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Acórdão 241/2015, de 5 de Junho

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Sumário

Julga inconstitucionais as normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 855/2011 (verbas a pagar pelos estagiários inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011)

Texto do documento

Acórdão 241/2015

Processo 830/14

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Abdulai Balde e outros intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa processo urgente de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Ordem dos Advogados, formulando diversos pedidos destinados, por um lado, a assegurar o reembolso de emolumentos pagos em excesso pela realização da prova de aferição prevista no artigo 19.º do Regulamento Nacional de Estágio (ou "RNE", na redação dada pela deliberação 3333-A/2009, publicada no DR II, de 16.12.2009) - e que constitui a prova escrita a realizar no final da fase de formação inicial dos advogados; e, por outro lado, a assegurar que aqueles que não tivessem realizado tal prova, por falta de pagamento de emolumentos, a possam realizar sem que tal prejudique o estágio e, bem assim, que os requerentes possam repetir por uma única vez os testes escritos em caso de reprovação, sem que para o efeito tenham de se reinscrever na fase inicial do estágio e, mesmo em caso de reprovação na repetição do exame de aferição, os requerentes sejam admitidos a reinscrever-se em cursos de estágio sem qualquer limite. Em ordem a viabilizar aqueles pedidos, foi igualmente requerida (i) a suspensão de eficácia das normas constantes dos n.os 2.1.2. e 2.1.3., sob a epígrafe "2 - Estágio", da Tabela de Emolumentos e Preços (adiante também referida como "Tabela"), publicada em anexo à Deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 2597/2009, de 11.9.2009, na redação dada pela deliberação 855/2011, de 22 de março; e (ii) a suspensão da norma constante dos artigos 22.º e 24.º, n.os 1, 3 e 4, do Regulamento Nacional de Estágio, na supramencionada redação.

Por sentença de 5 de setembro de 2013, foi a entidade requerida absolvida da instância.

Inconformados, os requerentes recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul, que, por acórdão de 19 de junho de 2014 (v. fls. 1532 e ss.; igualmente acessível em http://www.dgsi.pt/ TCAS, Processo 10823/14), concedeu provimento ao recurso e, em consequência, condenou a Ordem dos Advogados a:

a) Reembolsar, no prazo de 60 dias seguidos, os requerentes que foram admitidos a exame, pelo excesso de emolumentos pagos pela realização do mesmo, face ao devido antes da nova tabela,

b) Aprazar, no prazo de 60 dias seguidos, novas datas, no prazo de 120 dias seguidos, para a realização de testes escritos que constituem a prova de aferição por parte daqueles requerentes que não foram admitidos a fazê-lo nos dias 18, 20 e 22 de Julho de 2011 por falta de pagamento de emolumentos, sem que tal prejudique o tempo total do respetivo estágio;

c) Admitir que os requerentes repitam, por uma única vez, os testes escritos em caso de reprovação, sem que para o efeito tenham de se reinscrever na fase inicial do curso de estágio;

d) Admitir a reinscrição dos requerentes em cursos de estágio, como antes do regulamento de dezembro de 2009, em caso de reprovação na repetição do exame de aferição da fase inicial.

Neste acórdão, pode igualmente ler-se o seguinte (fls. 1568-1575):

«[O] que está em causa, na verdade, não é a realização da nova inscrição e da repetição, no caso de falta; afinal, as novas normas não diferem muito das anteriores, sem prejuízo da cit. decisão do TC.

Está em causa o facto de os novos emolumentos, pelo seu montante e também quando conjugados com as regras (válidas) dos artigos 22.º a 24.º do RNE, contenderem com vários princípios e direitos constitucionais, nomeadamente os referidos nos Ac. do TC n.º 3/2011 e n.º 89/2012, bem como com os da proporcionalidade e da tutela da confiança legítima.

Não está em causa, ao contrário do referido pelos recorrentes, a eliminação de uma suposta fase de recurso do exame de aferição, com referência aos artigos 22.º e 24.º/1 do RNE.

Vejamos, pois, em conjunto.

H.

Os estagiários já tinham todos procedido à sua inscrição inicial quando a Tabela de Emolumentos e Preços (n.º 2.1.2 e 2.1.3) foi alterada, o que constitui uma violação das legítimas expectativas criadas e um defraudar da CONFIANÇA nas normas vigentes, além do que é uma MEDIDA RESTRITIVA de DF e economicista, violadora dos artigos 13.º, 18.º/2-3, 47.º e 165.º/1-b) da Constituição?

a.

[...]

b.

A realização dos testes escritos previstos no RNE constituiu uma condição de ingresso na advocacia, a par de diversas outras condições, que veremos agora.

Refere-se esta questão aos emolumentos criados em 2011 quanto àqueles interessados, antes inscritos.

Como já vimos, não está em causa a data da inscrição dos aa. Com efeito, esta ocorreu antes do 1.º curso de 2011.

[...]

Apenas após a declaração de inconstitucionalidade do artigo 9.º-A do novo RNE/Dez.2009 pelo Tribunal Constitucional e após a inscrição preparatória dos ora Autores como advogados estagiários no 1.º Curso de Estágio de 2011, o Conselho da OA decidiu alterar o valor dos emolumentos devidos, não pela inscrição dos advogados estagiários, mas pela realização dos exames quer de aferição, quer final de avaliação e agregação.

O pagamento dos emolumentos devidos nos termos daquela Tabela de Emolumentos e Preços constituía necessário requisito para que os advogados estagiários pudessem efetuar os testes escritos do exame de aferição da fase de formação inicial, que se realizaram nos dias 18, 20 e 22 de Julho de 2011.

Os advogados estagiários que não efetuaram tal pagamento foram inibidos de realizar tais testes escritos, não podendo, consequentemente finalizar a fase de formação inicial e transitar para a fase de formação complementar.

A realização destes testes escritos constituiu, pois, uma condição de ingresso na advocacia (a par de diversas outras condições)

O mesmo sucede com o pagamento dos emolumentos devidos para a realização do exame final de agregação, no término da fase de formação complementar.

c.

Atentos os novos valores emolumentares consagrados, respetivamente de 700,00 (euro) (setecentos euros) e de 650,00 (euro) (seiscentos e cinquenta euros), a alteração às tabelas emolumentares consubstancia uma restrição em sentido próprio do direito de livre escolha da profissão.

Até 2009 era exigido aos advogados estagiários que pagassem (euro) 500,00 (quinhentos euros) no ato de inscrição preparatória, (euro) 100,00 (cem euros) até à realização dos exames de aferição e (euro) 100,00 (cem euros) até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação, num custo total do estágio de (euro) 700,00 (setecentos euros), sendo (euro) 600,00 (seiscentos euros) pagos até ao final da fase inicial e (euro) 100,00 (cem euros) pagos até ao final da fase complementar (cf. Deliberação 303/2006, de 9 de Março).

A partir de 1 de Janeiro de 2010 e tendo já em conta a reforma do RNE, os advogados estagiários passaram a ter que pagar (euro) 150,00 (cento e cinquenta euros) no ato de inscrição preparatória, (euro) 50,00 (cinquenta euros) até à realização do teste escritos da fase de formação inicial e (euro) 50,00 (cinquenta euros) até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação, num custo total do estágio de (euro) 250,00 (duzentos e cinquenta euros), sendo (euro) 200,00 (duzentos euros) pagos até ao final da fase inicial e (euro) 50,00 (cinquenta euros) pagos até ao final da fase complementar (cf. Deliberação 2597/2009, de 11 de Setembro).

À data dos factos - Junho de 2011 -, exigia-se aos estagiários os seguintes pagamentos: (euro) 150,00 (cento e cinquenta euros) no ato de inscrição preparatória, (euro) 700,00 (cinquenta euros) até à realização do teste escritos da fase de formação inicial e (euro) 650,00 (cinquenta euros) até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação, num custo total do estágio de (euro) 1.500,00 (mil e quinhentos euros), sendo (euro) 850,00 (oitocentos e cinquenta euros) pagos até ao final da fase inicial e (euro) 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) pagos até ao final da fase complementar (cf. Deliberação 855/2011, de 30 de Março, aqui em crise).

Repare-se que entre a deliberação 2597/2009, de 11 de Setembro e a deliberação 855/2011, de 30 de Março, cuja redação está agora em causa, apenas ocorreu a aprovação do novo RNE, em Outubro e Dezembro de 2009, e a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do respetivo artigo 9.º-A, que previa o exame de acesso ao estágio, em Janeiro de 2011.

O novo RNE prevê, face ao anterior, uma redução da duração do estágio (cf. artigo 2.º, n.º 1) de 30 meses passou para 24 meses, sendo certo que a fase de formação inicial manteve os 6 meses de duração.

Por outro lado, os conteúdos do programa da primeira fase de estágio foram densificados, mediante a introdução de duas novas áreas de formação - direito constitucional e direitos humanos e informática jurídica - a separação de duas áreas de formação - organização judiciária e deontologia profissional -, bem como passaram a ser promovidas ações de formação de vertente prática, designadamente simulação de diligências processuais (cf. artigo 18.º).

Acresce que os testes escritos do exame de aferição mantêm-se em número de três, passando cada um deles a incidir sobre duas das matérias lecionadas em cada módulo lecionado na fase de formação inicial (cf. artigo 20.º, 1, do RNE).

Donde resulta que, apesar da densificação do programa de estágio, com a consequente maior exigência e qualidade de formação, e do aumento da matéria sobre a qual incidem os testes escritos que compõem o exame de aferição, o Conselho Geral da OA entendeu haver condições para a redução substancial dos emolumentos a vigorar para 2010 (cf. Deliberação 2597/2009, de 11 de Setembro).

A ré, em vez de alterar o conteúdo do programa de estágio, reforçando-o, decidiu alterar a Tabela de Emolumentos e Preços [...]

[O] valor dos emolumentos apenas foi alterado porque seria substancialmente diferente a composição do 1.º curso de estágio de 2011 no que ao número de alunos diz respeito, sendo certo que tal, em parte, deve-se ao facto de a OA não ter ministrado quaisquer cursos em 2010, nem o 2.º curso de 2009 - o que apenas à OA pode ser imputado.

d.

O artigo 47.º, n.º 1 da CRP não impõe a gratuitidade da escolha e acesso à profissão, mas o disposto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP não deixa, claramente, de inibir a criação de constrangimentos intoleráveis de ordem económica, que não contenham qualquer fundamento objetivo que não seja o de restringir o acesso à profissão.

Os novos valores de emolumento relativos aos exames de avaliação das fases inicial e complementar do estágio são objetivamente muito avultados, muito superiores, cada um deles, ao salário mínimo nacional, sendo, ademais, os mesmos exigidos advogados estagiários, os quais, em numerosos casos, não auferem qualquer remuneração pelo estágio que desenvolvem

A fixação dos emolumentos efetuada pela deliberação 2597/2009, de 11 de Setembro, já tinha em consideração as alterações estruturais que o estágio iria sofrer com o novo RNE a aprovar até ao final do ano de 2009, o que veio a acontecer em Dezembro.

Por outro lado, não tem sentido (minimamente sinalagmático) que a OA fixe como emolumentos de inscrição - que devem suportar toda a formação inicial - a quantia de (euro) 150,00, e como emolumentos devidos pela realização de exames finais a quantia de (euro) 700,00.

Mas há que apreciar o estágio como um todo e a atuação da OA à luz da deliberação 2089/2011, de 21 de Outubro, nos termos da qual o Conselho Geral decidiu inverter a ordem dos valores dos emolumentos, no sentido de as inscrições - quer na fase de formação inicial quer na fase de avaliação e agregação - implicarem o pagamento de um emolumento de (euro) 700,00 e (euro) 500,00 (respetivamente) e de a realização dos exames finais implicarem um emolumento de (euro) 150,00.

Donde resulta que a OA reconheceu, no que a estes autos importa, que a realização dos exames não tem um custo superior a (euro) 150,00, carecendo, pois, de justificação os emolumentos cobrados de (euro) 700,00 e 650,00, respetivamente.

Enfim, os emolumentos devem ser devidos pelos atos praticados e não pelo estágio como um todo, pelo que cada ato deve justificar, por si, o emolumento cobrado. Isto não se verifica no caso presente.

e.

Por outro lado, quando os candidatos tomaram a decisão de se inscreverem e frequentarem o curso de estágio da OA, fizeram-no tendo em consideração, entre outras coisas, o valor dos emolumentos devidos pela totalidade do estágio, tanto mais que o período de estágio corresponde, as mais das vezes, a um verdadeiro investimento económico.

Modificar, em absoluto, parte das regras que determinaram essa escolha, constitui, claramente, uma alteração unilateral e sem acordo ou informação prévios das circunstâncias em que os candidatos tomaram as suas decisões, em prejuízo da confiança por estes legitimamente criada nas regras vigentes à data da sua inscrição e nas suas legítimas expectativas relativamente à frequência e conclusão do estágio, como meio de acesso à advocacia.

f.

Portanto, concluímos que estes novos emolumentos, quando conjugados com as novas regras criadas pela O.A. em Dezembro de 2009 e constantes dos artigos 22.º e 24.º/1/3/4 do R.N.E., violam os princípios constitucionais da Tutela Da Confiança e da Proporcionalidade Jurídica: os novos emolumentos não poderiam ser lealmente aplicados a quem já estava inscrito nos termos legais (como os ora aa.) e são manifestamente exagerados ou desproporcionados na sua relação com o direito previsto no artigo 47.º/1 da Constituição.»

2 - Notificado desta decisão, o Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade da mesma, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de novembro ("LTC"), considerando que o Tribunal Central Administrativo Sul havia decidido «que os novos emolumentos (fixados pela Ordem dos Advogados nas deliberações n.º 2597/2009, de 11 de setembro e n.º 2089/2011, de 21 de outubro), quando conjugados com as novas regras criadas pela O.A., em dezembro de 2009 (deliberação 3333-A/2009, de 16-12 do Conselho geral), e constantes dos arts. 22.º e 24.º n.º 1/3/4 do Regulamento Nacional de Estágios (RNE), violam os princípios constitucionais da tutela da confiança [...] e da proporcionalidade jurídica [...], na medida em que foram aplicados a quem já estava inscrito no estágio antes da respetiva entrada em vigor [...]». Por isso mesmo, veio requerer:

«[A] apreciação da inconstitucionalidade das deliberações n.º 2597/2009, de 11 de setembro, e n.º 2089/2011, de 21 de outubro, que fixaram os novos emolumentos, bem como dos arts. 22.º e 24.º 1/3/4 da deliberação 3333-A/2009, de 16-12, do Conselho Geral, cuja aplicação foi recusada pelo douto acórdão recorrido, conforme se depreende das decisões contidas nas alíneas a) a d).» (fls. 1583)

Também a requerida Ordem dos Advogados veio interpor recurso de constitucionalidade, igualmente ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, requerendo a fiscalização da constitucionalidade das seguintes normas:

«a) N.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, alterada pela deliberação 2089/2011, publicadas no Diário da República, 2.ª série, n.º 63, de 30 de março de 2011, n.º 210, de 2 de novembro do mesmo ano, respetivamente, que alteram o n.º 2 - Estágio da Tabela de Emolumentos e Preços devidos pela Emissão de Documentos e Prática de Atos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados, fixando o respetivo início de vigência;

b) Artigos 22.º, 23.º e 24.º, n.os 1 e 2, do Regulamento Nacional de Estágio, republicado em anexo à Deliberação 3333-A/2009.» (fl. 1585)

3 - Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal, foi determinada a produção de alegações. Nas suas alegações, o Ministério Público pugnou no sentido de se negar provimento ao recurso (fls. 1599 e ss.), enquanto a Ordem dos Advogados defendeu o seu provimento (fls. 1716 e ss.). Os recorridos contra-alegaram no sentido da manutenção do juízo de inconstitucionalidade proferido pelo tribunal a quo (fls. 1739 e ss.).

4 - Conclusos os autos ao relator, este proferiu o despacho de fls. 1756 e ss., convidando as partes a pronunciarem-se sobre a eventualidade de não se tomar conhecimento do presente recurso, tendo em conta o seguinte:

1.º A decisão recorrida recusou aplicar as normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 855/2011, publicada no DR II, de 30.3.2011, segundo as quais os estagiários inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011 e subsequentes têm de pagar:

(i) Até à realização da prova de aferição prevista no artigo 19.º do Regulamento Nacional de Estágio (o "RNE", na redação dada pela deliberação 3333-A/2009, publicada no DR II, de 16.12.2009) - e que constitui a prova escrita a realizar no final da fase de formação inicial -, a quantia de (euro) 700,00 (cf. o n.º 2.1.2. da Tabela de Emolumentos e Preços devidos pela emissão de documentos e prática de atos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados, aprovada pela deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 303/2006, publicada no DR II, de 9.3.2006, com a redação dada pela citada Deliberação 855/2011);

(ii) Até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação previsto no artigo 33.º do mesmo Regulamento Nacional de Estágio, a quantia de (euro) 650,00 (cf. o n.º 2.1.3. da referida Tabela de Emolumentos e Preços, igualmente com a redação dada pela deliberação 855/2011).

Com efeito, não só foi aquela Deliberação 855/2011 a única cuja constitucionalidade foi apreciada pela 1.ª instância (cf. fls. 1561), como a desaplicação daquelas suas normas - e apenas dessas normas - resulta inequivocamente de diversos excertos da decisão proferida pelo tribunal a quo.

2.º Tais normas foram revogadas pela n.os 1 e 3 da Deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 2089/2011, publicada no DR II, de 2.11.2011., e substituídas por outras, de acordo com as quais os estagiários inscritos no 2.º Curso de Estágio de 2011 e subsequentes têm de pagar:

(i) Até 15 dias antes da data designada para a realização da prova de aferição prevista no artigo 19.º do RNE, a quantia de (euro) 150,00 (cf. o novo n.º 2.1.2. da Tabela de Emolumentos e Preços);

(ii) Até 15 dias antes da data designada para a realização do exame final de avaliação e agregação previsto no artigo 33.º do mesmo Regulamento, a quantia de (euro) 150,00 (cf. o novo n.º 2.1.4. da referida Tabela de Emolumentos e Preços).

(Os mesmos estagiários têm ainda de pagar, de acordo com o novo n.º 2.1.3. daquela Tabela, a quantia de (euro) 500,00, "até 15 dias após a publicação no portal da Ordem dos Advogados da aprovação na prova de aferição".)

Ou seja, aos estagiários inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011 - como é o caso de todos os requerentes, ora recorridos - nem sequer são aplicáveis as modificações introduzidas na Tabela de Emolumentos e Preços pela deliberação 2089/2011, salvo se os mesmos se tiverem inscrito no 2.º Curso de Estágio de 2011 ou em algum Curso de Estágio subsequente.

3.º O objeto do recurso de constitucionalidade é definido, em primeiro lugar, pelos termos do requerimento de interposição de recurso. Tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que, ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção duma redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza.

Acresce que este Tribunal só pode julgar inconstitucionais normas a que a decisão recorrida tenha recusado aplicação (cf. o artigo 79.º-C da LTC).

4.º Dos requerimentos dos recursos de constitucionalidade resulta que ambos os recorrentes pretendem ver apreciada a questão da inconstitucionalidade de normas constantes de preceitos do RNE, na redação dada pela deliberação 3333-A/2009, independentemente da sua articulação com o preceituado na Tabela de Emolumentos e Preços. Por outro lado, no que se refere a esta última, ambos os recorrentes incluem no objeto do recurso os «novos emolumentos» aprovados pela deliberação 2089/2011 e não consideram autonomamente as modificações introduzidas na mesma Tabela pela deliberação 855/2011.

5.º O RNE e a Tabela de Emolumentos e Preços são atos normativos originariamente aprovados, respetivamente, pelo Regulamento 52-A/2005, publicado no DR II, de 1.8.2005, e pela deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 303/2006, publicada no DR II, de 9.3.2006, e posteriormente modificados por diversas deliberações do Conselho Geral da Ordem dos Advogados. Consequentemente, não é de todo indiferente a identificação do ato normativo considerado em cada caso, seja pela decisão recorrida, seja pelos recorrentes.

6.º Conforme evidenciado supra no n.º 1.º, o tribunal a quo desaplicou tão-somente os emolumentos aprovados pela deliberação 855/2011 com referência, respetivamente, à realização da prova de aferição (n.º 2.1.2. da Tabela de Emolumentos e Preços), no valor de (euro) 700,00; e ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação (n.º 2.1.3. da Tabela de Emolumentos e Preços), no valor de (euro) 650,00.

7.º Relativamente ao RNE, além de expressamente consignar que o respetivo artigo 20.º, n.os 3 e 4, foi objeto de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 89/2012, o acórdão ora recorrido reconheceu que "está em causa o facto de os novos emolumentos, pelo seu montante e também quando conjugados com as regras (válidas) dos artigos 22.º a 24.º do RNE, contenderem com vários princípios e direitos constitucionais, nomeadamente os referidos nos Ac. do TC n.º 3/2011 e n.º 89/2012, bem como com os da proporcionalidade e da tutela da confiança legítima. Não está em causa, ao contrário do referido pelos recorrentes [- ora recorridos -], a eliminação de uma suposta fase de recurso do exame de aferição, com referência aos artigos 22.º e 24.º/1 do RNE" (itálicos aditados).

Deste modo, os artigos do RNE que os recorrentes pretendem sindicar autonomamente no âmbito do presente recurso não chegaram a ser desaplicados pelo tribunal a quo. A sua consideração resultou apenas de o valor excessivo dos emolumentos questionado nos presentes autos se reportar a atos previstos (também) nesses mesmos artigos.

8.º Quanto à Deliberação 2597/2009, mencionada no requerimento de recurso do Ministério Público, a mesma não foi desaplicada autonomamente na decisão recorrida. Tal Deliberação relevou nesta decisão apenas porque determinou a republicação em anexo de uma versão atualizada da Tabela de Emolumentos e Preços e para comprovar que "a fixação dos emolumentos [pela mesma efetuada] já tinha em consideração as alterações estruturais que o estágio iria sofrer com o novo RNE a aprovar até ao final do ano de 2009, o que veio a acontecer em dezembro [v. a deliberação 3333-A/2009]" (cf. a alínea d) da Secção H, a fls. 1574).

9.º Finalmente, a referência isolada à Deliberação 2089/2011 - caso do requerimento de recurso do Ministério Público - ou a referência à "Deliberação 855/2011, alterada pela deliberação 2089/2011" - caso do requerimento de recurso da Ordem dos Advogados - tem necessariamente o sentido objetivo de se reportar às normas enunciadas supra no n.º 2, e que, como mencionado, também não foram desaplicadas pela decisão ora recorrida. Recorde-se que a deliberação 2089/2011 veio, além do mais, dar uma nova redação aos n.os 2.1.2. e 2.1.3 (e 2.1.4) da Tabela de Emolumentos e Preços, anteriormente modificados pela deliberação 855/2011, assim revogando esta última.

5 - Sobre tal despacho do relator pronunciaram-se apenas os recorrentes (v., respetivamente, fls. 1766 e ss. e fls. 1786-1787).

5.1 - O Ministério Público na sua resposta, além de reconhecer que "no entender do TCAS, é a redação da Deliberação 855/2011 que está, afinal, em causa" (fls. 1777), sustenta o seguinte:

«16.º

Ora, de facto, o recurso de constitucionalidade do Ministério Público não refere, especificamente, a deliberação 855/2011, de 30 de Março, embora se reporte a todas as outras citadas pelo Acórdão do TCAS, mas acrescenta uma frase que reenvia para o próprio texto, denso e complexo, do mesmo Acórdão: «conforme se depreende das decisões contidas nas alíneas a) a d)».

Ora, do texto do Acórdão do TCAS consta expressamente, na alínea b):

"b.

A realização dos testes escritos previstos no RNE constituiu uma condição de ingresso na advocacia, a par de diversas outras condições, que veremos agora.

Refere-se esta questão aos emolumentos criados em 2011 quanto àqueles interessados, antes inscritos."

Uma tal remissão incluía, naturalmente, uma referência à Deliberação 855/2011, no fundo, uma das questões nucleares a resolver.

Tanto mais que é referida, expressamente, a deliberação 2597/2009, que a deliberação 855/2011 veio alterar.

17.º

Nessa medida, o recurso do Ministério Público - recurso obrigatório interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nessa medida, um recurso por desaplicação expressa de norma com fundamento em inconstitucionalidade - pode ser lido, legitimamente, como exprimindo a seguinte ideia:

"Nestes termos, requer-se a apreciação da inconstitucionalidade das deliberações n.º 2597/2009, de 11 de Setembro, na redação introduzida pela deliberação 855/2011 ..."» (fls. 1782-1783)

5.2 - A recorrente Ordem dos Advogados, por sua vez, veio dizer que:

«1 - No seu requerimento de interposição de recurso, a Recorrente identificou do seguinte modo as normas desaplicadas pelo douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada:

"a) N.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, alterada pela deliberação 2089/2011 [...]."

2 - Resulta inequívoco deste enunciado que visadas para efeitos de apreciação da constitucionalidade são as normas contidas nos n.os 1 e 3 da referida Deliberação 855/2011, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados; e que o adjetivo "alterada" se reporta, não aos referidos n.os 1 e 3, mas à própria deliberação.

3 - Com tal menção -reitera-se, reportada à Deliberação 855/2011, em si mesma, e não aos seus n.os 1 e 3 (disse-se: alterada e não alterados) - não se quis, pois, erigir em objeto do recurso a nova redação dos referidos números, introduzida pela deliberação referida em segundo lugar.

4 - Com efeito, se se tivesse pretendido fazê-lo, ter-se-ia escrito "N.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, na redação da Deliberação 2089/2011 [...]",ou utilizado formulação equivalente.

5 - Aliás, e se essa fosse a intenção da Recorrente, não faria qualquer sentido, lógico ou jurídico, aludir à Deliberação 855/2001 (ou a qualquer outra que anteriormente tivesse alterado a Tabela de Emolumentos e Preços da Ordem dos Advogados), bastando a referência direta à Deliberação 2089/2011, uma vez que ambas vieram, sucessivamente, modificar a referida tabela.

6 - A referência "alterada pela deliberação 2089/2011" é, portanto, meramente de circunstância, não passando de uma nota de atualização objetiva, através da qual se pretende exprimir que uma nova alteração à referida tabela passou, entretanto, a vigorar

- sem que daí se possa retirar um propósito, que nunca existiu, de a colocar no centro do recurso.

7 - Essa nota de atualização - aqui porventura supérflua e, até, inútil, mas que é corrente na identificação dos atos normativos -, não pretende, pois, sequer por aparência, desviar o foco da atenção da Recorrente, que são as normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, que foram desaplicadas pelo Tribunal Central Administrativo recorrido.

8 - Como, de resto, ressalta, sem margem para dúvidas, do teor das alegações apresentadas, nomeadamente nos seus n.os 19 - onde se refere a alínea G) dos considerandos, sendo certo que só a deliberação 855/2011 tem considerandos - e 30, e na alínea L) das conclusões.

Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso prosseguir os seus normais termos, até final.» (fls. 1786-1787)

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) Delimitação do objeto do recurso

6 - Impõe-se começar pela análise das questões suscitadas no despacho do relator de fls. 1756 e ss., já que da solução das mesmas depende a possibilidade de conhecer do mérito do presente recurso.

Como referido, tais questões resultam de, por um lado, a decisão recorrida se ter limitado a recusar aplicação às normas dos n.os 2.1.2. e 2.1.3. da Tabela de Emolumentos e Preços, na redação dada pela deliberação 855/2011 aos estagiários inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011 da Ordem dos Advogados. E, por outro lado, de os recorrentes terem identificado nos seus requerimentos de recurso, como objeto material dos mesmos: (i) normas do RNE - designadamente, as dos seus artigos 22.º, 23.º e 24.º, n.os 1, 2, 3 e 4 - independentemente da sua articulação com o preceituado na Tabela de Emolumentos; e (ii) e normas da Deliberação 2089/2011, não mencionando expressa ou autonomamente a deliberação 855/2011.

7 - Saliente-se, em primeiro lugar, que nenhum dos recorrentes contesta que as únicas normas desaplicadas pela decisão recorrida com fundamento em inconstitucionalidade são aquelas que já foram indicadas. Consequentemente, não pode conhecer-se do objeto dos recursos na parte em que os mesmos se reportam direta e imediatamente a normas do RNE em si mesmas consideradas, isto é, sem articulação com a matéria dos emolumentos. Na verdade, e independentemente de outras considerações - em especial, quanto ao artigo 24.º, n.os 3 e 4, por virtude da sua declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (v. o Acórdão 89/2012) -, nunca este Tribunal poderia no âmbito do presente processo apreciar a constitucionalidade de tais normas, em virtude de as mesmas não terem sido desaplicadas pelo tribunal a quo (cf. o artigo 79.º-C da LTC).

8 - Em segundo lugar, cumpre ter presente o sentido e alcance da exigência legal de correta identificação da norma desaplicada pelo tribunal recorrido (cf. o artigo 75.º-A, n.º 1, 2.ª parte, da LTC, reportando-se à «norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie»). Trata-se, desde logo, de um corolário do princípio do pedido com consequências no plano da definição dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional, uma vez que este, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-C da LTC, só pode julgar inconstitucional a norma que a decisão recorrida tenha aplicado ou haja recusado aplicação, conforme os casos. Daí o rigor da jurisprudência constitucional neste domínio. Nesse sentido, refere Lopes do Rego (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 207-209):

«Ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa que pretende submeter ao Tribunal Constitucional, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, nomeadamente no âmbito de reclamação que deduza ou da alegação que produza (cf., Acórdãos n.os 286/00, 146/06, 293/07 e 3/09).

[...]

A identificação da norma assenta prioritariamente na indicação do preceito ou preceitos - do "arco legislativo" - que funciona como "fonte" do núcleo essencial do regime jurídico que se considera colidente com a Constituição - cabendo ao recorrente identificar, de forma certeira, os preceitos relevantes - e que naturalmente - salvo demonstração de que ocorreu implícita aplicação de diferente "arco legislativo" - não poderão deixar de ser aqueles que a decisão recorrida no exercício da sua tarefa de determinação e interpretação do direito infraconstitucional tido por aplicável, eleger como base do "critério normativo" aplicado à definição do caso.

[...]

O que é essencial é que o critério normativo enunciado pelo recorrente encontre suporte bastante nos preceitos legais mencionados como núcleo fundamental do regime jurídico em causa (cf. a decisão sumária proferida no processo 407/06, da 2.ª Secção).»

9 - Como referido, a decisão recorrida recusou aplicar as normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, por força dos quais os estagiários inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011 e subsequentes (n.º 3) têm de pagar 700,00 (euro), até à realização da prova de aferição prevista no artigo 19.º do RNE (n.º 2.1.2 da Tabela, com a redação dada pelo n.º 1 da Deliberação 855/2011), e 650,00 (euro), até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação previsto no artigo 33.º do mesmo RNE (n.º 2.1.3 da Tabela, com a redação dada pelo n.º 1 da Deliberação 855/2011).

E ambos os recorrentes optaram nos respetivos requerimentos de interposição de recurso por identificar o objeto do mesmo, na parte agora em apreciação, apenas por referência a determinados atos normativos, prescindindo de enunciar as normas cuja aplicação havia sido recusada.

Assim, o Ministério Público indicou as Deliberações n.os 2597/2009 e 2089/2011, «que fixaram os novos emolumentos» (cf. fls. 1583). E a Ordem dos Advogados indicou «os n.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, alterada pela deliberação 2089/2011 [...], que alteram o n.º 2 Estágio da Tabela de Emolumentos e Preços devidos pela emissão de Documentos e Prática de Atos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados, fixando o respetivo início de vigência» (cf. fls. 1585).

Existe um problema quanto à definição do objeto do recurso, porquanto a deliberação 2089/2011 (publicada no DR II, de 2.11.2011) - expressamente referida por ambos os recorrentes - constitui, tal como a deliberação 855/2011 (publicada no DR II, de 30.3.2011) recusada aplicar pela decisão recorrida, um regulamento modificativo da Tabela que a alterou (também) nos precisos pontos - os n.os 2.1.2. e 2.1.3. - em que a mesma havia sido alterada por aquela Deliberação. Consequentemente, a deliberação 2089/2011, ao modificar a Tabela, revogou tacitamente a deliberação 855/2011 (cf. o artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil). Sendo assim, necessariamente que as normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011 - aquelas que foram desaplicadas pela decisão recorrida - são distintas das normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação 2097/2011.

Com efeito, a Tabela em apreço foi aprovada pela deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 303/2006, publicada no DR II, de 9.3.2006. A mesma Tabela foi modificada pela deliberação 2597/2009 (publicada no DR II, de 11.9.2009) e republicada em anexo à mesma. De acordo com os n.os 4.º e 5.º desta Deliberação, os n.os 2.1.2 e 2.1.3. daquela Tabela valeriam a partir de 1 de janeiro de 2010 com a seguinte redação:

«2.1.2. - A pagar até à realização do teste escrito no final da fase de formação inicial - (euro) 50,00;

2.1.3. - A pagar até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação - (euro) 50,00.»

Como mencionado, na sequência da Deliberação 855/2011, estes valores passaram a ser, respetivamente, de (euro) 700,00 e de (euro) 650,00 (n.º 1) e tornaram-se aplicáveis também aos estagiários (já) inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011 (n.º 3).

A Deliberação 2089/2011 veio reformular o n.º 2 (Estágio) da Tabela, passando os respetivos preceitos, anteriormente modificados pela deliberação 855/2011, a estatuir o seguinte (n.º 1 da Deliberação 2089/2011):

«2.1.2. - A pagar até 15 dias antes da data designada para a realização da prova de aferição - (euro) 150,00;

2.1.3. - A pagar até 15 após a publicação no portal da Ordem dos Advogados da aprovação na prova de aferição - (euro) 500,00.»

Mais: segundo o n.º 3 da mesma Deliberação, os novos valores (incluindo os respeitantes à inscrição inicial - n.º 2.1.1. da Tabela - e à realização do exame final e de agregação - n.º 2.1.4. da Tabela) são aplicáveis «ao 2.º Curso de Estágio de 2011 e subsequentes».

10 - Na sua resposta ao despacho do relator de fls. 1756 e ss., sustenta o Ministério Público, depois de reconhecer a omissão de uma referência específica à Deliberação 855/2011 (cf. o n.º 16.º), que o seu requerimento de interposição de recurso «pode ser lido, como exprimindo a seguinte ideia: "nestes termos, requer-se a apreciação da inconstitucionalidade das deliberações n.º 2597/2009, de 11 de setembro, na redação introduzida pela deliberação 855/2011..."» (cf. o n.º 17.º). Fundamenta esta pretensão com base numa frase do mesmo requerimento «que reenvia para o próprio texto, denso e complexo, do mesmo Acórdão [- ou seja, do acórdão recorrido -]: "conforme se depreende das decisões contidas nas alíneas a) a d)"», transcrevendo, depois, uma parte da alínea b) da Secção H do acórdão recorrido, a fls. 1570 (cf. o n.º 16.º).

Porém, o inciso "decisões contidas nas alíneas a) a d)" constante do requerimento de recurso apresentado pelo Ministério Público reporta-se ao dispositivo da decisão recorrida, o qual omite qualquer referência à Deliberação 855/2011 (cf. supra o n.º 1 e fls. 1576); não às diferentes alíneas em que se desdobra a Secção H da respetiva fundamentação. Por outro lado, não está em causa que o tribunal a quo tenha desaplicado os n.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, pelo que não pode deixar de haver referências na decisão recorrida a tal Deliberação. A questão é outra: a omissão de uma referência unívoca a tal Deliberação no requerimento de recurso. Finalmente, a explicação adiantada pelo Ministério Público não justifica a menção expressa no mesmo requerimento da Deliberação 2089/2011, em vez da Deliberação 855/2011. E, como referido, o problema atinente ao objeto do presente recurso prende-se justamente com a circunstância de aquela ter revogado tacitamente esta última.

Não colhem, pelo exposto, as explicações adiantadas pelo Ministério Público para dever considerar-se integradas no objeto do recurso por si interposto as modificações à Tabela aprovadas pela deliberação 855/2011.

E, no respeitante às normas das Deliberações do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.os 2597/2009 e 2089/2011 que, alterando a Tabela de Emolumentos e Preços da Ordem dos Advogados, fixaram novos emolumentos - ou seja, aqueles que, relativamente a tal matéria são expressamente mencionadas no requerimento de interposição de recurso apresentado pelo Ministério Público -, verifica-se que a decisão recorrida as não desaplicou. Por isso, não pode, também nesta parte, conhecer-se do recurso em apreciação.

11 - A recorrente Ordem dos Advogados, igualmente em resposta ao despacho do relator de fls. 1756 e ss., começa por dizer que no enunciado constante do seu requerimento de recurso destinado a identificar o objeto do recurso - os «n.os 1 e 3 da deliberação 855/2011, alterada pela deliberação 2089/2011» - o «adjetivo "alterada" se reporta, não aos referidos n.º 1 e 3, mas à própria deliberação.» (n.º 2). E acrescenta que «a referência "alterada pela deliberação 2089/2011" é, portanto, meramente de circunstância, não passando de uma nota de atualização objetiva, através da qual se pretende exprimir que uma nova alteração à referida tabela passou, entretanto, a vigorar» (n.º 6), o que ressaltaria «do teor das alegações apresentadas, nomeadamente nos seus n.os 19 - onde se refere a alínea G) dos considerandos, sendo certo que só a deliberação 855/2011 tem considerandos - e 30, e na alínea L) das conclusões» (n.º 8).

Decerto que a explicação não é irrespondível, sobretudo tendo em atenção que as deliberações em apreço modificaram sucessivamente a Tabela - por isso, as mesmas deliberações correspondem a regulamentos modificativos -, em termos entre si incompatíveis - e daí ter ocorrido uma revogação tácita da Deliberação 855/2011 pela deliberação 2089/2011. Verdadeiramente, a "alteração" a que alude a recorrente correspondeu a uma substituição da disciplina constante dos números aplicáveis da Tabela. Ora, ocorrendo uma revogação tácita, há mais do que uma simples "atualização": a norma revogada deixa de vigorar (cf. o artigo 7.º, n.º 1, do Código Civil). E é evidente que a referência feita a um dado ato normativo - no caso, à Deliberação 855/2011 - é indissociável do respetivo conteúdo normativo: o adjetivo "alterada" reportado à mencionada Deliberação abrange objetiva e juridicamente as normas objeto da mesma.

Mas, por outro lado, não pode ignorar-se que esta recorrente - diferentemente do que sucedeu no caso do Ministério Público - referiu expressamente no seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade a deliberação 855/2011 e autonomizou os respetivos n.os 1 e 3. Acresce que a explicação avançada pela Ordem dos Advogados, segundo a qual, o «adjetivo "alterada" se reporta, não aos referidos n.º 1 e 3, mas à própria deliberação» (n.º 2), é, na sua literalidade, suficiente para justificar a aceitação por parte do Tribunal de que o sentido intencionado com a utilização do adjetivo «alterada» é precisamente aquele que a recorrente indica na sua resposta ao despacho do relator de fls. 1756 e ss. (cf. supra o n.º 5.2.):

«3 - Com tal menção - reitera-se, reportada à Deliberação 855/2011, em si mesma, e não aos seus n.os 1 e 3 (disse-se: alterada e não alterados) - não se quis, pois, erigir em objeto do recurso a nova redação dos referidos números, introduzida pela deliberação referida em segundo lugar.

4 - Com efeito, se se tivesse pretendido fazê-lo, ter-se-ia escrito "N.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, na redação da Deliberação 2089/2011 [...]", ou utilizado formulação equivalente.

[...]

6 - A referência "alterada pela deliberação 2089/2011" é, portanto, meramente de circunstância, não passando de uma nota de atualização objetiva, através da qual se pretende exprimir que uma nova alteração à referida tabela passou, entretanto, a vigorar

- sem que daí se possa retirar um propósito, que nunca existiu, de a colocar no centro do recurso.

7 - Essa nota de atualização - aqui porventura supérflua e, até, inútil, mas que é corrente na identificação dos atos normativos -, não pretende, pois, sequer por aparência, desviar o foco da atenção da Recorrente, que são as normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011, que foram desaplicadas pelo Tribunal Central Administrativo recorrido.»

De resto, ainda que existisse uma dúvida razoável sobre o sentido objetivo do requerimento apresentado pela Ordem dos Advogados, não deveria a mesma ser resolvida contra a recorrente.

Com efeito, fazê-lo, uma vez apurado que os critérios normativos desaplicados pelo tribunal recorrido coincidem com um dos sentidos possíveis do requerimento de recurso apresentado pela recorrente - como sucedeu in casu na sequência do já mencionado despacho de fls. 1756 e ss. -, representaria um excesso de formalismo sem correspondência com qualquer interesse tutelado pela exigência formal prevista no artigo 75.º-A, n.º 1, 2.ª parte, da LTC. Nestas circunstâncias, não conhecer do mérito do recurso implicaria desconsiderar a teleologia própria da exigência formal prevista nesse preceito.

As formalidades jurídicas não revestem uma natureza ritual, mas instrumental, devendo valer apenas - mas, então, sem exceções - na medida em que os interesses substantivos que visam tutelar as possam justificar. Este é um princípio geral de direito que se exprime na fórmula utile per inutile non vitiatur e que encontra expressão no domínio processual no princípio pro actione: para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas e aplicadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas. Daí que o direito à tutela jurisdicional efetiva implique um processo equitativo, respeitador do "direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas" (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XI ao artigo 20.º, p. 416). Com efeito, "o princípio pro actione impede que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efetiva à pretensão formulada. A ideia do favor actionis aponta, outrossim, para a atenuação da natureza rígida e absoluta das regras processuais" (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVI ao artigo 20.º, pp. 439-440).

12 - O objeto do presente recurso de constitucionalidade fica, deste modo, e em razão de tudo quanto se expôs, circunscrito às normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 855/2011, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 30 de março de 2011, segundo as quais os estagiários inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011 têm de pagar: (i) 700,00 (euro), até à realização da prova de aferição prevista no artigo 19.º do referido Regulamento Nacional de Estágio (cf. o n.º 2.1.2. da Tabela de Emolumentos e Preços devidos pela emissão de documentos e prática de atos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados, aprovada pela deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 303/2006, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 9 de março de 2006, com a redação dada pelo n.º 1 da citada Deliberação 855/2011); e (ii) 650,00 (euro), até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação previsto no artigo 33.º do mesmo Regulamento (cf. o n.º 2.1.3 da mencionada Tabela, com a redação dada pelo n.º 1 da Deliberação 855/2011).

B) Quanto ao mérito do recurso

13 - Os parâmetros constitucionais cotejados pela decisão recorrida em ordem à emissão de um juízo positivo de inconstitucionalidade das normas em apreciação foram, recorde-se, o direito de livre escolha da profissão (artigo 47.º, n.º 1, da Constituição), designadamente a existência de uma restrição desproporcionada, e o princípio da proteção da confiança legítima (ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º do mesmo normativo) (cf. supra o n.º 1, em especial a secção H, alínea f., do acórdão recorrido, a fls. 1568 dos autos). Como refere o tribunal a quo, na secção H, alínea c.:

«Até 2009 era exigido aos advogados estagiários que pagassem (euro) 500,00 (quinhentos euros) no ato de inscrição preparatória, (euro) 100,00 (cem euros) até à realização dos exames de aferição e (euro) 100,00 (cem euros) até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação, num custo total do estágio de (euro) 700,00 (setecentos euros), sendo (euro) 600,00 (seiscentos euros) pagos até ao final da fase inicial e (euro) 100,00 (cem euros) pagos até ao final da fase complementar (cf. Deliberação 303/2006, de 9 de Março).

A partir de 1 de Janeiro de 2010 e tendo já em conta a reforma do RNE [operada pela deliberação 3333-A/2009, de 14 de dezembro], os advogados estagiários passaram a ter que pagar (euro) 150,00 (cento e cinquenta euros) no ato de inscrição preparatória, (euro) 50,00 (cinquenta euros) até à realização do teste escritos da fase de formação inicial e (euro) 50,00 (cinquenta euros) até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação, num custo total do estágio de (euro) 250,00 (duzentos e cinquenta euros), sendo (euro) 200,00 (duzentos euros) pagos até ao final da fase inicial e (euro) 50,00 (cinquenta euros) pagos até ao final da fase complementar (cf. Deliberação 2597/2009, de 11 de Setembro).

À data dos factos - Junho de 2011 -, exigia-se aos estagiários os seguintes pagamentos: (euro) 150,00 (cento e cinquenta euros) no ato de inscrição preparatória, (euro) 700,00 (cinquenta euros) até à realização do teste escritos da fase de formação inicial e (euro) 650,00 (cinquenta euros) até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação, num custo total do estágio de (euro) 1.500,00 (mil e quinhentos euros), sendo (euro) 850,00 (oitocentos e cinquenta euros) pagos até ao final da fase inicial e (euro) 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) pagos até ao final da fase complementar (cf. Deliberação 855/2011, de 30 de Março, aqui em crise)» (fls. 1571)

Os factos considerados a tal propósito na decisão recorrida foram, essencialmente, os seguintes (v. a Secção G.1.):

«Na verdade, o historial é o seguinte:

1.º Mediante a deliberação 303/2006, de 9 de Março, a Ordem dos Advogados, através do seu Conselho Geral, aprovou uma nova Tabela de Emolumentos e Preços, tendo fixado a taxa de inscrição de (euro) 500,00 e uma taxa para a realização de cada exame final - no final da fase avaliação final e da fase de avaliação e agregação - de (euro) 100,00, [...] esta tabela vigorou até 31.12.2009;

[...]

3.º Mediante a deliberação 2597/2009, de 11 de Setembro, a Ordem dos Advogados, através do seu Conselho Geral, aprovou uma nova Tabela de Emolumentos e Preços, para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2010, nos termos da qual se fixou uma taxa de inscrição de (euro) 150,00 e uma taxa pela realização de cada exame final - da fase de formação inicial e da fase de avaliação e agregação - de (euro) 50,00, [...] esta deliberação teve por fundamento, entre outros, retirar a inibição económica de acesso ao estágio e tem em conta a alteração estrutural do estágio planeada para o ano de 2009;

4.º Mediante a deliberação 3333-A/2009, de 14 de Dezembro, a Ordem dos Advogados, através do seu Conselho Geral, aprovou o novo Regulamento Nacional de Estágio para vigorar a partir de 01.01.2010, em que se reformulou a estrutura do estágio e se introduziu, entre outras coisas, o exame nacional de acesso ao estágio, limitações à repetição de exames e a inibição de reinscrição por período de 3 anos, [...] esta deliberação teve por fundamentos, entre outros, a massificação do ensino do Direito, com a consequente diminuição da qualidade dos alunos e da degradação da profissão;

[...]

6.º Mediante a deliberação 295/2010, de 8 de Fevereiro, a Ordem dos Advogados introduziu a taxa de (euro) 50,00 para o exame nacional de acesso ao estágio;

Esta deliberação, apesar de posterior à Deliberação que aprova o RNE, não altera as taxas fixadas pela deliberação 2597/2009, de 11 de Setembro para a inscrição e para a realização de exames finais da fase de formação inicial e da fase de avaliação e de agregação, [...]

[...]

10.º O primeiro curso de estágio a que se aplica o novo RNE e a nova Tabela de Emolumentos e Preços, foi o 1.º curso de estágio de 2011, no qual se inscreveram os Autores entre final de 2009 e Fevereiro de 2011, mediante o pagamento de (euro) 150,00 a título de taxa de inscrição e, nalguns casos, mediante o pagamento acrescido de (euro) 50,00 pela realização dos exames da fase de formação inicial [...]

[...]

12.º Os exames finais da fase de formação inicial do 1.º curso de 2011 realizaram-se nos dias 18, 20 e 22 de Julho de 2011 (por acordo);

13.º Alguns Autores foram admitidos aos exames finais de formação inicial nos dias 18, 20 e 22 de Julho de 2011, mediante o pagamento do respetivo emolumento exigido - (euro) 700,00- , não tendo os demais Autores sido admitidos aos referidos exames (por acordo);

14.º Em 07.09.2011, foi emitida certidão pela Ordem dos Advogados, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e da qual extrai-se que na 1.ª fase do curso de estágio de 2011, beneficiaram de isenção 138 inscritos e demais inscritos no número de 1.622 [...]» (fls. 1563 a 1566)

14 - Quanto a tal matéria, refere a recorrente nas conclusões das suas alegações de recurso:

- Para que exista violação do princípio da proporcionalidade em matéria de emolumentos respeitantes ao estágio da advocacia, é necessário que os mesmos sejam arbitrários ou manifestamente excessivos, face aos serviços concretamente prestados, e tendo em conta os fins de interesse público subjacentes à respetiva fixação, não sendo o aumento dos emolumentos do estágio operado em março de 2011 arbitrário nem desproporcionado (v. as conclusões C) e E), a fls. 1733-1734);

- Com efeito, esse aumento decorreu estritamente da necessidade de implementar o modelo de formação, mais exigente, consagrado nas alterações ao Regulamento Nacional de Estágio introduzidas no final de 2010, e do facto de se ter gorado a expetativa de o Estado vir a assumir os encargos com a formação dos estagiários (v. a conclusão F), a fls. 1734);

- Os montantes fixados não são excessivos nem desrazoáveis, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, designadamente por comparação com o que se passa, por exemplo, com a Câmara dos Solicitadores (cerca de (euro) 1 200), ou por comparação com valores cobrados por certas universidades privadas que lecionam cursos de preparação para o exame de ingresso no Centro de Estudos Judiciários (por exemplo, em 2010, na ordem dos (euro) 1936, (euro) 1885e (euro) 1 675) (v. as conclusões H), J) e K), a fls. 1734-1735);

- O estágio de advocacia (i) tem a duração de 24 meses; (ii) a quantia de (euro) 1 500, determinada pela deliberação 855/2011, é paga fracionadamente, em três prestações, de (euro) 150, (euro) 700 e (euro) 650 (e, a partir do 2.º Curso de Estágio de 2011, por força da Deliberação 2079/2011, em quatro, nos montantes de (euro) 700, (euro) 150, (euro) 500 e de (euro) 150);(iii) tais prestações são espaçadas no tempo (no figurino de março de 2011, no início, ao fim de seis meses, e um ano e meio depois), representando, assim, um encargo mensal médio de (euro) 62,50 - o que, objetivamente, não se pode ter por exagerado (v. a conclusão I), a fls. 1734);

- Finalmente, as situações de insuficiência económica dos advogados estagiários foram devidamente acauteladas na revisão das taxas operada através da Deliberação 855/2011, isentando-se do respetivo pagamento aqueles que tivessem obtido bolsa de estudo durante os anos da licenciatura, do que beneficiaram l38 advogados estagiários do 1.º Curso de Estágio de 2011 (v. a conclusão L), a fls. 1735);

- Por sua vez, para que exista violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, é necessária a reunião das condições que vêm sendo enunciadas pela jurisprudência constitucional e, no caso vertente, a recorrente não desenvolveu, desde logo, qualquer atuação que levasse os advogados estagiários a supor, sustentadamente, que os valores das taxas fixadas para 2010 se iriam manter inalterados e tão-pouco é plausível que as opções de vida dos advogados estagiários tenham sido determinadas por uma evolução da imutabilidade de tais emolumentos (v. as conclusões N), O) e P), a fls. 1735);

- Por fim, e em qualquer caso, os montantes fixados apesar de não cobrirem integralmente os custos da formação, são absolutamente essenciais para garantir a sustentabilidade do serviço prestado, o que constitui um interesse prevalecente na ponderação com os interesses do particulares (v. a conclusão Q), a fls. 1736).

B.1. A questão da violação do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho

15 - Os Acórdãos deste Tribunal n.os 3/2011 e 89/2012 (disponíveis, assim como os demais adiante citados em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) debruçaram-se sobre normas do Regulamento Nacional de Estágio, com a redação dada pela deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 3333-A/2009, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 16 de dezembro de 2009, cotejando-as precisamente com o direito fundamental de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho consagrado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição. No primeiro daqueles arestos, procedeu-se, além do mais, ao enquadramento normativo da Ordem dos Advogados e do estágio de advocacia enquanto pressuposto da inscrição definitiva como advogado. No segundo, analisou-se também a estrutura do estágio resultante das alterações introduzidas no Regulamento Nacional de Estágio pela mencionada Deliberação 3333-A/2009. Vale a pena equacionar as questões de constitucionalidade objeto do presente recurso à luz do que então o Tribunal considerou.

15.1 - Como se refere no Acórdão 3/2011, a compreensão de que a advocacia, enquanto profissão liberal, desempenha um papel essencial na realização da justiça, levou a que se atribuísse a uma associação pública - a Ordem dos Advogados - a tarefa de zelar pela função social, dignidade, prestígio e qualidade da profissão, chamando-se, assim, a colaborar, na prossecução de um interesse público, uma pessoa coletiva, cujos associados são precisamente os advogados, consubstanciando uma cedência pelo Estado de poderes a uma entidade autónoma.

Entendeu-se que a melhor maneira de proceder à supervisão do exercício duma atividade profissional privada, fundamental para a boa administração da justiça, era entregar essa função à associação representativa dos interesses dos advogados, confiando-se que a prossecução desses interesses conduziria à realização dos desígnios públicos neste domínio, concretizando, desse modo, o princípio da descentralização institucional que aproxima a Administração dos cidadãos, e uma articulação harmoniosa dos interesses profissionais dos advogados com o interesse público da justiça.

Para que esta finalidade tutelar da profissão fosse plenamente alcançada, impôs-se a inscrição obrigatória na Ordem dos Advogados, como condição para o exercício da profissão de advogado, efetuando-se, em regra, inicialmente, uma inscrição preparatória de acesso ao estágio de advocacia (sem prejuízo de algumas exceções normativamente previstas, como a dos doutores em Ciências Jurídicas, com efetivo exercício de docência, os antigos magistrados com exercício profissional por período igual ou superior ao do estágio, que possuam boa classificação, juristas de reconhecido mérito, mestres e doutores em Direito, cujo título seja reconhecido em Portugal, e advogados estrangeiros, os quais estão dispensados de tirocínio, podendo inscrever-se imediatamente como advogados). O Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei 15/2005, de 26 de janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 226/2008, de 20 de novembro, e pela Lei 12/2010, de 25 de junho) limita o acesso a esta inscrição preparatória, dispondo que podem requerer a inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados. Assim, em conformidade com o disposto no artigo 184.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, o pleno e autónomo exercício da advocacia depende dum tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada (n.º 1), cabendo aos serviços de estágio da Ordem dos Advogados assegurar, através de regulamento a aprovar pelo respetivo Conselho Geral, o acesso ao estágio, o ensino dos conhecimentos de natureza técnico-profissional e deontológica e o inerente sistema de avaliação (n.º 2).

Tal regulamento corresponde ao Regulamento Nacional de Estágio (Regulamento 52-A/2005, de 1 de agosto), publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de agosto de 2005, com as alterações constantes da Declaração de Retificação n.º 1379/2005, de 17 de agosto, com as alterações introduzidas pelo artigo 69.º do Regulamento 232/2007, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 4 de setembro de 2007, da Deliberação 1898-A/2007, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 24 de setembro de 2007, da Deliberação 2280/2008, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 19 de agosto de 2008, e da Deliberação 3333-A/2009, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 16 de dezembro de 2009).

15.2 - Na síntese do Acórdão 89/2012, no âmbito da vigência do Regulamento Nacional de Estágio, na versão anterior à Deliberação 3333-A/2009, o estágio de advocacia tinha a duração de 30 meses, compreendendo uma fase de formação inicial e outra de formação complementar.

A fase de formação inicial, destinada a garantir a iniciação aos aspetos técnicos e deontológicos inerentes à profissão de advogado, consistia no acompanhamento no escritório do patrono, a par do estudo das matérias constantes do programa de estágio e participação facultativa em sessões de formação disponibilizadas pelos centros de estágio. A avaliação da primeira fase de estágio era efetuada através duma prova de aferição, constituída por três testes escritos, cuja elaboração, classificação e correção cabia aos centros de estágio (artigo 20.º, n.º 1). Os advogados estagiários que obtivessem nota positiva em cada um dos referidos testes seriam admitidos à fase de formação complementar (artigo 22.º).

Visando o aprofundamento das exigências práticas da profissão, a fase de formação complementar intensificava o contacto pessoal do advogado estagiário com o funcionamento dos escritórios de advocacia, dos tribunais e outros serviços relacionados com o exercício da atividade profissional. No termo da fase de formação complementar, o advogado estagiário apresentaria requerimento para admissão ao exame final de avaliação e agregação, sendo este composto por uma prova escrita e uma subsequente prova oral. Com efeito, obtendo na prova escrita classificação igual ou superior a 10 valores, o advogado estagiário acederia à prova oral (artigo 38.º), a realizar perante um júri composto por três membros (artigo 40.º, n.º 1), encarregue de atribuir ao candidato, em função da prova oral e demais elementos de avaliação constantes do respetivo processo individual de advogado estagiário, a classificação final de Não aprovado e Aprovado por maioria de votos dos seus membros (artigo 41.º, n.º 1).

15.3 - Com as alterações introduzidas através da Deliberação 3333-A/2009 - dando origem a um novo Regulamento Nacional de Estágio -, a duração da fase de estágio foi encurtada para 24 meses, mantendo-se em 6 meses a duração da fase de formação inicial e diminuindo-se para 18 meses o período da fase de formação complementar (artigo 2.º, n.º 1).

A prova de aferição, a realizar no final da fase de formação inicial, passou a ser organizada pela Comissão Nacional de Avaliação. A admissão à fase de formação complementar manteve-se privativa dos advogados estagiários que obtenham aprovação na prova de aferição, aprovação essa agora indexada ao somatório dos três testes escritos que a compõem (artigo 22.º). A obtenção duma classificação negativa na prova de aferição passou a ter a consequência prevista para a falta, ainda que justificada, ao teste de repetição: ambos os casos implicam uma nova inscrição no curso de estágio, com consequente repetição de todos os testes que compõem a prova de aferição (artigo 24.º, n.º 1), sendo os advogados estagiários integrados pelos centros de estágio no primeiro curso que tiver início após a respetiva reinscrição (artigo 24.º, n.º 2).

A fase de formação complementar manteve as finalidades e os conteúdos anteriormente fixados (artigo 2.º, n.os 3 e 4), embora a tutela da prática profissional do advogado estagiário contemple agora, a par do respetivo patrono e dos centros de estágio, a intervenção da Comissão Nacional de Estágio e Formação (artigo 25.º). Em consequência da unificação dos dois regimes anteriormente contemplados, o exame de avaliação e agregação é sempre realizado no termo do período do estágio (artigo 32.º, n.º 2), permanecendo constituído por uma prova escrita e por uma subsequente prova oral nos termos acima referidos (artigo 33.º). No respeitante à avaliação da prova escrita, o advogado estagiário que obtiver classificação inferior a 10 valores mantém a faculdade de repetir esta prova, por uma só vez. Embora ainda necessária, a obtenção de classificação igual ou superior a 10 valores na prova escrita deixa de ser condição suficiente para o acesso à prova oral na medida em que esta passa agora a supor a cumulativa obtenção de nota positiva no teste de deontologia profissional (artigo 38.º).

Do ponto de vista do significado das alterações introduzidas pela deliberação 3333- A/2009, a novidade maior diz uma vez mais respeito aos efeitos da classificação obtida na prova oral: em caso de reprovação na prova oral, o advogado estagiário mantém a faculdade de proceder à respetiva repetição, por uma só vez, com consequente prorrogação do estágio pelo tempo necessário (artigo 42.º, n.º 1); na hipótese de não ser requerida a repetição da prova oral ou, sendo esta realizada, ocorrer nova reprovação, o advogado estagiário conserva o direito de repetir a fase de formação complementar (artigo 42.º, n.º 3); em caso de repetição da fase complementar e verificando-se nova reprovação na prova oral, o advogado estagiário mantém a possibilidade de repetir esta prova por uma só vez, o que, embora decorresse já da aplicação não excecionada da regra anterior, se encontra agora previsto expressamente (artigo 42.º, n.º 4); verificando-se nova reprovação na prova oral, o advogado estagiário perde o direito a reiniciar a fase de formação complementar tal como decorria do regime anterior, sendo cancelada a sua inscrição e ficando o mesmo impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos (artigo 42.º, n.º 5).

Por outro lado, a decisão ora recorrida salienta que, no quadro do novo Regulamento Nacional de Estágio, os conteúdos do programa da primeira fase de estágio foram densificados, mediante a introdução de duas novas áreas de formação - direito constitucional e direitos humanos e informática jurídica - a separação de duas áreas de formação - organização judiciária e deontologia profissional -, e que passaram a ser promovidas ações de formação de vertente prática, designadamente simulação de diligências processuais (cf. supra o n.º 1, e fls. 1572). Tal resultou em mais exigência e maior qualidade de formação, assim como no aumento da matéria sobre a qual incidem os testes escritos que compõem a prova de aferição.

16 - Como mencionado, os dois citados Acórdãos deste Tribunal confrontaram diversas normas do novo Regulamento Nacional de Estágio com o direito previsto no artigo 47, n.º 1, da Constituição. No segundo de tais arestos - o Acórdão 89/2012 -, procede-se ao seguinte enquadramento das condições habilitantes da inscrição obrigatória na Ordem dos Advogados:

«7.2 - Inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição assegura que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade

Para além da faculdade de escolher livremente a profissão desejada, a liberdade de escolha de profissão tem, na sua dimensão positiva, vários níveis de realização, nestes se incluindo, a par, entre outros, da obtenção das habilitações necessárias ao exercício da profissão, o momento do ingresso na atividade profissional.

Considerada a especial natureza ou relevo social de certas atividades profissionais, aquele ingresso pode encontrar-se sujeito a determinadas restrições de índole subjetiva (expressamente admitidas pelo artigo 47.º, n.º 1, in fine, da Constituição), integrando estas o "estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado" (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Volume I, 4.ª Edição, pág. 656) a que tais profissões foram legalmente submetidas com o objetivo de assegurar que, tal como é do interesse público, o respetivo exercício ocorra segundo padrões de qualidade e idoneidade.

Tais restrições, todavia, quando se traduzam na fixação de requisitos subjetivos de acesso e tenham por isso o efeito de delimitar positiva e/ou negativamente o universo das pessoas que podem exercer determinada profissão, não poderão deixar de afetar a zona nuclear do direito à livre escolha da profissão, o que determina que a sua previsão se encontre reservada à lei parlamentar ou a diploma governamental devidamente autorizado nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição (cf. Acórdão 3/2011).

Daqui resulta que, embora a inscrição nas ordens profissionais seja condição do exercício da profissão, estas não podem estabelecer, por via autónoma e independente, restrições ao exercício profissional: a inscrição constitui um direito daquele que se encontre nas condições normativamente pré-fixadas e estas, por dizerem respeito à modelação da liberdade de escolha da profissão, encontram-se sob reserva relativa de lei parlamentar nos termos que conjugadamente resultam dos artigos 47.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

Tendo por objeto de regulação os direitos, liberdades e garantias, a reserva relativa de lei parlamentar estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, da Constituição, é, além do mais, materialmente absoluta no sentido em que toda a densificação do regime se encontra reservada à Assembleia da República ou ao Governo sob autorização desta.

7.3 - Da conformação legal do regime de acesso ao exercício da atividade profissional de advogado resulta que este se encontra dependente da inscrição na Ordem dos Advogados (artigo 61.º, do EOA) e esta, em regra, dum tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada ao início da atividade e cumpriu com os demais requisitos impostos pelo presente Estatuto e regulamentos para a aquisição do título de Advogado (artigo 184.º, n.º 1).

Não se verificando qualquer uma das situações de dispensa legalmente estabelecidas [...], o estágio de advocacia é de realização obrigatória, constituindo uma condição necessária para a inscrição na Ordem dos Advogados e, consequentemente, para o exercício habilitado da respetiva profissão.

De acordo com o regime fixado no Estatuto da Ordem dos Advogados, podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados (artigo 187.º do EOA).

Encontram-se, todavia, impedidos de se inscrever aqueles que, não obstante satisfazerem tal condição: a) não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão, o que se presume em relação aos condenados por crime gravemente desonroso; b) não estejam no pleno gozo dos direitos civis; c) hajam sido declarados incapazes de administrar as suas pessoas e bens por sentença transitada em julgado; d) se encontrem em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia; e e) os magistrados e funcionários que, mediante processo disciplinar, hajam sido demitidos, aposentados ou colocados na inatividade por falta de idoneidade moral (cf. artigo 181.º).

Da conjugação das normas constantes dos artigos 187.º e 181.º do Estatuto da Ordem dos Advogados resulta que o universo dos sujeitos habilitados a aceder ao estágio de advocacia se encontra delimitado por lei tanto positiva como negativamente, relacionando-se o pressuposto positivo com a exigência de determinada qualificação académica e o requisito negativo com a presunção de inidoneidade ou inaptidão associada à verificação de uma das circunstâncias taxativamente previstas e tipificadas para o efeito.»

Recorde-se que os Acórdãos n.os 3/2011 e 89/2012 tiveram por objeto normas do Regulamento Nacional de Estágio que estabeleciam pressupostos subjetivos condicionadores do direito de escolha da profissão de advogado - no primeiro caso, o exame nacional de acesso ao estágio previsto no artigo 9.º-A do citado Regulamento, e cuja previsão foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral; e, no segundo caso, diversas normas que eliminavam a faculdade de inscrição no curso de advogado pelo período de três anos (artigo 24.º, n.os 3 e 4, artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte, e 42.º, n.º 5, 2.ª parte, todos do mesmo normativo). Porém, no caso presente, não são nem os termos nem a estrutura do estágio que estão em causa; em especial, não vem questionada a dificuldade de acesso à profissão de advogado por via de uma excessiva seletividade ou exigência quanto às capacidades dos interessados.

17 - A questão de constitucionalidade apreciada e decidida pelo tribunal a quo funda-se antes na ideia de um condicionamento objetivo, decorrente do elevado custo associado à formação inicial e complementar correspondente ao estágio de advocacia. Na verdade, e como anteriormente mencionado, na sequência da Deliberação 855/2011, os valores previstos nos n.os 2.1.2. e 2.1.3. da Tabela de Emolumentos e Preços a pagar pelos estagiários já inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011, anteriormente fixados pela deliberação 2597/2009, foram significativamente aumentados. Segundo o tribunal a quo, «atentos os novos valores emolumentares consagrados, [...] a alteração às tabelas emolumentares consubstancia uma restrição em sentido próprio do direito de livre escolha da profissão» (v. supra o n.º 1 e fls. 1571), que foi aplicada a interessados anteriormente inscritos. Nesse sentido, afirma-se ainda no acórdão recorrido:

«Apenas após a declaração de inconstitucionalidade do artigo 9.º-A do novo RNE/Dez.2009 pelo Tribunal Constitucional e após a inscrição preparatória dos ora Autores como advogados estagiários no 1.º Curso de Estágio de 2011, o Conselho da OA decidiu alterar o valor dos emolumentos devidos, não pela inscrição dos advogados estagiários, mas pela realização dos exames quer de aferição, quer final de avaliação e agregação.

O pagamento dos emolumentos devidos nos termos daquela Tabela de Emolumentos e Preços constituía necessário requisito para que os advogados estagiários pudessem efetuar os testes escritos do exame de aferição da fase de formação inicial, que se realizaram nos dias 18, 20 e 22 de Julho de 2011.

Os advogados estagiários que não efetuaram tal pagamento foram inibidos de realizar tais testes escritos, não podendo, consequentemente finalizar a fase de formação inicial e transitar para a fase de formação complementar.

A realização destes testes escritos constituiu, pois, uma condição de ingresso na advocacia (a par de diversas outras condições).

O mesmo sucede com o pagamento dos emolumentos devidos para a realização do exame final de agregação, no término da fase de formação complementar.»

A partir deste contexto, para o tribunal a quo, «resulta [...] à evidência que o valor dos emolumentos apenas foi alterado porque seria substancialmente diferente a composição do 1.º curso de estágio de 2011 no que ao número de alunos diz respeito, sendo certo que tal, em parte, deve-se ao facto de a OA não ter ministrado quaisquer cursos em 2010, nem o 2.º curso de 2009 - o que apenas à OA pode ser imputado» (v. fls. 1574). Daí as seguintes considerações, relativamente à violação do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho:

«O artigo 47.º, n.º 1, da CRP não impõe a gratuitidade da escolha e acesso à profissão, mas o disposto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP não deixa, claramente, de inibir a criação de constrangimentos intoleráveis de ordem económica, que não contenham qualquer fundamento objetivo que não seja o de restringir o acesso à profissão.

Os novos valores de emolumento relativos aos exames de avaliação das fases inicial e complementar do estágio são objetivamente muito avultados, muito superiores, cada um deles, ao salário mínimo nacional, sendo, ademais, os mesmos exigidos advogados estagiários, os quais, em numerosos casos, não auferem qualquer remuneração pelo estágio que desenvolvem.

A fixação dos emolumentos efetuada pela deliberação 2597/2009, de 11 de Setembro, já tinha em consideração as alterações estruturais que o estágio iria sofrer com o novo RNE a aprovar até ao final do ano de 2009, o que veio a acontecer em Dezembro.

Por outro lado, não tem sentido (minimamente sinalagmático) que a OA fixe como emolumentos de inscrição - que devem suportar toda a formação inicial - a quantia de (euro) 150,00, e como emolumentos devidos pela realização de exames finais a quantia de (euro) 700,00.

Mas há que apreciar o estágio como um todo e a atuação da OA à luz da deliberação 2089/2011, de 21 de Outubro, nos termos da qual o Conselho Geral decidiu inverter a ordem dos valores dos emolumentos, no sentido de as inscrições - quer na fase de formação inicial quer na fase de avaliação e agregação - implicarem o pagamento de um emolumento de (euro) 700,00 e (euro) 500,00 (respetivamente) e de a realização dos exames finais implicarem um emolumento de (euro) 150,00.

Donde resulta que a OA reconheceu, no que a estes autos importa, que a realização dos exames não tem um custo superior a (euro) 150,00, carecendo, pois, de justificação os emolumentos cobrados de (euro) 700,00 e 650,00, respetivamente.

Enfim, os emolumentos devem ser devidos pelos atos praticados e não pelo estágio como um todo, pelo que cada ato deve justificar, por si, o emolumento cobrado. Isto não se verifica no caso presente.» (fls. 1574-1575)

18 - Recorde-se que o tribunal recorrido não questiona nem a legitimidade da exigência da realização com êxito do estágio de advocacia, como condição de inscrição como advogado na Ordem dos Advogados, nem a respetiva estrutura nem, tão-pouco, que a sua organização implique a realização de custos. Por outro lado, o mesmo tribunal, embora transcreva uma parte das justificações invocadas no preâmbulo da Deliberação 855/2011, não aprecia o seu mérito. E, no caso sujeito, são muito relevantes aquelas que constam dos Considerandos B) a H):

«B) Tal declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral [- a realizada pelo Acórdão 3/2011 -], impede a Ordem dos Advogados de recorrer ao exame nacional de acesso ao estágio como forma de exigir aos candidatos a estágio profissional o domínio de conteúdos técnico-jurídicos indispensáveis ao ingresso nos cursos de estágio ministrados pela Ordem dos Advogados;

C) A melhoria do sistema de justiça obriga a que os advogados que nela participam, exercendo o patrocínio forense, se encontrem devidamente preparados nas vertentes técnico-jurídica e deontológica;

D) A boa administração da Justiça não exige apenas bons magistrados, mas também advogados com elevada preparação teórica e prática, a ponto de possuírem um domínio elevado dos conteúdos, substantivo e adjetivo, do direito;

E) A formação a ministrar aos candidatos no acesso à profissão de advogado deve observar um elevado padrão de exigência como resulta do novo regime da formação de advogados estagiários, plasmado no Regulamento Nacional de Estágio, na redação que lhe foi conferida pela deliberação 3333-A/2009, de 16 de Dezembro de 2009;

F) Tal como sucede com a formação dos magistrados, não deve ser a Ordem dos Advogados a suportar os elevados custos financeiros com a formação dos candidatos a advogado, dado o manifesto interesse público de que se reveste o exercício da profissão e o seu papel decisivo na boa administração da justiça;

G) Em resultado do novo modelo de formação, mais exigente, ínsito no Regulamento Nacional de Estágio aprovado pelo Conselho Geral, e, bem assim, do acesso ao estágio por parte de candidatos a advogados com menos de 5 anos de licenciatura, torna-se necessário adequar os emolumentos previstos na Tabela de Emolumentos e Preços, para a fase de formação inicial e complementar do estágio e para a inscrição como advogado;

H) Tal alteração deve ser de modo a que os custos do acesso à profissão, não sendo para já assumidos pelo Estado, como acontece no caso dos magistrados, sejam suportados por quem pretenda aceder à profissão e não pela Ordem dos Advogados».

Ou seja, a questão da necessidade de realização do estágio é indissociável da dos respetivos custos e da necessidade do seu financiamento pelos próprios interessados. Nesta perspetiva, perde autonomia o problema da qualificação jurídica dos emolumentos previstos nos n.os 2.1.2. e 2.1.3. da Tabela de Emolumentos e Preços. Com efeito, o que verdadeiramente importa apurar é se os valores fixados pela deliberação 855/2011 - que são uma decorrência direta de um estágio de realização obrigatória e que in casu não está em causa - se apresentam como excessivos por comparação com os custos que visam financiar.

Inexiste, por conseguinte, interesse em discutir se os emolumentos que financiam tais custos consubstanciam, eles próprios, um condicionamento ou restrição (sobre as dificuldades da distinção, v., por todos, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª ed., Almedina, 2012, p. 210, nota 51), uma vez que, a existir um excesso, os emolumentos em causa deverão ser considerados ilegítimos independentemente de estar em causa um condicionamento ou uma restrição ao direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho. Como já sucedeu no passado, designadamente a propósito das situações objeto dos Acórdãos n.os 3/2011 e 89/2012, essa é uma questão que se suscita imediatamente em relação à necessidade do próprio estágio de advocacia como condição de acesso à profissão de advogado.

Por outro lado, também não se afigura necessário discutir se os mesmos emolumentos correspondem a taxas ou preços (sobre esta distinção, v., por exemplo, Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1974, pp. 53-55; e Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, p. 208 e ss.), uma vez que, também aqui, se tais emolumentos excederem manifestamente os custos que se destinam a financiar, eles serão desde logo ilegítimos por desproporcionados. De resto, caso se tratasse de verdadeiras «taxa», haveria que considerar que, conforme recordado por exemplo, no Acórdão 846/2014, «a "conceção constitucional de tributo" é inimiga de qualquer construção que veja similitudes entre estas imposições e as vulgares restrições a direitos, liberdades e garantias, tal como estas últimas são reguladas pelo artigo 18.º da CRP» - o que, como se sublinha no mesmo aresto, «nem por isso dispensa, quanto a elas [- as ditas imposições -],o requisito ou crivo da proporcionalidade, enquanto expressão de um princípio que [...] vale em Estado de direito (artigo 2.º) para todo o agir estadual».

Na mesma linha, e por identidade de razões - em especial, o objetivo de financiamento integral de um estágio legitimado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados e pelos seus regulamentos -, também não há que relevar autonomamente a circunstância de aqueles emolumentos constarem de um regulamento - a Tabela de Emolumentos e Preços, na redação dada pela deliberação 855/2011 - e não de um ato legislativo (sobre a diferente intensidade de escrutínio da proporcionalidade, consoante se trate de atos do poder legislativo ou de atos do poder administrativo, v. os Acórdãos n.os 484/2000 e 187/2001).

Em suma, o que está em causa é realizar um controlo negativo sobre a existência de um eventual excesso na fixação dos emolumentos em apreciação, tendo em conta a respetiva finalidade.

19 - Decorre dos Considerandos da Deliberação 855/2011 e da própria estrutura do n.º 2 (Estágio) da Tabela de Emolumentos e Preços que os ciclos da formação inicial e da formação complementar, incluindo o ato de inscrição no estágio e a realização das provas, são considerados globalmente ou, como a dado passo se refere no acórdão recorrido, o estágio deve ser apreciado «como um todo» (v. fls. 1574), nomeadamente para efeitos do financiamento do seu custo por parte dos interessados. Nesse sentido depõem inequivocamente os Considerandos F), G) e H) da mencionada Deliberação: «não deve ser a Ordem dos Advogados a suportar os elevados custos financeiros com a formação dos candidatos a advogado»; «torna-se necessário adequar os emolumentos previstos na Tabela de Emolumentos e Preços, para a fase de formação inicial e complementar do estágio e para a inscrição como advogado»; «tal alteração deve ser de modo a que os custos do acesso à profissão [...], sejam suportados por quem pretenda aceder à profissão e não pela Ordem dos Advogados». Ou seja, para determinar se há excesso de financiamento nos emolumentos previstos face aos custos a financiar, o que importa considerar é o custo global do estágio com a estrutura que lhe foi conferida pelo novo Regulamento Nacional de Estágio, aprovado pela deliberação 3333-A/2009.

Ora, sobre isto o que se diz no acórdão recorrido é manifestamente insuficiente.

Em primeiro lugar, e tomando em consideração os Considerandos da Deliberação 855/2011, já transcritos, retira-se naquele aresto uma conclusão que não tem o menor apoio nos mesmos: «o valor dos emolumentos apenas foi alterado porque seria substancialmente diferente a composição do 1.º curso de estágio de 2011 no que ao número de alunos diz respeito, sendo certo que tal, em parte, [se deve] ao facto de a OA não ter ministrado quaisquer cursos em 2010 nem o 2.º curso de 2009 - o que apenas à OA pode ser imputado» (fls. 1574). Não só não é isso que resulta dos ditos Considerandos, como a afirmação em apreço é totalmente omissa quanto à problemática dos custos financeiros associados ao estágio de advocacia.

Em segundo lugar, o tribunal a quo, parecendo reconhecer que o estágio deve ser apreciado como um todo, confronta os valores previstos na deliberação 855/2011 com as alterações introduzidas posteriormente pela deliberação 2089/2011, designadamente a inversão da ordem dos valores dos emolumentos a pagar pelos interessados, para concluir, a partir da ideia que paradoxalmente também afirma de que «os emolumentos devem ser devidos pelos atos praticados e não pelo estágio como um todo, pelo que cada ato deve justificar, por si, o emolumento cobrado», que «a OA reconheceu, no que a estes autos importa, que a realização dos exames não tem um custo superior a (euro) 150,00 [- o valor a pagar, de acordo com o n.º 2.1.4. da Tabela, na redação dada pela segunda daquelas Deliberações, "até 15 dias antes da data designada para a realização do exame final de avaliação e agregação" -], carecendo, pois, de justificação os emolumentos cobrados de (euro) 700,00 e 650,00, respetivamente.» (v. fls. 1574-1575). Para além de, também neste passo, não se fazer qualquer referência aos custos financeiros do estágio de advocacia considerado no seu todo, e de a perspetivação de cada emolumento referido a um dado ato não ter correspondência na fundamentação da Deliberação 855/2011, a decisão recorrida também não tem em conta que, nos termos dos n.os 2.1.2. e 2.1.3.2 da Tabela de Emolumentos e Preços, na redação dada pela deliberação 855/2011 - e são apenas essas as normas em causa no presente recurso -, aqueles valores de (euro) 700,00 e (euro) 650,00 são devidos, não por atos isolados como sejam os exames, mas também pela frequência da formação que antecede tais atos. Daí que o momento da realização do teste escrito e do ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação constituam meros termos finais dos prazos de pagamento respetivo. Recorde-se que é o seguinte o teor das normas em causa:

«2.1.2. - A pagar até à realização do teste escrito no final da fase de formação inicial -(euro) 700,00;

2.1.3. - A pagar até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação - (euro) 650,00.»

Acresce que dos autos não resultam quaisquer indícios da existência de um excesso do valor total dos emolumentos previstos cobrar aos estagiários tanto pela deliberação 855/2011, como pela deliberação 2089/2011, relativamente aos custos da formação inicial e complementar do estágio de advocacia. Ou seja, face aos elementos disponíveis, não pode o Tribunal afirmar que existe uma desproporção entre os montantes exigidos pelos n.os 2.1.2. e 2.1.3.2 da Tabela de Emolumentos e Preços, na redação dada pela deliberação 855/2011, e os custos associados à formação inicial e complementar do estágio de advocacia, considerando já incluídas nesses custos a organização do teste escrito correspondente à prova de aferição, a realizar no final da fase de formação inicial pela Comissão Nacional de Avaliação, e a elaboração e classificação do exame final de avaliação e agregação. Tanto basta para que se não possa julgar inconstitucionais aquelas duas normas, por violação do princípio da proporcionalidade.

B.2. A questão da violação do princípio da confiança

20 - No acórdão recorrido ponderou-se igualmente a circunstância de os advogados estagiários inscritos no 1.º Curso de estágio de 2011 terem sido surpreendidos por um aumento inesperado e significativo dos emolumentos devidos:

«[Q]uando os candidatos tomaram a decisão de se inscreverem e frequentarem o curso de estágio da OA, fizeram-no tendo em consideração, entre outras coisas, o valor dos emolumentos devidos pela totalidade do estágio, tanto mais que o período de estágio corresponde, as mais das vezes, a um verdadeiro investimento económico.

Modificar, em absoluto, parte das regras que determinaram essa escolha, constitui, claramente, uma alteração unilateral e sem acordo ou informação prévios das circunstâncias em que os candidatos tomaram as suas decisões, em prejuízo da confiança por estes legitimamente criada nas regras vigentes à data da sua inscrição e nas suas legítimas expectativas relativamente à frequência e conclusão do estágio, como meio de acesso à advocacia.» (v. fls. 1575)

E, por isso, concluiu o tribunal a quo no sentido de as normas ora objeto de fiscalização violarem (também) o princípio constitucional da proteção da confiança: os «novos emolumentos, quando conjugados com as novas regras criadas pela O.A. em Dezembro de 2009 e constantes dos artigos 22.º e 24.º/1/3/4 do R.N.E., violam os princípios constitucionais da Tutela Da Confiança [...]: os novos emolumentos não poderiam ser lealmente aplicados a quem já estava inscrito nos termos legais (como os ora aa.) [...]» (v. ibidem).

Na verdade, não só o n.º 3 da Deliberação 855/2011 estatui que as alterações introduzidas pela mesma Deliberação na tabela de emolumentos e Preços se apliquem desde logo também ao mencionado 1.º Curso de 2011, à data já iniciado, como os aumentos em causa foram muito significativos. Com efeito, os valores previstos nos n.os 2.1.2. e 2.1.3. da Tabela de Emolumentos e Preços a pagar pelos estagiários já inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011, anteriormente fixados pela deliberação 2597/2009, foram aumentados nos seguintes termos pela deliberação 855/2011:

- De 50,00 (euro) para 700,00 (euro), a pagar até à realização do teste escrito no final da fase de formação inicial: um aumento de 1400 %;

- De 50,00 (euro) para 650,00 (euro), a pagar até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação, que assinala o termo da formação complementar: um aumento de 1300 %.

Tendo em conta o valor de 150,00 (euro) pago no ato de inscrição inicial - e que, para todos os inscritos, ocorreu antes de março de 2011 (cf. supra o n.º 13 e fls. 1565) - previsto no n.º 2.1.1. da citada Tabela, o custo total do estágio passou, deste modo, de 250,00 (euro) para 1 500,00 (euro) - um aumento de 600 %.

Acresce que não são feitas na motivação da citada Deliberação 855/2011 quaisquer ponderações a este respeito. Pelo contrário, tal aumento surge já depois de na deliberação 295/2010, uma deliberação adotada em 1 de fevereiro de 2010 (e publicada no Diário da República, 2.ª série, de 8 de fevereiro de 2010) - portanto, já depois de reformado o Regulamento Nacional de Estágios e antes de grande número das inscrições realizadas para o 1.º Curso de Estágio de 2011 - a Ordem dos Advogados se ter limitado a fixar uma «taxa de inscrição» relativa ao exame nacional de estágio (entretanto eliminado, por força do Acórdão 3/2011) no valor de (euro) 50,00, mantendo inalterados os valores fixados em 2009 para as fases de formação inicial e complementar.

21 - A tutela constitucional da confiança emana do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição (v. jurisprudência constante deste Tribunal, por exemplo, os Acórdãos n.os 287/90, 128/2009, 3/2010, 154/2010, 862/2013 ou 294/2014). Com efeito, o Estado de direito é, também, um Estado de segurança (cf. o Acórdão 108/2012). Como já tem sido afirmado, a garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de Direito corresponde, numa vertente subjetiva, a uma ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica.

Ao apreciar a conformidade das normas sub iudicio com o princípio da proteção da confiança, importa ter presente a mencionada jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o tema.

No Acórdão 287/90, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da proteção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroatividade inautêntica, retrospetiva». De acordo com essa jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade.

Como se disse no Acórdão 128/2009, os dois critérios enunciados são finalmente reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou "testes". Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança, é necessário, em primeiro lugar, que os poderes públicos (mormente aqueles que detêm competências normativas) tenham encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade dos comportamentos geradores de expectativas; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do ou dos comportamentos que geraram a situação de expectativa.

Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação dos poderes públicos.

In casu verifica-se, pelas razões indicadas na decisão recorrida e, outrossim, pela alteração da Tabela de Emolumentos e Preços aprovada em 2010, que quem se inscreveu no 1.º Curso de Estágio de 2011 tinha a expectativa de que, na ausência de modificações na estrutura de tal curso, os respetivos custos totais, tanto na fase inicial como na fase complementar, se mantivessem inalterados até à realização das provas no final de cada uma dessas fases. Por outro lado, a Ordem dos Advogados não indica, nomeadamente entre os considerandos que constam do preâmbulo da Deliberação 855/2011, qualquer razão premente de interesse público que tornasse imediatamente exigível aos estagiários que já tinham iniciado o curso de estágio os elevadíssimos novos valores. Para mais, tal exigência fez-se depois de já paga por ocasião do ato inicial de inscrição dos interessados uma quantia, bastante significativa para jovens em busca de qualificações para acederem a uma dada profissão: quem não quisesse perder por inutilização aquele "investimento inicial" de (euro) 150,00, teria de suportar um aumento dos custos inicialmente previstos superior a 1 000 %. Neste particular, a consideração do curso de estágio como um todo joga necessariamente a favor da manutenção das expectativas dos estagiários já inscritos.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Não conhecer do objeto dos recursos na parte respeitante aos artigos 22.º, 23.º e 24.º, n.os 1, 2, 3 e 4, do Regulamento Nacional de Estágio aprovado pelo Regulamento 52-A/2005, da Ordem dos Advogados, e publicado no DR II, de 1 de agosto de 2005;

b) Não conhecer do objeto do recurso interposto pelo Ministério Público na parte respeitante às normas das Deliberações do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.os 2597/2009 e 2089/2011, publicadas no Diário da República, 2.ª série, respetivamente, de 11 de setembro de 2009 e de 2 de novembro de 2011, que, alterando a Tabela de Emolumentos e Preços Tabela de Emolumentos e Preços devidos pela emissão de documentos e prática de atos no âmbito dos serviços da Ordem dos Advogados, aprovada pela deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 303/2006, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 9 de março de 2006, fixaram novos emolumentos;

c) Julgar inconstitucionais, por violação do princípio da proteção da confiança legítima ínsito no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição, as normas dos n.os 1 e 3 da Deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.º 855/2011, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 30 de março de 2011, segundo as quais os estagiários inscritos no 1.º Curso de Estágio de 2011 têm de pagar: (i) 700,00 (euro), até à realização da prova de aferição prevista no artigo 19.º do referido Regulamento Nacional de Estágio (cf. o n.º 2.1.2. da referida Tabela de Emolumentos e Preços, com a redação dada pelo n.º 1 da citada Deliberação 855/2011); e (ii) 650,00 (euro), até ao ato de inscrição no exame final de avaliação e agregação previsto no artigo 33.º do mesmo Regulamento (cf. o n.º 2.1.3 da mesma Tabela, com a redação dada pelo n.º 1 da Deliberação 855/2011);

E, em consequência,

d) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas (artigo 4.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea b), do Regulamento das Custas Judiciais, aplicável ex vi do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 7 de outubro).

Lisboa, 29 de abril de 2015. - Pedro Machete - João Cura Mariano - Fernando Vaz Ventura (vencido quanto ao conhecimento conforme declaração junta) - Ana Guerra Martins (vencida quanto ao conhecimento, conforme declaração de voto do Senhor Conselheiro Fernando Ventura) - Joaquim de Sousa Ribeiro.

Relator: Conselheiro Pedro Machete.

DECLARAÇÃO DE VOTO

1 - Vencido quanto ao conhecimento do recurso interposto pela Ordem dos Advogados, por entender que o recorrente não inscreveu no objeto do recurso, como lhe competia de acordo com o princípio do pedido, questão de inconstitucionalidade dirigida a normas contidas nos n.os 1 e 3 da Deliberação 855/2011.

Dirigiu, sim, questão de inconstitucionalidade à regulação introduzida pela deliberação 2089/2011, como resulta de alusão a "alterado pela deliberação 2089/2011", e encontra confirmação na argumentação levada à conclusão I) das alegações.

A ulterior tentativa do recorrente de modificar o rumo do recurso não pode, a meu ver, colher, sem postergar a exigência da correta identificação pelo recorrente da norma cuja conformidade constitucional pretende ver apreciada, sendo, para mais, o propósito de apresentação de uma simples "nota de atualização objetiva" incoerente com a omissão de referência às demais deliberações ocorridas até à prolação da decisão recorrida, nomeadamente às Deliberações n.os 992/2012, 1400/2012 e 1074/2014.

Por assim ser, e o objeto do recurso, tal como efetivamente delimitada pelo recorrente, Ordem dos Advogados, não corresponder às normas desaplicadas pela decisão recorrida, pronunciei-me pelo não conhecimento também desse recurso.

2 - Conhecido o mesmo, acompanho o julgamento de inconstitucionalidade.

208677923

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/868584.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-26 - Lei 15/2005 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto da Ordem dos Advogados.

  • Tem documento Em vigor 2008-11-20 - Decreto-Lei 226/2008 - Ministério da Justiça

    Altera, no que respeita à acção executiva, o Código de Processo Civil, os Estatutos da Câmara dos Solicitadores e da Ordem dos Advogados e o registo informático das execuções.

  • Tem documento Em vigor 2010-06-25 - Lei 12/2010 - Assembleia da República

    Segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/100/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 20 de Novembro, reconhecendo os títulos profissionais búlgaros e romenos e permitindo o exercício da profissão de advogado em Portugal.

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