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Acórdão 14/96, de 27 de Novembro

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Sumário

A IMPOSIÇÃO A ESTRANGEIRO DA PENA DE EXPULSÃO PREVISTA NO NUMERO 2 DO ARTIGO 34 DO DECRETO LEI 430/83, DE 23 DE DEZEMBRO - REVÊ O REGIME JURÍDICO EM MATÉRIA DE CONSUMO E TRÁFICO ILÍCITO DE ESTUPEFACIENTES -, NÃO PODE TER LUGAR COMO CONSEQUÊNCIA AUTOMÁTICA DA SUA CONDENACAO POR QUALQUER DOS CRIMES PREVISTOS NOS SEUS ARTIGOS 23, 24, 25, 26, 28, 29 E 30 (TRAFICO E PENALIDADES), DEVENDO SER SEMPRE AVALIADA EM CONCRETO A SUA NECESSIDADE E JUSTIFICAÇÃO. (REC. 45706 - TERCEIRA SESSAO)

Texto do documento

Acórdão 14/96
Recurso n.º 45706 - 3.ª Secção. - Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em plenário da Secção Criminal:

Albérico António Lopes Correia, arguido em processo que correu termos no Tribunal de Círculo de Portimão, foi aí condenado em prisão por dois anos e seis meses e em 50000$00 de multa, como autor de crime previsto e punido pelo artigo 24.º do Decreto-Lei 430/83, de 13 de Dezembro, sendo-lhe ainda aplicada a pena acessória de expulsão do território nacional por cinco anos.

Interpondo o mesmo arguido recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, mas limitado à pena de expulsão, foi o mesmo julgado improcedente por acórdão proferido em 11 de Novembro de 1992 no recurso n.º 43129, por se entender que «a pena acessória de expulsão decorre automaticamente da lei, pois esta não diz que pode ser expulso, como no artigo 34.º, n.º 1, se preceitua, mas sim que será decretada tal pena acessória - n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei 483/83, de 4 de Julho».

Inconformado, o mesmo arguido interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, invocando estar o acórdão agora recorrido em oposição com um outro proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 12 de Dezembro de 1991, recurso n.º 42179, onde se entendeu que tal pena acessória só deve ser aplicada quando todo o circunstancialismo provado o justifique.

Foi junta certidão deste último acórdão, mostrando-se ainda admitido o recurso, no qual alegou o recorrente, sustentando que se deve fixar jurisprudência no sentido do que se entendeu no acórdão atrás referido em segundo lugar.

Foi proferido em conferência o acórdão a que se refere o artigo 441.º do Código de Processo Penal, no qual se considerou verificada a oposição de julgados, porque:

Tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento foram proferidos em aplicação do n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei 430/83, de 13 de Dezembro, onde, após a inclusão, no seu n.º 1, da previsão da possibilidade - «o tribunal pode ordenar» - de aplicação de penas acessórias de interdição de saída para o estrangeiro e outras em caso de condenação por crimes previstos nos artigos 23.º a 30.º do mesmo diploma, se estatuiu o seguinte: «Se a condenação pelos crimes previstos no n.º 1 do presente artigo for imposta a um estrangeiro, será ordenada na sentença a sua expulsão do País, por período não inferior a cinco anos.»;

As soluções encontradas em ambos estes acórdãos foram claramente opostas, pois que o de 11 de Novembro de 1992 fez da lei uma leitura segundo a qual o n.º 2 do artigo 34.º impunha a aplicação, em qualquer caso, da pena acessória de expulsão, ao passo que o de 12 de Dezembro de 1991 defendeu que esta pena não é um efeito necessário da condenação, sendo de aplicar apenas quando as circunstâncias o justifiquem.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer em que defende a fixação de jurisprudência no sentido da aplicação automática a estrangeiro não nacional de Estado membro da Comunidade Europeia da pena acessória de expulsão prevista no n.º 2 do citado artigo 34.º

Foram colhidos os vistos legais, cumprindo agora decidir.
Levanta o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, no seu parecer datado de 30 de Março de 1995, a questão da não reverificação, pelo plenário, da existência de oposição de julgados.

Trata-se de questão que não era líquida, pois que sempre seria possível, e até preferível, entender que:

Embora os recursos penais não sejam já decalcados sobre o recurso de agravo em processo civil, antes sendo uma espécie nova e autónoma, isso apenas exclui a remissão sistemática para aquela espécie nos termos antes constantes do artigo 649.º do Código de Processo Penal de 1929, mas não exclui que nos casos omissos se recorra ao disposto no artigo 4.º do actual Código de Processo Penal, com a consequente possibilidade de observância das regras de processo civil que se harmonizem com o processo penal;

Também em processo penal se mantém a regra segundo a qual o recebimento de um recurso não vincula ao seu conhecimento o tribunal para isso competente - artigo 417.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal;

Está completamente dentro deste espírito a reverificação pelo plenário dos pressupostos de apreciação de um recurso cuja excepcionalidade vai ao ponto de poder subverter um caso julgado - artigos 438.º, n.º 1, e 443.º, n.º 1, do Código de Processo Penal;

Deste modo, revelando o sistema jurídico uma tendência neste sentido, a falta de consagração deste regime no Código de Processo Penal traduzia a existência de um caso omisso a suprir com o acatamento do que se estipulava no n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil.

No entanto, alteração legislativa entretanto ocorrida leva-nos a subscrever, por novas e diferentes razões, conclusão idêntica à defendida no parecer do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto.

As normas que no Código de Processo Civil regulavam a interposição e a tramitação do recurso para o tribunal pleno foram revogadas pelo artigo 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro; este artigo entrou imediatamente em vigor, ao contrário da parte restante do mesmo diploma, o que não foi afectado pelos adiamentos da entrada em vigor determinados pelo artigo 1.º da Lei 6/96, de 29 de Fevereiro, e pelo artigo 4.º da Lei 28/96, de 2 de Agosto.

Se bem que as normas aplicáveis às condições de admissibilidade de um recurso sejam, em princípio, as vigentes à data da decisão recorrida, já a sua tramitação se regerá, na sequência do princípio da aplicação imediata, pela lei que depois da sua interposição mas antes da sua decisão entrar em vigor - cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 55.

A reverificação a que se referia o n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil cabia, manifestamente, no campo da tramitação do recurso para tribunal pleno, pelo que, estando abrangida por aquela revogação, não é de aplicar agora.

Deste modo, sendo de aceitar sem revisão a existência da oposição de julgados a que se refere o artigo 437.º do Código de Processo Penal, há que entrar na apreciação do mérito deste recurso.

Tanto o n.º 1 como o n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei 430/83 contêm a previsão daquilo que, de acordo com já antiga conceptualização jurídico-penal, se designa por penas acessórias, em alternativa aos efeitos de penas, caracterizando-se aquelas por as proibições ou imposições aí previstas só actuarem se fossem decretadas na sentença condenatória.

Esta diferença conceitual não as excluía, porém, do âmbito do comando contido no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, o qual, tanto na versão saída da revisão de 1982 como, posteriormente, da de 1989, diz: «Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.»

Esta norma constava também do artigo 65.º do Código Penal, na redacção de 1982, que, tal como aquela, e ao contrário do teor do paralelo artigo 83.º do Código Penal de 1886, não contém referência expressa e limitativa aos efeitos de uma pena decorrentes do simples facto desta imposição, sem necessidade de serem referidos na sentença - os efeitos de penas propriamente ditos -, e por isso abrangendo também os que pressupõem uma condenação formal proferida na sentença - vulgo, as penas acessórias.

Neste sentido amplo foi o citado artigo 65.º - que está, aliás, integrado num capítulo intitulado simplesmente «Penas acessórias» - interpretado pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1986, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 361, p. 239.

Aliás, não se vê razão para, por um lado, aceitar a impossibilidade de efeitos, propriamente ditos, de aplicação automática na sequência da imposição de uma certa pena e para, por outro lado, ser menos exigente quanto à imposição de efeitos automáticos na sequência de condenação por certos crimes, já que o que deve estar em causa é impedir que medidas deste teor conduzam arbitrária e cegamente a uma estigmatização da pessoa visada e a um efeito dificultador da sua ressocialização; assim se impõe o controlo jurisdicional da existência de uma culpa justificadora da sanção, qualquer que seja a sua origem, e de uma necessidade desta para defesa da sociedade e para castigo do agente - cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 198.

A proibição da previsão legal daqueles efeitos como necessários não obsta, porém, a que a lei os preveja como conteúdo possível da condenação por determinado crime ou simples consequência, também possível, de uma pena; ponto é que a sua ocorrência em cada caso concreto tenha como pressuposto a apreciação judicial de que, in casu, se mostram adequados e justificados pelas circunstâncias do crime.

Apenas o automatismo da sua aplicação é proibido - e isto desde que se trate de efeitos ou de penas acessórias que envolvam a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.

Certamente por ter consciência disto é que o legislador do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, ao introduzir a nova redacção dada ao artigo 65.º do Código Penal, permitiu no seu n.º 2 o estabelecimento de correspondência entre certos crimes e a proibição de exercício de determinados direitos ou profissões, mas sem consagrar a possibilidade de ser conferido automatismo a essa correspondência.

Tudo isto não é mais do que a consequência da preocupação do direito criminal moderno com a busca de uma individualização das penas conforme vários fins a prosseguir, um dos quais o ajustamento da reacção penal à culpa do agente - cf. o artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal na redacção de 1982 e, mais impressivamente, o artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março.

E dentro desta linha não faria sentido que, por um lado, as penas principais pudessem ser individualizadas com recurso a mecanismos tão relevantes como a atenuação especial, a suspensão da execução da pena de prisão, a prestação de trabalho a favor da comunidade e a substituição da pena de multa por trabalho - levando a determinação da pena concreta para campos quantitativa e qualitativamente fora da sua medida abstracta -, e que, por outro lado, uma pena acessória, por definição menos importante dentro da estratégia punitiva do Estado, fosse aplicada obrigatoriamente, tendo apenas o juiz a margem de manobra inerente à determinação da sua duração concreta dentro de limites legais fixos e inalteráveis.

Por isso se segue aqui a ideia defendida também por Figueiredo Dias, em O Direito Penal, 2.º vol., 1988, p. 176, para quem a condenação em pena principal será indispensável para a condenação em pena acessória, mas sem bastar para tanto, «tornando-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove no facto um particular conteúdo do ilícito que justifique materialmente a aplicação em espécie da pena acessória».

Deste modo, entendemos que não é de adoptar o raciocínio linear do acórdão recorrido, pois que a simples diferença entre as expressões «pode ordenar» e «será ordenada», usadas nos n.os 1 e 2 do citado artigo 34.º, não se mostra bastante para que nela se leia a imposição de uma diferença de regime que não respeite preocupações constitucionais nesta matéria.

É que esta última expressão pode ser entendida não como uma imposição categórica válida por si só, mas como uma imposição a seguir desde que se verifique um pressuposto que, de acordo com a melhor e mais moderna doutrina e também em consonância com outros dispositivos legais, está subentendido - o da constatação daquele juízo afirmativo sobre a culpa do agente e a necessidade da sanção em apreço.

Sendo esta a ideia que está conforme com a Constituição, acha-se encontrada assim a via interpretativa a seguir, aliás na linha da orientação que, como se vê da cuidadosa resenha constante do parecer do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, tem vindo a ser maioritariamente seguida por este Supremo Tribunal de Justiça.

Também se observa, por esta via, um outro princípio interpretativo contido no artigo 9.º do Código Civil - o do respeito pela unidade do sistema jurídico.

O Decreto-Lei 264-B/81, de 3 de Setembro, continha, à data da publicação do Decreto-Lei 430/83, o regime relativo à entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional.

Dos seus artigos 42.º e 43.º retira-se a ideia de que só nos casos de entrada irregular de um estrangeiro no País não haverá que fazer depender a expulsão de um juízo de justificação assente nas circunstâncias do caso, o que se compreende porque aí não há um direito a residir ou a permanecer.

É o que se conclui das alíneas b) a f) daquele artigo 42.º
E sistema semelhante vigora actualmente na mesma matéria; os artigos 67.º, 68.º, 76.º e 84.º do Decreto-Lei 59/93, de 3 de Março, delineiam um sistema segundo o qual a entrada ou permanência irregular de estrangeiro no território nacional dá lugar agora à sua expulsão por via administrativa, como é permitido pelo artigo 33.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, ao passo que nos demais casos - aqueles em que há direito a residir ou a permanecer - se impõe a sua jurisdicionalização e fundamentação substancial; também esta última, tratando-se de pena acessória, terá de observar os ditames constitucionais acima definidos.

Mas não são só razões de índole jurídico-constitucional que nos conduzem a uma solução oposta à defendida neste recurso pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto. Igualmente no plano do direito internacional público é a mesma a solução que nos vincula.

A restrição proposta pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto para a jurisprudência a fixar funda-se no disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 23.º do Decreto-Lei 267/87, de 2 de Julho, que rege a entrada, permanência e saída do território português de nacionais de Estados membros da Comunidade Europeia. Nestas disposições diz-se que a mera existência de condenações penais não pode determinar a aplicação automática de medidas de ordem pública ou de segurança pública a aplicar a tais nacionais, as quais devem fundamentar-se exclusivamente no comportamento do indivíduo em causa - necessariamente revelado por outros factos que não sejam aquelas simples condenações.

Não se trata, porém, de regime que seja substancialmente diferente do que é aplicável a qualquer pessoa, qualquer que seja a sua nacionalidade.

É preciso atender a que, podendo a permanência do estrangeiro em Portugal corresponder ao exercício por este de um direito - designadamente o direito ao respeito da sua vida privada e ou familiar e do domicílio, de acordo com o artigo 8.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), à qual o nosso país aderiu sem qualquer reserva nesta matéria -, a expulsão, à evidência contrária a esse direito, só será legítima nos casos em que tal direito não exista ou possa ser feito cessar; é preciso não esquecer que, conforme é largamente defendido, o direito internacional pactício sobreleva, na nossa ordem jurídica interna, a lei ordinária, por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que nada em contrário consta das regras que sobre expulsão de estrangeiros se consignam no artigo 33.º da nossa lei fundamental.

Daí que a expulsão apenas possa ser ordenada se for necessária para a segurança nacional ou pública, para o bem-estar económico do País, para a defesa da ordem e prevenção de infracções penais, para a protecção da saúde e da moral ou para a protecção dos direitos e liberdades de terceiros - n.º 2 do artigo 8.º da CEDH, que o citado artigo 67.º do Decreto-Lei 59/93 respeita.

Em acórdão recente deste Supremo Tribunal de Justiça - proferido em 12 de Junho de 1996 no recurso n.º 303/96, 3.ª Secção - deu-se conta da orientação jurisprudencial que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de acordo com a qual as decisões de expulsão de delinquentes «devem revelar-se necessárias numa sociedade democrática, quer dizer justificadas por uma necessidade imperiosa e, nomeadamente, proporcionadas ao fim legítimo prosseguido», nele se citando nesse sentido as decisões proferidas nos casos Beljondi e Nasri contra a França, publicadas na série A, «Arrêts et décisions», vol. 234-A e 320-B.

Mais se disse neste acórdão que «qualquer decisão neste domínio pressupõe seja respeitado um justo equilíbrio entre os interesses em confronto, a saber, o direito da requerente ao respeito da sua vida privada e familiar e a protecção da ordem pública e a prevenção de infracções penais» - ao que poderemos ainda acrescentar a protecção da saúde, na medida em que se pretenda evitar a proliferação do consumo de estupefacientes.

Nele se dá ainda conta de que um dos critérios seguidos reside na gravidade da sanção penal infligida e nos antecedentes penais do estrangeiro, o que sempre exigirá uma avaliação das circunstâncias do caso concreto e leva ao repúdio da ordem automática de expulsão.

Para a aplicação deste regime da CEDH não há que levar em conta a nacionalidade da pessoa em causa; seria bem contraditório que, num Estado aderente a uma convenção internacional norteada pelo respeito do homem e dos seus direitos fundamentais, se concedesse à defesa desses direitos uma extensão maior ou menor consoante a nacionalidade que essa pessoa tivesse, assim se negando o humanismo universalista que está na base daquelas preocupações.

O artigo 1.º da CEDH reconhece os direitos e liberdades nela definidos a qualquer pessoa, dependendo da jurisdição dos Estados a ela aderentes.

A decisão de 11 de Janeiro de 1961, referida por Ireneu Barreto, em A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, p. 46, reconheceu que todas as pessoas sob a jurisdição de um Estado, sejam seus nacionais, estrangeiros ou apátridas, beneficiam da protecção da Convenção.

Não se esgotam aqui os instrumentos que o direito internacional nos dá nesta matéria.

O artigo 12.º, n.os 1 e 3, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos - aprovado em 16 de Dezembro de 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e aprovado, para ratificação, pela Lei 29/78, de 12 de Junho - consagra ainda o direito de todo o indivíduo que se encontre legalmente no território de um Estado a aí circular livremente e a aí escolher livremente a residência, apenas com as restrições legais que se mostrem necessárias para protecção da segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou moralidade públicas ou de direitos e liberdades alheios.

A coincidência da letra e do espírito destes preceitos com o artigo 8.º da CEDH conduz a que deles se faça interpretação idêntica.

Sendo, em face do que vem sendo dito, de fixar jurisprudência no sentido de que a aplicação da pena de expulsão em causa não é automática, antes pressupondo a formulação de um juízo concreto no sentido do seu bom cabimento, e uma vez que esta decisão uniformizadora tem eficácia no processo onde é proferida - artigo 445.º, n.º 1, do Código de Processo Penal -, impõe-se ver se a decisão recorrida deve ser revista ou se o processo deve ser reenviado - n.º 2 do mesmo artigo.

O reenvio a ordenar terá lugar nos termos dos artigos 433.º, 410.º, n.os 2 e 3, 426.º e 436.º do Código de Processo Penal.

Pressuporá, designadamente, a existência de um dos seguintes vícios da decisão recorrida: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova.

A decisão a proferir agora, uma vez que os vícios acabados de referir em segundo e terceiro lugares não têm lugar, depende de a matéria de facto ser insuficiente para o efeito.

Dissemos que a expulsão não podia ser ordenada automaticamente, mas apenas se em concreto se justificar.

No acórdão proferido na 1.ª instância foi dado como provado, além do mais que agora não interessa, o seguinte:

O arguido foi encontrado em 30 de Janeiro de 1991 com sete embalagens de heroína, no peso total de 10,7 g;

Vivia maritalmente há cerca de um ano com Ana Fernandes;
Esta é viciada em tal produto desde há cerca de 16 anos, consumindo diariamente cerca de 1 g desse produto;

A heroína havia sido adquirida pelo arguido com vista ao seu consumo pela arguida;

O arguido tem procurado que esta abandone o consumo de heroína, tendo-a acompanhado a consultas médicas e havendo-se conseguido já a redução de tal consumo;

O arguido tem situação económica modesta;
O arguido é pedreiro de profissão, auferindo mensalmente cerca de 35000$00.
Perante este quadro, a expulsão decretada não tem justificação.
O arguido não é consumidor e só adquiriu a heroína para a facultar à mulher com quem vivia, que dela era consumidora habitual.

Agiu por solidariedade para com a sua companheira e sem espírito de lucro.
Não se mostra que o seu comportamento se revista de perigosidade social; não estamos perante qualquer das hipóteses referidas no n.º 2 do artigo 8.º da CEDH.

Nem se vê que o arguido necessite de reeducação, sendo certo que, em seu favor, reverte ainda a sua inserção sócio-laboral.

Nestes termos, decide-se:
I) Fixar jurisprudência no seguinte sentido: «A imposição a estrangeiro da pena de expulsão prevista no n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei 430/83, de 23 de Dezembro, não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos nos seus artigos 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º e 30.º, devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação.»

II) Revogar o acórdão recorrido, dando sem efeito a aplicação ao arguido da pena de expulsão que lhe foi imposta.

Sem tributação.
Texto processado e revisto pelo relator, que rubrica as páginas que antecedem.
Lisboa, 7 de Novembro de 1996. - João Augusto de Moura Ribeiro Coelho - Manuel António Lopes Rocha - Augusto Alves - Luís Flores Ribeiro - José Damião Mariano Pereira - Emanuel Leonardo Dias - Norberto José Araújo de Brito Câmara - Joaquim Dias - Manuel de Andrade Saraiva - João Henrique Martins Ramires - Florindo Pires Salpico - Virgílio António da Fonseca Oliveira - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - José Pereira Dias Girão - José da Silva Paixão - José Moura da Cruz - António de Sousa Guedes - Hugo Afonso dos Santos Lopes - Joaquim Lúcio Faria Teixeira - Manuel Fernando Bessa Pacheco - Carlindo Rocha da Mota e Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/78924.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1978-06-12 - Lei 29/78 - Assembleia da República

    Aprova, para ratificação, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

  • Tem documento Em vigor 1981-09-03 - Decreto-Lei 264-B/81 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece disposições relativas à entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional.

  • Tem documento Em vigor 1983-12-13 - Decreto-Lei 430/83 - Ministérios da Justiça e da Saúde

    Tipifica novos ilícitos penais e contravencionais e define novas penas ou modifica as actuais em matéria de consumo e tráfico ilícito de drogas.

  • Tem documento Em vigor 1987-07-02 - Decreto-Lei 267/87 - Ministério da Administração Interna

    Define o regime jurídico da entrada, permanência e saída do território português de nacionais de Estados membros das Comunidades Europeias.

  • Tem documento Em vigor 1993-03-03 - Decreto-Lei 59/93 - Ministério da Administração Interna

    Estabelece o novo regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional.

  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 48/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1996-02-29 - Lei 6/96 - Assembleia da República

    Altera a data da entrada em vigor do Decreto Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro, que aprova a revisão do Código de Processo Civil. O referido Código entra em vigor no dia 15 de Setembro de 1996 e só se aplica aos processos iniciados após essa data, salvo o estipulado no nº 2.

  • Tem documento Em vigor 1996-08-02 - Lei 28/96 - Assembleia da República

    Autoriza o governo a rever o Código de Processo Civil, incluindo o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que o reviu e republicou.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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