Assento
Acordam, em plenário, no Supremo Tribunal de Justiça:
O Exmo. Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Supremo Tribunal recorreu para tribunal pleno do Acórdão deste Supremo de 25 de Maio de 1984, que, por fotocópia, se acha a fls. 5-7, proferido no recurso de agravo em que era recorrente e a que foi negado provimento, em confirmação da decisão da 1.ª instância que julgou ineficaz a declaração do Governo da Região Autónoma dos Açores (Resolução 157/81) de utilidade pública da expropriação de um terreno pertencente a Manuel Alexandre Madruga, por não haver sido publicada no Diário da República, nos precisos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro [Código das Expropriações (CE)], mas tão-só no Jornal Oficial da Região, alegando haver oposição entre esse acórdão e o de 17 de Maio de 1984, também deste Supremo Tribunal, que se acha fotocopiado a fls. 9-11 e publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 337, a pp. 358-361, que julgou ser suficiente para ser eficaz a publicação da declaração de utilidade pública da expropriação de bens situados naquela Região Autónoma no Jornal Oficial da mesma Região.
Alegou o recorrente, procurando demonstrar a existência dos pressupostos deste recurso, mormente a invocada oposição de julgados.
Em acórdão da Secção (fl. 19) ficou decidido verificarem-se esses pressupostos: acórdãos proferidos em processos diferentes, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se a resolução do Governo Regional dos Açores que declara a utilidade pública das expropriações de bens situados nessa Região necessita, para ser eficaz, de ser publicada no Diário da República ou basta que o seja no Jornal Oficial da Região, e trânsito em julgado, que se presume, do acórdão invocado em oposição.
Igualmente aí se decidiu pela alegada oposição de acórdãos, na medida em que no de 25 de Maio de 1984 se decidiu pela necessidade de publicação da resolução do Governo Regional dos Açores que declara a utilidade pública da expropriação de bens situados naquela Região no Diário da República para ser eficaz, enquanto, ao invés, no dia 17 de Maio de 1984 se decidiu que é suficiente, para o referido efeito, a publicação dessa resolução no Jornal Oficial da Região.
Seguindo o recurso, alegou de mérito o recorrente, que manifestou o entendimento de que o suscitado conflito de jurisprudência deve ser solucionado com a emissão de assento, para o qual propõe a seguinte formulação:
Declarada a utilidade pública de expropriação da competência do Governo da Região Autónoma dos Açores, o respectivo acto está sujeito à obrigatoriedade de publicação no Jornal Oficial da Região, e não no Diário da República, com a consequente revogação do acórdão recorrido.
Corridos os vistos do plenário, cumpre decidir.
Há que conhecer do presente conflito de julgados e solucioná-lo, na medida em que, conforme se mostra do acórdão da Secção, se verificam todos os requisitos ou pressupostos legais deste recurso, incluindo o da invocada oposição, pelo que não há, agora, nada a alterar ou a acrescentar a tal respeito.
Afigura-se que a solução correcta para o conflito é a adoptada no Acórdão de 17 de Maio de 1984, segundo a qual a resolução do Governo Regional dos Açores que declare a utilidade pública da expropriação de bens situados nessa Região deve ser publicada, para ser eficaz, no respectivo Jornal Oficial, e não no Diário da República.
E senão vejamos:
Por imperativo constitucional, o arquipélago dos Açores constitui uma região autónoma dotada de estatuto político-administrativo e de órgãos de governo próprio (artigos 6.º, n.º 2, e 227.º a 236.º da Constituição da República).
Não está em discussão qual o órgão competente para o acto declarativo de utilidade pública da expropriação de bens situados na Região Autónoma dos Açores, nem a forma que ele deve revestir.
É indiscutível que compete ao Governo Regional, sob a forma de resolução.
O que se controverte é antes se a resolução sobre essa matéria basta, para ser eficaz, que se publique no Jornal Oficial da Região ou necessita de ser publicada no Diário da República.
No acórdão recorrido (o de 25 de Maio de 1984) sustenta-se que essa publicação deve ser feita no Diário da República e, no essencial, pela seguinte ordem de razões:
1) Assim o impõe o artigo 14.º, n.º 1, do CE (Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro), onde se exige que o acto declarativo da utilidade pública se publique «sempre» «no Diário da República», apesar das alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Leis 32/82, de 1 de Fevereiro e 154/83, de 12 de Abril, sem que, contudo, haja sido feita qualquer ressalva em relação às regiões autónomas;
2) A Lei 39/80, de 5 de Agosto (que aprovou o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores), no seu artigo 45.º, n.os 1, 2 e 3, só refere que os decretos regulamentares regionais, como sucede com os decretos regionais (seu artigo 28.º, n.º 4), têm de ser publicados no Diário da República, o que é explicável por se tratar de normas gerais e abstractas, acrescentando depois que todos os demais actos do Governo Regional e dos seus membros devem de ser publicados no Jornal Oficial da Região, mas sem que diga ou proíba que alguns deles, por imposição da lei regional nacional, especiais, tenham também de ser publicados no Diário da República, como, aliás, sucede com o artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei 845/76;
3) Por outro lado, o Decreto-Lei 3/83, de 11 de Janeiro (que define o regime de publicação, identificação e formulação de diplomas), para além de só tratar da publicação de diplomas na 1.ª série do Diário da República, acrescenta no seu artigo 1.º, n.º 2, alínea f), ao fazer a determinação dos actos sujeitos a essa publicação, «quaisquer outros actos que a lei determinar», onde se podem incluir aqueles que a «lei nacional» exige se publiquem naquele Diário, como sucede com o citado artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei 845/76.
A primeira das razões invocadas tem apenas por suporte a «letra» da lei.
Compreende-se que no CE se tenha estabelecido a obrigatoriedade da publicação do acto declarativo da utilidade pública no Diário da República, fosse qual fosse o ponto do território nacional onde se situassem os bens sujeitos à expropriação, uma vez que então a autonomia da Região ainda se não exercia em pleno.
Outrossim já se não compreende que após a entrada em vigor do Estatuto Político-Administrativo da referida Região Autónoma se continue a observar esse mesmo princípio de publicação, no Diário da República, do acto declarativo da utilidade pública da expropriação de bens situados nessa Região, tanto mais que por aquele Estatuto se reconhece a autonomia política, administrativa e financeira dos Açores (seu artigo 2.º, n.º 1) e, na terminologia do seu artigo 27.º, alínea V), expropriação de bens situados na Região constitui «matéria de interesse específico para a Região», a que se tem de aliar o facto de, como se verá, o referido Estatuto não prescrever a publicação do citado acto declarativo de utilidade pública no Diário da República.
De outro passo, não se tem como indiferente para a solução do presente conflito de julgados a circunstância de se haver transferido para a Região Autónoma dos Açores a competência para a declaração de utilidade pública, que, segundo o Decreto-Lei 845/76, cabia ao Conselho de Ministros restrito, desde que os actos de declaração de utilidade pública respeitassem a expropriações a realizar na Região Autónoma.
Essa transferência veio, de facto, a efectuar-se com a publicação do Decreto-Lei 193/79, de 28 de Junho, que isso mesmo estabeleceu no seu artigo 1.º, alínea a), com a justificação constante do preâmbulo desse diploma de que «autonomia regional constitucionalmente consagrada só ganhava sentido na medida em que se transferissem competências para os órgãos do Governo próprio de cada uma das regiões».
Tal regime é, de resto, aquele que ainda se mantém, atento o que se dispõe no já citado artigo 27.º, alínea V), da Lei 39/80, segundo o qual, como já se assinalou, constitui, entre outras, matéria de «interesse específico» para a Região a expropriação por utilidade pública de bens aí situados.
Ora, conforme justamente ficou salientado no Acórdão de 17 de Maio de 1984 (acórdão fundamento), se a competência para a declaração de utilidade pública da expropriação de bens situados na Região transitou do Conselho de Ministros restrito para o Governo Regional, mal se justifica que a publicidade do respectivo acto de declaração de utilidade pública se tenha de fazer através da sua publicação no Diário da República, e não no Jornal Oficial da Região, onde essa publicidade é tão assegurada como naquele, enquanto tal publicação se destina «a dar notícia, de uma forma muito clara, da relação jurídica de expropriação aos sujeitos passivos aparentes», em citação de Gonçalves Pereira (Expropriação por Utilidade Pública, p. 22).
Daí o dever interpretar-se o citado artigo 14.º, n.º 1, do CE por forma que a publicação do acto declarativo de utilidade pública não tenha de ser feita no Diário da República sempre que respeite a expropriações de bens situados na Região Autónoma dos Açores.
Igualmente não relevam para a tese defendida no acórdão recorrido as alterações introduzidas no citado artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei 845/76, sem que em nenhuma delas se haja atingido o passo da disposição legal em referência, «que será sempre publicado no Diário da República».
Na verdade, a alteração feita nesse preceito pelo Decreto-Lei 32/82, de 1 de Fevereiro, consistiu tão-só no acrescento à parte final do texto da expressão «se a lei o autorizar», justificando-se tal alteração no preâmbulo do diploma por se ter tido com ela o objectivo de «clarificar o condicionalismo em que é possível conferir carácter urgente à expropriação».
E a introduzida pelo Decreto-Lei 154/83, de 12 de Abril, que consistiu em eliminar no final do texto «se a lei o autorizar», colocando em sua substituição «por motivos específicos devidamente justificados», visou, consoante também se apreende do preâmbulo desse diploma, «abolir a rigidez da declaração de urgência da expropriação, permitindo-a desde que determinada por motivos específicos devidamente justificados».
Verifica-se, assim, que não foi a questão da publicação do acto declarativo da utilidade pública que, em qualquer das situações contempladas, esteve nas preocupações do legislador de qualquer dos referidos diplomas, pelo que à inalterabilidade do preceito, no aspecto que se está a considerar, nenhum significado relevante se deve atribuir com vista à solução do conflito que nos ocupa.
Em consonância com o que acaba de ser exposto se deve também refutar a razão invocada sob o precedente n.º 2 pelo acórdão recorrido para justificar a sua tese.
A Lei 39/80 veio estabelecer nos seus artigos 28.º, n.º 4, e 45.º, n.os 2 e 3, como deve revestir-se a publicidade dos vários actos cuja competência se atribui à Assembleia Regional e ao Governo Regional da Região Autónoma dos Açores.
Assim é que os «decretos regionais», bem como as «moções e as resoluções», desde que umas e outras tenham «incidência externa à Assembleia Regional», hão-de ser publicados no Diário da República (artigo 28.º, n.º 4).
Já atrás ficou clarificado - e nem esse ponto está em discussão - que o acto declarativo de utilidade pública da expropriação de bens situados na referida Região compete ao Governo Regional e reveste a forma de resolução.
Escapa, portanto, esse acto ao que se prescreve naquele artigo 28.º, n.º 4.
Por outro lado, segundo o que se dispõe no artigo 45.º, n.os 2 e 3, «os decretos regulamentares regionais» devem ser publicados no Diário da República, enquanto os demais actos do Governo Regional e dos seus membros devem ser publicados no Jornal Oficial da Região, em termos definidos por decreto regional.
Revestindo, como se disse, a forma de «resolução» o acto de que aqui se trata, escapa por isso e também à exigência feita neste artigo 45.º de publicação no Diário da República, por só revestirem a forma de «decreto regulamentar regional» os actos do Governo Regional previstos na alínea b) do artigo 44.º (n.º 1 do citado artigo 45.º), o que manifestamente não é o caso, como já se viu.
Logo, a publicação da «resolução» do Governo Regional que respeita a acto declarativo de utilidade pública há-de fazer-se no respectivo Jornal Oficial (artigo 45.º citado, seu n.º 3).
O que, de resto, não está em colisão com o artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei 845/76, que, ao contrário do entendido no acórdão recorrido, constitui preceito de carácter geral, perante o que se dispõe no artigo 45.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, no que respeita à inserção da publicação do acto declarativo de utilidade pública em apreciação, como justamente também se observa no acórdão fundamento, face às precedentes considerações.
E melhor sorte não tem a razão constante do atrás indicado n.º 3.
É certo que no Decreto-Lei 3/83, de 11 de Janeiro, se determina que sejam publicados na 1.ª série do Diário da República, sob pena de ineficácia jurídica, os diplomas que se identificam no seu n.º 1 (entre os quais se não compreende o que aqui está em causa), para depois se acrescentar, no seu n.º 2, que são ainda publicados na 1.ª série do mesmo Diário os actos que aí se enumeram nas suas alíneas a) a e), inclusive, para depois, na alínea f) seguinte, se acrescentar «quaisquer outros actos que a lei determinar».
É nesta alínea f) que se pretendem incluir «aqueles que a lei material exija que se publiquem naquele Diário da República, como sucede no caso previsto no artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei 845/76».
A lei em causa teve, porém, por objectivo reformular as Leis n.os 3/76 e 8/77, respectivamente de 10 de Setembro e de 1 de Fevereiro, que regulavam a publicação, identificação e formulação dos diplomas legais, matéria essa em que, como se fez constar do preâmbulo do Decreto-Lei 3/83, foram introduzidas importantes alterações por força do novo texto constitucional (Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro).
Com efeito, o artigo 122.º da Constituição da República, por virtude das alterações que lhe foram introduzidas pela referida Lei 1/82, faz enumerações dos actos que devem ser publicados no jornal oficial, Diário da República, sob pena de ineficácia jurídica (seus n.os 1 e 2), para depois acrescentar no seu n.º 3 que «a lei [ordinária, subentenda-se] determina a forma de publicidade dos demais actos e as consequências da sua falta».
Ora, o Decreto-Lei 3/83 veio precisamente reformular as anteriores, atrás citadas, por forma a se harmonizarem com o novo texto constitucional.
Por isso, cuidou apenas dos diplomas que devem ser publicados na 1.ª série do Diário da República (n.os 1 e 2 do seu artigo 1.º).
Não é, porém, subsumível na citada alínea f) do n.º 2 desse artigo 1.º o acto que aqui se visa, pela razão bem simples de que os actos declarativos de utilidade pública, quando devam ser publicados no Diário da República, o são não na sua 1.ª série, mas na 2.ª série.
A ele se não pode, portanto, referir a alínea f) do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei 3/83.
Acresce que, embora a expropriação tenha por fim fazer adquirir, livre de ónus, o direito de propriedade e posse sobre determinado prédio rústico ou urbano, não são afectados os interesses que se pretende proteger e defender através da publicação do acto declarativo de utilidade pública, pelo facto de, situando-se esses bens na Região Autónoma dos Açores, a publicidade do acto se não fazer com a sua publicação no Diário da República, mas tão-só no Jornal Oficial da Região, uma vez que, como refere o ilustre magistrado do MP recorrente, o CE prevê o acautelamento desses interesses na medida da notificação, que prescreve, dos respectivos interessados, exigindo que os prédios sujeitos a expropriações sejam, na medida do possível, identificados com os elementos constantes da descrição predial e inscrição matricial e se indiquem os direitos e ónus que sobre eles incidam e os nomes dos respectivos titulares (artigos 13.º, 15.º e 20.º).
Tudo se conjuga, portanto, para concluir que não deve manter-se o acórdão recorrido, que por isso mesmo vai revogado, devendo, por isso, o processo de expropriação prosseguir os seus regulares termos, firmando-se o seguinte assento:
A resolução do Governo Regional dos Açores que declare a utilidade pública da expropriação de bens situados nessa Região deve ser publicada no Jornal Oficial dessa Região, e não no Diário da República.
Custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal, a final, pelo expropriado, se este ficar vencido.
Lisboa, 23 de Abril de 1987. - Jorge d'Araújo Fernandes Fugas - Augusto Tinoco de Almeida - João Solano Viana - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - José Fernando Quesada Pastor - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Manuel Batista Dias da Fonseca - Silvino Alberto Villa-Nova - Licínio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Aurélio Pires Fernandes Vieira - António Pereira de Miranda - Júlio Carlos Gomes dos Santos - José Alfredo Soares Manso Preto - Fernando Pinto Gomes - Manuel Augusto Gama Prazeres - António de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Frederico Carvalho de Almeida Batista - Joaquim José Rodrigues Gonçalves - José Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Cesário Dias Alves - Mário Sereno Cura Mariano - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo (vencido, pelos fundamentos constantes do Acórdão de 25 de Maio de 1984, publicado no Boletim, n.º 337, p. 362, que subscrevi).