Decreto-Lei 144/82
de 27 de Abril
1. A apreciação das situações de incapacidade para o trabalho para efeitos de concessão das pensões de invalidez atribuídas pela segurança social tem sido feita através de juntas médicas ao abrigo de um regulamento que, embora aprovado em 1973, deu continuidade a idêntico sistema anteriormente praticado. Destinava-se tal regulamento, no entanto, a vigorar a título provisório, até se constituírem as comissões de verificação da invalidez previstas no artigo 79.º do Decreto-Lei 45266, de 23 de Setembro de 1963, que estabeleceu o regulamento geral das caixas de previdência.
Estas juntas médicas passaram, entretanto, da directa gestão das caixas de previdência para a dependência dos Serviços Médico-Sociais, por força do Decreto-Lei 17/77, de 12 de Janeiro, como reflexo da transferência que se operou por aquele diploma, na área dos cuidados médicos, da jurisdição da segurança social para a da saúde.
2. Como é do conhecimento geral e, em especial, de quantos têm requerido a sua apresentação a uma junta médica para se reformarem por invalidez, aquele serviço vem acusando dificuldades de funcionamento, que se traduzem não só no atendimento dos pedidos dos interessados (calculando-se em muitos milhares os processos a aguardar a realização de juntas médicas), mas também numa preocupante falta de controle do sistema. Podem estimar-se em elevado número as pensões de invalidez concedidas sem fundamento inequívoco, factor, aliás, circunstanciadamente exposto em relatórios elaborados pelos próprios Serviços Médico-Sociais.
Esta situação constitui, pois, uma das mais importantes e actuais questões que afectam a segurança social, num dos seus sectores mais significativos em termos humanos, sociais e económicos, pondo em causa a sua própria imagem, sem falar nos encargos daí decorrentes, que afectam a capacidade de melhoria geral dos quantitativos das pensões.
O estudo atento do problema à luz dos elementos de informação qualitativos e quantitativos que os serviços competentes coligiram levam a concluir, de forma clara, que as causas desta autêntica quebra do actual sistema de verificação de incapacidades são fundamentalmente de natureza estrutural e funcional.
3. Tais dificuldades e limitações, que têm comprometido, em grande parte, a eficácia dos médicos responsáveis pelo serviço, cujo empenhamento e mérito profissional cumpre aqui ressalvar e enaltecer, exigem, porque estruturais, mais do que meros expedientes da intervenção pontual, uma ponderada reforma de fundo do sistema em causa.
Nesta base se procedeu a uma aprofundada reflexão do problema e a uma detida análise dos estudos e propostas oportunamente trazidos à consideração do Governo, tendo-se gizado uma solução estrutural e funcional para o serviço de verificação de incapacidades que se afigura a mais conforme com a natureza e as finalidades daquele serviço e a mais adequada às limitações e condicionalismos próprios do seu funcionamento.
Na reestruturação do sistema a que ora se procede, com a sua reformulação e integração no âmbito da segurança social, partiu-se do entendimento de que a verificação da invalidez é, antes de mais, um meio de realização da prova necessária à instrução do requerimento do candidato à respectiva pensão e, em consequência, uma actuação que interessa fundamentalmente à segurança social, responsável pela concessão das referidas pensões e pela gestão dos meios financeiros que lhe estão consignados.
Por outro lado, não seria tecnicamente correcto confundir a intervenção dos médicos, no âmbito das juntas médicas e da sua imediata finalidade instrumental, com a prestação de cuidados de saúde. Antes se deverá considerar aquela intervenção como uma peritagem especialmente qualificada para certificar situações estabilizadas, físicas e mentais, que, em conjugação com os dados sócio-económicos e profissionais, se possam enquadrar nas definições normativas da invalidez.
4. Para além destas razões, que decorrem da própria natureza das coisas, não poderá deixar de se reconhecer pertinência à observação de que, iniciando-se e terminando o processo da concessão das pensões de invalidez nos serviços da segurança social, que assume por inteiro a responsabilidade do processo, não será curial que actuações intercalares de decisiva relevância para a eficácia do sistema fiquem à margem das suas efectivas possibilidades de acompanhamento e controle.
Daqui a ilação que o presente diploma consagra de que a estrutura de sistema da verificação das incapacidades permanentes deve ser integrada no sector da segurança social.
5. Outra importante linha directriz do diploma é a de que urge dar concretização prática ao esquema previsto no Decreto-Lei 45266, substituindo as juntas médicas por comissões de verificação de invalidez. São óbvias as razões que levaram o legislador, já no ano de 1963, a adoptar esta solução. Com efeito, não será coerente pedir aos médicos uma adequada e actualizada informação sobre perfis profissionais, exigência dos postos de trabalho, etc., elementos indispensáveis para aplicação de uma lei que aponta para os conceitos de incapacidade profissional, rendimento de trabalho e outros parâmetros ligados ao mundo laboral, como hoje é internacionalmente admitido.
Procurou-se, no entanto, para além da alteração da designação, que tende a dar um âmbito mais amplo à acção das comissões, enriquecer o esquema previsto no Decreto-Lei 45266 com algumas sugestões que constam dos já mencionados relatórios dos Serviços Médico-Sociais sobre a reorganização dos serviços das juntas médicas.
Prevê-se, assim, que as comissões de verificação de incapacidades actuem com base em relatórios fornecidos pelos médicos relatores, função agora criada.
Esta biparticipação de intervenções ao nível dos médicos permitirá imprimir maior celeridade no processo de verificação de incapacidades, pois as comissões de verificação passam, na grande maioria dos casos, a apreciar as situações após prévia instrução clínica.
6. Na intenção de garantir um mais eficiente controle técnico das avaliações clínicas e de facilitar o trabalho dos médicos relatores, prevê-se, a exemplo do que se pratica em numerosos países, que o relatório seja baseado numa adequada sistematização, sem prejuízo, naturalmente, da plena liberdade de exposição e fundamentação que deverá ter o médico relator.
7. Não tem o Governo a veleidade de, com o novo sistema, modificar radicalmente e de um momento para o outro a difícil situação criada nos serviços de verificação das incapacidades.
Mas espera-se e confia-se que, com a colaboração interessada e competente dos agentes responsáveis por estes serviços a todos os níveis, na base de uma estreita cooperação dos vários departamentos envolvidos no processo, seja possível adquirir uma nova dinâmica no processamento das pensões de invalidez, assegurando-se, ao mesmo tempo, condições mais eficazes de controle e de qualidade, numa linha de indispensável moralidade e dignidade das prestações.
Nestes termos;
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Natureza e objectivos
ARTIGO 1.º
(Verificação das incapacidades permanentes)
A verificação das situações de incapacidade permanente, congénita ou adquirida, para efeitos de enquadramento nas condições legais de que depende a abertura do direito às pensões de invalidez e outras prestações pecuniárias da segurança social cuja atribuição dependa da verificação de uma deficiência é assegurada por serviços que integram o sistema de segurança social e nos termos estabelecidos neste diploma.
ARTIGO 2.º
(Elementos que devem integrar a verificação)
A verificação das situações de incapacidade permanente abrange tanto a análise dos dados relativos à redução de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual como os referentes às suas repercussões sócio-profissionais.
ARTIGO 3.º
(Comissões de verificação)
A verificação das situações de incapacidade permanente será realizada por comissões técnicas especializadas, respectivamente as comissões de verificação e as comissões de recurso.
CAPÍTULO II
Comissões de verificação e de recurso
ARTIGO 4.º
(Composição das comissões de verificação de incapacidades permanentes)
1 - As comissões de verificação de incapacidades permanentes são constituídas por 3 peritos, dos quais 2 serão médicos, designados pelo centro regional de segurança social, e 1 assessor técnico, designado pelo competente serviço local do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
2 - As comissões serão presididas por um dos peritos médicos, a designar pelo centro regional de segurança social.
ARTIGO 5.º
(Composição das comissões de recurso)
1 - As comissões de recurso são constituídas por 1 médico designado pelo centro regional de segurança social, por 1 médico indicado pelo recorrente e por 1 assessor técnico indicado pelo competente serviço do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
2 - Nenhum dos membros da comissão de verificação de incapacidades permanentes de cuja decisão se recorre poderá fazer parte da comissão de recurso.
ARTIGO 6.º
(Dependência das comissões)
1 - As comissões de verificação de incapacidades permanentes e as comissões de recurso funcionam nos centros regionais de segurança social, na dependência dos respectivos órgãos directivos.
2 - Por despacho do Ministro dos Assuntos Sociais poderá, no entanto, ser determinado que a competência territorial das comissões de um distrito seja alargada a um ou mais distritos limítrofes.
ARTIGO 7.º
(Competência das comissões de verificação de incapacidades permanentes)
1 - Às comissões de verificação de incapacidades permanentes compete em geral:
a) Apreciar os processos clínicos dos requerentes das pensões de invalidez e de outras prestações pecuniárias de segurança social cuja atribuição dependa da verificação de uma deficiência com base no diagnóstico fornecido pelo médico relator a que se refere o n.º 1 do artigo 11.º e noutros elementos tidos por necessários;
b) Deliberar sobre as repercussões sócio-profissionais da incapacidade de acordo com os critérios legalmente fixados para a atribuição das prestações referidas na alínea anterior;
c) Decidir sobre a revisão das situações de incapacidade permanente.
2 - As comissões de verificação de incapacidades permanentes poderão ainda promover, por intermédio dos peritos médicos nelas integrados, o exame directo dos interessados, sempre que tal exame se revele necessário ao completo esclarecimento da situação clínica.
3 - Nos casos previstos no número anterior, o assessor técnico poderá, sempre que o julgue conveniente, ouvir os interessados sobre os aspectos específicos da sua área de intervenção.
ARTIGO 8.º
(Competência das comissões de recurso)
Compete às comissões de recurso apreciar os recursos interpostos das deliberações das comissões de verificação de incapacidades permanentes, conhecendo para o efeito dos dados clínicos e dos relativos às repercussões sócio-profissionais atribuídas à invalidez ou deficiência.
ARTIGO 9.º
(Actuação das comissões)
As comissões de verificação de incapacidades permanentes e as comissões de recurso funcionarão nas instalações dos centros regionais, podendo, no entanto, ser utilizadas as instalações e equipamentos ou serviços dos sectores da saúde e do emprego sempre que tal se torne necessário ao exercício das suas atribuições, mediante protocolo a estabelecer entre os centros regionais de segurança social e as competentes entidades daqueles sectores.
ARTIGO 10.º
(Remuneração dos membros das comissões)
Os membros das comissões de verificação de incapacidades permanentes e das comissões de recurso serão remunerados de acordo com tabelas a fixar por despacho conjunto dos Ministros do Trabalho e dos Assuntos Sociais.
CAPÍTULO III
Relatórios médicos sobre incapacidades permanentes
ARTIGO 11.º
(Função do médico relator)
1 - É instituída nos centros regionais de segurança social, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do presente diploma, a função de médico relator.
2 - Compete aos médicos-relatores realizar o exame clínico dos requerentes das pensões de invalidez ou de outras prestações pecuniárias de segurança social cuja atribuição dependa da verificação de uma deficiência e elaborar o correspondente relatório.
ARTIGO 12.º
(Relatório médico)
1 - O relatório médico referido no artigo 11.º deverá basear-se no estudo exaustivo da situação clínica do requerente, a partir dos elementos de observação directa, da documentação subsidiária disponível, do diagnóstico e do parecer, sendo caso disso, de médicos especialistas, e expressar com o máximo desenvolvimento possível a sintomatologia e a observação do aparelho ou órgãos responsáveis pela incapacidade.
2 - O relatório referido no número antecedente deverá ser elaborado segundo um esquema estabelecido de harmonia com os critérios e padrões internacionais.
ARTIGO 13.º
(Regime de trabalho dos médicos relatores)
1 - Os médicos-relatores ficarão adstritos exclusivamente às funções referidas nos artigos antecedentes e são remunerados por relatório, de acordo com tabelas a fixar por despacho do Ministro dos Assuntos Sociais.
2 - As condições e critérios de admissão dos médicos relatores serão objecto de regulamento.
ARTIGO 14.º
(Implementação do sistema)
1 - A Direcção-Geral da Segurança Social fica incumbida de apresentar, no prazo de 90 dias a partir da publicação do presente diploma, os normativos regulamentares necessários ao funcionamento do sistema de verificação das incapacidades permanentes previstas neste diploma.
2 - A Direcção-Geral da Segurança Social promoverá o estudo e elaboração de propostas normativas relativas a:
a) Revisão da legislação reguladora das prestações pecuniárias de segurança social por motivo de invalidez e daquelas cuja atribuição dependa da existência de uma deficiência, nomeadamente as suas condições de atribuição, as relações a estabelecer entre o grau de incapacidade permanente e os valores das prestações e as modalidades e condições de readaptação e reabilitação;
b) Articulação com o regime de incapacidades permanentes derivadas de acidentes de trabalho;
c) Articulação do regime de revisão das situações de invalidez com o regime de protecção no desemprego e os esquemas de formação e reabilitação profissional.
3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, a Direcção-Geral da Segurança Social articular-se-á com a Direcção-Geral da Organização e Recursos Humanos, Centro Nacional de Pensões, Serviços Médico-Sociais, Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais e Instituto do Emprego e Formação Profissional.
CAPÍTULO IV
Disposições transitórias e finais
ARTIGO 15.º
(Competência transitória)
Enquanto e na medida em que não estiver ainda a funcionar o sistema estabelecido no presente diploma, manter-se-ão, nesta matéria, as actuais competências dos Serviços Médico-Sociais.
ARTIGO 16.º
(Resolução de dúvidas)
As dúvidas suscitadas pela aplicação deste diploma serão resolvidas por despacho simples ou conjunto do Ministro dos Assuntos Sociais e do Ministro do Trabalho, consoante se trate, respectivamente, de matéria da competência de um ou de ambos os Ministérios.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 25 de Fevereiro de 1982. - Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Promulgado em 25 de Março de 1982.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.