existente no mercado. Do que nos foi dado observar, o preço de tratamento de resíduos pela incineração é pelo menos o dobro do requerido pela co-incineração.

Na incineração o preço final é dependente do investimento de capital na construção da unidade, que incide tanto menos no serviço prestado quanto maior for a capacidade construída. Assim, na actualidade não se constroem unidades com capacidades inferiores a 30 000 t de resíduos tratados por ano.

Esta capacidade instalada obriga a que haja uma quantidade de resíduos a tratar próxima da capacidade nominal, para que os custos finais sejam suportáveis. Se tal não acontecer, por falta de resíduos, ou pelo aparecimento de métodos alternativos de tratamento mais baratos, os custos de tratamento de resíduos pela incineradora dedicada e os seus prejuízos podem mesmo disparar. Uma situação deste tipo está a suceder na Alemanha, que investiu, com incentivos governamentais, fortemente no tratamento por incineração dedicada.

Actualmente a competição efectuada pelas cimenteiras, tanto a nível interno como em países vizinhos, como a Bélgica, põe problemas económicos à incineração dedicada.

TABELA 4.3

Comparação dos custos de investimento e operação para o tratamento

térmico de 200 000 t/ano de resíduos perigosos (Degré, comunicação

pessoal, 2000; Degré, 1996)

(ver documento original) Existe neste momento uma luta entre os lobbies da incineração e da co-incineração ao nível do domínio do mercado de resíduos. Se tal luta resultar numa abertura interna do mercado europeu de resíduos, nenhum Governo nacional deverá tomar opções de gestão de resíduos sem ter em atenção as consequências e os efeitos deste mercado.

A importância do valor energético dos resíduos já é manifestamente elevada na Europa.

Em 1997, a co-incineração em cimenteiras consumia 1,9 Mt de resíduos anualmente na Europa, constituindo os resíduos 1%-20% do material combustível utilizado na produção de cimento (RDC e KEMA, 1999). É expectável que a competição pela utilização e a valorização térmica de resíduos vá aumentar no futuro em resultado do aumento de custo dos combustíveis fósseis e dos problemas de contingentação da libertação de gases com efeitos de estufa. Assim, a instalação de qualquer unidade de tratamento térmico de resíduos em Portugal terá de ter em atenção a competição pelos outros países europeus, nomeadamente pela vizinha Espanha, o país que poderá pôr maiores problemas de competição pelo custo menor dos transportes envolvido. A instalação em Portugal de uma unidade com maiores custos de tratamento, como é o caso da incineradora dedicada, poderá ter como consequência o desvio dos resíduos para unidades de co-incineração em Espanha, com a consequente falta de resíduos para incinerar e os respectivos prejuízos económicos.

A implementação da co-incineração em cimenteiras portuguesas pode ter vantagens importantes para estas, as quais podem laborar com um combustível mais barato, ou até receber dinheiro por ele. Este factor permitirá uma maior competitividade interna e externa da indústria cimenteira nacional, possibilitando que lhe seja exigida a aplicação de novas técnicas de tratamento e controlo de efluentes que estão constantemente a ser desenvolvidas, tais como o controlo na emissão de NO(índice x) por redução catalítica (SCR), antes de outras unidades cimenteiras menos competitivas, com a consequente melhoria da qualidade ambiental, local e regional.

Actualmente não há uma certeza clara da quantidade de resíduos perigosos gerados no País, nem se sabe minimamente como evoluirá a produção de resíduos perigosos no futuro. Há também um esforço nacional e internacional para a não-produção de resíduos, a sua reutilização ou a sua reciclagem. A quantidade de resíduos perigosos produzidos no futuro vai depender muito do êxito destes esforços. Uma incineradora, para não ter prejuízos elevados, precisa de ter resíduos para queimar numa quantidade razoável, de acordo com a capacidade para que foi construída. No caso da co-incineração em cimenteiras, o problema dos fluxos de resíduos é muito menos importante, devido ao menor investimento e ao facto de que o objectivo prioritário da cimenteira a co-incinerar continuar a ser a produção de cimento. Assim, a instalação da co-incineração previsivelmente levará a uma maior capacidade no futuro para adaptação às novas condições de políticas ambientais, que estão em constante mudança, com efeitos imprevisíveis em relação à gestão dos resíduos perigosos na próxima década. A instalação de uma unidade de incineração dedicada poderá resultar no surgimento de pressões políticas para que o fluxo de resíduos perigosos para incineração se mantenha dentro dos parâmetros desejados pela incineradora, mesmo que não seja este o sistema ambientalmente mais correcto para o País.

Como se compara, sob o ponto de vista das emissões de poluentes, a incineração dedicada com a co-incineração? Normalmente, a capacidade de um sistema para a destruição térmica de um resíduo é expressa em termos da sua eficiência de destruição e remoção - DRE (destruction and removal efficiency). O valor de DRE para os resíduos orgânicos tóxicos deve, de acordo com a legislação norte-americana (Federal Register, 1999a, 1999b), ser superior a 99,99%, ou mesmo 99,9999% para as dioxinas/furanos. O valor do DRE calcula-se por medição dos fluxos do poluente no efluente gasoso e do poluente nos resíduos/combustível queimados. Um valor de DRE elevado não significa necessariamente uma destruição eficaz do poluente. Por exemplo, pode haver um valor de DRE elevado para uma incineradora em relação ao mercúrio existente nos resíduos, sem qualquer destruição, já que o mercúrio é um elemento praticamente indestrutível. O valor do DRE para o mercúrio só é elevado porque o metal é eficientemente colhido dos efluentes gasosos pelo scrubber e pelo carvão activado. Durante a incineração, o poluente «mercúrio» não foi destruído, mas sim concentrado sobre o carvão activado e na lixívia de lavagem do scrubber, que são novos resíduos perigosos que necessitam de um tratamento e uma armazenagem cuidadosos.

A capacidade de destruição dos poluentes pelo processo de tratamento térmico deve ser expressa antes pela denominada eficiência de destruição - DE (destruction efficiency). A eficiência de destruição é calculada medindo os fluxos de entrada do poluente e os fluxos de saída nos efluentes gasosos, nos efluentes líquidos, e nas cinzas e outros efluentes sólidos. O valor de DE para os metais e outros elementos tóxicos é de 0%. Esse valor pode e deve ser muito elevado para o tratamento térmico de compostos orgânicos.

Os fornos das cimenteiras trabalham a temperaturas acima dos 1200ºC, com tempos de residência de quatro a seis segundos. Os fornos das incineradoras dedicadas atingem temperaturas acima dos 850ºC-1100ºC com tempos de residência acima deste valor de dois segundos. Assim, devido às características térmicas, o valor de DE para os compostos orgânicos é maior num forno de cimenteira do que no forno de uma incineradora. As incineradoras dedicadas só conseguem níveis de DRE para o s compostos orgânicos semelhantes (e talvez até melhores em algumas situações) do que os obtidos nos fornos de cimento, porque possuem um sistema bastante sofisticado de tratamento dos gases efluentes que remove os inqueimados da fase gasosa, concentrando-os nas resíduos sólidos e líquidos. Normalmente, estes resíduos, após tratamento e estabilização, são colocados em aterros de resíduos perigosos. Não existem actualmente estudos que permitam conhecer com segurança quais as consequências a longo prazo da colocação destes contaminantes em aterros.

Um dos tipos de poluentes normalmente mais discutidos na imprensa é o das dioxinas/furanos. Os níveis de dioxinas/furanos emitidos por incineradoras dedicadas e cimenteiras co-incineradoras a operar com as técnicas BAT são presumivelmente muito menos relevantes, em termos de contaminação ambiental, do que as emissões de outras fontes, tais como a queima de madeira em habitações e os incêndios florestais (v. Tabela 2.1). Vamos comparar, mesmo assim, as emissões da co-incineração com a incineração dedicada.

Estatisticamente, está demonstrado que os fornos das cimenteiras emitem as mesmas quantidades de dioxinas quando estão a queimar resíduos tóxicos do que quando estão a utilizar somente combustível normal. As dioxinas/furanos presentes nos resíduos são eficazmente destruídas pela alta temperatura do forno de clínquer. As dioxinas/furanos emitidas pela chaminé são sintetizadas no sistema de despoeiramento a partir de precursores orgânicos maioritariamente volatilizados da farinha no pré-aquecedor, sendo a velocidade de formação apreciavelmente dependente da temperatura prevalecente no sistema de despoeiramento. Em fornos de cimento actuais com técnicas BAT, de controlo de temperatura do sistema de despoeiramento, os níveis de dioxinas/furanos nos gases efluentes são sempre menores do que 0,1 ng TEQ/Nm(elevado a 3), com valores por vezes encontrados uma ordem de grandeza mais baixos.

Numa incineradora dedicada moderna, a combustão, embora não tanto como no forno de uma cimenteira, também é bastante completa e as dioxinas/furanos presentes nos resíduos são eficazmente destruídas pela temperatura. No entanto, as incineradoras modernas contêm caldeiras recuperadoras de calor para obter custos de incineração mais baixos. Os efluentes do forno, ao passarem pela caldeira, arrefecem lentamente, dando origem à síntese de dioxinas/furanos a partir de precursores orgânicos não completamente destruídos no forno. Em consequência, as concentrações de dioxinas/furanos nos gases à saída da caldeira são da ordem dos 1 ng-40 ng TEQ/Nm(elevado a 3), bastante mais elevados do que os emitidos pelas chaminés dos fornos de cimento. A utilização de carvão activado permite reduzir as concentrações nos gases de escape para valores abaixo dos 0,1 ng TEQ/Nm(elevado a 3). No entanto, é preciso ter em atenção que isto acontece sem destruição das dioxinas/furanos, que são somente transferidas para os resíduos sólidos com o carvão activado. Poderemos então concluir que, embora os valores de DRE para as dioxinas sejam semelhantes na incineração e na co-incineração (se não atendermos ao facto de que as cimenteiras emitem os mesmos fluxos de dioxinas a co-incinerar ou não resíduos perigosos), o valor de DE para as dioxinas/furanos é claramente favorável à co-incineração em fornos de cimento.

Um dos problemas que se põe em relação à destruição térmica de resíduos perigosos está relacionado com a capacidade que deve ter o sistema de tratamento térmico para destruir sistematicamente os compostos orgânicos nos resíduos, permitindo, o menos possível, a existência de períodos de mau funcionamento com a saída de inqueimados pelas chaminés. Para reduzir, ou mesmo evitar, o surgimento de episódios de emissão, tanto a incineração dedicada como a co-incineração em cimenteiras estão providas de sistemas de medição e controlo que automaticamente cortam o fornecimento de resíduos ao forno quando as condições de queima, imprevisivelmente, se situam fora dos parâmetros necessários para uma destruição de resíduos eficaz.

Os fornos de cimento têm uma inércia térmica elevada devido à grande massa de matéria-prima presente e, por conseguinte, têm mais facilidade em manter uma temperatura estabilizada do que os fornos de uma incineradora dedicada, que não têm uma tão elevada inércia térmica.

Por sua vez, o processo de incineração dedicada funciona com um excesso de oxigénio mais elevado durante a combustão do que um forno de cimento.

Normalmente, o forno de uma incineradora dedicada trabalha com uma percentagem de oxigénio de 5%-7% à saída do forno, enquanto que o forno de clínquer opera com níveis de oxigénio à saída do forno de 2%-4%. Há assim numa incineradora dedicada menores probabilidades de acontecer uma incursão para condições de combustão com deficiência de oxigénio, por qualquer motivo inesperado como seja uma variação brusca das características do poder calorífico do resíduo. O funcionamento do forno de clínquer a mais baixos níveis de excesso de oxigénio não é nenhum problema intrínseco ao processo industrial. Os fornos das cimenteiras podem operar sem qualquer problema a níveis mais elevados de oxigénio. Os níveis baixos normalmente utilizados têm a ver unicamente com aspectos de maximização da eficiência térmica do processo e minimização no consumo de combustível.

Quando houver, e se houver, um episódio de combustão incompleta de resíduos perigosos, a incineradora dedicada estará melhor preparada para lidar com o acidente sem deixar sair efluentes gasosos para a atmosfera. O sistema de lavagem e de carvão activado permite-lhe remover do efluente gasoso os compostos orgânicos inqueimados.

Como foi referido anteriormente, a eficiência de destruição, DE, para metais e outros elementos tóxicos é nula e, por conseguinte, toda a massa de metais tóxicos que entra para o processo de tratamento térmico tem de sair nos efluentes ou produtos acabados.

Na incineração e na co-incineração há uma fracção minoritária dos metais que é emitida com os efluentes gasosos na forma de vapores ou de partículas em suspensão. A grande maioria do material metálico tóxico condensa no interior do forno e é removida pelo sistema de despoeiramento. Na co-incineração em cimenteiras os metais são agregados ao clínquer e incorporados no cimento.

Na incineração dedicada os metais tóxicos concentram-se nas cinzas, passando estas a constituir um resíduo de características perigosas que requer manuseamento adequado.

O impacto ambiental dos metais tóxicos na incineração e na co-incineração coloca-se assim, principalmente, em termos dos efeitos relativos no ambiente que causam a disposição das cinzas na incineração e a utilização de cimento contendo metais tóxicos resultantes da co-incineração.

As cinzas e escórias da incineração são normalmente estabilizadas com a adição de materiais aditivos, de modo a fixar os metais, e colocadas em aterro de resíduos perigosos. Os aditivos são misturados com as cinzas (visando a redução da taxa de migração de contaminantes, dos resíduos), reduzindo-se a sua toxicidade (LaGrega, et al., 1994). A estabilização é usualmente feita recorrendo ao cimento e a água para hidratação, caso os resíduos não tenham água suficiente.

A estabilização das cinzas com cimento apresenta bons resultados para substâncias inorgânicas, especialmente as que contêm metais pesados. Em resultado do pH alcalino do cimento, os metais são retidos em formas insolúveis, de hidróxidos ou sais carbonatados, dentro da estrutura rígida cristalina (LaGrega, et al., 1994). Ainda assim, os aterros de resíduos industriais que recebem os blocos de cinzas imobilizadas estão equipados com sistemas colectores de lixiviados, pois na prática verifica-se por vezes a existência de lixiviados tóxicos com possibilidade de contaminação de terrenos e águas subterrâneas.

Quanto à qualidade do cimento produzido na co-incineração de RIP, embora o problema seja bastante complexo, existem indicações de que, sob o ponto de vista prático, os efeitos são nulos ou muito reduzidos. Importa lembrar antes de mais que o cimento produzido com recurso exclusivo ao combustível fóssil (cimento convencional) é fabricado com material da crusta terrestre e contém quantidades importantes de metais tóxicos e não tóxicos, pelo que se requer mesmo alguns cuidados na sua utilização, nomeadamente por parte dos operários da construção civil, durante o seu manuseamento.

Num estudo da Portland Cement Association, citado pela USEPA (Federal Register, 1995), refere-se que a quantidade de crómio lixiviável, tanto no cimento produzido a queimar RIP como no cimento convencional, está na gama 10 ppm-15 ppm, níveis para os quais podem ocorrer dermatites se não se tomar precauções adequadas para evitar o contacto dérmico. Karstensen (1994) comparou a qualidade ambiental do cimento convencional com a de cimentos especiais, produzidos utilizando RIP como combustível auxiliar, concluindo que a quantidade adicional de metais pesados no clínquer dada a utilização de RIP é pequena para a maioria dos elementos, e não mensurável para outros.

A utilização de RIP como combustível auxiliar na produção de cimento pode, por vezes, motivar o acréscimo das concentrações de tóxicos no cimento, sendo os metais, dado o facto de ficarem extensivamente retidos no clínquer, os mais estudados. No entanto, não se pode avaliar a qualidade do cimento com base na concentração total de metais nele contida. Essa avaliação deve ser feita em termos do potencial de lixiviação do betão e materiais de construção produzidos a partir desse cimento (van der Sloot e Hoede, 1997;

van der Sloot, 1999; Sprung et al., 1994).

Assim, para se determinar a taxa de migração potencial de tóxicos do cimento, recorre-se aos testes de lixiviação. Existem diversos testes de lixiviação, sendo variáveis alguns parâmetros de cada teste, consoante o objectivo do mesmo. Podemos encontrar testes com diversos tempos de aplicação, tamanhos das partículas variáveis, banhos de lixiviação com diferentes características químicas, etc. A taxa de lixiviação obtida depende desses parâmetros (Hohberg e Rankers, 1994).

A selecção de um determinado teste de lixiviação depende assim do objectivo final do estudo a que se destina, sendo difícil extrapolar os resultados para o meio real, dada a dificuldade de este ser reproduzido em laboratório. É sabido que a solubilidade dos metais é baixa em meios alcalinos como o cimento.

Contudo, na natureza, a capacidade de neutralização ácida do cimento poderá ser eventualmente ultrapassada ao fim dos muitos anos de tempo de vida da estrutura construída, e os níveis de pH podem decair, com o aumento acentuado da solubilidade dos metais (Eckert e Guo, 1997). Os testes utilizados normalmente no laboratório procuram representar o comportamento a longo prazo pela adição de ácidos de lixiviação mais concentrados, ou mesmo pela desagregação do material de construção em pequenas partículas de modo a aumentar a superfície de ataque químico. A sua fiabilidade não é totalmente segura, principalmente nos efeitos a longo prazo, devido à dificuldade de aferição com dados reais.

Embora em número não muito elevado, existem publicados resultados de experiências de lixiviação de metais por cimentos normais e resultantes da co-incineração. Van der Sloot e Hoede (1997) verificaram que o grau de lixiviação de materiais feitos com cimentos especiais resultantes da co-incineração não excedia o grau de lixiviação de materiais construídos com cimento normal. Para constituintes importantes, como o Cr, verificou-se mesmo uma menor lixiviação, apesar de uma maior composição total. Num estudo descrito por Karstensen (1994), no qual se confronta a qualidade do cimento convencional com a de cimentos produzidos a queimar RIP, recorrendo a vários testes de lixiviação, também se conclui que a lixiviabilidade do cimento convencional é aproximadamente igual à dos cimentos especiais, estando os resultados dos diversos testes em concordância.

Schneider (1998) também refere que a lixiviação de metais tóxicos de betão inteiro ou esmagado, fabricado a partir de cimento produzido por co-incineração, é irrelevante, produzindo níveis no líquido lixiviado significativamente abaixo dos limites máximos recomendados para água potável.

No caso de produtos de cimento pós fim de vida, isto é, após a destruição da estrutura construída e a desagregação do material em partículas, a situação torna-se mais complexa: se escombros de construção são reutilizados como agregados no betão, mais uma vez os valores de lixiviação não se afiguram problemáticos, pois o ambiente químico é governado pela matriz do cimento que garante valores baixos de lixiviação. Quando os escombros de construção são reutilizados como agregados não ligados hidraulicamente, por exemplo para estabilização de estradas, o problema ambiental pode assumir alguma relevância, pois espécies de aniões oxigenados (cromato, sulfato, etc.) podem exceder os limites críticos de acordo com o regulamento holandês (Van der Sloot e Hoede, 1997; Van der Sloot, 1999). A situação é igualmente relevante para materiais construídos com cimentos normais e cimentos especiais (obtidos por co-incineração de resíduos perigosos).

A USEPA, em resposta a uma petição de cidadãos para a etiquetagem do cimento especial, considera, com base na avaliação de estudos efectuados anteriormente, que os cimentos resultantes da co-incineração não dão origem a uma lixiviação significativamente diferente dos cimentos normais (Federal Register, 1995). Eckert e Guo (1997) contestam parcialmente estas conclusões com base em estudos de lixiviação efectuados em vários tipos de cimento, tendo concluído existir maior lixiviação potencial quando o conteúdo do cimento em metais é mais elevado. Os autores, em testes realizados com produtos de cimento em meios moderadamente clorados, observaram lixiviação de crómio em quantidades superiores às permitidas pelos National Primary Drinking-Water Standards, em três das quatro amostras analisadas.

Tendo em atenção toda a informação experimental existente e embora não haja uma certeza absoluta, não é de prever um impacte ambiental significativo da utilização de cimento obtido pela co-incineração de resíduos perigosos. Por uma questão de precaução, deve ser limitado o conteúdo em metais tóxicos nos resíduos perigosos a co-incinerar, de maneira a que os níveis normais de contaminantes metálicos existentes no cimento não sejam excedidos de uma forma significativa. Esta precaução é especialmente importante para a utilização do cimento em reservatórios e condutas de água de abastecimento às populações. Tendo estes aspectos em atenção a legislação suíça impõe directivas para a quantidade máxima permissível de metais pesados e elementos vestigiais tóxicos no clínquer e no cimento (SAEFL, 1998).

TABELA 4.4

Gama de concentrações de metais e outros elementos atómicos no

cimento produzido com combustíveis clássicos (Degré, 1996).

(ver documento original) A determinação do destino ambientalmente mais correcto para cada resíduo nem sempre é uma tarefa simples. Embora, sob o ponto de vista ambiental, haja uma ordem de prioridades de solução para o destino dos resíduos que passa pela não produção, reutilização, reciclagem, valorização, destruição e colocação em aterro, nem sempre a ordem correcta é esta para todos os tipos de resíduos e para todas as situações. Há mesmo situações em que uma visão mais simples, com base no senso comum, parece apontar claramente numa dada direcção e que estudos mais aprofundados revelam que as soluções baseadas no senso comum e princípios generalistas dão impactes ambientais mais negativos que outras opções consideradas à primeira vista como ambientalmente menos correctas.

A solução mais correcta para cada tipo de resíduo e para cada situação só pode ser totalmente avaliada, e mesmo assim com um carácter não completamente objectivo, pela análise do ciclo de vida (LCA) do resíduo e pela avaliação comparativa dos ciclos de vida alternativos para diversas soluções de tratamento/reciclagem/reutilização. A LCA é um processo complexo, prolongado e custoso que só agora começa a ser implementado.

Existem assim muito poucos resultados de LCA publicados. Nem sempre as conclusões dos estudos de LCA podem ser extrapoladas para situações diferentes daquelas que foram objecto de avaliação.

A avaliação comparativa da incineração dedicada e da co-incineração em cimenteiras, sob o ponto de vista do impacte ambiental, só se pode fazer verdadeiramente através da LCA alternativa para cada tipo de resíduo tratado por um ou outro processo. Tal objectivo é manifestamente impossível dentro do prazo proposto para elaboração do relatório a esta Comissão e dentro das suas capacidades em pessoal e conhecimentos científicos específicos.

Através de contactos pessoais e ou pesquisa bibliográfica, conseguiu-se ter acesso a três estudos de LCA de comparação entre o tratamento por incineração dedicada e por co-incineração, alguns deles não publicados.

Schneider (1998) apresentou um estudo de LCA comparativo para o balanço na emissão de CO(índice 2), consumo energético e produção de resíduos tóxicos, aplicado à situação alemã. A comparação cobre a queima alternativa de plásticos num forno de siderurgia, numa cimenteira e numa incineradora dedicada. Os resultados mostram que a queima de 1 kg de plástico num forno de cimento reduz a emissão de gases de estufa em aproximadamente 1 kg (de equivalentes de CO(índice 2)), enquanto a incineração dedicada emite um adicional de 0,87 kg de CO(índice 2). A co-incineração também é mais vantajosa em termos da energia poupada e na redução da massa de resíduos tóxicos.

As vantagens da co-incineração derivam de um modo importante do facto de que num forno de cimento os resíduos substituem totalmente o combustível normal, em termos energéticos. Cada joule de energia térmica produzida pela queima de resíduos perigosos permite poupar uma quantidade de carvão, ou fuel, equivalente à mesma energia de um joule. Uma incineradora dedicada não é tão eficaz. Se não houver aproveitamento energético com caldeira de recuperação, a poupança de combustível é mesmo negativa, sendo necessário consumir mais combustível clássico para apoiar a incineração do resíduo. Se houver aproveitamento energético, com caldeira de recuperação de energia e produção de electricidade, a situação já não é tão negativa. No entanto, como o rendimento na caldeira de uma incineradora é bastante menor do que numa central termoeléctrica, a substituição do combustível clássico é sempre parcial e incompleta.

(ver documento original) Figura 4.6 - Avaliação integrada do impacte ambiental da queima de plásticos por três métodos de valorização/eliminação (adaptado de Schneider, 1998) A Comissão Europeia encomendou um estudo comparativo da performance ambiental da incineração dedicada e da co-incineração em cimenteiras (RDC e KEMA, 1999). A comparação teve como ferramenta a LCA, aplicada aos impactes ambientais do esgotamento de recursos energéticos, gases de estufa, SO(índice 2), ácidos clorídrico e fluorídrico, NO(índice x), compostos orgânicos tóxicos, metais tóxicos e partículas (v. tabela 4.5). Para um cenário de rendimento energético na produção de electricidade de 21% (considerado o valor de rendimento médio das incineradoras europeias), e aplicação de todas as técnicas de controlo BAT, a incineração só é ambientalmente mais vantajosa do que a co-incineração no que diz respeito às emissões de HCl e HF. Para todos os outros poluentes e parâmetros, a co-incineração é mais amigável do que a incineração dedicada. Esta comparação não entra em conta com os impactes negativos dos resíduos sólidos, considerados mais importantes na incineração dedicada.

A TNO, Holanda (Degrée, 1996; Zeevalkink et al., 1996) realizou um estudo de LCA comparativo, para o tratamento de quatro tipos de resíduos industriais perigosos (solventes, lamas de tinta, bolo de filtragem e lamas de ETAR) em cimenteira e por incineração dedicada na Holanda/Bélgica. A LCA foi efectuada tendo em atenção as emissões para o ar, a água e o solo causadas pela queima dos resíduos e as emissões alternativas evitadas pelo tratamento dos resíduos por incineração, ou co-incineração. A tabela 4.6 mostra o impacte ambiental detalhado para o exemplo das lamas de tinta, após terem sido atribuídos pesos relativos para cada efeito ambiental. Na tabela, os valores negativos indicam um benefício para o ambiente.

A tabela 4.7 apresenta um resumo do impacto ambiental directo e indirecto da queima dos quatro tipos de resíduos pelos dois processos. Como é possível verificar, a análise do ciclo de vida para o tratamento destes quatro tipos de resíduos mostra que os impactes directos no ambiente são da mesma ordem de grandeza para os dois processos de tratamento. No entanto, a co-incineração apresenta uma clara vantagem, por comparação com a incineração dedicada, no que concerne o impacte causado pelos resíduos gerados, ou evitados, pelo processamento térmico, devido à incorporação dos resíduos no clínquer.

TABELA 4.5

Quadro comparativo dos impactes ambientais da incineração dedicada e

da co-incineração em cimenteira

São apresentados resultados para um cenário base de rendimento energético na incineração dedicada de 21%, comparado com energia eléctrica produzida numa central termoeléctrica de ciclo combinado e para cenários alternativos de rendimento energético 18% e 25% (RDC e KEMA, 1999). A negro, a co-incineração é vantajosa; a branco, a incineração é vantajosa; a cinzento, as duas alternativas são equivalentes.

(ver documento original)

TABELA 4.6

Estudo comparativo de LCA para a queima de lamas de tinta por

co-incineração em cimenteira e por incineração dedicada (adaptado de

Zeevalkink et al., 1996; Degrée, 1998) (valores negativos indicam

benefícios para o ambiente)

(ver documento original) A capacidade de um processo para o tratamento térmico dos RIP pode também ser avaliada com base nas normas de emissão impostas pelos órgãos legislativos. As normas de emissão reflectem normalmente as capacidades das técnicas BAT utilizadas na indústria respectiva, principalmente se as normas forem recentes, e são por consequência um espelho, embora não perfeito, das características de emissão de cada processo industrial. Além do mais, as normas de emissão representam as emissões máximas permitidas pela lei, que não podem ser ultrapassadas sem a consequência de uma penalização. Em relação à incineração dedicada e à co-incineração em cimenteiras saíram recentemente directivas para os EUA, em Setembro de 1999 (Federal Register, 1999b), tendo também sido aprovada legislação para a União Europeia no Parlamento Europeu, em 15 de Março de 2000, estando actualmente em fase de aprovação final (CCE, 1999;

Parlamento Europeu, 2000), pelo que se poderá plenamente considerar esta legislação como representativa das BAT de cada um dos dois processos industriais.

TABELA 4.7

Resumo do estudo comparativo de LCA para a queima de quatro tipos de

resíduos perigosos de tinta por co-incineração em cimenteiras e por

incineração dedicada (adaptado por Zeevalkink et al., 1996; Degrée,

1996) (valores negativos indicam benefícios para o ambiente).

(ver documento original) A tabela 4.8 apresenta os valores padrão de emissão para a atmosfera de poluentes, permitidos pela União Europeia para a incineração dedicada e para a co-incineração em cimenteiras. Como comparação, na tabela são também apresentadas as normas de emissão norte-americanas para a co-incineração e portuguesas para a indústria do cimento a queimar combustíveis clássicos (Diário da República, 1993). Com o objectivo de se permitir uma comparação mais fácil, os valores de emissão são referidos na mesma base, isto é, para ar seco com 10% de O(índice 2), à temperatura padrão de 273 K e pressão de 101 kPa.

TABELA 4.8

Comparação das normas de emissão de poluentes para a atmosfera, para

cimenteiras a funcionar normalmente, para cimenteiras a co-incinerar

RIP e para incineradoras dedicadas. São comparados valores limite de

emissão impostos pela legislação portuguesa, dos EUA e da União

Europeia [todos os valores são apresentados em mg/m3 (ng/m3 para

dioxinas/furanos) e adaptados para atmosfera seca a 273 K, 101 kPa e

10% O(índice 2)].

(ver documento original) Da tabela é possível concluir que as exigências da legislação europeia são bastante semelhantes para a incineração dedicada e para a co-incineração. As excepções são as partículas e o NO(índice x), para os quais os limites das incineradoras dedicadas são mais baixos. Estes dois compostos são característicos do processo de produção de clínquer e não seria expectável que as normas de emissão fossem as mesmas que na incineração dedicada, a qual lida com quantidades de partículas enormemente mais baixas e com temperaturas de combustão substancialmente inferiores. A tabela permite também verificar que a legislação europeia é bastante mais exigente do que a dos EUA, para os limites de emissão pela co-incineração.

Os limites de emissão de poluentes que vigoram actualmente em Portugal para a indústria do cimento são bastante mais elevados do que os impostos para a co-incineração, tanto para os poluentes típicos da indústria do cimento (como as partículas e o NO(índice x)), como para compostos orgânicos e metais. Poderemos pois concluir que a instalação da co-incineração numa instalação cimenteira portuguesa obrigará a um controlo mais apertado das emissões, que poderá mesmo resultar, no casos em que actualmente só se respeite tangencialmente as normas de emissão, numa melhoria da qualidade do ar na região envolvente da unidade fabril.

5 - Resíduos, tratamento dos resíduos e saúde humana: Avaliação dos

riscos

5.1 - Avaliação dos riscos

Ao longo dos séculos, os resíduos estiveram presentes no ambiente humano e continuarão provavelmente a afectá-lo no futuro imaginável. Embora os resíduos sejam essencialmente um subproduto dos estilos de vida, têm sido incompletamente equacionados os problemas por eles criados, em particular numa perspectiva de optimização para a saúde de todos os componentes implicados nos comportamentos sociais e individuais que constituem essas escolhas de estilo de vida.

A situação consensualmente reconhecida como ideal, numa perspectiva de prevenção primária, seria a redução drástica da produção de resíduos. Como sempre, na impossibilidade pelo menos imediata de tudo resolver por essa via, é essencial investir nas outras formas de prevenção, tratando o problema dos resíduos em produção, acumulados até, e as sequelas ambientais acumuladas, fazendo opção por um conjunto de procedimentos eficazes para a reutilização, a reciclagem e os vários tipos de valorização desses resíduos, de forma a particularmente minimizar os efeitos dos chamados resíduos perigosos sobre os diferentes ecossistemas.

Os resíduos perigosos são uma fracção relativamente menor da totalidade dos resíduos, caracterizados por determinarem ameaças potenciais ou reais à saúde pública e, mais em geral, ao ambiente. Internacionalmente, permanece desconhecida a quantidade real de resíduos perigosos gerados, sugerindo-se um quantitativo de 400 milhões de toneladas por ano (Suk, 1998), mas supõe-se que essa quantidade esteja a crescer. A OCDE estimou que, em média, um carregamento de resíduos perigosos atravessa a cada cinco minutos as fronteiras das nações que constituem a organização, correspondendo à circulação de mais de dois milhões de toneladas por ano entre países europeus da OCDE (Suk, 1998).

Anualmente são desenvolvidos e introduzidos no mercado milhares de novas substâncias químicas, e apenas uma pequena fracção dessas substâncias é realmente testada para avaliar da sua toxicidade, acrescentando dificuldades à gestão dos riscos eventuais. A magnitude dos problemas criados pelas substâncias tóxicas, há que reconhecê-lo, é imensa e global, desconhecendo-se em grande medida o seu impacte.

A caracterização, a avaliação e a gestão do risco são essenciais para, a nível geral ou local, quantificar os problemas de saúde e de ambiente. A avaliação do risco é um processo formal de caracterização e estimativa da grandeza do dano potencialmente resultante da exposição a substâncias ambientais perigosas, quer numa perspectiva de saúde humana (risco ambiental) quer na dos ecossistemas (risco ecológico). Esta avaliação envolve populações alvo, e pretende responder à pergunta seguinte:

Qual o incremento no risco resultante para as pessoas ou o ecossistema da exposição a uma determinada quantidade ou concentração de substâncias perigosas durante um certo período de tempo? Com a avaliação do risco espera-se informação objectiva, de natureza científica, capaz de informar as decisões políticas. A gestão do risco tem em consideração valores humanos e económicos e determina em que medida são necessárias avaliações de risco e como usá-las.

Deste conflito potencial resultou a noção operacional de risco aceitável, ou seja, qual o nível de exposição que não causa dano ou que permite prevê-lo a um nível socialmente tolerável, porque é assumido voluntariamente, não há alternativas, associa-se a benefícios ou não beneficia ninguém em particular em contrapartida ao perigo experimentado por alguns. Esta é uma decisão social, não biomédica. Para o cancro, tornou-se habitual admitir como tolerável uma exposição que não aumenta a taxa de mortalidade por cancro em mais do que 1000. Por exemplo, se admitirmos que 20% das pessoas morrem por cancro, uma em um milhão, ou seja, um incremento de 1000, significaria que em vez de 200 000 óbitos se verificariam 200 001, por cada milhão de pessoas. Este aumento do risco é na prática indemonstrável e por isso exposições ocupacionais toleram riscos superiores, de 1000.

Finalmente, para caracterizar o risco, liga-se a sua avaliação com a avaliação da exposição, dividida em três passos: a identificação do perigo, a análise da relação dose-resposta e a medição da exposição em causa, recorrendo a evidências epidemiológicas e de toxicologia experimental. A avaliação da exposição combina informação de múltiplas proveniências - a química analítica, os biomarcadores, os estudos de comportamento e modelação matemática - com a finalidade de estimar a dose individual recebida. As vias de exposição envolvem o ar, o solo, a água ou os alimentos contaminados que atingem o organismo através dos aparelhos respiratório e digestivo ou a pele, isoladamente ou em combinação, obrigando a reconhecer quanto entra realmente em contacto com o corpo humano, quanto é absorvido na via sanguínea e, finalmente, quanto atinge os órgãos alvo. Para um mesmo contaminante, podem existir diferentes vias. Por exemplo, o mercúrio orgânico é sobretudo ingerido através de alimentos marinhos, mas o mercúrio inorgânico usualmente absorve-se por inalação. O conhecimento destes factos é determinante para um correcto reconhecimento do risco em cada caso particular.

Se a avaliação do risco [por exemplo, ter determinado o carácter cancerígeno de determinada dioxina (TCDD)] resulta numa propriedade sua, genérica e, chamemos-lhe, universal, a caracterização do risco já pode incluir características particulares (por exemplo, numa determinada localidade a exposição resultaria sobretudo da ingestão directa do solo, uma prática esperada apenas em crianças) que levam a que a gestão desse risco resulte na decisão de considerar a situação tolerável (por exemplo, manter uma população no seu local de habitação) ou não.

Assim, na avaliação dos problemas que possam resultar para as populações imediatamente interessadas pela exposição eventual a substâncias tóxicas, como é naturalmente o caso de indivíduos que trabalham ou habitam nas redondezas de plataformas industriais de armazenamento, manipulação ou tratamento de resíduos industriais perigosos, as questões a que há que dar resposta na perspectiva da saúde pública são as seguintes:

i) Pode esperar-se um aumento relevante, médio ou em pico, da concentração no ambiente de substâncias cujas características implicam um reconhecido risco aumentado de cancro, alterações do sistema nervoso, do aparelho respiratório, do desenvolvimento ou da reprodução? ii) Esse aumento ultrapassa os valores compatíveis com a noção de risco aceitável? A resposta a estas perguntas é relativamente simples, tendo como base os conhecimentos actuais sobre os procedimentos tecnológicos envolvidos nas diferentes fases do processo de manuseamento dos resíduos industriais perigosos e os conhecimentos de toxicologia já acumulados, que nos informam sobre a natureza e a magnitude das exposições e dos riscos, pessoais e ambientais.

Assegurando condições óptimas de funcionamento, que incluem um programa de controlo das operações e da saúde das populações, a resposta parece ser, inequivocamente, «não». Esta negativa implica reconhecer, por um lado, que, como cada vez mais se vem evidenciando, os acidentes não são fruto do acaso ou de conjunturas aleatórias

podem e devem ser prevenidos. Por

outro lado, se as exposições resultarem de operações em regime de rotina que respeitem o melhor dos conhecimentos actuais, não há que temer efeitos inesperados e a monitorização profissional da saúde das populações permite detectar perturbações em fases suficientemente precoces para reverter os problemas.

No entanto, se é possível, à luz dos conhecimentos actuais e no respeito dos procedimentos que minimizam os custos, garantir condições de risco aceitável, é também evidente e indispensável assegurar uma comunicação isenta, em tempo e fundamentada, das informações novas que sempre estão a surgir e podem modificar os limites de tolerância, bem como estabelecer um sistema eficaz de vigilância epidemiológica capaz de antecipar os problemas por um conhecimento apertado da realidade sanitária local.

É por todos reconhecido que a multiplicidade de resíduos, a variabilidade da sua origem e das suas composições dificultam, em geral, uma avaliação precisa dos seus efeitos na saúde. Contudo, um largo conjunto de evidências fundamenta a gravidade do seu potencial carácter deletério na saúde das populações. As vias de exposição incluem a inalação, o contacto com a pele e a ingestão. De um ponto de vista das consequências observáveis tem especial importância o aparecimento de asma, hipersensibilidade respiratória, disfunções pulmonares, as doenças neurológicas degenerativas, os problemas de desenvolvimento e neurocomportamentais, as malformações congénitas, as perturbações da reprodução masculina e feminina, e doenças imunológicas e endocrinológicas, como a diabetes, e o cancro.

A determinação dos níveis de exposição é um elemento fundamental para o conhecimento do risco, que obriga a uma avaliação cuidada das fontes de produção dos resíduos (e dos seus constituintes), dos meios em que estão presentes ou por eles resultam contaminados (ar, água, solo, alimentos), das transformações físicas e químicas que sofrem ao longo do tempo, os seus padrões de distribuição temporal e espacial, e finalmente como atingem cada indivíduo. Para a maior parte dos casos, não existe registo da exposição humana no passado e a informação tem de ser estimada por modelação. O conhecimento das concentrações de poluentes no meio ambiente é apenas uma aproximação indirecta à verdadeira intensidade da exposição, pelo que se torna fundamental recorrer, sempre que possível, a biomarcadores que ajudem a determinar a susceptibilidade, quantifiquem a exposição biológica e sirvam de indicadores de prognóstico. Incluem-se entre eles as enzimas hepáticas, os aductos proteicos de ADN ou as alterações na mobilidade dos espermatozóides.

De um ponto de vista da saúde pública, a prevenção de doenças, a redução das exposições e, consequentemente, do risco são sobretudo dependentes da biodisponibilidade e da transformação dos resíduos perigosos nos vários meios. As tecnologias ambientalmente mais favoráveis são as que garantem o melhor conhecimento e consequente controlo dos diferentes passos envolvidos no ciclo de vida dos resíduos de modo a minimizar em cada etapa os potenciais efeitos indesejáveis na saúde. Desse modo, todas as atitudes que promovam a identificação precisa dos produtores e das características dos resíduos produzidos, das técnicas de armazenamento e transporte desses resíduos e finalmente das vias finais para a sua eliminação ou valorização terão um impacte positivo na prevenção das doenças relacionadas com a exposição a produtos tóxicos.

Se os resíduos perigosos afectam a saúde pelas suas propriedades gerais de combustão, corrosão, reactividade e toxicidade, directamente relacionáveis com a sua composição química e as suas características físicas, de que pode resultar a contaminação do meio ambiente, especialmente o ar e a cadeia alimentar, no caso particular dos resíduos sujeitos a processos de transformação, como a incineração ou a co-incineração, as preocupações com os efeitos na saúde resultam sobretudo da possível libertação para a atmosfera de concentrações particularmente elevadas de metais ou compostos orgânicos potencialmente tóxicos.

Esta situação pode ser controlada através dos cuidados com a selecção de resíduos e os processos de funcionamento das unidades em condições como as descritas no presente relatório. Assim, pode-se, afinal, conseguir uma solução em que o risco se situa numa faixa aceitável para as populações mais directamente afectadas pela sua proximidade geográfica às instalações de tratamento e transformação dos resíduos (isto é, em valores correspondentes aos habitualmente associados às actividades da vida diária) e que assegura uma situação mais favorável em termos de desenvolvimento global sustentável da sociedade, pois o desconhecimento e a desordem em que se tem vivido, até por não permitir qualquer quantificação do verdadeiro risco em causa, associa-se seguramente a uma probabilidade mais elevada da população em geral estar sujeita a um ambiente desfavorável, que em vez de uma distribuição equitativa do risco assegura riscos mais elevados para todos.

No que respeita aos efeitos sobre a saúde, existe um largo espectro de consequências que devem ser consideradas na gestão dos riscos e que compreendem a avaliação do impacte dos contaminantes potenciais na morbilidade (incidência de doenças) e na mortalidade. Entre os indicadores mais sensíveis contam-se as taxas de cancro e doença ou lesões que conduzem a incapacidade, aguda ou crónica, permanente ou temporária, mas é igualmente fundamental saber medir, prever e prevenir o desconforto físico sem incapacidade, os distúrbios psicológicos com consequências comportamentais, como a depressão ou a ansiedade, e perturbações da fertilidade ou efeitos indesejáveis nos resultados da gravidez.

Existe uma tendência para valorizar principalmente as consequências mais graves, como o cancro. Contudo, não devem ser desvalorizados os efeitos considerados menores, como perturbações emocionais, uma vez que podem resultar em incapacidade. Por outro lado, cada um dos efeitos sobre a saúde deve ser ponderado em função do número de pessoas que afecta.

Por fim, é necessário ter em conta que existem grupos particularmente sensíveis à miríade de potenciais efeitos tóxicos das emissões resultantes da queima de resíduos perigosos, nomeadamente os indivíduos residentes na proximidade das instalações e os indivíduos profissionalmente expostos. De todos, as crianças merecem especial atenção a esses efeitos.

Ao enquadrar o impacte possível do tratamento de resíduos industriais perigosos, e embora não sejam previsíveis alterações do nível de exposição resultante do normal funcionamento das unidades de tratamento dos resíduos, de acordo com a extensão de conhecimentos já obtidos, merece uma referência particular a descrição sucinta de aspectos indesejáveis relacionados com a exposição a metais pesados e dioxinas, pela legítima preocupação que suscitam e a atenção que sempre devem merecer.

5.2 - Metais

Para além das pequenas concentrações de metais necessárias à vida, todos os meios, particularmente o solo e as águas, contêm metais e compostos orgânicos tóxicos resultantes da contaminação por resíduos industriais. Entre os metais com importância particular preocupante na saúde incluem-se Zn, Cu, Cd, Ni, Pb, Hg, Mo e As.

Alguns metais são corrosivos e exercem os seus efeitos tóxicos nas mucosas (ex. tetróxido de ósmio e cloreto de zinco). Noutras situações os efeitos sistémicos são os mais significativos, sendo resultantes de absorção por via respiratória ou digestiva e dependentes das quantidades absorvidas. A solubilidade dos compostos metálicos é de particular importância. A nível intestinal, podem ocorrer interacções entre os metais (ex. zinco e cobre inibem mutuamente a sua absorção; o mesmo se verifica para ferro e cobalto, contudo, a absorção de ambos é aumentada nos casos de deficiência em ferro).

Fosfatos e outros compostos podem diminuir a absorção devido à formação de compostos insolúveis (Grandjean, 1998, p. 493).

Os efeitos primários resultantes da exposição crónica a arsénio, quer por inalação, quer por via oral, localizam-se ao nível da pele. A via inalatória resulta primariamente em irritação cutânea e das mucosas (dermatite, conjuntivite, faringite e rinite), enquanto a ingestão crónica resulta num padrão de modificações cutâneas incluindo a formação de verrugas nas palmas das mãos e plantas dos pés bem como em áreas de pele expostas, na face, no pescoço e no dorso.

Outros efeitos resultantes da ingestão crónica incluem a neuropatia periférica, distúrbios cardiovasculares hepáticos. Não existe informação dos efeitos da exposição cutânea crónica a baixas doses de arsénio, no Homem.

A monitorização biológica dos níveis de arsénio no sangue tem um interesse limitado, na medida em que o arsénio é rapidamente depurado da corrente sanguínea. Tem sido utilizada em medicina forense análise de cabelos, mas a relevância da contaminação externa exclui o uso deste método para a vigilância da exposição a poeiras em ambiente industrial.

O doseamento do arsénio na urina pode ser utilizado para a avaliação da exposição actual, porque a maior parte, cerca de 60%, do arsénio absorvido é excretado na urina.

Contudo, devido a alguma variabilidade na proporção de arsénio excretado por esta via, as variações diárias relacionadas com a curta semivida biológica do arsénio, com a contribuição dos compostos de arsénio ingeridos através da alimentação, justificam que estes testes apenas sejam úteis para avaliar a exposição populacional e não individual. Se a excreção é superior a 1 mg/L (13 mol/L), os resultados podem ser utilizados como indicadores de intoxicação por arsénio. Habitualmente, o arsénio presente na urina é inferior a 100 g/L (1,3 mol/L), mas podem ser observados níveis superiores ao dobro após uma refeição de marisco (Grandjean, 1998, p. 496).

Segundo avaliação da IARC, o trióxido de antimónio é um possível carcinogénio para o Homem (grupo 2b). O trissulfureto de antimónio não é classificável quanto à sua carcinogenicidade para o Homem (grupo 3) (IARC, 1980a; IARC, 1987a).

Vários estudos ocupacionais registaram um risco aumentado de cancro do pulmão resultante da inalação de cádmio. Contudo, estes estudos não são conclusivos, devido à existência de factores confundidores, nomeadamente o fumo de tabaco e outros agentes carcinogénicos, cujos efeitos não foram controlados. Os estudos relacionados com a ingestão de cádmio pelo Homem não são adequados para demonstrar a sua carcinogenicidade.

Estudos efectuados com animais referem a ocorrência de cancro do pulmão como resultado da exposição a cádmio, por via inalatória, enquanto a sua ingestão não se associou à ocorrência de cancro. Segundo a classificação da IARC, o cádmio é carcinogénico para o Homem (grupo 1). Esta classificação baseou-se em estudos efectuados no Homem que demonstram uma possível associação entre a exposição ao cádmio e o cancro do pulmão e em estudos animais que revelam um aumento da incidência de cancro do pulmão (IARC, 1993).

No Homem, o principal órgão alvo da acção do cádmio, como resultado de exposição por inalação, parece ser o rim. São observadas alterações da função renal, indicadas por proteinúria, diminuição da taxa de filtração glomerular e por uma frequência aumentada de litíase renal. Efeitos respiratórios, nomeadamente bronquite e enfisema, também foram observados como resultado de exposição crónica ao cádmio, por inalação.

O nível de cádmio no sangue é um indicador de exposição actual (durante os últimos meses) e é frequentemente utilizado para monitorização biológica.

Podem ocorrer em grandes fumadores níveis até 10 g/L (89 nmol/L), enquanto que indivíduos que nunca fumaram apresentam níveis abaixo de 1 g/L (9 nmol/L). Para exposições em ambiente industrial é recomendado um limite de 5 g de cádmio por 100 ml de sangue (44 nmol/L), mas este limite pode não conferir protecção contra danos renais em caso de exposições a longo prazo (Grandjean, 1998, p. 497).

A toxicidade dos vários compostos de crómio varia, pelo menos em parte,' devido às diferentes solubilidades que apresentam. De um modo geral, os compostos hexavalentes são mais solúveis do que os trivalentes. O ião cromato é altamente oxidante e tem a capacidade de atravessar membranas biológicas. O crómio trivalente é menos tóxico, aparentemente devido à sua menor solubilidade e à consequente menor mobilidade biológica. Contudo, o crómio (III) pode ser o composto tóxico final envolvido nos efeitos tóxicos do crómio (VI). Os principais efeitos incluem corrosão da pele e das mucosas, reacções alérgicas e carcinogenicidade (Grandjean, 1998, p. 498).

O crómio é um dos alergénios melhor estudados no ambiente ocupacional, e o cromato é a principal causa de dermatite de contacto nos homens. O eczema provocado pelo cimento é uma doença ocupacional frequente em trabalhadores da construção. Esta doença também ocorre em trabalhadores no sector dos curtumes, em laboratórios fotográficos e em indivíduos que contactam com cromato em processos de tratamento de madeira.

Apesar de o crómio (VI) ser o agente primário de sensibilização, reacções subsequentes podem alegadamente ser desencadeadas pelo crómio (III). Em alguns casos o cromato foi também identificado como causa de asma, provavelmente mediada por uma reacção alérgica de tipo I (Grandjean, 1998, p. 502).

O crómio é um carcinogéneo bem documentado para o Homem e as exposições ocupacionais foram responsáveis pelo aumento da frequência de cancro do aparelho respiratório. A elevada ocorrência de cancro do pulmão em soldadores pode ser devida à existência de cromatos insolúveis no fumo de solda de aço iNO(índice x)idável. Apesar de os compostos de crómio trivalente poderem constituir o carcinogéneo final, não se demonstrou em estudos epidemiológicos que a exposição a estes compostos provocasse cancro.

A IARC classifica o crómio VI como agente carcinogénico para o Homem (grupo 1) e considera que o crómio metálico e o crómio III não são classificáveis quanto à sua carcinogenicidade para o Homem (grupo 3) (IARC, 1990).

A monitorização biológica de níveis de crómio na urina é útil para seguir a exposição a compostos solúveis de crómio hexavalente. A semivida biológica no plasma é de alguns dias. Quando é evitada a contaminação externa da amostra, o nível superior de referência é geralmente de cerca de 0,5 g/L (10 nmol/L). Os níveis de crómio no plasma acompanham a excreção urinária, mas a concentração nos eritrócitos ou no sangue reflectem exposições a cromato a mais longo prazo. A exposição a compostos de cromato trivalente ou cromatos moderadamente solúveis não produz alterações detectáveis nos fluidos disponíveis para monitorização biológica.

O limite de exposição para o cromato atmosférico e para o ácido crómico é 0,1 mg/m3; para sais solúveis o limite é de 0,5 mg/m3; para o crómio metálico e para os sais insolúveis o limite é de 1 mg/m3. Os compostos de crómio (VI) são considerados carcinogénicos, sendo o limite sugerido pelo NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health, EUA) 0,001 mg/m3 (Grandjean, 1998, p. 498). O contacto cutâneo com compostos de crómio (VI) deve ser evitado e qualquer contaminação cutânea deve ser imediatamente removida com sabão e água. Este problema é ainda mais importante em doentes com alergia ao cromato, que devem também evitar o contacto com peles e com plásticos que contenham pigmentos lixiviáveis.

Por outro lado, as ligas contendo crómio libertam apenas quantidades insignificantes devido à formação de uma camada de óxido à superfície. Em alguns países, a lei exige a adição de 0,4% de sulfato ferroso ao cimento porque efectivamente reduz o cromato a compostos de crómio (III), insolúveis (Grandjean, 1998, p. 498).

O chumbo existe na crusta terrestre em pequenas quantidades e está presente na forma de diversos compostos, nomeadamente acetato de chumbo, cloreto de chumbo, cromato de chumbo, nitrato de chumbo e óxido de chumbo. A exposição ao chumbo pode ocorrer através de ar, água bebida, alimentos e solo. A maior parte da exposição ao chumbo ocorre por inalação, principalmente em grupos ocupacionalmente expostos, e por via digestiva, principalmente na população geral.

Os efeitos produzidos pelo chumbo são independentes da via de exposição (inalação ou via oral) e correlacionam-se com os níveis sanguíneos. Estudos epidemiológicos efectuados no Homem são inconclusivos quanto à carcinogenicidade do chumbo. De quatro estudos efectuados, dois não encontraram qualquer associação entre cancro e exposição ao chumbo. Um revelou um aumento da incidência de cancros do tracto respiratório e dos rins e o quarto estudo demonstrou um excesso de cancros do estômago e do pulmão entre os indivíduos expostos. Adicionalmente, nos estudos efectuados provavelmente também ocorreu exposição a outros produtos químicos (Research Triangle Institute, 1996).

Estudos efectuados com animais referem a ocorrência de cancro do rim em ratos como resultado da exposição a chumbo por via oral. Não existem estudos que tenham investigado a ocorrência de cancro em animais, como resultado de exposição ao chumbo por inalação ou por exposição cutânea. O chumbo e os compostos inorgânicos de chumbo são possíveis agentes carcinogénicos para o Homem (grupo 2b). Os compostos orgânicos de chumbo não são classificáveis quanto à sua carcinogenicidade para o Homem (grupo 3) (IARC, 1980b; IARC, 1987b).

No Homem, os principais efeitos resultantes da exposição crónica ao chumbo são os efeitos no sistema nervoso. Plumbémias de 40 a 60 g/dL provocam sintomas neurológicos enquanto valores de 30 a 40 g/dL são responsáveis por diminuição da condução dos impulsos nervosos a nível dos nervos periféricos.

As crianças são particularmente sensíveis aos efeitos neurotóxicos do chumbo. Existe evidência de que níveis sanguíneos de 10 a 30 g/dL ou mesmo inferiores podem afectar o limiar da audição e o crescimento em crianças. A exposição crónica ao chumbo pode também ser responsável por efeitos hematológicos, nomeadamente anemia, na pressão arterial, na função renal e por interferência no metabolismo da vitamina D (Research Triangle Institute, 1996).

O mercúrio e compostos derivados são muito tóxicos. A exposição ocupacional e a poluição ambiental são as principais fontes de risco para a saúde do Homem. Os trabalhadores de mais de 50 profissões podem estar expostos a mercúrio, particularmente os mineiros, trabalhadores de indústrias químicas e da agricultura. A exposição profissional resulta geralmente numa intoxicação crónica. Os sintomas resultam de lesão do sistema nervoso central e renal e de perturbação do metabolismo eritrocitário, da coagulação e da resposta imune. O mercúrio pode ainda induzir reacções alérgicas.

As diversas utilizações do mercúrio e dos compostos de mercúrio resultam em exposições ocupacionais num grande número de situações. O uso industrial do mercúrio pode ser responsável por descargas no ambiente, nomeadamente através de águas residuais.

Problemas localizados relacionados com a contaminação de rios e de baías foram observados como resultado de emissões das indústrias do papel e de fábricas de pesticidas. No Japão, a baía de Minamata foi gravemente contaminada por uma fábrica que utilizava metilmercúrio como catalisador na produção de cloreto de vinilo (Grandjean, 1998, p. 502).

A inalação de mercúrio metálico resulta na quase completa absorção dos vapores.

Pequenas quantidades são libertadas por obturações dentárias com amálgama, principalmente dos dentes molares que são sujeitos às pressões mais elevadas durante a mastigação. Contudo, a absorção deste metal no tracto gastrintestinal é insignificante, excepto se houver retenção no apêndice ou em divertículos. Os compostos inorgânicos de mercúrio em aerossóis podem ser absorvidos através dos pulmões e cerca de 5% a 10% podem ser absorvidos através do tracto gastrintestinal. No sangue, o mercúrio inorgânico é quase igualmente distribuído entre o plasma e os eritrócitos, enquanto cerca de 90% dos compostos orgânicos de mercúrio se encontram ligados às células.

O vapor de mercúrio e o metilmercúrio são lipofílicos e atravessam as membranas biológicas, incluindo a barreira hematoencefálica e a placenta, resultando numa extensa deposição no sistema nervoso central e no feto, respectivamente. A excreção tem lugar principalmente através das fezes e da urina, mas quantidades significativas podem ser eliminadas através do suor. A presença de etanol no sangue influencia o equilíbrio entre o vapor de mercúrio dissolvido e os iões mercúrio. Assim, após a ingestão de etanol, pode-se observar vapor de mercúrio no ar expirado em indivíduos com elevadas concentrações de iões mercúrio no sangue. Quando o selénio está presente no sangue pode ser formado um complexo com maior semivida mas com menor toxicidade, a julgar pelos resultados da experimentação animal.

A intoxicação aguda com vapor de mercúrio pode provocar uma irritação grave das vias respiratórias, pneumonite química e, em vários casos, edema pulmonar. A ingestão de compostos inorgânicos resulta em sintomas de lesão e irritação gastrintestinal, nomeadamente vómitos, diarreia sanguinolenta e epigastralgias de estômago.

Posteriormente pode ocorrer choque e insuficiência renal aguda, com uremia.

A exposição cutânea a compostos de mercúrio pode resultar em irritação local.

Os compostos de mercúrio encontram-se entre os alergénios mais comuns em indivíduos com dermatites de contacto. A intoxicação crónica pode desenvolver-se poucas semanas após o início da exposição ao mercúrio. A sintomatologia depende da exposição e do tipo de mercúrio em questão, podendo envolver a cavidade oral, o sistema nervoso e os rins. Na ausência de informação epidemiológica abrangente, o metilmercúrio é considerado um possível carcinogénio para o Homem (grupo 2b).

A monitorização biológica é útil no diagnóstico da exposição a mercúrio e no controlo dos níveis ocupacionais. No sangue, o mercúrio inorgânico tem uma semivida de cerca de 30 dias e o metilmercúrio cerca do dobro. Infelizmente, os valores sanguíneos não reflectem o mercúrio acumulado no cérebro, onde o vapor de mercúrio, após inalação, tem uma semivida de vários anos. Os níveis na urina são geralmente preferidos como um indicador de exposição ocupacional. As exposições a vapores de mercúrio a longo prazo devem respeitar um valor de 25 g/m3 (média ponderada no tempo) e uma excreção urinária correspondente a 28 mol/mol de creatinina. A OMS recomenda que as concentrações de mercúrio no cabelo devem ser inferiores de 10 a 20 ppm (0,05 a 0,10 mol/g) de modo a proteger o feto (Grandjean, 1998, p. 503).

Usando um factor de incerteza de 10, a EPA recomenda uma dose de referência correspondente a 1,1 ppm (Grandjean, 1998, p. 503).

Na atmosfera, as formas predominantes do níquel são o sulfato de níquel, óxidos de níquel e óxidos complexos de níquel. Cada forma de níquel apresenta diferentes propriedades físicas. Estudos epidemiológicos demonstram um risco aumentado de cancro nasal e do pulmão entre os trabalhadores expostos. Não existe informação acerca dos efeitos carcinogénicos da exposição oral ou cutânea ao níquel no Homem. O níquel foi classificado no grupo 1 carcinogénio humano reconhecido.

A dermatite de contacto é o efeito mais frequente da exposição do Homem ao níquel, por inalação, por via oral ou por exposição cutânea. A exposição crónica por inalação resulta em efeitos respiratórios directos, nomeadamente asma por irritação primária ou uma resposta alérgica ou um risco aumentado de infecções crónicas do tracto respiratório. Os estudos efectuados em animais demonstram efeitos pulmonares, renais e imunológicos, por inalação, e efeitos nos sistemas respiratório e gastrintestinal, cardíacos, hematológicos, hepáticos, renais e diminuição de peso como consequência de exposição oral ao níquel.

O selénio é um elemento essencial para o Homem e para os animais, sendo ingerido diariamente nos alimentos. O selénio é utilizado em indústria de electrónica, na indústria do vidro, em pigmentos usados em plásticos, na indústria farmacêutica e na produção de fungicidas. Não existe informação acerca dos efeitos crónicos do selénio no Homem devidos a exposição por inalação. A ingestão de elevadas quantidades de selénio através da água conduziu a uma descoloração da pele, deformação e perda das unhas, perda de cabelo, perda e descoloração dos dentes, e alterações neurológicas com diminuição da atenção. A exposição cutânea crónica resulta em irritação cutânea e em dermatite de contacto.

O vanádio existe em diferentes estados de oxidação, desde -1 a +5, sendo as valências mais frequentes as +3, +4 e +5. O vanádio metálico não surge na natureza. A forma pentavalente (VO(elevado a -3)) predomina nos fluidos extracelulares, enquanto a forma tetravalente (VO(elevado a +2)) é mais habitual na forma intracelular. Devido à sua dureza e à sua capacidade para formar ligas, o vanádio (i. e., ferrovanádio) é um componente de ligas metálicas rígidas. Apesar de a maioria dos alimentos conterem baixas concentrações de vanádio ( < 1 ng/g), para a população geral a alimentação é a principal fonte de exposição ao vanádio.

Encontram-se concentrações atmosféricas elevadas de vanádio em ambientes ocupacionais. Os pulmões absorvem bem as formas solúveis de vanádio (V2O5) mas a absorção de sais de vanádio a partir do tracto gastrintestinal é reduzida. A excreção de vanádio pelos rins é rápida (semivida biológica de 20-40 horas). O vanádio é provavelmente um elemento vestigial essencial, mas no Homem não é conhecida nenhuma doença associada à deficiência em vanádio.

De um modo geral, a toxicidade dos compostos de vanádio é reduzida. Os compostos pentavalentes são os mais tóxicos (a toxicidade dos compostos de vanádio geralmente aumenta com a valência). A maior parte dos efeitos tóxicos dos compostos de vanádio resultam da acção irritativa local dos olhos e do tracto respiratório superior, em vez de toxicidade sistémica. O único efeito da exposição que se encontra claramente documentado é a irritação do tracto respiratório superior, caracterizada por rinite, sibilância, hemorragia nasal, conjuntivite, tosse e dor torácica.

5.3 - Dioxinas

Na avaliação da carcinogenicidade de 2,3,7,8-TCDD deu-se mais peso a estudos com medição directa de 2,3,7,8-TCDD e a estudos envolvendo grandes exposições a herbicidas muito provavelmente contaminados. Os efeitos da 2,3,7,8-TCDD e dos produtos em que pode ser encontrado este composto não podem ser dissociados na maioria dos estudos epidemiológicos. Os estudos mais importantes acerca da avaliação da carcinogenicidade da 2,3,7,8-TCDD são quatro estudos de coorte de produtores de herbicidas (um nos EUA, um na Holanda e dois na Alemanha) e uma coorte de residentes numa zona contaminada, em Seveso, na Itália (IARC, 1997). Estes estudos envolvem as exposições mais elevadas a 2,3,7,8-TCDD entre todos os estudos epidemiológicos, apesar da exposição em Seveso ser menor e o seguimento ter sido efectuado durante menos tempo do que nos estudos efectuados em ambiente industrial. Adicionalmente, o estudo de coorte efectuado pela IARC é de especial interesse, na medida em que inclui três das quatro coortes de indivíduos altamente expostos e ainda outras coortes industriais (IARC, 1997). Estas coortes e as respectivas subcoortes de indivíduos altamente expostos são a principal fonte de informação para avaliar os riscos de carcinogenicidade de dioxinas e furanos para o Homem. Outros estudos, de coorte ou caso-controlo, envolvendo aplicadores de herbicidas com exposições a 2,3,7,8-TCDD consideravelmente mais baixas não são considerados críticos para esta avaliação.

Os estudos de coorte acima referidos mostraram um aumento do risco de todos os cancros combinados. A magnitude deste aumento é geralmente baixa; é mais elevada nas subcoortes que se considera terem uma exposição também mais elevada. Além disso, na maior e mais exposta coorte alemã foi observada uma resposta dose-efeito para todos os cancros. A dose cumulativa em cada uma destas análises de tendência foi estimada através da combinação de dados relativos ao doseamento sanguíneo de 2,3,7,8-TCDD com as funções desempenhadas no trabalho, e tempo de exposição. Um risco aumentado para todos os cancros combinados foi também observado na coorte dos EUA.

Foi encontrado um risco aumentado de linfoma não Hodgkin na maior parte das populações envolvidas nos quatro estudos de coorte industriais e no estudo efectuado com a população de Seveso, apesar de os riscos serem inferiores a dois e não serem significativos na maioria dos casos. Um estudo caso-controlo aninhado na coorte internacional IARC forneceu evidência fraca de uma relação dose-efeito com as estimativas da exposição a 2,3,7,8-TCDD.

Apesar de ser plausível que outros químicos sejam responsáveis por linfoma não Hodgkin, não são conhecidos fortes confundidores potenciais. A ausência de consistência completa entre os estudos e o fraco efeito detectado na maioria dos resultados positivos exigem prudência na interpretação causal dos resultados.

Globalmente, a evidência da carcinogenicidade da 2,3,7,8-TCDD verifica-se sobretudo para todos os cancros em conjunto em vez de cancros com localizações específicas. O risco relativo para todos os cancros em conjunto e nas subcoortes com maior exposição e latência é de 1,4. Apesar de não ser provável que este risco relativo seja explicado pela existência de confundimento, esta hipótese não pode ser excluída. Existem vários agentes capazes de promover o aparecimento de cancros em várias localizações, designadamente o tabaco e as radiações ionizantes nos sobreviventes às bombas atómicas (para os quais, contudo, existem riscos claramente elevados para determinadas localizações específicas de cancros).

A exposição do Homem a 2,3,7,8-TCDD ou a outras dioxinas congéneres, devido a exposição industrial ou acidental, tem sido associada a cloracne e alterações das enzimas hepáticas, quer em crianças, quer em adultos.

Crianças expostas através do leite materno manifestam alterações nos níveis de hormonas tiroideias e possíveis défices neurológico e neurocomportamental.

A extraordinária potência de 2,3,7,8-TCDD e DDPC substituídas em 2, 3, 7 e 8 tem sido demonstrada em várias espécies animais. A dose letal de 2,3,7,8-TCDD, contudo, varia mais de 5000 vezes entre o cobaio e o hamster.

No Homem, não existe evidência adequada acerca da carcinogenicidade da 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-para-dioxina. Em animais de experiência, existe evidência suficiente acerca da carcinogenicidade da 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-para-dioxina. Em animais de experiência, existe evidência que sugere a ausência de carcinogenicidade da dibenzo-para-dioxina. Em animais de experiência, existe evidência limitada acerca da carcinogenicidade de uma mistura de 1,2,3,6,7,8 e 1,2,3,4,7,8,9-hexaclorodibenzo-para-dioxina. Em animais de experiência, não existe evidência adequada acerca da carcinogenicidade da 2,7-diclorodibenzo-para-dioxina. Em animais de experiência, não existe evidência adequada acerca da carcinogenicidade da 1,2,3,7,8-pentaclorodibenzo-para-dioxina. Em animais de experiência, não existe evidência adequada acerca da carcinogenicidade da 1,2,3,4,7,8-heptaclorodibenzopara-dioxina (IARC, 1997).

A 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-para-dioxina é carcinogénica para o Homem (grupo 1). Nesta avaliação foram tomadas em consideração as seguintes evidências:

i) A 2,3,7,8-TCDD é um carcinogénio para múltiplas localizações em animais de experiência, tendo sido demonstrado que actua por um mecanismo que envolve o receptor Ah;

ii) Este receptor é altamente conservado num sentido evolucionário e funciona do mesmo modo em animais de experiência e no Homem;

iii) As concentrações nos tecidos são semelhantes em populações humanas altamente expostas, nas quais se observou um aumento do risco global de cancro.

Outras dibenzo-para-dioxinas policloradas não são classificáveis quanto à sua carcinogenicidade para o Homem (grupo 3).

5.4 - Vigilância epidemiológica

Tendo em conta o conjunto de possíveis efeitos sobre a saúde resultantes da exposição a metais e dioxinas cuja concentração pode eventualmente ser alterada pelos processos de queima de resíduos, importa garantir uma monitorização do estado de saúde da população, para além do conjunto de procedimentos que assegurem a medição de emissões atmosféricas.

Os indicadores obtidos nos indivíduos são a informação mais segura do complexo processo de interacção entre a produção de contaminantes e a exposição efectiva dos órgãos-alvo. Assegurar a vigilância epidemiológica obriga necessariamente a obter informação em dois tempos:

i) Uma linha de base; e ii) A recolha de dados referentes a indicadores sanitários gerais (estatísticas de saúde) e a marcadores biológicos de exposição após entrada em funcionamento do tratamento dos resíduos.

Assim, em relação à população geograficamente mais próxima e à de uma comunidade-controlo, há que recolher informação de base sobre mortalidade geral e por cancro, incidência de cancro e prevalência de patologia endocrinológica (diabetes, alterações da tireóide), respiratória (asma, bronquite crónica) e dermatológica.

Igualmente, deve-se recolher informação sobre a prevalência de malformações congénitas, razão dos sexos ao nascimento, prevalência de baixo peso e parto pré-termo.

Um estudo da prevalência de alterações neurológicas, de desenvolvimento e comportamentais em crianças seria também de grande utilidade. Para uma amostra aleatória da população dever-se-á obter a medição de concentrações em metais (Pb, As, Cd, Cr, V, Hg e Ni), bem como teores de dioxinas em leite materno e sangue.

Um, dois e três anos após o funcionamento do sistema de queima de resíduos devem ser obtidas amostras para monitorização das tendências, sendo recolhida em contínuo a informação referente a indicadores tradicionais de saúde geral e reprodutiva.

6 - As normas ISO 9000

Para a implementação de qualquer tecnologia de tratamento de resíduos é necessário estabelecer padrões de controlo que permitam garantir um nível de cumprimento aceitável de metodologias adequadas, bem como oferecer garantias quanto ao respeito pelas especificações e pelos limites legais.

Como já foi referido no capítulo 1, o controlo de emissões de dioxinas e furanos, bem como de metais pesados, não pode ser feito em contínuo. O carácter de entidade fiscalizadora da CCI não pode, por si só, garantir completamente a execução das boas práticas industriais, se não houver nas empresas envolvidas no processo de tratamento um sistema de qualidade que possa demonstrar que toda a produção que não foi objecto de controlo externo oferece, assim mesmo, garantias de cumprir as especificações acordadas.

Para esse efeito existem normas internacionais que, através de um processo complexo de registos e procedimentos protocolados, permite a demonstração de que foi seguido um processo de tratamento adequado, e simultaneamente garantir que os limites para as emissões foram respeitados. A ISO (International Standard Organisation) é uma federação mundial de organismos nacionais de normalização, integrando comités técnicos, envolvendo organizações governamentais e não governamentais. As normas ISO 9000 são destinadas à implementação de um sistema de qualidade. Iremos apresentar alguns conceitos definidos pela ISO para as normas 9000, seguindo os conselhos do Comité ISO/TC 176 (ISO TC/176):

«As normas do sistema da qualidade identificam os aspectos que podem ajudar uma empresa a satisfazer as exigências dos clientes, não tendo por objectivo impor algo totalmente novo.

Os sistemas da qualidade têm a ver com a avaliação de como e porquê as coisas são feitas, escrever como as coisas são feitas e registar os resultados para mostrar que foram feitas. Um sistema de qualidade, por si próprio, não conduz automaticamente à melhoria dos processos de trabalho ou da qualidade do produto, nem resolve todos os seus problemas. Não devem confundir-se as normas de sistemas de qualidade com as normas de produto.

A norma ISO 9001 expõe as exigências a satisfazer quando a actividade de uma empresa envolve concepção. A norma ISO 9002 estabelece as exigências equivalentes quando a empresa não se dedique à concepção e desenvolvimento. A norma ISO 9003 é o modelo equivalente para os casos em que não se exigem controlo da concepção e controlo do processo.

O que significa certificação? A certificação pode ser encarada como o reconhecimento formal, por outros, do seu sistema da qualidade. Nalguns países, os sistemas da qualidade certificados são considerados como registados e utiliza-se o termo «registo» em vez de certificação. Antes da certificação propriamente dita, é essencial instalar e pôr em prática durante vários meses todos os aspectos do sistema da qualidade. Deste modo, pode ser testado o sistema da qualidade em funcionamento, e ter-se-á oportunidade de o melhorar.»

6.1 - Um compromisso em relação à qualidade

A norma requer que a empresa defina por escrito a sua política da qualidade. A política da qualidade estabelece:

Um compromisso relativamente à qualidade;

Quais são os objectivos da qualidade;

Como é que os objectivos se relacionam com as expectativas criadas em relação às características do processo.

A responsabilidade, a autoridade e a relação mútua de todo o pessoal que gere, efectua e verifica o trabalho que influi na qualidade devem estar definidas e documentadas, particularmente para o pessoal que precisa de liberdade de organização e autoridade para:

«i) A desencadear acções no sentido de prevenir a ocorrência de não conformidades no produto, nos processos e no sistema de qualidade;

ii) Identificar e registar quaisquer problemas relativamente à qualidade do produto, dos processos e do sistema da qualidade;

iv) Iniciar, recomendar ou indicar soluções através das vias

designadas;

v) Verificar a implementação das soluções;

vi) Controlar o posterior processamento, entrega ou instalação do produto não conforme até ter sido corrigida a deficiência ou condição insatisfatória.» Um método de identificar e registar as responsabilidades e autoridades é uma descrição de funções. Isto poderá ser conseguido com um organigrama simples.

É necessário assegurar que a empresa dispõe dos recursos necessários para executar o trabalho requerido no tempo acordado. Os recursos englobam pessoal e equipamento.

É necessário que se nomeie alguém com autoridade de direcção para assumir responsabilidade global pelo sistema da qualidade.

Esta pessoa pode também executar outros deveres, mas deve ter a autoridade suficiente dentro da empresa para garantir que o sistema da qualidade está a funcionar adequadamente. Para assegurar que todo o sistema da qualidade é abrangido, deve-se seguir um procedimento ou ordem de trabalhos normalizados. Esta ordem de trabalhos deverá incluir, nomeadamente:

Problemas de qualidade e acções empreendidas;

Reclamações;

Como está o sistema da qualidade a funcionar e se os objectivos estão a ser satisfeitos;

Relatórios de auditoria da qualidade.

É necessária a existência de um manual da qualidade que inclua os procedimentos do sistema de qualidade. Como tal, o manual da qualidade pode ser considerado como um «mapa de estradas» do sistema da qualidade.

6.2 - Procedimentos do sistema da qualidade

A empresa licenciada para tratar os resíduos deve:

a) Preparar procedimentos escritos compatíveis com os requisitos com a norma ISO 9000 e com a política da qualidade preestabelecida;

b) Implementar efectivamente o sistema da qualidade e os seus procedimentos escritos.

Os procedimentos deverão indicar quem faz o quê, quando, porquê e como. O sistema da qualidade e a escrita de procedimentos precisam de envolver todo o pessoal. Não podem ser conduzidos por uma pessoa que actue isoladamente.

A empresa deve definir e documentar o modo como os requisitos para a qualidade serão cumpridos:

i) Preparação de planos da qualidade;

ii) Identificação e aquisição de quaisquer meios de controlo, processos, equipamento (incluindo equipamentos de inspecção e ensaio), dispositivos necessários;

iii) Assegurar a compatibilidade da concepção, do processo de produção, dos procedimentos de inspecção e de ensaio e da documentação aplicável;

iv) Actualização, quando necessário, das técnicas de controlo da

qualidade;

v) Identificação de todos os requisitos de medição;

vi) Identificação das verificações adequadas nas fases apropriadas da

realização do tratamento;

vii) Identificação e preparação dos registos da qualidade.

A empresa licenciada para o tratamento de RIP deve identificar e programar os processos de laboração, devendo assegurar que estes processos são conduzidos sob condições controladas. Estas devem incluir o seguinte:

i) Procedimentos documentados que definam o método de tratamento;

ii) Utilização de equipamentos adequados;

iii) Conformidade com normas/códigos de referência, planos da

qualidade e ou procedimentos documentados;

iv) Critérios de execução, que devem ser definidos da maneira mais

clara e prática possível;

v) Manutenção adequada dos equipamentos por forma a assegurar a permanente capacidade dos processos.

Alguns processos, como veremos, exigem formação adicional dos operadores, ou operadores especialmente qualificados. Para garantir um tratamento adequado dos resíduos não basta possuir uma boa tecnologia. A qualificação dos operadores do equipamento é essencial para a garantia de uma condução adequada do processo.

6.3 - Inspecção e ensaio

A empresa deve estabelecer e manter procedimentos documentados para as actividades de inspecção e ensaio, de forma a verificar o cumprimento dos requisitos especificados para a operação. Deve realizar todas as inspecções e ensaios finais de acordo com o plano da qualidade e ou procedimentos documentados para comprovar a conformidade do produto acabado com os requisitos especificados; deve estabelecer e manter registos com a inspecção e os ensaios efectuados.

Devem ser estabelecidos e mantidos procedimentos documentados para controlar, calibrar e manter o equipamento de inspecção, medição e ensaio (incluindo software de ensaio), utilizado para demonstrar a conformidade do serviço com os requisitos especificados.

6.4 - Acções correctivas e preventivas

A empresa deve estabelecer e manter procedimentos documentados para implementação de acções correctivas e preventivas para eliminar as causas reais ou potenciais de não-conformidades. A acção correctiva envolve a determinação da causa do problema particular, e a implementação das acções necessárias para impedir que o problema ocorra de novo.

Qualquer empresa candidata ao tratamento de resíduos perigosos deve poder estabelecer e manter procedimentos documentados para o planeamento e a implementação de auditorias da qualidade internas, a fim de verificar se as actividades relativas à qualidade e os resultados associados estão conformes com as disposições previstas e determinar a eficácia do sistema da qualidade.

Os resultados das auditorias devem ser registados.

Só actuando dentro dos parâmetros atrás definidos uma empresa pode ser certificada segundo as normas ISO 9000. Este processo de certificação, efectuado por uma entidade independente devidamente credenciada, exige que todo o processo produtivo funcione com rigor, numa filosofia de responsabilidade por parte da empresa em relação a todas as fases do processo produtivo.

Toda a documentação formal e a existência de responsáveis da qualidade permitem a execução de auditorias externas para avaliar se uma empresa certificada pode continuar a exibir a indicação, certificado pela norma ISO 9000».

Uma empresa certificada dá, assim, garantias de possuir pessoal qualificado, meios de controlo e procedimentos de rotina que permitem avaliar, a todo o momento, se o processo produtivo obedece às especificações definidas na licença de exploração duma unidade de tratamento de RIP.

6.5 - Gestão ambiental

Para além de a norma ISO 9000 prestar um tipo de garantia de uma forma de trabalho escrupuloso por parte de uma empresa, mais recentemente, em Setembro de 1996, foi aprovada uma nova norma, a ISO 14 000. Tal como as normas ISO 9000, as normas ISO 14 000 não definem de forma detalhada um conjunto de prescrições para a administração do sistema, mas sim os necessários requisitos estruturais para a sua implementação.

Estas normas especificam os requisitos necessários para o estabelecimento de uma estratégia ambiental que permita (ISO, 1996):

Determinar os impactes ambientais de produtos, actividades e serviços;

Planificar objectivos ambientais e metas mensuráveis;

Implementar e colocar em prática programas para atingir os objectivos definidos;

Actuações de verificação e correcção;

Revisão do sistema de gestão implementado.

A estratégia ambiental deve ser definida num documento escrito, bem como toda a documentação em que se indique os planos, objectivos e metas de tal forma que estes possam ser alcançados de forma não burocrática. A planificação, verificação e actualização dos processos de gestão de estratégia ambiental deve incluir os procedimentos necessários a uma adequada monitorização de todo o sistema.

A série de normas sobre gestão ambiental ISO 14 000 está dividida em oito grupos:

Sistemas de gestão ambiental;

Auditorias ambientais;

Rotulagem ecológica;

Avaliação de performance ambiental;

Ciclo de vida de produto (LCA);

Termos e definições;

Aspectos ambientais em normas de produtos;

Futuras aplicações.

Estas normas, para além de serem aplicáveis à avaliação da organização (sistema de gestão ambiental, auditorias ambientais e avaliação de performance ambiental), podem também servir para avaliação do produto, (ciclo de vida do produto - LCA, rotulagem ecológica e aspectos ambientais em normas de produtos).

A adesão à ISO 14 000 implica que a empresa certificada deve estar envolvida na implementação, num sistema de gestão ambiental, que reduz a possibilidade de violação das regras de conduta definidas no seu plano de gestão estratégica ambiental.

Significa, ainda, que deve realizar um esforço de prevenção e redução de resíduos.

Segundo os preceitos definidos na norma 14 001, os requisitos essenciais para o desenvolvimento e a implementação de um sistema de gestão ambiental podem ser certificados ou registados por uma entidade terceira através de uma auditoria onde sejam verificadas as especificações da norma.

Todo o sistema vai ser definido para além da norma 14 001, pelas normas ISO 1404, 1410, 1411, 1412 e 1413.

Este conjunto de normas, aplicáveis a qualquer sector industrial, não define especificações ambientais, pois estas dependem do sector industrial ao qual se vão aplicar. Contudo, permite alcançar objectivos de controlo do impacto das actividades, possibilitando ainda a demonstração de que tais objectivos foram alcançados (ISO, 1996a). A verificação do cumprimento dos objectivos tem de poder ser feita, quer interna, quer externamente, devendo ainda ter uma base científica.

Um dos objectivos da certificação ISO 14 000, é justamente o de permitir uma boa relação entre a opinião pública e a empresa, garantindo um elevado nível de segurança com custos razoáveis e reduzindo o número de incidentes, o que incrementa o clima de confiança do público.

Se a actividade de tratamento dos RIP for atribuída a uma empresa que venha a ser certificada pelo conjunto das normas ISO 9000 e 14 000, então o grau de confiança a depositar no sistema de tratamento será fortemente reforçado.

Uma actividade de fiscalização e acompanhamento externo aplicada a uma empresa devidamente certificada, como aquela para a qual está mandatada esta Comissão, poderá ser uma forma de garantir um baixo nível de risco no tratamento industrial de resíduos perigosos. A Comissão fará um conjunto de recomendações e definirá um sistema de monitorização, que de forma independente permita a verificação do cumprimento das normas ambientais específicas, de maneira a poder garantir que não é posta em perigo a saúde pública.

7 - Escolha do método de queima de resíduos industriais perigosos mais

apropriado

7.1 - Limitações de tempo e dados

O Decreto-Lei 120/99 comete à CCI a tarefa de se pronunciar sobre a autorização provisória para início dos testes de queima de resíduos industriais perigosos (RIP) em unidades cimenteiras e, seguidamente, pronunciar-se sobre uma autorização definitiva. A Lei 20/99 confere a esta Comissão um âmbito mais vasto a respeito do tratamento de RIP, incluindo o seu impacte na saúde pública e no ambiente. Dado que, por força dos diplomas referidos, se encontra suspensa a aplicação dos prazos estabelecidos para o licenciamento e a autorização do Decreto-Lei 273/98, de 3 de Setembro, sobre as operações de co-incineração de RIP em unidades cimenteiras, a CCI deu prioridade à abordagem da gestão de RIP por procedimentos de queima, mas enquadrando-os numa perspectiva mais integrada e global da gestão de resíduos industriais perigosos.

A premência do problema, a necessidade de abordagens integradas para o controlo da poluição gerada pelos diferentes procedimentos da gestão de resíduos, a complexidade da tarefa para se encontrar a melhor opção para a gestão da enorme variedade de RIP existentes no País (mais de 300 códigos constam do Catálogo Europeu de Resíduos), a carência de meios disponíveis para encetar análises de ciclo de vida, LCA, e de peritos nacionais com vasta experiência neste campo, a morosidade que as análises LCA implicam para terem o pormenor adequado à tomada de decisões, aliada a dificuldades de recolha de dados credíveis para a quantidade e a natureza dos RIP e à necessidade de visitas a unidades de gestão de resíduos perigosos a nível europeu, levou a CCI a tomar uma atitude pragmática a respeito deste relatório, para não exceder um prazo de seis meses após a tomada de posse.

A CCI, no seu relatório, dá parecer sobre a questão da queima de RIP. Como foi referido no capítulo 3, em contraste com outras técnicas de gestão de resíduos, as técnicas de destruição pelo calor têm a vantagem de ser muito menos dependentes da especificidade dos produtos a tratar, desde que se garanta uma determinada temperatura mínima e um dado tempo de permanência nessa condição térmica. Isto é válido para resíduos de moléculas orgânicas, sendo a situação mais complexa a respeito dos metais pesados.

Os processos térmicos podem ocorrer por combustão na presença de oxigénio (os denominados processos de incineração) ou podem ocorrer por decomposição térmica na ausência ou com deficiência de oxigénio, a denominada pirólise. Igualmente são possíveis processos de combustão e pirólise por acção de radiações de infravermelho ou de microndas. As técnicas de queima e destruição pelo calor estão virtualmente restringidas ao processo de incineração dedicada ou de co-incineração. Outras técnicas, como a pirólise e a gaseificação, não evoluíram suficientemente de uma escala de instalação-piloto para uma escala industrial para merecerem confiança num contexto industrial e comercial e poderem ser consideradas tecnologias BAT.

Uma unidade de pirólise para a queima de RIP começou a funcionar à escala industrial em Rochefort (França), no início do presente ano, mas somente para resíduos de um só tipo (mono-resíduos). Contudo, a respeito da pirólise permanece ainda um certo tipo de reservas no resto da Europa, quiçá fruto de incertezas industriais dos inícios da década de 90 (Gascoigne e Ogilvie, 1995, p. 111; Williams 1998, p. 375).

Por maioria de razão, o mesmo é válido para tecnologias mais recentes como a do recurso à oxidação de resíduos por água em condições supercríticas, que se encontrava em desenvolvimento experimental nos inícios da década de 90 (Jain, 1993), mas cujos progressos são limitados devido aos graves problemas de corrosão que causa.

Verdadeiramente, restam somente como técnicas de relevância industrial no panorama europeu a valorização e a eliminação de resíduos em incineradoras dedicadas ou por co-incineração. As análises LCA que a este respeito existem a nível europeu permitem à Comissão emitir com segurança o seu parecer. As LCA têm alguma dependência geográfica que, no entender da Comissão, não é limitante para a conclusão que a este propósito se assume.

Acresce que, recorrendo a qualquer das estimativas efectuadas, e considerando que haverá proporcionalidade entre os resíduos industriais perigosos e os resíduos industriais não contabilizados nesses estudos, pode-se considerar que o problema da incineração ou co-incineração de resíduos industriais perigosos diz respeito a menos de 1% dos resíduos industriais. O tratamento na Suécia dos resíduos industriais perigosos por incineração representa 1,8% dos resíduos industriais. Neste país, dos resíduos industriais perigosos, 24% são incinerados. Estas relações, dentro das incertezas dos dados apresentados pelas diversas fontes indicadas no capítulo 2 que permitem apresentar uma estimativa aproximada para a produção de RIP em Portugal de cerca de 300 000 t/ano, apontam para um quantitativo dos resíduos a queimar compreendido entre as 80 000 t/ano (com a percentagem de 25% da Suécia) e as 40 000 t/ano [recorrendo à média europeia ou à fracção indicada para queima pelo PESGRI 99 (12,5%)]. Os resíduos para os quais o tratamento térmico é imprescindível são muito especialmente os sólidos e lamas orgânicas provenientes de um conjunto diverso de actividades tais como: limpeza de reservatórios de refinarias de petróleos e de certas actividades de comércio e de serviços, lamas de tintas e resinas da fabricação de produtos metálicos, resíduos oleosos, asfaltos e resíduos de fabrico oriundos de actividades de química orgânica de base, lamas da produção de resinas e de fibras sintéticas e das indústrias de tintas, vernizes e lacas, pesticidas que ultrapassaram o prazo de validade e resíduos da mesma indústria, lubrificantes e emulsionantes e lamas da indústria de sabões e perfumaria, e resíduos de tintas e corantes da indústria de artes gráficas.

Os quantitativos de RIP a queimar revelam que o problema da co-incineração é apenas uma pequena parte da resolução dos destinos a dar aos resíduos industriais, que parece ascenderem a mais de 20 milhões de toneladas por ano (Diário da República, Decreto-Lei 516/99, de 2 de Dezembro, PESGRI 99). Se a decisão quanto a menos de 1% depende desta Comissão, a verdade é que para muitos dos restantes resíduos industriais se continua a aguardar uma solução, que é igualmente premente.

7.2 - Procedimento recomendado para a queima de resíduos industriais

perigosos

Para a queima de RIP a CCI recomenda o recurso ao processo de co-incineração em cimenteiras, com a queima a processar-se no queimador principal. Em princípio, os procedimentos de co-incineração podem ser realizados em fornos de unidades cimenteiras, centrais termoeléctricas, siderurgias, unidades vidreiras, fornos de cal, etc.

Mas, de todos eles, são os das unidades cimenteiras que se encontram melhor adaptados para a queima de resíduos industriais. Os fornos das cimenteiras estão mais adaptados à destruição de resíduos devido às altas temperaturas do forno, quer no gás (2000ºC, máximo) quer na massa sólida/fundida (1450ºC), ao elevado tempo de residência (cerca de cinco segundos acima dos 1200ºC) a uma taxa de oxigénio que assegura uma combustão completa e à turbulência existente no forno conducente a uma boa mistura com o oxigénio e com a massa de matérias-primas que enche o forno.

Estes quatro factores, conjugados entre si, asseguram a destruição total da matéria orgânica.

No que concerne aos metais pesados, as condições do forno permitem reacções dos mesmos com a massa sólida que os levam a ficar quimicamente ligados à estrutura cristalina dos silicatos do cimento. Acresce que a matéria-prima de natureza alcalina actua como um verdadeiro lavador de poeiras sólidas que neutraliza os efluentes ácidos, pelo que as cimenteiras não têm significativos problemas de corrosão nas instalações.

Há cerca de 20 anos que a indústria cimenteira tem experiência industrial no domínio da co-incineração de resíduos. A grande evolução deu-se quando passaram de um processo de queima tout-court para um processo de preparação de um combustível secundário constituído por resíduos, posteriormente adicionados junto ao queimador. Esta evolução permitiu corrigir alguns erros iniciais, nomeadamente a respeito de emissão de dioxinas, furanos e outros hidrocarbonetos aromáticos. Presentemente algumas das cimenteiras europeias a operar a gestão de RIP por co-incineração alcançaram certificações ISO 14 000, o que dá garantias de uma prática ambientalmente correcta e da implementação de uma política de redução de resíduos.

A nível dos países desenvolvidos, são os fornos de unidades cimenteiras aqueles onde se verifica uma utilização mais correcta e generalizada para a co-incineração de resíduos industriais perigosos. Em França, os primeiros ensaios industriais para a queima de resíduos industriais em fornos de cimenteiras remontam a 1977 e, em 1998, a queima de RIP em 26 cimenteiras localizadas por todo esse país corresponde a um terço do total dos RIP aí produzidos. Em 12 dos 15 países da União Europeia, em dados de 1997, há unidades cimenteiras a queimarem resíduos por co-incineração; representam cerca de um terço de todas as cimenteiras existentes na União (Hjorth, 1997, pp. 70-73). Em Espanha igualmente já há uma cimenteira em Múrcia a co-incinerar RIP e está uma outra prevista em Jerez de La Frontera. Em Itália a queima de resíduos em fornos de cimenteiras está regulada por legislação a nível regional e local que autoriza a queima com processos de permissão muito simplificados, desde que a composição dos resíduos se enquadre em certas especificações que têm o acordo das administrações a nível local, mas geralmente tais procedimentos dizem respeito a resíduos banais; para queima de RIP, encontram-se autorizadas cimenteiras em Ravena (pertenceu ao grupo Ambiente), em Calusco d'Adda (grupo Italcimenti) e em Ternate (grupo Merone), mas esta última ainda não está a operar e nas outras as quantidades queimadas são relativamente baixas.

Em face do conjunto de factos expostos, a CCI recomenda a queima de RIP por co-incineração em Portugal em fornos de unidades cimenteiras. As melhores das unidades cimenteiras portuguesas são unidades que foram recentemente certificadas de acordo com as normas ISO (Outão ISO 9002 e ISO 14 001 e Souselas e Alhandra ISO 9002), possuem um controlo automático dos fornos com registo permanente de parâmetros de operação, têm um bom desempenho energético a nível europeu, e participaram nas novas definições BAT a nível europeu. Encontram-se, pois, em condições tecnológicas de rapidamente incorporarem os melhores procedimentos em curso a nível de cimenteiras europeias no processo de co-incineração no nosso país.

Os resíduos industriais perigosos devem ser queimados em fornos de cimento quando esta solução:

i) Surge como ecologicamente mais vantajosa do que outras

alternativas de gestão;

ii) Não se encontra em competição com modos mais ecológicos de exploração de recursos.

Dos estudos recentes anteriormente apresentados não ressalta evidência de que, do ponto de vista ambiental, a incineração dedicada seja mais vantajosa do que a co-incineração em cimenteiras, bem pelo contrário. As razões que levam a Comissão a optar pelo processo de co-incineração em detrimento da queima de resíduos numa incineradora dedicada já foram expostas em pormenor anteriormente. São agora resumidas em jeito de síntese final. As análises LCA, que comparam os impactes ambientais globais do processo de co-incineração de RIP em cimenteiras com os de incineradoras dedicadas na queima de diversos tipos de resíduos, favorecem a co-incineração (ver tabelas 4.6 e 4.7). A co-incineração em cimenteiras tem menores impactes directos pela maior poupança em combustíveis fósseis, na toxicidade humana dos poluentes produzidos e no aquecimento global (efeito de estufa); por exemplo, numa cimenteira que produza dois milhões de toneladas de clínquer por ano, a substituição de 30% do combustível por resíduos pré-tratados reduz o balanço emissivo do dióxido de carbono em cerca de 150 000 t/ano, quando comparada com a utilização de uma incineradora dedicada a tratar resíduos, somando os seus efluentes aos da cimenteira (Degré, 1996). A queima em incineradora dedicada surge favorecida a respeito dos efeitos na destruição da camada de ozono estratoesférico, devido à maior produção de NO(índice x) nas cimenteiras, mas este efeito é inerente ao processo da produção do cimento e é independente da queima de resíduos. Merece destaque o facto de a co-incineração contribuir para um decréscimo no efeito de estufa, enquanto a queima em incineradora dedicada contribuiria significativamente para o seu aumento, o que mais agravaria a quota de Portugal para este efeito.

Com a legislação recentemente aprovada pelo Parlamento Europeu (ver capítulo 4, tabela 4.8), os limites de emissão de efluentes perigosos das cimenteiras a trabalharem como co-incineradoras são iguais aos das incineradoras dedicadas para a maioria dos produtos tóxicos (metais, dioxinas e furanos). As excepções são as partículas e o NO(índice x), para os quais os limites das incineradoras dedicadas são mais baixos, visto que estas emissões são inerentes ao processo de produção do cimento com a tecnologia actualmente disponível. Um dos argumentos dos adeptos da incineração dedicada em detrimento da co-incineração é o de que as cimenteiras beneficiariam de uma legislação mais permissiva que deixa a partir de agora de ter fundamento.

A queima de resíduos em cimenteiras leva a uma recuperação de energia superior à das alcançadas em incineradoras dedicadas. A favor da incineradora dedicada conta uma certa flexibilidade de localização, uma maior maleabilidade na aceitação de resíduos e uma possível maior eficiência na remoção de metais voláteis, graças a um maior número de processos de lavagem (por exemplo, com carvão activado) mais sofisticados.

A respeito dos resíduos gerados pela própria queima de RIP, as incineradoras dedicadas são fortemente desfavorecidas, porque produzem uma quantidade elevada de escórias tóxicas que têm de ser inertizadas e depositadas em aterros industriais, o que se não verifica nos processos de co-incineração em cimenteiras. Esta constitui a maior diferença entre os impactes externos globais dos dois processos. Mas os metais, apesar de não serem destruídos nos processos de queima, durante a co-incineração em fornos de cimento participam em reacções químicas que permitem a sua ligação na rede estrutural dos silicatos do clínquer. Não obstante, não se pode abusar do cimento como depósito exageradamente concentrado de metais pesados.

Tendo em conta este facto, fixar-se-ão limites específicos para os metais pesados em RIP a serem admitidos para queima em cimenteiras. Assim, propomos a adopção da legislação francesa que, sob este aspecto, é mais rigorosa do que a legislação da União Europeia.

Como referimos, as LCA apresentam uma certa dependência geográfica e os estudos em que nos baseamos foram realizados noutros países europeus.

Mas a dependência geográfica não invalida a conclusão final que favorece a co-incineração. No que concerne ao impacte externo global, a diferença entre as duas opções é tão elevada (cerca de 330 pontos; tabela 4.6) que não há possibilidade de qualquer inversão na solução; porém, como presentemente não existem aterros industriais em Portugal, a dependência geográfica ainda poderia desfavorecer mais a queima em incineradora dedicada devido ao impacte ambiental do transporte se houver exportação destes resíduos. Mas espera-se que a breve prazo esta situação seja corrigida, porque o nosso país necessita de um aterro para resíduos industriais perigosos e mesmo para resíduos banais, quando melhores soluções alternativas não existam.

As incineradoras dedicadas só se aproximam do desempenho da co-incineração para a queima de solventes, dado que neste caso não há produção de escórias na incineradora; mesmo assim, a LCA ainda favorece a co-incineração em unidades cimenteiras.

Há igualmente razões económicas com reflexos ambientais. A velocidade da evolução tecnológica nas condições de produção, de tratamento de resíduos, de controlo analítico e nas metodologias de gestão de resíduos estão a criar horizontes de previsibilidade muito curtos, da ordem dos cinco anos, que não permitem garantir a rentabilização de um investimento público elevado. Uma incineradora dedicada para RIP, optimizada para aproveitamento de energia e com uma capacidade de 100 000 t/ano, como parece poder ser necessário em função dos dados referidos no capítulo 2, orçaria por 14-15 milhões de contos (Wiedmer, 1998, Degré, 1996), e surgiria num momento em que nos EUA e na Europa estão a ser suspensos alguns projectos deste tipo, quando há alternativas que não implicam investimentos com períodos de rentabilização tão altos como os das incineradoras dedicadas, que andam na ordem dos 20 anos. O panorama de implantação de incineradoras de resíduos urbanos poderá ser diferente, com as progressivas restrições impostas à colocação em aterro de resíduos de matérias orgânicas; a directiva europeia (COM 1999 31/CE, de 26 de Abril) prevê uma redução da deposição em aterro para níveis de 35% dos actuais no prazo de 15 anos.

Por força de imposições contratuais, sem as quais não seria possível construir a instalação de uma incineradora dedicada para RIP, esta opção poderia vir a constituir-se como um factor imobilista em relação a qualquer posterior oportunidade de implementação de soluções alternativas à incineração dedicada em nichos específicos do sector.

Sob o ponto de vista económico, há uma enorme redução de custos para a queima de RIP por co-incineração em cimenteiras, dado que os grandes investimentos já estão feitos, o que não se verifica com uma incineradora dedicada. A nível europeu, os preços para a queima de resíduos em cimenteiras são bastante inferiores aos das incineradoras dedicadas. Dado que os investimentos a realizar para queima de resíduos na co-incineração são baixos, a sua amortização ocorre num período muito inferior ao de uma incineradora dedicada. Por isso, a co-incineração oferece uma maior flexibilidade na gestão de resíduos industriais, o que se torna preferível sob o ponto de vista ambiental numa época de acentuadas mudanças e competitividade neste campo.

Acresce que há permissão de circulação no interior da União Europeia para reciclagem e valorização de resíduos. A existirem cimenteiras a operar em co-incineração em Espanha, e mesmo cimenteiras do Sul de França, podem competir em custos com uma incineradora dedicada portuguesa para certos tipos de resíduos industriais, naturalmente os de maior poder calorífico. Isto criaria uma enorme pressão nesta hipotética solução para se alcançar quantidades mínimas de resíduos numa operação economicamente viável. A exigência de estabilidade no forno da incineradora dedicada implica a preparação de uma forma de combustível a partir de RIP. Esta preparação tornar-se-ia mais difícil se, selectivamente, uma parte rica em poder calorífico fosse retirada aos RIP nacionais.

Sem dúvida que, a nível da gestão de resíduos, é desejável que a União Europeia venha a dispor de uma estratégia robusta, transparente, aceitável a nível da opinião pública, e que seja uma estratégia de longo termo, para que o sector privado possa planear os seus investimentos. Contudo, a complexidade do problema, a carência de um sólido conhecimento sobre os efeitos na saúde pública e no ambiente dos processos de reciclagem, de compostagem e de deposição em aterro, que estão menos sistematicamente estudados do que os processos de incineração, levam a um planeamento passo a passo e à produção de uma legislação ainda sem uma forte harmonização e consolidação (Câmara dos Lordes, 1999, pontos 80, 81, 87, 103, 110, 114).

Tudo isto ainda mais realça a necessidade, no momento, de uma opção por situações de maior flexibilidade.

A solução da co-incineração em cimenteiras não é uma solução para todo o tipo de resíduos. Há um conjunto de resíduos que está excluído da co-incineração: resíduos radioactivos, asbestos, explosivos e, no que concerne a RIP, estão excluídos resíduos fortemente clorados e fortemente contaminados com mercúrio e outros metais pesados; aliás, o mesmo é válido para uma incineradora dedicada, todavia com uma gama um pouco menos restritiva. Para os casos específicos de RIP excluídos pelas unidades cimenteiras, poderá haver recurso a exportação para incineradoras especialmente adaptadas ou unidades de tratamento físico-químico para a gestão de resíduos específicos, com elevados teores de cloro, enxofre, mercúrio, ou, ainda, segundo um princípio de proximidade, a criação de soluções articuladas com a UE em regime de reciprocidade.

A nível de impacte ambiental local, com as restrições acima referidas em termos de resíduos, um processo de co-incineração operado em condições BAT, com boas práticas de gestão e com as restrições para RIP que a seguir se apresentará, não oferece riscos superiores a riscos naturais de baixa probabilidade ou a riscos considerados aceitáveis pela opinião pública. A respeito de poluentes cancerígenos, o risco é considerado inferior ao de morte por fulminação por relâmpago em trovoadas (Eduljee, 1994, pp. 91-92). O risco associado ao limite máximo legal de 0,1 ng TEQ/Nm(elevado a 3) para a emissão de dioxinas/furanos por uma cimenteira a queimar RIP durante um ano é inferior ao do funcionamento anual de 513 fogões de sala queimando tipicamente 4 t/ano ou à emissão de dioxinas/furanos de 13 crematórios (DEPA, 1997, anexo II); note-se que, destas estimativas, menos de um terço corresponde efectivamente à queima de resíduos (<170 fogões de sala; <4 crematórios). De facto, os resíduos pré-tratados só substituirão o combustível normal numa fracção que não ultrapassará normalmente os 25% (v. anexo II para tais estimativas). A este propósito convém ainda referir que a média de emissões de cimenteiras com co-incineração na Europa se situa cinco vezes abaixo do limite superior, o que mais reduz aqueles valores: <35 fogões de sala e <1 crematório. Atente-se que os dados da figura 2.1 revelam que o contributo da queima de RIP para a emissão global de dioxinas/furanos em Portugal é tão-somente de 0,15%. Este é muitíssimo inferior a um risco assumido como natural, que é, por exemplo, o dos incêndios florestais e o da combustão de lenha nas nossas residências, que representam, respectivamente, 7,8% e 46% do total das emissões de dioxinas/furanos em Portugal.

O risco de lixiviação em cimentos produzidos com controlo de metais pesados em co-incineração é idêntico aos do cimento produzido sem co-incineração e ao de rochas naturais, e respeitam os limites da água potável (Federal Register, 1995).

7.3 - Localização de unidades de co-incineração

Quatro unidades cimenteiras portuguesas (Souselas, Maceira, Alhandra, Outão) têm, em princípio, condições para proceder à queima de resíduos por co-incineração. A CCI visitou estas quatro unidades e verificou que a cimenteira de Maceira tem tido um pior controlo de emissão de efluentes devido ao seu sistema de despoeiramento por ciclones que dispõem de uma baixa eficiência de recolha para partículas de diâmetros inferiores a 5(mi)m-10(mi)m, sistema que está em substituição.

A unidade de Maceira queima pneus inteiros há vários anos. Este procedimento causa alguma instabilidade no processo de queima. Por isso, a queima de RIP associada à dos pneus inteiros poderia criar condições de queima que não seriam as melhores. Isto, contudo, não significa que queimar pneus e resíduos industriais perigosos seja um procedimento menos seguro.

Visitámos uma unidade cimenteira em Couvrot (França) que fazia os dois tipos de queima, com pneus estraçalhados e triturados em pequenos pedaços. Esta cimenteira está certificada ambientalmente desde Julho de 1999 de acordo com as normas ISO 14 001, o que significa que mesmo nestas condições a empresa se deve encontrar a implementar uma adequada gestão ambiental e a realizar um esforço de prevenção e de redução de resíduos. Mas a existência em Maceira de duas entradas para queima dificulta uma verificação para se reconhecer se o sistema está a trabalhar nas melhores condições para a queima de RIP, dada a instabilidade causada pela queima de um pneu inteiro com a consequente deficiência temporária de oxigénio e o aparecimento de picos de TOC. Dado o historial da reacção das populações ao impacte ambiental da cimenteira de Maceira na região circunvizinha, uma tal situação poderia criar menos confiança nas populações pelo receio de que os resíduos perigosos poderiam não ser queimados nas melhores condições.

Numa apreciação um pouco subjectiva, fruto da observação do ambiente fabril durante a visita, a Comissão adquiriu uma perspectiva global que parece indiciar ter esta unidade, talvez devido a menores investimentos em passado próximo, um desempenho tecnológico que não está ao nível das suas outras congéneres nacionais. Viemos a verificar, posteriormente, que a unidade de Maceira não se encontra certificada de acordo com as normas ISO 9000, garantes de uma forma de trabalho escrupuloso e de qualidade. Por todo este conjunto de razões, a CCI não recomenda a queima de resíduos industriais perigosos na cimenteira de Maceira.

Há pois que considerar o alargamento do universo das unidades cimenteiras que foram escolhidas para co-incineração e que constam do processo de avaliação do impacte ambiental. Aliás, um tal alargamento passará a envolver uma unidade da região onde se produz o maior volume de resíduos industriais, o que trará a vantagem de reduzir o impacte ambiental do transporte dos resíduos. O alargamento deve contemplar a unidade cimenteira com melhor desempenho ambiental e energético, porque oferece garantias acrescidas de práticas de boa gestão de operação. Deste alargamento não deve estar excluída a unidade de Outão, apesar de se encontrar situada no Parque Natural da Serra da Arrábida, porque a co-incineração de RIP não implica um acrescido impacte ambiental em relação à produção normal de cimento, com as apropriadas restrições na composição química dos RIP a queimar.

Tem sido ponto de controvérsia se os critérios de qualidade ambiental (saúde humana) devem ser mais ou menos restritos, que os critérios destinados a proteger os ecossistemas naturais. Um estudo recente da AEA Technology (AEA, 1999, pp. 15-28) sobre ecotoxicidade não presta apoio a nenhum dos pontos de vista, isto é, é neutro em relação às duas alternativas. Sendo assim, tomamos como perspectiva mais correcta a de considerarmos em igualdade os critérios para a qualidade ambiental e para a qualidade dos ecossistemas.

Se, perante todos estes factos, a CCI viesse a contemplar a exclusão desta unidade cimenteira, estaria a fazer prevalecer um factor extra de segurança ecológica sem o equivalente em segurança ambiental (saúde humana). Assim, estar-se-ia a dar eco a preocupações de opinião pública que «as plantas e os animais valem mais do que as pessoas?» (Porto, 1999).

O desempenho energético das unidades de Alhandra e Outão é comparável, se bem que um pouco melhor para esta última. A cimenteira de Outão tem um desempenho ambiental para efluentes gasosos melhor do que o de Alhandra (ERGO, 1997). A unidade de Outão tem certificação de um sistema de qualidade industrial (ISO 9002) e certificação ambiental (ISO 14 002). O que presta mais garantias de uma gestão ambientalmente correcta. Perante estas ilações e porque o critério da Comissão tem sido sempre o de procurar apresentar a melhor opção de índole ambiental, não pode deixar de recomendar o alargamento a Outão para a queima de RIP.

7.4 - Lista de resíduos industriais perigosos

A diluição de produtos perigosos é totalmente inaceitável, a não ser para tornar mais segura a sua valorização ou eliminação. Se um resíduo não pode ser tratado eficazmente por co-incineração, isto é, se o resíduo pode gerar efluentes perigosos, deve ser tratado por outro método; por exemplo, lamas contendo teores significativos de cádmio ou mercúrio, não devem ser diluídas com outros resíduos, mas sim mantidas separadas, sendo tratadas por outro método. A triagem dos resíduos é fundamental: uma pequena quantidade de resíduos perigosos pode transformar em resíduo perigoso uma grande massa de resíduos banais, obrigando assim ao tratamento do conjunto como resíduo perigoso. É salutar que a regulação deste aspecto seja assegurada por uma entidade independente. Evita-se correr o risco de que o produtor, tendo o seu problema resolvido por uma empresa de tratamento, e essa mesma empresa, a quem pode interessar operar com o maior volume possível de resíduos, não desenvolvam todos os esforços possíveis no sentido da redução de resíduos.

Deste modo, poderia haver um aspecto ambientalmente perverso na fixação ad eternum de uma listagem de resíduos admitidos no protocolo de licenciamento. A revisão periódica desse protocolo e o estabelecimento de metas de redução dos resíduos são fundamentais de um ponto de vista ecológico.

O estabelecimento de metas de redução de produtos perigosos abre novas perspectivas ao desenvolvimento económico, estimulando a inovação e a implementação de novas tecnologias. O licenciamento por prazos longos acaba por ser um processo limitativo do desenvolvimento. A revisão periódica dos protocolos de licenciamento deve respeitar três princípios: alteração das matérias-primas que originam efluentes perigosos, alteração das tecnologias de processamento, e reformulação dos produtos e das respectivas embalagens.

A triagem torna mais fácil a reutilização. Este deverá ser sempre um aspecto relevante na definição dos protocolos de licenciamento. O mesmo se aplica à reciclagem, a não ser que análises de ciclo de vida a não recomendem como o procedimento de gestão de resíduos ambientalmente mais correcto, em comparação com processos alternativos de queima ou colocação em aterro.

Por isso, a natureza dos resíduos industriais perigosos e, eventualmente, outros não perigosos resultantes de processos de tratamento terminais de resíduos que podem ser aceites para co-incineração constarão de uma lista publicada pelo Instituto dos Resíduos (INR). E esta lista deverá ser revista globalmente de cinco em cinco anos, tendo em consideração a evolução tecnológica, os procedimentos BAT, a legislação ambiental, as capacidades instaladas em Portugal para a reciclagem e a reutilização de RIP e resíduos industriais banais ou solicitações para instalação de unidades para tratamento específico de determinados tipos de resíduos. Isto sem prejuízo de qualquer alteração pontual durante o quinquénio por força de legislação publicada.

7.5 - Unidade de pré-tratamento de resíduos industriais perigosos

Os resíduos industriais encontram-se sob diferentes formas: líquidos, lamas, pastas, sólidos de diferentes volumes e granulometrias, e com diferentes graus de heterogeneidade. Se alguns tipos de resíduos podem ser queimados directamente em fornos de cimenteiras, muitos outros requerem algum tipo de pré-tratamento. O pré-tratamento implica acondicionamento, separação de fases por decantação, fragmentação ou trituração, amontoação, blending (mistura apropriada), impregnação de lamas em serradura, etc. A missão da unidade de pré-tratamento (UPT) de resíduos industriais perigosos tem dois grandes objectivos:

i) Transformar os resíduos num «material homogéneo com características que respeitam certas especificações físicas e químicas» que os tornem aptos como fonte de combustíveis e matérias-primas minerais para os fornos das cimenteiras;

ii) Permitir o manuseamento dos resíduos pré-tratados num processo industrial, com condições de segurança para trabalhadores treinados nas normas de segurança da indústria química e com um bom desempenho ambiental, em saúde ocupacional, e industrial.

Um aspecto de grande relevância sob o ponto de vista do impacte ambiental na queima de RIP é a necessidade da existência de uma unidade industrial própria para recepção, caracterização, homogeneização e blending, de modo a preparar um combustível com características estáveis e apropriadas à queima em unidades cimenteiras. Por exemplo, um requisito energético que o combustível assim preparado tem de satisfazer é o de ter uma capacidade calorífica média de 15 MJ/kg, em que cerca de 20% do total deve possuir uma capacidade calorífica de 25 MJ/kg (RDC e KEMA, 1999, p. 51).

Se assim não fosse, surgiriam grandes instabilidades durante o processo de co-incineração, que poderiam ascender a variações de cerca de 40 vezes nas emissões de efluentes gasosos (Eduljee, 1994, pp. 85-86). Com os procedimentos de pré-tratamento tais oscilações não são superiores a um factor de cinco vezes em condições normais de operação.

As actividades da UPT devem estar organizadas de modo a reduzir ao mínimo a armazenagem de resíduos no local, quer antes, quer após o pré-tratamento.

As normas de segurança usuais neste tipo de unidades, próximas das da indústria química, requerem pessoal com formação especial. O lidar com diferentes tipos de RIP requer qualificações e competências apropriadas de todo o pessoal da UPT, para actuarem de modo a reduzir ao mínimo o risco de poluição do ar, do solo e da água durante a recepção, a armazenagem e o pré-tratamento dos resíduos.

A UPT deve estar localizada na região de maior produção de RIP, para procurar a optimização dos circuitos de transporte. A localização desta unidade ou se situa num complexo industrial de indústria química ou similar ou, por exemplo, junto a um aterro existente que já se encontra apropriadamente deslocado de povoações ou, quando isolada, deve situar-se com o afastamento adequado de aglomerados populacionais por questões de segurança ambiental. Nos termos da legislação francesa, este afastamento nunca pode ser inferior a 200 m de qualquer habitação ou de terrenos destinados à construção de habitação (Legislação francesa, 1996, artigo n.º 4a, Titre II).

As instalações da UPT devem ser concebidas de modo a reduzir ao mínimo o risco de incêndio e de propagação de incêndios, dispondo de condições apropriadas para o acesso de veículos de combate a incêndios. As instalações devem ser concebidas de modo a evitar a contaminação de águas no funcionamento normal e, em caso de acidente, mesmo águas contaminadas no combate a incêndios não devem contaminar os aquíferos ou os terrenos em redor da unidade.

7.6 - Procedimentos para aceitação de RIP para valorização e eliminação

por queima

7.6.1 - Na unidade de pré-tratamento

A natureza dos resíduos industriais perigosos que podem ser aceites para co-incineração constará de uma lista publicada pelo Instituto dos Resíduos (INR). Esta lista deverá ser revista globalmente de cinco em cinco anos, de acordo com as capacidades instaladas em Portugal para a reciclagem e a reutilização de resíduos industriais e resíduos banais, a evolução tecnológica, os procedimentos BAT e a legislação ambiental, sem prejuízo de qualquer alteração pontual durante o quinquénio por força de legislação publicada. Estão excluídos de valorização e eliminação por co-incineração resíduos radioactivos (deverá haver sempre um controlo de ausência de radioactividade), explosivos, asbestos, resíduos hospitalares, resíduos contendo produtos lacrimogéneos e resíduos contaminados com microrganismos patogénicos, para além de outros que não obedeçam a requisitos de composição que se indicará seguidamente.

Os industriais que possuem resíduos de que se queiram desfazer, constantes da lista acima referida, deverão contactar a UPT. Farão constar o seu ramo de actividade industrial, o tipo de operação que deu origem ao RIP e os seus constituintes principais, caso os conheçam. Pessoal dessa indústria ou da UPT procederá à recolha de uma ou mais amostras desse resíduo para ser analisada. A análise físico-química da amostra será feita no laboratório da UPT e igualmente num laboratório independente reconhecido para este efeito. Para além da composição química da amostra de RIP, haverá uma análise química que funcione como uma «impressão digital do RIP» e que permite referenciar futuramente este resíduo produzido naquela indústria específica.

Perante as análises químicas e físicas, deverá haver um processo de aceitação de resíduo por uma comissão apropriada. A título de exemplo, refira-se que a UPT Scoribel recorre a uma comissão constituída pelo director químico da UPT, o director industrial da unidade cimenteira onde o RIP vai ser co-incinerado, um médico delegado de saúde, um elemento indicado pela autarquia do local onde se situa a cimenteira e um professor universitário de Química, comissão essa que dará a sua aprovação ou não aprovação à queima desse RIP.

É elaborado um certificado de aprovação ou de não aprovação; neste último caso serão indicadas as razões da rejeição.

No caso português, sempre que possível, deverão ser prestadas indicações que permitam ao industrial encaminhar os seus RIP para estações de tratamento e eliminação de resíduos industriais no País ou no estrangeiro. Do certificado de aprovação deverá ser dado conhecimento ao INR, bem como à CCI, enquanto houver controlo e fiscalização do processo de co-incineração.

Do certificado deverá constar a estimativa do total de resíduos a queimar, bem como do período estimado para este efeito.

Como haverá um conjunto apreciável de resíduos que não são susceptíveis de ser incinerados, seria desejável que a UPT se encontrasse em condições de aceitar igualmente tais resíduos e os pudesse encaminhar para outras unidades de tratamento e eliminação no País e no estrangeiro.

Para os RIP aceites para co-incineração, e com base no respectivo certificado de aprovação, deverá ser estabelecido um protocolo entre o produtor do resíduo e a entidade que vai proceder ao seu tratamento. Esse protocolo deverá ter em conta a natureza das matérias-primas utilizadas pelo produtor de resíduos, dos produtos fabricados e dos efluentes gerados. Deverá ainda ter em conta todo o sistema de circulação, triagem e armazenamento dos resíduos. Do protocolo deverá ser dado conhecimento à CCI, que poderá fazer recomendações para procedimento futuro, no sentido de contribuir para a redução da quantidade de RIP produzidos.

Se a autorização for concedida e o protocolo acordado, a indústria poderá começar a enviar esses resíduos para a UPT, de acordo com o plano de gestão semanal ou quinquenal da UPT, função da concentração de produtos em stock ou programados para o local. A UPT deverá preservar, durante três meses, em condições de segurança, uma amostra de cada resíduo, para efeitos de fiscalização e controlo.

Os resíduos de cada entrega serão analisados pelo laboratório da UPT, para verificar da sua conformidade com as características das análises da amostragem e constantes do certificado de aceitação. Caso os resíduos não estejam conformes com o certificado de aceitação e ultrapassem os limites constantes da tabela 7.1, deverão ser devolvidos à unidade industrial que os enviou, com indicação do percurso de retorno. Deste facto deverá ser dado conhecimento de imediato ao INR, à CCI e às autarquias onde estão localizadas a UPT e a unidade industrial que havia enviado o RIP. Caso o resíduo seja extremamente perigoso, poderá o camião que o trouxe ser acompanhado no percurso de retorno pela autoridade policial, a custas da indústria infractora.

Para melhor funcionamento e segurança a UPT deverá ter diversos requisitos para a entrega de resíduos nas suas instalações, tais como temperatura máxima do resíduo, pH, ponto de inflamação, tipos de contentores e respectivas dimensões, etc. Sob o ponto de vista químico, recomenda-se igualmente a existência de limites para RIP a serem pré-tratados para a co-incineração.

A título exemplificativo, referem-se os requisitos da tabela 7.1, utilizados pela Scoribel (Cahier de Charges, Plateforme de Seneffe, ISO 9002, Scoribel), que é uma unidade de referência europeia no pré-tratamento de resíduos industriais para cimenteiras, e que poderão eventualmente ser adoptados.

TABELA 7.1

Limites químicos para os RIP à entrada da unidade de pré-tratamento, de

acordo com as normas da empresa Scoribel

(ver documento original)

7.6.2 - Na unidade cimenteira

Quando um RIP é aceite na UPT, e após o pré-tratamento apropriado, encontra-se em condições de ser enviado para queima num forno de uma unidade cimenteira previamente designada e conhecedora do respectivo certificado de autorização. Uma vez chegado à unidade cimenteira, o resíduo deve ser de novo analisado no laboratório desta unidade para garantir que está conforme aos requisitos de queima em cimenteira e ao certificado de autorização. A unidade cimenteira deverá preservar durante três meses, em condições de segurança, uma amostra de cada resíduo, para efeitos de fiscalização e controlo.

Na medida do possível, as operações de manipulação na cimenteira devem ser automatizadas ou realizadas por pessoal especialmente treinado para operar com as normas de segurança adequadas à natureza química dos resíduos. No sentido de reduzir a presença de cloro no interior do forno e os metais pesados nos cimentos, os resíduos a admitir em cimenteiras, à entrada dos fornos, deverão obedecer aos limites da tabela 7.2, propostos com base na legislação francesa (Legislação francesa, 1996, artigo 41).

TABELA 7.2

Limites para RIP admitidos para queima à entrada dos fornos de cimento

para cloro e metais pesados

(ver documento original) Durante o processo de queima, nos termos da legislação europeia em fase final de aprovação, as emissões de efluentes gasosos deverão obedecer aos limites superiores à saída da chaminé apresentados na coluna UE da tabela 4.8 e que se retoma na tabela 7.3 para maior facilidade de leitura.

TABELA 7.3

Valores limite de emissões de poluentes para a atmosfera em

cimenteiras a operar a co-incineração de RIP [valores em

mg/Nm(elevado a 3) com excepção de dioxinas/furanos (ng/Nm(elevado a

3))]

(ver documento original) As amostragens para o controlo de poluentes gasosos e de parâmetros de operação deverão ser feitas em contínuo: poeiras (opacimetria), CO, SO(índice 2), NO(índice x), HCl, HF, TOC (carbono orgânico total). Igualmente, devem ser feitas medidas em contínuo de parâmetros operacionais do processo para concentração de O(índice 2), temperatura representativa da câmara de combustão, pressão, temperatura e teor de vapor de água dos gases de escape. Outros poluentes gasosos, metais pesados e dioxinas e furanos deverão ter análises semestrais; durante o período de autorização provisória as análises deverão realizar-se de dois em dois meses.

Um valor elevado de TOC, como se referiu na secção 4.3, pode ser devido a uma combustão incompleta no forno, mas também pode não o ser se a matéria-prima contiver uma quantidade mais elevada de matéria orgânica. Por isso, quando um forno para a produção de cimento está a queimar RIP, por uma questão de segurança ambiental, se a medida de TOC ultrapassar o limite superior, deverá ser aumentada a percentagem de oxigénio em cerca de 2% para garantir que não haja qualquer combustão menos completa.

Porque, em certas situações de operação ou de condições acidentais, se pode verificar um exceder dos limites fixados para outros poluentes medidos em contínuo, a unidade cimenteira deve dispor de equipamento com um procedimento automático de interrupção imediata do acesso de RIP para queima.

Cada unidade cimenteira a operar em co-incineração deve dispor de uma rede de controlo em redor da unidade de queima, para avaliação do impacte da sua emissão de efluentes a nível do solo e na qualidade do ar. Esta rede deve estar equipada com pelo menos três postos de recolha e dispostos de forma a não criarem um bias em relação aos ventos dominantes ou a outros efeitos orográficos. Em tais postos dever-se-á proceder a recolhas de amostras para análises que permitirão avaliar dos efeitos a nível do solo e da qualidade do ar dos poluentes emitidos. As análises da qualidade do ar deverão ser feitas em contínuo e para componentes em que tal não é possível, bem como para os estudos do impacte a nível do solo, as análises químicas deverão ocorrer de seis em seis meses, no período da autorização provisória, e anualmente, após obtida a autorização definitiva.

Dever-se-á proceder igualmente a uma análise de referência antes de a unidade começar a proceder à co-incineração de RIP.

Será com base na satisfação de todos os requisitos referidos, bem como na prática de boas normas de gestão e desempenho sobre o impacte ambiental das unidades cimenteiras a proceder à queima de RIP, que a CCI dará o seu parecer de autorização definitiva. Posteriormente, a CCI continuará, nos termos do seu decreto de criação, a proceder à fiscalização do processo de co-incineração. Perante a responsabilidade que fica cometida à Comissão pelas boas condições de operação do processo de co-incineração, seria recomendável que, para maior confiança das populações, o mesmo processo continuasse sob a salvaguarda de uma entidade independente. E, de facto, a lei assim o consagra a respeito da CCI pois, após a autorização definitiva, se houver alteração nas condições de operação em alguma unidade cimenteira onde se verifiquem emissões acima dos valores fixados, com perigo para a saúde, ao abrigo de medidas cautelares previstas nos termos da alínea d) do artigo 15.º do Decreto-Lei 180/99, de 16 de Abril, e do artigo 19.º do Decreto-Lei 239/97, de 9 de Setembro, poderá a própria CCI determinar a suspensão provisória do processo de co-incineração naquela unidade até que sejam repostas as operações normais de funcionamento.

Para efeitos de controlo e fiscalização, todas as análises realizadas pela unidade cimenteira ou por ela encomendadas e pela UPT, bem como os registos em contínuo, deverão ser guardados durante cinco anos.

7.7 - Relações com as populações locais

De acordo com os dados recolhidos, e apresentados em pormenor anteriormente, não há evidência de que o uso de resíduos industriais perigosos usados como combustível alternativo em cimenteiras possa provocar qualquer alteração significativa para as populações que vivem junto das referidas instalações industriais, nem globalmente para o ambiente.

Nomeadamente a respeito da emissão de dioxinas/furanos em processos de co-incineração, que tem sido fonte de grandes preocupações nas populações, convém destacar algumas conclusões apresentadas em pormenor no capítulo 4:

i) Extensos estudos americanos publicados em 1999 pela USEPA demonstraram, estatisticamente, que os fornos de cimenteiras emitem as mesmas quantidades de dioxinas quando estão a queimar RIP ou quando estão a utilizar somente o combustível normal, dado que as dioxinas/furanos presentes nos resíduos são eficazmente destruídas pelas altas temperaturas do clínquer;

ii) As cimenteiras a operar na UE durante os últimos 10 anos apresentam valores médios de emissão nas chaminés de 0,02 ng TEQ/Nm(elevado a 3) bastante abaixo do limite máximo legal de 0,1 ng TEQ/Nm(elevado a 3);

iii) As medições efectuadas nas cimenteiras portuguesas que foram inicialmente consideradas em condições de operar a co-incineração de RIP revelaram emissões de dioxinas muito baixas, de 0,01 ng TEQ/Nm(elevado a 3) (ERGO, 1997).

A tabela 4.8 permite-nos ainda comparar os limites de emissão de poluentes permitidos actualmente às cimenteiras nacionais para o fabrico de cimento e aqueles que serão aplicáveis às mesmas cimenteiras quando forem autorizadas a co-incinerar RIP.

Verifica-se um claro abaixamento dos limites de todos os poluentes, o que significa um controlo mais apertado para as unidades cimenteiras. Para facilidade de leitura, uma tal comparação apresenta-se de forma mais focalizada na tabela 7.4.

Igualmente, é útil estimar o acréscimo em metais pesados num cimento preparado com a substituição em 30% do combustível normal (pet-coque) por RIP pré-tratados, tendo presente os limites máximos fixados na tabela 7.2.

Para este cálculo (ver tabela 7.5) admite-se que o combustível preparado a partir dos resíduos tem uma capacidade calorífica média de 15 MJ/kg, o pet-coque de 30 MJ/kg e que o processo de produção de cimento requer 3000 MJ/t clínquer.

Verifica-se que os limites em metais pesados postos aos RIP para a entrada nos fornos de cimenteiras são mais do que adequados para garantir um acréscimo em metais pesados muito abaixo das concentrações observadas em cimentos comerciais e claramente inferiores aos limites de toxicidade.

Não obstante todas estas evoluções mais amigáveis sob o ponto de vista dos impactes ambientais locais, no presente a Comissão reconhece que o passivo do sector industrial nacional e o seu controlo por organismos do Estado dificulta o estabelecimento de um clima de confiança que é essencial para a instalação e o funcionamento regular de uma actividade de tratamento de resíduos industriais. Nesse sentido, optando-se pela solução da co-incineração em cimenteiras, deverá ser criado um sistema que permita uma efectiva participação no controlo da operação por parte das populações. É recomendável criar uma comissão local constituída por representantes da população para actuar como observatório local. Membros desta comissão devem ter possibilidade de intervir activamente no sistema de controlo e não serem apenas sujeitos passivos a quem se informa dos resultados do controlo das instalações industriais.

TABELA 7.4

Comparação entre os limites de poluentes (valores médios diários em

mg/Nm(elevado a 3) com excepção de dioxinas/furanos para cimenteiras

a funcionar normalmente (cimenteira) e para cimenteiras a co-incinerar

RIP (co-incineração) (a).

(ver documento original) Assim, por uma questão de garantia para com as populações locais, a entrega dos resíduos para pré-tratamento na UPT deve ser feita em período diurno. A entrega em período nocturno só poderá efectuar-se com o acordo de uma Comissão de Acompanhamento Local e ou de representantes das populações.

O mesmo se deve aplicar para a entrega dos resíduos pré-tratados para queima nas unidades cimenteiras.

TABELA 7.5

Acréscimo em metais pesados num cimento em consequência da

substituição de 30% do combustível normal por RIP pré-tratados e com

os limites máximos da tabela 7.2 (concentrações de metais pesados no

cimento).

(ver documento original) Todas as unidades que tratam ou queimam RIP deverão ter, pelo menos de seis em seis meses, uma reunião com uma Comissão de Acompanhamento Local para prestação de informações e fomentar um clima de confiança na correcção dos procedimentos e na boa gestão dos RIP. Como as unidades cimenteiras possuem um controlo automático de diversos parâmetros de operação e de efluentes, que ficam registados para permitir o controlo e inspecção de relatos de ocorrências, recomenda-se que coloquem na Junta de Freguesia, ou noutro local de acesso público que fique acordado entre as partes, um terminal informático que permita a consulta regular das emissões medidas em contínuo por elementos da Comissão Local. Outras análises relevantes deverão ser regularmente colocadas no mesmo terminal de informação, bem como indicações a respeito da quantidade e da natureza dos resíduos industriais perigosos queimados ao longo do ano.

Outras alternativas de acesso rápido à informação poderão ser contempladas, como através da Internet, quiosques informáticos, etc.

Igualmente um elemento da Comissão Local poderá reportar à CCI qualquer facto de operação de recepção e queima de RIP que lhe pareça anormal e para o qual não tenha obtido um esclarecimento satisfatório da unidade cimenteira ou solicitar à CCI análises e fiscalização que lhe permitam prestar informações fidedignas à população local.

7.8 - Princípios a aplicar com a evolução tecnológica e de controlo de

gestão de resíduos industriais no futuro

Referimos anteriormente que a lista de RIP deverá ser revista periodicamente (de cinco em cinco anos), de acordo com a evolução tecnológica em procedimentos BAT, e que as metodologias de controlo e os limites máximos de emissão de efluentes deverão acompanhar igualmente os progressos do controlo analítico.

Mais complexa se torna a articulação no mercado com os progressos de gestão na busca da solução ambiental mais correcta, fruto de uma mais extensa aplicação de análises de ciclo de vida, acompanhada por progressos analíticos, tecnológicos e de análise de risco.

Um bom exemplo desta dificuldade e do modo como ela pode ser encarada prende-se com a utilização de óleos usados. Nos termos da directiva europeia de 1987, «a hierarquia da gestão de óleos usados é dada pela prioridade ao tratamento de óleos usados por regeneração». Portugal já tem alguma capacidade instalada no tratamento de reprocessamento para «limpeza» para queima de óleos usados (ainda não há unidades de regeneração) e têm-nos sido transmitidas preocupações acerca de como evoluirá o mercado no campo dos óleos usados e dos solventes se houver co-incineração.

A hierarquia de princípios de gestão de resíduos da UE é uma excelente regra operacional, que deve ser mantida. O mesmo se aplica aos processos de reciclagem, que figuram no topo desta hierarquia, logo abaixo das políticas de redução de resíduos. A reciclagem é das melhores opções, a não ser que se prove o contrário mediante análises de ciclo de vida pormenorizadas. Como foi apresentado no Capítulo 3, com a LCA encomendada pela agência ambiental francesa ADEME, tal parece ser o caso a respeito da regeneração de óleos usados para as tecnologias actualmente disponíveis, com excepção da regeneração por hidrogenação catalítica. Verifica-se, pois, que as directivas da União Europeia se encontram tecnologicamente desactualizadas a este respeito. Isto revela bem a rápida evolução no campo, tornando menos válidas ideias correntes ou requerendo o fomento de fortes desenvolvimentos tecnológicos no campo da reciclagem de óleos usados. Mas a verdade é que o mercado industrial europeu, e nomeadamente a Catalunha, desenvolveu algumas competências no domínio, no pressuposto de que era a solução ambientalmente mais correcta e que outra de igual desempenho não havia disponível. Ao nível nacional, deve começar a laborar no final deste ano uma unidade de re-refinação e combustão para óleos usados em Torres Novas (ENGIL).

Nesta fase parece mais apropriada uma partilha de mercado entre os «tratamentos existentes» ou em fase de criação, e a operar de forma ambientalmente correcta, e a valorização por queima em cimenteiras. Para evitar situações de monopólio, sugere-se que o controlo dos destinos a dar aos óleos usados possa ser feito através de um mecanismo de controlo de preços da co-incineração previsto no Memorando de Entendimento entre o Ministério do Ambiente e as indústrias cimenteiras portuguesas, ou mediante uma fixação de quotas a rever periodicamente. Aliás, a combustão como solução parcial para resíduos com valor energético pode ser um elemento de equilíbrio entre a oferta e a procura, evitando que o excesso de certos resíduos baixe de tal forma o seu valor que a sua recolha e o seu processamento deixem de poder oferecer margens incentivadoras à própria recolha. No nosso país deverá ser fomentado o aparecimento de unidades de reciclagem de óleos usados ou outros modos de recuperação que possuam uma performance de impacte ambiental e energético global pelo menos equiparável ao das unidades cimenteiras na queima dos mesmos óleos usados.

A respeito dos solventes não halogenados, há alguma capacidade instalada no País para as suas reciclagem e reutilização. Uma opinião segura sobre a melhor opção de gestão deste tipo de resíduos, em termos ambientais, requeria uma LCA, que deverá vir a ser feita com diferentes níveis de reciclagem e comparada com a sua queima em cimenteiras.

Na ausência deste instrumento de gestão, deve manter-se a hierarquia de princípios abundantemente referida. Por isso, no presente só devem ser admitidos a valorização por queima em cimenteiras solventes cuja reciclagem não seja economicamente viável, por tais solventes se encontrarem excessivamente contaminados.

Para que um problema com forte impacte para a saúde pública possa ser resolvido em cada momento da forma ambientalmente mais adequada, é necessário que a definição das soluções deixe de ser controlada por estritas razões de carácter económico, o que poderá implicar a criação de um Fundo Ambiental. O exemplo do que se passa com as embalagens de bebidas, em que os produtores pagam uma taxa à Sociedade Ponto Verde por cada unidade produzida para poder garantir as suas recolha e reciclagem (ver secção 3.1), é um caminho que poderia ser seguido, embora em moldes diferentes, em relação a outros produtos geradores de resíduos. Este fundo seria constituído por receitas obtidas no momento de venda de produtos que gerem directa ou indirectamente resíduos de tratamento oneroso. O Fundo Ambiental poderia garantir um preço mínimo a pagar pelos resíduos, o que estimularia as actividades de recolha e tratamento, impedindo o vazamento puro e simples, como tem sido costume em Portugal. Para um tal fundo teriam de ser criadas garantias de uma gestão correcta e ao serviço do bem público, evitando-se situações como as que ocorreram em França no passado a respeito de um fundo de idêntica natureza. Uma possibilidade seria o Fundo Ambiental ser supervisionado por um organismo da tutela ou instituição idónea.

Só se a sociedade dispuser de valores adequados será possível garantir não só uma recolha eficiente como uma boa triagem que permita encaminhar os resíduos para o destino ambientalmente mais adequado sem as actuais limitações económicas.

7.9 - Garantias de conformidade com as especificações

Será do interesse de todos os habitantes, e em particular dos residentes das zonas mais próximas das co-incineradoras, saber quais as garantias e os processos de controlo que possam assegurar o cumprimento de todas as especificações e recomendações feitas pela CCI. De forma resumida, sistematizamos o conjunto de medidas que permitem assegurar um baixo risco no tratamento de co-incineração:

1) Controlos na preparação dos protocolos para o tratamento de resíduos. - A CCI procurará assegurar: a correcta selecção de resíduos a co-incinerar; uma adequada triagem pelas empresas produtoras dos resíduos; a manutenção de elementos de registo e controlo que permitam a verificação das práticas acordadas; sempre que possível, uma redução futura dos RIP, incentivando a elaboração de planos para a sua diminuição; que não se verifique no local de produção qualquer diluição ilegítima de resíduos, mediante a análise da natureza das matérias-primas e dos resíduos resultantes das operações; a utilização indevida de RIP licenciados como veículo de encobrimento de outros resíduos, por recurso a análise de tipo «impressão digital», típica dos resíduos a tratar;

2) Controlos de recepção na UPT. - Na recepção dos RIP na UPT será verificada, mediante análise de entrada, a conformidade dos RIP com a análise tipo do protocolo; a CCI procederá, de forma aleatória, à verificação da conformidade dos produtos recibos com os previstos no protocolo; será feita a verificação de que resíduos aceites para co-incinerar obedecem aos limites fixados, por confronto de boletins de recepção com análises realizadas em laboratórios independentes;

3) Controlos de recepção na cimenteira. - À entrada da unidade de co-incineração será realizada uma análise do combustível alternativo preparado pelo UPT, que a CCI poderá verificar a todo o momento recorrendo a documentação e mandando realizar aleatoriamente análises a amostras do combustível alternativo armazenado;

4) Garantias inerentes ao processo. - A operação de fabrico do cimento é um processo contínuo com exigência de laboração a alta temperatura. Assim, pela natureza intrínseca do processo, há garantia de que as condições necessárias à eliminação das substâncias orgânicas nocivas e inertização dos materiais pesados estão, em grande medida, asseguradas se durante a queima dos RIP estiver simultaneamente a ser produzido clínquer. Todas as unidades de co-incineração a licenciar estão certificadas pela norma ISO 9000 para o fabrico do cimento. Prevê-se que, na fase de licenciamento definitivo, estejam igualmente certificadas pelas normas ISO 14 000 que garantem a existência de procedimentos, meios de controlo e de registo, que facilitam à CCI a verificação do cumprimento das condições estipuladas de funcionamento;

5) Monitorização das condições de operação. - Todas as operações de condução do forno são monitorizadas em contínuo e registadas, sendo assim possível, em qualquer altura, verificar os teores em CO, O(índice 2), NO(índice x), SO(índice 2), HCl, TOC e quantidade de partículas, bem como as temperaturas em diferentes pontos do equipamento. Da análise desses parâmetros é possível concluir se a co-incineração está a processar-se ou se se processou nas condições especificadas;

6) Controlos de saída de efluentes. - Para além das medições em contínuo, serão realizadas periodicamente análises químicas aos efluentes gerados, tais como dioxinas/furanos e metais pesados;

7) Monitorização ambiental. - Em três estações colocadas na imediação de cada unidade cimenteira será feita a recolha de amostras para avaliar a quantidade de partículas e metais pesados precipitada no solo, bem como a qualidade do ar;

8) Observatório local. - A Comissão de Acompanhamento disporá de representantes locais, que poderão exercer uma acção de observação regular, detectando eventuais anomalias. Através da CCI poderão ser accionados mecanismos de verificação suplementar, desde que as informações transmitidas pelos elementos do Observatório Local o aconselhem. O Observatório Local terá acesso a todos os resultados das medições efectuadas, participando também nas reuniões periódicas com os responsáveis das empresas.

7.10 - Considerações adicionais

É ambiental e economicamente mais eficaz estimular a redução de resíduos na fonte do que transferir a resolução do problema para as suas fiscalização e gestão finais. Tal é possível pela aplicação sistemática de estudos LCA que revelam os pontos fracos e fortes das tecnologias de produção industrial e da prestação de serviços. Mas não será somente o avanço tecnológico das técnicas de produção e de tratamento de resíduos que irá resolver os problemas resultantes de uma sociedade de consumo descontrolada.

Impõe-se uma cultura de maior incentivo à criação de bens duradouros, nomeadamente pelo emprego das melhores tecnologias na concepção de produtos em que seja possível a substituição fácil das partes constituintes gastas ou danificadas, em alternativa a soluções do tipo reciclagem/destruição. Aliás, como a figura 3.5 ilustra, a própria reciclagem começa a atingir um patamar com uma taxa em redor dos 30% dos resíduos gerados.

A problemática ambiental é complexa, mas ao nível da gestão de resíduos é desejável que se tenda para uma estratégia robusta, transparente e aceitável ao nível da opinião pública. Contudo, a complexidade do problema, a carência de um sólido conhecimento sobre os efeitos na saúde pública ao nível mundial e no nosso país dos processos de reciclagem, de compostagem, de deposição em aterro e de queima levarão, inevitavelmente, a um planeamento passo a passo, mas que não deve comprometer a meta final. Bom será que toda a celeuma levantada em redor da queima de resíduos industriais perigosos, que constitui uma pequeníssima fracção de todo o problema da gestão de resíduos em Portugal, catalise ao nível do Estado e da sociedade a resolução do problema na sua globalidade.

8 - Conclusões e recomendações

Neste relatório, a CCI considera cumpridas as obrigações que lhe foram cometidas, para esta primeira fase, na Lei 20/99 e no Decreto-Lei 120/99. Na ausência do conhecimento físico-químico dos resíduos industriais perigosos, que será obtido progressivamente com os procedimentos de admissão de resíduos pela Unidade de Pré-Tratamento, não é possível fazer mais recomendações sobre as modalidades de tratamento de RIP do que aquelas que constam das tabelas A.4, A.5 e A.6, do anexo 1.

Com base nos argumentos apresentados em pormenor ao longo deste relatório, a CCI resume as suas recomendações mais relevantes:

1) De acordo com as directivas da UE segundo as quais os Estados membros devem seguir um princípio de auto-suficiência e proximidade para a gestão de resíduos, a CCI reconhece a necessidade premente de Portugal dispor de unidades de queima de resíduos industriais perigosos, aplicável quando se apresentar como a melhor opção em impacte ambiental para a valorização e a eliminação de RIP;

2) A Comissão recomenda o processo de co-incineração em fornos de unidades cimenteiras por não implicar um acréscimo previsível de emissões nocivas para a saúde quando comparado com a utilização de combustíveis tradicionais, por ter menores impactes ambientais que as incineradoras dedicadas, contribuir para um decréscimo do efeito de estufa, conduzir a uma maior recuperação de energia, por não ter impactes ambientais acrescidos em relação aos da produção de cimento quando respeitando os limites fixados, por razões económicas mais favoráveis em termos de investimentos e de custos de operação, e por se revelar como uma solução mais flexível para a gestão dos RIP, permitindo acompanhar melhor a evolução tecnológica;

3) Das unidades cimenteiras referidas no Decreto-Lei 120/99, de 16 de Abril, para o processo de co-incineração de RIP, a Comissão recomenda que a unidade de Maceira não proceda à queima deste tipo de resíduos. Por isso se propõe o alargamento destas unidades a uma das outras cimenteiras de Outão ou de Alhandra, devendo a opção ser a favor da unidade que apresente um melhor desempenho ambiental.

Porque a queima de RIP em fornos de cimenteiras com as regras propostas (v. 8) não implica impactes ambientais acrescidos em relação à produção de cimento e porque Outão possui certificação de qualidade e certificação ambiental, nos termos das normas ISO 9000 e ISO 14 000, a Comissão recomenda este alargamento a Outão;

4) Quaisquer das unidades cimenteiras em apreço estão certificadas segundo as normas ISO 9000, são das cimenteiras com melhor desempenho energético ao nível europeu, o que torna estas unidades credíveis para iniciarem o processo de co-incineração de RIP a título provisório. O facto de possuírem certificação ISO fornece uma vantagem adicional para o processo de acompanhamento das suas actividades;

5) Deve existir uma Unidade para o Pré-Tratamento de RIP, que tem por objectivo transformar os resíduos num material homogéneo, de manipulação industrial segura, e com características que respeitam certas especificações físicas e químicas que os tornem aptos como fonte de combustíveis e matérias-primas minerais para os fornos das cimenteiras;

6) A Comissão recomenda que seja elaborada uma lista inicial de RIP para co-incineração, a qual deverá ser revista de cinco em cinco anos, para poder acompanhar as evoluções tecnológicas e de gestão de resíduos;

7) A Comissão recomenda que o processo de aceitação de RIP para co-incineração requeira análises químicas independentes de duas amostras dos resíduos e a aprovação de uma comissão apropriada;

8) Para garantir a ausência de riscos acrescidos para as populações e a segurança dos operadores, e dada a necessidade de, para este efeito, assegurar o controlo efectivo da emissão de poluentes dentro dos limites fixados na legislação, bem como a concentração de metais pesados no cimento, a Comissão considera que:

A queima dos RIP deve ser efectuada no queimador principal;

Devem ser fixados limites à composição química dos resíduos aceites na UPT para co-incineração (v. capítulo 7);

Devem ser fixados limites à composição química em cloro e em metais pesados para a entrada de RIP nos fornos das cimenteiras (v. capítulo 7);

9) Cada cimenteira a operar em co-incineração deve dispor, em redor da unidade de queima, de uma rede de medição do impacte ao nível do solo e do ar da sua emissão de efluentes;

10) Nas localidades onde decorre o processo de co-incineração de RIP em cimenteiras, para fomentar a confiança das populações através de uma transparência de processos, propõe-se que membros da Comissão Local intervenham activamente no sistema de controlo, mediante a criação de procedimentos para uma informação relevante assídua, em tempo real quando tecnicamente possível;

11) Todas as unidades licenciadas para a co-incineração de RIP devem, no momento de passagem à situação de licença definitiva, estar certificadas pelas normas ISO 14 000;

12) Às populações que se encontrem na imediação das cimenteiras a operar em co-incineração deverá ser proporcionada vigilância epidemiológica activa que assegure a detecção precoce de qualquer problema de saúde.

9 - Referências

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10 - Anexos

Anexo 1

Inventários de resíduos e de dioxinas

Tabela A.1

Comparação das características metodológicas e dos resultados de

quatro inventários portugueses de resíduos

(ver documento original)

TABELA A.2

Tipologia dos resíduos perigosos

(ver documento original)

TABELA A.3

Sectores de actividade responsáveis pela produção de resíduos.

Comparação das áreas indicadas pelo relatório da TECNINVEST e pelo

INE

(ver documento original)

TABELA A.4

Operações de eliminação/valorização (Directiva n.º 91/156 CEE, de 18 de

Março de 1991)

(ver documento original)

TABELA A.5

Operações de eliminação/valorização

(ver documento original)

TABELA A.6

Tratamento final mais adequado às diferentes categorias de resíduos

(ver documento original)

TABELA A.7

Estimativa anual da emissão de dioxinas em Portugal, baseada nas

informações do Inventário Europeu das Dioxinas (Quab e Fermann,

1997).

(ver documento original)

ANEXO 2.C

Emissão de dioxinas/furanos por cimenteiras para a capacidade máxima de produção de cimento e com os limites máximos permitidos na UE para a emissão de dioxinas/furanos:

Limite máximo de emissões de dioxinas/furanos por cimenteiras: 0,1 ng I-TEQ/Nm(elevado a 3);

Volume de combustão: 2,05 Nm(elevado a 3)/kg clínquer (10% O(índice 2));

Produção de cimento para uma unidade de elevada produção como Souselas:

dois milhões de toneladas de clínquer por ano;

Produção total de dioxinas/furanos por ano: 2 x 10(elevado a 9) kg clínquer x 2,05 Nm(elevado a 3)/kg clínquer x 0,1 x 10(elevado a -9) g I-TEQ/Nm(elevado a 3) = 0,41 g I-TEQ.

Queima de lenha

Emissão de dioxinas/furanos para queima de madeira em fogões de sala: 200 ng I-TEQ/kg lenha (ver adenda).

Uma utilização regular de um fogão de sala consome tipicamente no nosso país cerca de 4 t/ano.

Um fogão de sala que queime 4 t/ano produz: 200 x 10(elevado a -9) g I-TEQ/kg x 4 x 10(elevado a 3) kg/ano = 8 x 10(elevado a -4) I-TEQ g/ano.

Quantos fogões de sala equivalem à emissão anual de dioxinas/furanos por uma cimenteira: 0,41 g I-TEQ/8 x 10(elevado a -4)0 I-TEQ g = 513 fogões.

O máximo que corresponde à queima de RIP será um terço deste valor, cerca de 170 fogões.

Cremação de cadáveres

Emissão de dioxinas/furanos por cadáver cremado: 4 a 28 g I-TEQ (DEPA, 1997). Valor médio: 16 g I-TEQ.

Quantos cadáveres correspondem à emissão de uma unidade cimenteira:

0,41 g I-TEQ/16 x 10(elevado a -6) g I-TEQ = 25 600 cadáveres.

O máximo que corresponde à queima de RIP será um terço deste valor, cerca de 8540 cadáveres cremados.

Crematório de uma cidade como Lisboa Procede à cremação de 2000 cadáveres por ano.

Emissão de dioxinas/furanos por ano do crematório: 2000 x 16 g I-TEQ = 0,032 g I-TEQ.

Em emissões de dioxinas/furanos uma cimenteira equivale a um certo número de crematórios: 0,41 g/0,032 g = 13 crematórios.

O máximo que corresponde à queima de RIP será um terço deste valor, o que equivale a cerca de quatro crematórios.

Emissão de dioxinas/furanos por cimenteiras na queima de RIP estimados para co-incineração em Portugal Para um combustível preparado a partir de resíduos com uma capacidade calorífica média de 15MJ/kg, e dado que o processo de produção de cimento requer 3000 MJ/t clínquer, são necessários 200 kg RIP/t clínquer. A base dos cálculos acima apresentados foi a de uma produção anual de 2 milhões de toneladas de clínquer para os quais seriam necessárias 400 000 t de RIP.

Como a nossa estimativa de RIP incineráveis não excede as 80 000 t/ano, os números acima apresentados devem ser divididos por cinco. E se considerarmos que a co-incineração se processará em duas cimenteiras, para os efeitos locais ainda se requer uma nova divisão por dois, o que corresponde a uma emissão anual de 0,41 g I-TEQ/10 = 0,04 g I-TEQ/ano, para o limite máximo legal de emissão. Se se considerar o valor mais realista que é a média europeia, cinco vezes menor do que o limite máximo, a emissão será de 0,008 g I-TEQ/ano.

Em face destas considerações estima-se que a emissão anual de dioxinas/furanos devida à co-incineração de RIP em Portugal (40 000 t/ano) não exceda o efeito da emissão de dioxinas/furanos de 51 fogões de sala a queimar 4 t/ano de lenha normal ou de 1,2 crematórios numa cidade como Lisboa.

Em suma, a emissão de dioxinas/furanos devida à queima de RIP em co-incineração por cimenteiras em Portugal não tem relevância ambiental a nível local, regional ou global.

Emissão de dioxinas/furanos por incineradoras hospitalares Emissão de dioxinas/furanos por tonelada de resíduos queimados em incineradoras hospitalares: 0,8 mg I-TEQ (DEPA, 1997).

Quantidade de resíduos queimados por ano (1999) na incineradora do Hospital de Coimbra: 1770 t/ano. Total de emissão de dioxinas/furanos: 0,8 x 10(elevado a -3) g I-TEQ/t x 1770 t/ano = 1,42 g I-TEQ/ano.

Quantidade de resíduos queimados por ano (1999) na incineradora do Hospital de Leira:

480 t/ano. Total de emissão de dioxinas/furanos: 0,8 x 10(elevado a -3) g I-TEQ/t x 480 t/ano = 0,38 g I-TEQ/ano.

A emissão de dioxinas/furanos para queima de resíduos hospitalares na incineradora do Hospital de Coimbra é cerca de 35 vezes superior à emissão por queima de 40 000 t RIP numa cimenteira como Souselas, estando a cimenteira a operar no limite máximo de emissão: (1,42 g I-TEQ/ano)/(0,04 g I-TEQ/ano) = 35. Se se considerar a média de emissão europeia, a relação entre a incineradora hospitalar e a cimenteira a queimar RIP ainda é superior:

(1,42 g I-TEQ/ano)/(0,008 g I-TEQ/ano) = 177 vezes.

ADENDA

Suscitou algumas dúvidas o factor de emissão de dioxinas na queima de madeira em fogões de sala, 200 ng I-TEQ/kg.

Na Dinamarca o total anual de emissão de dioxinas por queima de madeira em fogões de sala foi estimado em 10-50 g para um consumo de 220 000 t/ano (DEPA, 1997, p. 11), o que equivale a um factor de emissão de 50-250 ng I-TEQ/kg de madeira queimada. Por comparação com a medição de emissões para a queima de madeira limpa em fogões fechados (factor de emissão de 1,9 ng I-TEQ/kg) o valor anterior foi considerado muito elevado. No entanto, nós pensamos que esta primeira gama de valores se adapta mais correctamente a Portugal, porque a queima de lenha é feita em lareiras abertas e com o uso de madeira parcialmente contaminada. A queima em fogões abertos é superior à dos fogões fechados por um factor de dez vezes, segundo dados recolhidos na Holanda (EPG, 1998, p. 33). A madeira tratada ou contaminada sem PCP, tem um valor de emissão 4 a 35 vezes superior ao da madeira limpa (DEPA, 1997, p. 11, 4.º parágrafo).

Considerando para Portugal que a queima em lareiras ocorre com 50% de madeira limpa e igual fracção de tratada ou contaminada, e nesta com uma impregnação de 50% (19,5 vezes), teremos, a partir do factor de emissão dinamarquês para fogões fechados e madeira limpa, um factor de emissão médio para as nossas condições:

1,9 x 10 [(_)+(_) (19,5)]=195_200 ng I-TEQ/kg Para madeira tratada com PCP o factor de emissão pode ir aos 500 ng I-TEQ/kg (EPG, 1998, p. 33).

ANEXO 3

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ZGO, Dump Site Expansion from 1965 to 1995, Jakusevac - Dump Site Zagreb, http://www.zgo.hr/deponij/ jakusevec-dump-site.html

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2000/07/20/plain-116981.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/116981.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1991-02-23 - Decreto-Lei 88/91 - Ministério da Indústria e Energia

    Regula a actividade de armazenagem, recolha e queima de óleos usados, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 87/101/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, relativa à eliminação de óleos usados.

  • Tem documento Em vigor 1993-03-12 - Portaria 286/93 - Ministérios da Indústria e Energia e do Ambiente e Recursos Naturais

    FIXA OS VALORES LIMITES (ANEXO I: TABELAS A-H) E OS VALORES GUIAS (ANEXO II: TABELAS A-E) NO AMBIENTE PARA O DIÓXIDO DE ENXOFRE, PARTÍCULAS EM SUSPENSÃO, DIÓXIDO DE AZOTO E MONOXIDO DE CARBONO, O VALOR LIMITE PARA O CHUMBO E OS VALORES GUIAS PARA O OZONO. INDICA NO ANEXO II OS MÉTODOS DE REFERÊNCIA PARA A AMOSTRAGEM E ANÁLISE DOS REFERIDOS POLUENTES. FIXA OS VALORES LIMITES DE EMISSÃO DE APLICAÇÃO GERAL, A TABELA DAS SUBSTÂNCIAS CANCERÍGENAS E OS VALORES LIMITES DE EMISSÃO SECTORIAIS APLICÁVEIS, REFERENCIAD (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-06-18 - Portaria 399/97 - Ministérios da Economia e do Ambiente

    Altera a Portaria 286/93 de 12 de Março (Fixa os valores limites e os valores guia, no ambiente, para o dióxido de enxofre, partículas em suspensão, dióxido de azoto, monóxido de carbono, chumbo e ozono), ajustando-a ao disposto nas Directivas 88/609/CEE (EUR-Lex) de 24 de Novembro e 94/66/CE (EUR-Lex) de 15 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-05 - Portaria 818/97 - Ministérios da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, da Saúde e do Ambiente

    Aprova a lista harmonizada, que abrange todos os resíduos, designada por Catálogo Europeu de Resíduos (CER) publicada em anexo ao presente diploma.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-09 - Decreto-Lei 239/97 - Ministério do Ambiente

    Estabelece as regras a que fica sujeita a gestão de resíduos, nomeadamente a sua recolha, transporte, armazenagem, tratamento, valorização e eliminação.

  • Tem documento Em vigor 1998-09-02 - Decreto-Lei 273/98 - Ministério do Ambiente

    Estabelece as regras a que fica sujeita a incineração de resíduos perigosos por forma a prevenir ou reduzir ao mínimo os efeitos negativos no ambiente, em especial a poluição do ar, do solo e das águas superficiais e subterrâneas, bem como os riscos para a saúde pública, resultantes da incineração de resíduos perigosos, e transpõe para direito interno as disposições constantes da Directiva 94/67/CE (EUR-Lex), de 16 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 1998-09-22 - Portaria 792/98 - Ministérios da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ambiente

    Aprova o modelo de mapa de registo de resíduos industriais, publicado em anexo ao presente diploma.

  • Tem documento Em vigor 1999-04-15 - Lei 20/99 - Assembleia da República

    Suspende a aplicação do Decreto-Lei n.º 273/98, de 2 de Setembro, referente à incineração de resíduos perigosos e determina a constituição de uma comissão científica independente encarregada da revisão do processo de localização e instalação de incineradoras.

  • Tem documento Em vigor 1999-04-16 - Decreto-Lei 120/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Determina que a implementação da co-incineração de resíduos industriais perigosos nas unidades cimenteiras de Souselas (Coimbra) e de Maceira (Leiria) fica dependente da Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Incineração (doravante referida como Comissão), nos termos do presente diploma.

  • Tem documento Em vigor 1999-05-22 - Decreto-Lei 180/99 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Economia

    Altera o Decreto Lei 275/93, de 5 de Agosto, que aprova o regime jurídico da habitação periódica, aplicável às unidades de alojamento integradas em hoteis-apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-03 - Lei 149/99 - Assembleia da República

    Altera o Decreto Lei 120/99, de 16 de Abril, que cria um sistema especial de controlo e fiscalização ambiental da co-incineração.

  • Tem documento Em vigor 1999-12-02 - Decreto-Lei 516/99 - Ministério do Ambiente

    Aprova o Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais (PESGRI 99).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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