Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 9/2025
Acórdão do STA de 3 de Julho de 2025, no Processo 3807/23.7BELSB-1.ª Secção Julgamento Ampliado
Recursos de Revista de Acórdãos dos TCA Julgamento ampliado do recurso (art. 148.º do CPTA) Com intervenção de todos os Juízes Conselheiros, acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I. DO OBJETO DO RECURSO
1-O INSTITUTO NACIONAL de ESTATÍSTICA, I. P. (INE, IP), veio interpor recurso de revista do acórdão do TCA Sul, datado de 9.01.2025, que, na ação administrativa contra si instaurada pela Autora AA, negou total provimento ao recurso, mantendo, assim, a sentença do TAF de Sintra que, em 1.10.2024, julgou procedente a ação administrativa e condenou a entidade demandada no pedido formulado de reconhecimento do direito à atribuição de uma pontuação por cada ano, desde 2004 a 2015, no âmbito do processo de avaliação de desempenho.
2-No acórdão recorrido do TCA SUL, sumariou-se:
I. A Recorrida intentou a acção na 1.ª Instância peticionando serlhe reconhecido o direito à atribuição, no âmbito do processo de avaliação de desempenho, de uma pontuação por cada ano, desde 2004 a 2015, não visando a declaração de anulação ou de nulidade de um acto.
II. In casu, não foi praticado qualquer acto administrativo de concessão à Recorrida dos pontos atinentes à avaliação de desempenho no período supra estimado e, por isso, a acção que intentou reporta a lhe ser reconhecido que o seu direito existe e que a Administração o aplique em conformidade, o que se integra no previsto nas alíneas i) e j) do n.º 1 do artigo 37.º, não estando sujeita ao prazo do n.º 1 do artigo 58.º ex vi do estatuído no n.º 1 do artigo 41.º, todos do CPTA.
III. A arguição do conhecimento pela Recorrida da Nota Informativa n.º SJC/0102/2017, de 27 de Janeiro de 2017, querendo o Recorrente significar que aquela sabia da não contabilização dos referidos pontos, situação que se consolidou na ordem jurídica por não ter sido atempadamente impugnada, no prazo de três meses, não serve de argumentação quanto a uma não oponibilidade jurisdicional.
IV. O mencionado documento é intitulado como ‘Nota Informativa’, sendo uma nota opinativa, logo não vinculativa, por um lado, não se caracterizando como um acto administrativo em que o Recorrente imbuído de poderes de autoridade, produz definições jurídicas reguladoras de casos individuais e concretos, e por outro lado, não são expectáveis sanções se as orientações naquela contidas não forem cursadas.
V. Donde, o documento em análise qualifica-se, apenas, como uma recomendação que não só não dita que a Recorrida não estivesse em tempo de instaurar a acção que nos ocupa, como não serve de mote a impedir a sua materialização.
VI. Assim, não se consolidou na ordem jurídica, a não atribuição por banda do Recorrente dos pontos devidos em sede de avaliação de desempenho sobre o exercício de funções da Recorrida durante os anos de 2004 a 2015.
VII. O Recorrente não contemplou a atribuição daqueles pontos à Recorrida, o que se veio a reflectir na respectiva transição e progressão para a nova carreira de Técnico Superior Especialista em Estatística, logo, não há como assinalar a existência de montantes em dívida prescritos, visto que os mesmos nunca lhe foram entregues.
VIII. Não há dívida-e muito menos prescrição da mesmarespeitante a pagamentos de quantias do que ainda não se configurou na esfera jurídico profissional da Recorrida e que só passará a existir assim que lhe for dado o reconhecimento aos pontos que judicialmente vem exigir, concernentes a cada ano do seu exercício de funções no Recorrente, desde 2004 a 2015, no âmbito do procedimento de avaliação de desempenho. Neste conspecto, não é admissível a aplicação ao caso concreto do Decreto Lei 155/92, de 28 de Julho.
IX. O n.º 1 do artigo 337.º do CT vem configurar um prazo prescricional de um ano para a reclamação dos créditos laborais, cuja contagem se inicia no dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho, sendo que este ultrapassado, acarreta a prescrição dos créditos laborais.
X. Contudo, não se perfila no caso a cessação do contrato de trabalho da Recorrida celebrado na qualidade de Técnica Superior de Informática, mas a sua transição ope legiscfr artigo 11.º do Decreto Lei 187/2015, de 7 de Setembropara a nova carreira de Técnico Superior Especialista em Estatística, no que não se pode arrogar como uma cessação contratual existente, não sendo aplicáveis nem o n.º 1 do artigo 337.º do CT nem o artigo 4.º da LTFP.
XI. Inexiste aceitação da perda dos pontos do SIADAP por banda da Recorrida, salientando-se que não se está face a uma alteração do posicionamento remuneratório na categoria, pois o que ocorreu foi uma transição de carreira que não implica a perda ou destruição dos pontos adstritos à avaliação de desempenho obtidos até à data em que tal sucedeu.
3-O RECORRENTE terminou as alegações de recurso que apresentou com as seguintes conclusões:
A. As questões centrais a apreciar no presente recurso de revista são as seguintes:
i) Discutir a improcedência das exceções deduzidas pela Entidade Demandada, ora Recorrente, que são a caducidade do direito de ação, a prescrição e a aceitação do ato de considerar perdidos os pontos de avaliação;
ii) Discutir a questão de mérito sobre a perda dos pontos.
B. Face à delimitação do objeto do presente recurso, importa antes de procedermos às alegações de Direito, averiguar se estão verificados os pressupostos para a sua admissão, nos termos do disposto no artigo 150.º do CPTA.
C. Existe assim claramente a relevância jurídica nas questões colocadas por se entender que estamos perante matérias que têm relevante complexidade, visto que está em causa um litígio que não é de fácil resolução.
D. Tanto assim é que as decisões judiciais no presente processo judicial contrariam às da DGAEP que é um serviço altamente especializado em termos de interpretação e aplicação do direito da função pública.
E. Existindo também a relevância social, já que as soluções que o Supremo Tribunal Administrativo venha a encontrar podem ser paradigmas ou orientações para se apreciarem outros casos semelhantes.
F. Note-se que existem 24 processos judiciais em curso com o mesmo objeto do processo agora em apreciação, dirigidos contra a Entidade Demandada, ora Recorrente, por diversos trabalhadores.
G. Tanto quanto é do nosso conhecimento não existe nenhum acórdão do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, pelo que se torna essencial que este tribunal estabeleça linhas orientadoras para a resolução judicial de todos estes casos idênticos.
H. Entendemos, por essa razão, estarmos perante questões que pela sua relevância jurídica ou social se revestem de importância fundamental, pelo que deverá o presente recurso ser admitido.
I. Vejamos, no entanto, apesar de não ser cumulativo com o presente pressuposto, se se verifica também o pressuposto da necessidade clara de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito.
J. Ora, face à delimitação das questões em causa nestes autos, parecenos evidente, salvo melhor opinião, que estas questões idealizadas em abstrato, revestem-se de um cariz genérico e com relevância suficiente para que se considere preenchido o requisito da clara necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito.
K. Por outro lado, a admissão do presente recurso é necessária com vista à melhor aplicação do direito para garantir que não venham a ser tratadas de forma pouco consistente ou contraditória situações semelhantes que estão em apreciação nos tribunais administrativos de 1.ª instância e 2.ª instância.
L. Assim sendo, a intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, como órgão de regulação do sistema, será objetivamente útil perante estas matérias que, no entender da Entidade Demandada, ora Recorrente, foram tratadas de forma errada.
M. O douto acórdão recorrido está, salvo o devido respeito, que é muito, inquinado por errada decisão que se pretende impugnar com o presente recurso.
N. A alegada ilegalidade de que a Autora, ora Recorrida, se queixa ocorreria, se existisse, o que apenas por hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se admite, desde o processamento e pagamento do salário de outubro de 2015, ocorrido em 23 de outubro de 2015.
O. O prazo de 3 meses para a impugnação da eventual anulabilidade deste ato terminou no dia 23 de janeiro de 2016 (Cfr. artigo 58.º, n.º 2 do CPTA e o artigo 279.º do Código Civil).
P. A petição inicial da ação deu entrada no Tribunal no ano de 2024 Q. Caducou, portanto, o direito da Autora, ora Recorrida, a alegar a anulabilidade do referido ato, não existindo qualquer causa de nulidade.
R. Esta caducidade é uma exceção perentória que implica a absolvição da Entidade Demandada, ora Recorrente, do pedido da Autora, ora Recorrida, nos termos do artigo 89.º, n.º 3 do CPTA, devendo por isso a presente ação ser julgada improcedente.
S. A Autora, ora Recorrida, por via da propositura da presente ação, vem tentar obter os efeitos que se produziriam com a impugnação contenciosa de ato administrativo, de acordo com a factualidade apurada, o que o artigo 38.º, n.º 2 do CPTA proíbe.
T. Ato este que se consolidou na ordem jurídica por não ter sido atempadamente impugnado, no prazo de 3 (três) meses, a que alude o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.
U. Esta conclusão, por sua vez, acarreta uma outra:
a de que, por força de disposição expressa (contida no artigo 38.º, n.º 2 do CPTA), está vedado à Autora, ora Recorrida, contornar os efeitos da possibilidade de instauração de uma ação administrativa para a impugnação de ato administrativo, mediante a instauração de uma ação administrativa para o reconhecimento de um direito, com idêntico objetivo, como é o caso.
V. Assim, deve proceder também esta exceção perentória, o que implica a absolvição da Entidade Demandada, ora Recorrente, do pedido.
W. Existe uma clara aceitação por parte da Autora, ora Recorrida, do ato da Entidade Demandada, ora Recorrente, de considerar perdidos os pontos do SIADAP na sequência da mudança de carreira, nos termos do n.º 1 do artigo 56.º do CPTA.
X. Assim, deve proceder esta exceção perentória, o que implica a absolvição da Entidade Demandada, ora Recorrente, do pedido, nos termos do artigo 89.º, n.º 3 do CPTA.
Y. Por outro lado, entendemos que uma parcela dos montantes exigidos à Entidade Demandada, ora Recorrente, está prescrita, nos termos do n.º 3 do artigo 34.º do Decreto Lei 155/92, de 28 de julho, que estabelece o Regime da Administração Financeira do Estado.
Z. Assim sendo, todos os montantes que estejam há mais de 3 anos em dívida à Autora, ora Recorrida, e que sejam alegadamente da responsabilidade da Entidade Demandada, ora Recorrente, contados à data da citação, momento em que a prescrição se interrompe, nos termos do artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil, devem considerar-se prescritos, e deverão ser apurados, em execução de sentença, no caso de o pedido da Autora, ora Recorrida, vir a ser julgado procedente.
AA. A prescrição constitui uma exceção perentória que extingue o efeito jurídico pretendido pela Autora, ora Recorrida, e importa a absolvição do pedido, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 3 do CPTA e, assim sendo, deverá esta exceção perentória ser julgada procedente e a Entidade Demandada, ora Recorrente, parcialmente absolvida do pedido.
BB. Quanto à questão de fundo, como expressamente previsto nos n.os 2 e 7 do artigo 156.º da LTFP, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho, relativamente aos trabalhadores da Entidade Demandada, ora Recorrente, para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, relevam, apenas, as “avaliações do seu desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram”.
CC. Assim, sempre que o trabalhador muda de posição remuneratória, quer em resultado de alteração de posicionamento remuneratório propriamente dita, quer por qualquer outra razão, como, por exemplo, na sequência de procedimento concursal ou mudança de carreira, como é o caso destes autos, inicia-se um novo período de aferição das avaliações de desempenho relevantes para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, obrigatória (10 pontos) ou por opção gestionária (reunião das menções qualitativas legalmente exigidas).
DD. É este também o entendimento da DireçãoGeral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), expresso na sua página de FAQs.
EE. Nesta conformidade, e reportandonos à situação da Autora, ora Recorrida, entendemos que, tendo-se verificado com o Decreto Lei 187/2015 uma mudança de carreira (passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, I. P., criada pelo Decreto Lei 187/2015), com a consequente alteração do posicionamento remuneratório detido pelos trabalhadores, inicia-se, a partir dessa mudança de carreira/posicionamento remuneratório, uma nova contagem de pontos para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, tanto mais que, neste caso concreto, a mudança de carreira teve, como um dos seus princípios enformadores, uma valorização remuneratória, que se traduziu, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto Lei 187/2015, “no reposicionamento dos trabalhadores na posição remuneratória correspondente ao nível remuneratório imediatamente seguinte ao nível remuneratório ou à remuneração base que detinham na data da entrada em vigor do diploma”, podendo, mesmo, ocorrer uma valorização correspondente a um “salto” de duas posições, no caso de a alteração de uma posição remuneratória se mostrar inferior à 1.ª posição remuneratória da nova carreira.
FF. Note-se que, comparando os boletins de retribuição mensal da Autora, ora Recorrida, de setembro e outubro de 2015, verificamos que, com a mudança de carreira, houve uma valorização remuneratória evidente com a nova carreira.
GG. Assim, a Entidade Demandada, ora Recorrente, limitou-se aplicar a lei, não havendo obviamente qualquer ilegalidade na situação retratada nos autos, conforme decorre dos n.os 2 e 7 do artigo 156.º da LTFP.
HH. Independentemente de a Entidade Demandada, ora Recorrente, assim ter considerado, este entendimento veio a ser confirmado pela DGAEP, conforme o seu parecer de 20 de fevereiro de 2017, emitido perante questão colocada pelo INE.
II. Sendo este o entendimento seguido pela DGAEP e aplicado por toda a Administração Pública, obviamente não pode a Entidade Demandada, ora Recorrente, ter outro entendimento, sob pena de os membros do respetivo Conselho Diretivo poderem vir a ser alvo de responsabilidade financeira se satisfizerem a pretensão da Autora, ora Recorrida.
JJ. Nenhum trabalhador do INE, I. P., foi obrigado a integrar-se na nova carreira e a perder os pontos, se atentarmos ao Decreto Lei 187/2015, de 7 de setembro, no seu artigo 11.º, n.º 2, visto que qualquer trabalhador podia ter optado por não fazer essa integração e manteria os pontos do SIADAP acumulados.
KK. Portanto, a perda dos pontos resultou de uma opção consciente destes trabalhadores, o mesmo tendo ocorrido com a Autora, ora Recorrida, o que deve ser tido em conta no presente recurso.
LL. Em diplomas recentes o legislador, em situações de valorização remuneratória resultantes de reestruturações de tabelas remuneratória e mudanças de carreira, tem introduzido normas especiais para evitar a perda de pontos do SIADAP pelos trabalhadores.
MM. O que significa que o legislador reconhece que a norma geral do artigo 156.º, n.os 2 e 7 da LTFP seria aplicável a essas situações e por isso tem de criar normas especiais para evitar a sua aplicação.
NN. Violou assim o douto acórdão recorrido os artigos 58.º, n.os 1, alínea b) e 2, 37.º, n.º 1, 38.º, n.º 2, 56.º, n.º 1, todos do CPTA, 34.º, n.º 3 do Decreto Lei 155/92 e 156.º, n.os 2 e 7 da LTFP.
OO. Pelo que devem improceder os pedidos da Autora, ora Recorrida, e ser concedido provimento ao presente recurso.
4-A RECORRIDA, a AUTORA AA, apresentou contraalegações que culminaram com as seguintes conclusões:
1-Quanto à relevância jurídica das questões em apreço, o Recorrente invoca a sua alegada complexidade e o facto de as decisões judiciais que têm vindo a ser proferidas contrariarem as decisões da DGAEP.
2-Quanto à relevância social das questões em apreço, alega o Recorrente que “as soluções que o Supremo Tribunal Administrativo venha a encontrar podem ser paradigmas ou orientações para se apreciarem outros casos semelhantes” e o facto de supostamente existirem outros vinte e quatro processos pendentes “com o mesmo objeto do processo agora em apreciação” e ainda, para cúmulo, o facto de não existir, segundo o Recorrente, qualquer acórdão deste colendo Tribunal sobre esta matéria.
3-Quanto ao requisito de “melhor aplicação do direito”, alega a Recorrente tão somente que as questões jurídicas que fundamentam o recurso de revista do Recorrente “idealizadas em abstrato, revestem-se de um cariz genérico e com relevância suficiente para que se considere preenchido o requisito da clara necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito”, e ainda “para garantir que não venham a ser tratadas de forma pouco consistente ou contraditória situações idênticas que estão em apreciação nos tribunais administrativos de 1.ª instância e 2.ª instância” e ainda porque, segundo o Recorrente, “no caso concreto, a decisão recorrida se mostra claramente injusta e constitui um erro grave na aplicação do Direito.”.
4-Ora, tanto no primeiro como no segundo requisito, é manifesto que o ónus de alegação que cabe à parte que interpõe o recurso de revista excecional, previsto no artigo 150.º do CPTA, não foi devidamente cumprido pelo Recorrente, limitando-se a alegar de forma conclusiva e abstrata o preenchimento dos respetivos pressupostos legais previstos naquele preceito.
5-Com efeito, não concretiza minimamente o Recorrente que concretas decisões da DGAEP é que estão em contradição com as decisão judiciais proferidas, e em que medida tal contradição se verifica e o que a justifica, o que seria essencial para que este argumento possa ser apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo, não cabendo a este venerando Tribunal ir averiguar destas suposta discrepância entre decisões administrativas proferidas pela DGAEP e as decisões judiciais que têm vindo a ser proferidas nessa matéria.
6-Assim, percebe-se que este primeiro argumento do Recorrente falha, desde logo, por insuficiente concretização dos factos que lhe estariam subjacentes, traduzindo-se em argumentação conclusiva e abstrata por parte do Recorrente que não permite atender ao invocado.
7-Também quanto ao argumento da “relevância social” deste recurso de revista, importa destacar que, não obstante a suma importância deste Supremo Tribunal para a ordem jurídica, não são só os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo que podem ser utilizados como “paradigmas ou orientações para se apreciarem outros casos semelhantes”, servindo também como referência para as decisões a proferir pela DGAEP e por outras entidades administrativas as decisões judiciais proferidas por outros tribunais, que existem, de resto, em número suficiente e reconhecida uniformidade para que se possa dispensar o venerando Supremo Tribunal de se ocupar com questões que, como o Recorrente bem sabe, já foram sobejamente decididas de forma consistente e uniforme pelos Tribunais de primeira e de segunda instância, como no caso dos autos se verifica.
8-Assim, o recurso ao Supremo Tribunal mais não representa do que uma última tentativa por parte do Recorrente de obter uma decisão judicial que, por absurdo, se pronuncie de forma diferente de tudo o que tem sido decidido sobre esta matéria, pois bem sabe o Recorrente que, quer em primeira, quer em segunda instância, a jurisprudência tem sido unânime e não contraditória, como o Recorrente pretende sustentar.
9-Sucede que, conforme resulta claro do disposto no artigo 150.º do CPTA, o Supremo Tribunal Administrativo não está ao dispor do Recorrente para resolver litígios já pacíficos e com jurisprudência unânime sobre determinada matéria, devendo ser visto como mera “válvula de escape” do sistema jurídico, 10-Sendo certo que também não é o facto de existirem vinte e quatro processos pendentes sobre esta matéria que faz com que as questões em apreço se tornem, desde logo, controvertidas, pois, atendendo à unanimidade da jurisprudência nestas matérias, serão vinte e quatro processos que, conforme se constatará futuramente, serão decididos todos eles no mesmo sentido, como aliás tem vindo a acontecer até ao presente, confirmando apenas que o Recorrente já deveria, de motu proprio, ter chegado a acordo com os respetivos trabalhadores para encontrar uma solução que permita pôr fim aos presentes litígios sem que seja necessário o Tribunal pronunciar-se sempre no mesmo sentido e só depois o Recorrente agir em conformidade.
11-Termos em que, pelos motivos supra expostos, deverá ser declarado o não preenchimento do primeiro pressuposto de admissibilidade do recurso em apreço.
12-Já quanto à necessidade do presente recurso de revista para uma melhor aplicação do direito, a conclusão a alcançar é a mesma:
não preenchimento deste pressuposto legal, porquanto, uma vez mais, o Recorrente não concretiza que questões é que supostamente correm o perigo de ser tratadas de “forma pouco consistente ou contraditória”, sobretudo quando o que se verifica é que a sentença de primeira instância foi confirmada integralmente pelo Tribunal Central Administrativo Sul, como tem vindo a acontecer em todos os demais processos instaurados nestas matérias por trabalhadores do Recorrente, pelo que a contraditoriedade entre as decisões judiciais que têm vindo a ser proferidas é algo que, de facto, não se verifica.
13-Tanto assim é que o acórdão recorrido até invoca o excerto da sentença de 1.ª instância em que, a título exemplificativo, se invocam outros acórdãos de jurisprudência em que se decidiu de igual forma, lendo-se concretamente o seguinte:
14-“Por já se ter decidido situação em tudo idêntica à dos presentes autos [...] e se concordar e se subscrever integralmente, transcreve-se o decidido neste Juízo Administrativo Social, por sentença proferida em 28.12.2023, no processo 1297/22.0BELSB (aliás, em sentido idêntico ao que também já havia sido decidido por este Juízo em sentença de 30.09.2023, no processo 1296/22.2BELSB, bem como no entretanto decidido por sentenças de 19.03.2024, no processo 3724/23.0BELSB, de 20.03.2024, no processo 4248/23.1BELSB)”. (negrito e sublinhado nosso)
15-Mais acrescentando o acórdão recorrido que “Ponto é que, tal como referenciado na decisão recorrida, questão idêntica à que agora se nos coloca, já foi decidida pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo do NorteTCAN, de 2022-05-13, processo 00407/19.0BEPNF e reiterada pelo Acórdão do TCAN, de 2022-12-20, processo 00641/21.2BEPNF, em www.dgsi.pt, em termos que se acompanham na presente sede recursiva e que, por inteira aplicação ao caso concreto, infra se transcrevem os respetivos sumários [...].” (negrito e sublinhado nosso)
16-Com efeito, aquilo que está em causa é uma pura e simples discordância do Recorrente relativamente ao decido pelas duas instâncias anteriores e, já agora, em todos os demais processos em que estão em causas as questões em apreço, mas tal não justifica nem preenche o argumento de que as questões estão “tratadas de forma deficiente” mas tão somente que não assiste razão ao Recorrente, o que é totalmente diferente.
17-Por fim, a necessidade de uma melhor aplicação do direito pressupõe, de resto, que o direito tivesse sido anteriormente mal aplicado, o que o Recorrente não logrou provar nas suas alegações de revista, bastando-se uma vez mais com alegação conclusiva e insuficiente, 18-O que justificaria, por tudo quanto se deixou exposto, também se devia considerar que não se mostra preenchido o pressuposto para a admissibilidade deste recurso de revista de necessidade de uma melhor aplicação do direito, que se mostra, aliás, exemplarmente aplicado pelo Tribunal a quo;
Mas, tendo sido já decidida a admissão do presente recurso de revista, impõe-se concluir que:
19-Quanto ao argumento da caducidade do direito do A. para requerer a anulabilidade do ato, nos termos previstos no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, é evidente que, como a sentença corretamente interpretou, julgou e fundamentou, com a confirmação do douto Tribunal a quo no acórdão recorrido, o que se verifica é que o objeto da ação não é a impugnação de um ato administrativo, mas sim o reconhecimento de um direito (aos pontos), não sujeito ao prazo de caducidade de 3 meses. (art. 37/1 al. f), CPTA).
20-De acordo com o artigo 50.º CPTA:
“1-A impugnação de um ato administrativo tem por objeto a anulação ou a declaração de nulidade desse ato.”, e nunca tal foi peticionado pela A. nos presentes autos.
21-De resto, de acordo com a Recorrente, o ato inimpugnável seria o ato de processamento do vencimento de outubro de 2015.
22-Sucede que este ato de processamento do vencimento da Recorrida não constitui um ato administrativo impugnável para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 50.º do CPTA.
23-Desde logo, quanto à natureza jurídica dos atos processadores de vencimentos, o Supremo Tribunal Administrativo fixou jurisprudência no sentido de tais atos serem “atos administrativos, quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória, enquanto consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, produzindo efeitos em situações individuais e concretas.”-cf. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 10.04.2008, no processo 0544/06.
24-Para tal acontecer, tem de se traduzir numa definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado relativamente ao processamento “em determinado sentido e com determinado conteúdo.”.
25-Exige-se também que “essa decisão seja comunicada de forma adequada de modo a permitir uma eficaz comunicação”, sendo que “A falha na demonstração de tais requisitos conduz à conclusão que os atos de processamentos de vencimentos são inoponíveis ao Autor para efeitos impugnatórios”-cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18.12.2020, no processo 01484/16.0BEPRT.
26-Na situação em apreço, conforme a Recorrida aqui demonstrou, comparando o recibo de vencimento de setembro com o de outubro de 2015, percebe-se ter ocorrido a alteração da categoria referida e da remuneração base da Recorrida. No entanto, não há qualquer referência aos pontos acumulados na avaliação e, muito menos, se vislumbra a existência de qualquer decisão no sentido da “perda” dos pontos acumulados até ao ano de 2015.
27-De igual modo, também a nota informativa n.º SJC/0102/2017, de 27 de janeiro de 2017, não constituicomo, aliás, o próprio nome já deixa transparecerum ato administrativo e nem sequer esta nota informativa foi dirigida à Recorrida, mas antes à Comissão de Trabalhadores do INE.
28-Por fim, sempre se diga que o facto de não ter mudado de nível, em 2018, também não constitui um ato passível de impugnação.
29-Considerando o supra exposto, não se vislumbra a existência de qualquer ato administrativo nos termos invocados pela Recorrente que permitam concluir pela existência de qualquer ónus impugnatório que impendesse sobre a Recorrida e que por esta tivesse, por conseguinte, sido incumprido relativamente às pretensões por si deduzidas nos autos.
30-Independentemente do exposto, a verdade é que a presente ação administrativa tem em vista, de forma clara e notória, o reconhecimento de um direito, pertencente à Recorrida (cf. artigo 2/2 al. f), CPTA).
31-Veja-se a esse propósito o acórdão do STA de 31 de maio de 2005, processo 78/04, bem como o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.03.2019, proferido no processo 01291/17.3BEBRG, e ainda o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 07.07.2021, no processo 2643/15.9BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
32-É, pois, evidente, por tudo quanto se deixou exposto, por um lado, a inexistência de quaisquer atos administrativos reguladores da situação jurídica em apreço, e, por outro, que a ação administrativa intentada pela A. tem por objeto o reconhecimento de um direito assenta na existência de um facto anterior que o legitima, não podendo senão concluir-se, como fez a sentença recorrida e o acórdão recorrido respaldou, no sentido de que a ação intentada pela A. constitui, de facto, uma ação condenatória enquadrável no âmbito da previsão das alíneas i) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA e, portanto, que podia ser proposta pela A. a todo o tempo nos termos do artigo 41.º também do CPTA.
33-Quanto ao argumento da prescrição da alegada dívida da entidade demandada, por efeito do disposto no DL n.º 155/92, de 28 de julho, nos termos do n.º 3 do artigo 34.º do Decreto Lei 155/92, de 28 de julho, que estabelece o Regime da Administração Financeira do Estado, “O pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constitui o efetivo dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro prazo mais curto.”.
34-Para o Recorrente, “o pagamento reclamado à Entidade Demandada, ora Recorrente, de créditos resultantes do alegado reposicionamento remuneratório incumprido constitui evidentemente uma despesa pública, pelo que se lhe aplica o referido prazo de prescrição de três anos.”
35-Acontece que, na situação em apreço, está em causa o direito a créditos laborais litigiosos e, como tal, nunca reconhecidos. Não estão, pois, em causa, como o Recorrente alega, dívidas liquidadas em anos anteriores, ainda não pagas, pelo que não se incluem no conceito de “despesas de anos anteriores” a que se refere o referido n.º 3 supra transcrito.
36-Tem sido este, de resto, o entendimento uniforme da jurisprudência administrativa, como revela o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-11-2016, proc. n.º 00184/12.5BEPRT, para cuja citação se remete em sede de contraalegações;
37-Neste sentido, veja-se também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12.09.2018, consultável em https:
//jurisprudencia.pt/acordao/184093/:
“I-Os créditos abrangidos pelo artigo 337.º n.º 1 do CT são aqueles que emergem diretamente do contrato de trabalho ou os que resultem da sua violação ou cessação. II-A apreciação da questão exige pois que atentemos na causa de pedir e no pedido formulado nos autos.”
38-Assim, contrariamente ao que o Recorrente alega, aplica-se o prazo de 1 ano após a data da cessação do contrato:
337.º CT e 4.º LGTFP, visto que se trata de um crédito a favor do trabalhador, emergente do contrato de trabalho.
39-E, como no caso, o contrato de trabalho ainda não cessou, não há lugar à prescrição de créditos laborais.
40-Trata-se de norma especial que expressamente consagra este regime prescricional autónomo para créditos laborais.
41-Quanto ao argumento da mudança de carreira no caso da A., que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º do DL n.º 187/2015, de 7 de setembro, faz com que deva considerar-se que esta perdeu os pontos que detinha anteriormente resultante da avaliação de desempenho realizada durante o posicionamento remuneratório anterior.
42-Tal como a douta sentença corretamente identifica e o acórdão recorrido veio confirmar, o que ocorreu no caso da Recorrida foi simplesmente de um ajustamento remuneratório emergente de transição para uma nova carreira, por imperativo legal, e não de uma qualquer alteração ou progressão remuneratório no âmbito da categoria.
43-Nesse sentido é expresso o próprio DL n.º 187/2015, que assim o prevê expressamente como respetivo objetivo.
44-Igualmente assim decorre do artigo 10.º do citado DL.
45-Logo, como adequadamente fundamentou a sentença recorrida e que mereceu depois a concordância e confirmação do acórdão recorrido, não podia ter lugar aqui a aplicação da “regra geral de alteração do posicionamento remuneratório”, prevista no artigo 156.º da Lei 35/2014, pois como o respetivo texto expressamente enuncia, esta reporta-se exclusivamente à possibilidade de alteração do posicionamento remuneratório na categoria em que já se encontra o trabalhador com vínculo de emprego público, o que manifestamente não é o caso dos autos.
46-Além disso, conforme resulta claramente da sentença recorrida e do acórdão recorrido depois desta, esta questão já foi apreciada jurisprudencialmente, nomeadamente no âmbito de outras carreiras especiais, como a carreira especial de enfermagem, em que o Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 20.12.2022, seguindo também o que já havia defendido no seu acórdão anterior de 13.05.2022.
47-Nesta conformidade, é manifesto que a transição verificada para a categoria de técnico superior especialista em estatística por parte da Recorrida não tem por consequência, como alegado pelo Recorrente, a perda ou inutilização dos pontos obtidos pela Recorrida e acumulados até à data em que ocorreu aquela transição.
48-Termos em que, por tudo quanto se deixou exposto, deverá ser declarada a total improcedência do recurso de revista em apreço, confirmando-se, em definitivo, o doutamente decidido pelos Tribunais de 1.ª e 2.ª instância.
5-O recurso de revista foi admitido por acórdão de 13.03.2025 da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, de onde se extrai:
“[...]
Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso de revista daquele acórdão, alegando, no essencial que a intervenção deste Supremo Tribunal é necessária por estar em causa uma questão com relevância jurídica e social-a correcta interpretação e aplicação do disposto nos n.os 2 e 7 do artigo 156.º da LTFP, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de Junho, ou seja, saber se para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, relevam, apenas, as “avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram”, o que significa, por exemplo, que “em caso de mudança de carreira, como sucede nos autos, se inicia um novo período de aferição das avaliações de desempenho relevantes para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, obrigatória (10 pontos) ou por opção gestionária (reunião das menções qualitativas legalmente exigidas)”.
As Instâncias entenderam, de forma coincidente, que quando existe uma transição de carreira, isso não implica a perda ou destruição dos pontos obtidos até essa data para efeitos do SIADAP. A Recorrente alega que essa interpretação é contrária à sua e àquela que é sufragada pela DirecçãoGeral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) e divulgada na respectiva página oficinal.
5-Está em causa um assunto que ainda não foi decidido de modo uniforme por este Supremo Tribunal Administrativo, que apresenta complexidade jurídica no labor hermenêutico [não revelando o acórdão recorrido ter efectuado um esforço adequado quanto a esta tarefa, independentemente do acerto ou não da decisão] e que tem um potencial expansivo grande, uma vez que se trata de uma questão motivada por uma modificação ope legis no estatuto funcional dos trabalhadores.
[...].”
6-O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, ambos do CPTA, não se pronunciou.
7-Sob proposta do Relator, pelo Despacho de 5.06.2025, de S. Exa. o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, foi determinado que o julgamento do presente recurso fosse efetuado por todos os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 148.º, n.os 1 e 2, do CPTA. Da motivação do mesmo despacho destaca-se que:
“a questão objeto do presente recursoconsistente em saber se a mudança de carreira importou (ou não) a perda de pontos obtidos e acumulados até à data da transição/mudança para a nova carreira, dos pontos SIADAF, entretanto acumulados, desde 2005-reveste manifesta importância jurídica e social;
// Considerando que poderão vir a estar pendentes neste Supremo Tribunal um número significativo de processos com idêntica questão fácticojurídica, intentados por trabalhadores do Instituto Nacional de Estatística, LP., o que evidencia o risco de decisões divergentes no seio da Secção;
// E considerando que a matéria em causa ainda não foi objeto de jurisprudência uniformizada por este Supremo Tribunal e apresenta um grau de complexidade hermenêutica relevante, conforme assinalado no despacho de admissão de revista”.
8-Foi cumprido o disposto no n.º 3 do art. 148.º do CPTA.
II. QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR:
9-As questões suscitadas pelo RECORRENTE, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de direito por:
-Ter julgado improcedentes as exceções deduzidas de caducidade do direito de ação, prescrição e de aceitação do ato (de considerar perdidos os pontos de avaliação SIADAP); e, quanto mérito,-Ter decidido em violação do disposto no art. 156.º, n.os 2 e 7 da Lei 35/2014, de 20 de junho (LTFP).
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.i. DE FACTO 10-O acórdão recorrido considerou a factualidade assente na sentença proferida pela 1.ª instância, que transcreveu nos seguintes termos:
A) Em 11 março de 1991, ao abrigo de contrato de trabalho a termo certo e com a categoria de Técnico Superior Classe A9, a Autora foi admitida ao serviço da Entidade Demandadacf. fls. 1 e 2 do processo administrativo;
B) A partir de 11 de setembro de 1993, as funções mencionadas em A) foram desenvolvidas ao abrigo de contrato de trabalho sem termopor acordo;
C) Datado de 23 de setembro de 2010, os serviços da Entidade Demandada expediram o seguinte Ofício:
[IMAGEM]-cf. fls. 3 e 4 do processo administrativo;
D) Em 7 de setembro de 2015, o legislador publicou “[...] a revisão das carreiras do Instituto Nacional de Estatística IP, a criação da carreira de regime especial de técnico superior de especialista em estatística [TSEE] do INE, IP, [e] a integração nesta carreira dos trabalhadores do INE, IP que integram o grupo de qualificação do pessoal técnico superior[...]”-cf. Decreto Lei 187/2015 “ex vi” artigo 412.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil aqui aplicável por via da remissão operada pelos artigos 1.º e 35.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
E) Em setembro de 2015, a Autora auferiu o(s) seguinte(s) vencimento(s):
[IMAGEM]-cf. fls. 6 do processo administrativo;
F) Em outubro de 2015, a Autora auferiu o(s) seguinte(s) vencimento(s):
[IMAGEM]-cf. fls. 5 do processo administrativo;
G) Em 27 de janeiro de 2017, dirigida à Comissão de Trabalhadores do Instituto Nacional de Estatística, a Entidade Demandada emitiu a Nota Informativa “SJC/0102/2017”, na qual se lê que:
[IMAGEM]-cf. fls. 7 e 8 do processo administrativo;
H) Datado de 13 de novembro de 2017, a Entidade Demandada expediu o seguinte Ofício:
[IMAGEM]-cf. fls. 12 do processo administrativo;
I) Em 3 de novembro de 2023, foi intentada a presente ação administrativacf. fls. 1 a 3 dos autos.
III.ii. DE DIREITO III.II.i. DA MATÉRIA DE EXCEÇÃO 11-No acórdão recorrido foram conhecidas as exceções suscitadas de caducidade do direito de ação, de prescrição, e da aceitação da perda dos pontos do SIADAP, tendo as mesmas sido julgadas improcedentes.
12-Quanto à exceção de caducidade do direito de ação escreveu-se no acórdão recorrido:
“Em primeiro lugar, trazemos à colação que se sumaria no Acórdão do TCA Norte, Processo 0054/12.9BEVIS, de 18 de Novembro de 2016, in www.dgsi.pt que “O acto de processamento de vencimentos apenas pode ser considerado como um acto administrativo se traduzir uma definição inovatória e voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, sobre um problema concretamente colocado. Não se pode, assim, considerar acto administrativo o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, mas onde não existe uma qualquer definição sobre um problema concreto”.
Ora, verificamos que não foi mediante o processamento inscrito no recibo de vencimentos no decurso dos anos, que a Recorrida foi alicerçando o pedido e a causa de pedir da acção sub juditio.
É que a sua pretensão principal foi ver reconhecido o direito à atribuição, em ordem à inerente avaliação de desempenho, dos pontos adstritos a cada ano de trabalho desde 2004 a 2015.
Em segundo lugar, a Nota Informativa n.º SJC/0102/2017, datada de 27 de Janeiro de 2017, a cargo do Recorrente e dirigida à Comissão de Trabalhadores do INE, que deu conta do entendimento adoptado quanto a esta matéria, não serve de argumentação quanto a uma não oponibilidade jurisdicional.
Isto porque, como singelamente o mencionado documento se intitula ‘Nota Informativa’, mais não é que uma nota opinativa, logo não vinculativa, por um lado, não se caracterizando como um acto administrativo em que o Recorrente imbuído de poderes de autoridade, produz definições jurídicas reguladoras de casos individuais e concretos, e por outro lado não são expectáveis sanções se as orientações não forem cursadas.-Donde, o documento em análise qualifica-se, apenas, como uma recomendação que não só não dita que a Recorrida não estivesse em tempo de instaurar a acção que nos ocupa, como não serve de mote a impedir a sua materialização.
Em conclusão não se consolidou na ordem jurídica, a não atribuição por banda do Recorrente dos pontos devidos em sede de avaliação de desempenho sobre o exercício de funções da Recorrida durante os anos de 2004 a 2015.”
13-Toda a argumentação do INE, IP, neste ponto, parte de um pressuposto errado ao centrar a defesa da sua tese no facto de ter existido um ato administrativo sindicável pela A./RECORRIDA, concretamente, o ato decorrente do recibo de vencimentos do dia 23.10.2015, diverso do referente ao mês anterior (setembro de 2015), pois que aquele suporta uma diferença remuneratóriacf. alíneas E) e F) dos factos provados.
14-Porém, se o ato de processamento de vencimentos, em geral, não é um ato administrativo impugnável, no caso concreto dos autos, além do “Boletim Discriminativo da Retribuição Mensal”, de outubro de 2015, não fazer referência a qualquer perda (ou não) de pontos acumulados decorrentes de anteriores “avaliações-SIADAP”, o mesmo apenas permite verificar a mudança de carreira da A.-passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, I. P., criada pelo Decreto Lei 187/2015, de 7 de setembro, com o consequente reajustamento do posicionamento remuneratório detido pelos trabalhadores do INE, IP. Ou seja, não traduz qualquer definição inovatória por parte do INE, IP, no exercício do seu poder de autoridade, relativamente à situação jurídica em causa.
15-Ora, a A. alicerçou o pedido e a causa de pedir da presente ação no reconhecimento do direito à atribuição, subsequente da anual avaliação de desempenho, dos pontos adstritos a cada ano de trabalho desde 2004 a 2015 e daí obter os inerentes proventos remuneratórios.
16-Igualmente, não se pode qualificar como ato administrativo a “Nota Informativa n.º SJC/00102/2017, de 27/1/2017”, sendo antes apenas e só um documento que presta uma determinada informaçãonada decide-que não é vinculativa e, aliás, nem sequer foi notificada à A., mas antes dirigida à Comissão de Trabalhadores do INE, IPcf. al. G) do probatório.
17-Ou seja, a decisão do TCA Sul neste ponto é acertada, pois que inexiste qualquer ato administrativo a impugnarart. 50.º, n.º 1 do CPTA-, e, portanto, a ação não está sujeita ao prazo de propositura de 3 meses do art. 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA. A A. utilizou-e bem-a ação de reconhecimento de direitoart. 2.º, n.º 2, alínea f) do ETAF e art. 37.º, n.º 1, al.s i) e j) do CPTA-, com possibilidade de ser proposta a todo o tempo de acordo com o art. 41.º do CPTA.
18-Sendo que, atendendo à causa de pedir e pedido apresentados, correspondendo ao meio processual efetivamente adequado, não se verifica, assim, caducidade do direito de ação, inimpugnabilidade do ato e nem sequer inidoneidade do meio processual utilizado.
19-Quanto à prescrição parcial dos créditos reclamados, também carece de razão a alegação recursória do RECORRENTE.
20-Efetivamente, o prazo prescricional estabelecido no Decreto Lei 155/92, de 28 de julho, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado (neste sentido, i.a. os acórdãos deste STA de 5.07.2005 (Pleno), proc. n.º 159/04, e de 23.05.2006, proc. n.º 1024/04).
21-Na verdade, a alegada prescrição dos créditos além de três anos, contados desde a citação nos autos, nos termos previstos no Decreto Lei 155/92, de 28 de julho (Regime de Administração Financeira do Estado), não tem qualquer aplicação concreta ao caso dos autos, na medida em que este diploma legal tem a ver com dívidas liquidadas e reconhecidas em anos anteriores e ainda não pagas (n.º 3 do art. 34.º do Decreto Lei 155/92, de 28 de novembro).
22-Como afirmado no acórdão recorrido, é igualmente inaplicável o art. 337.º do C. do Trabalho, na medida em que, além do mais, não está em causa qualquer crédito laboral de contrato que tenha cessado. A A./RECORRIDA continua em funções no INE, IP, apenas mudou de carreira ao abrigo do n.º 3 do art. 12.º do Decreto Lei 187/2015, de 7 de setembro.
23-Com o que improcede, igualmente, este fundamento do recurso.
24-Quanto à alegada aceitação da perda dos pontos do SIADAP, sustenta o RECORRENTE que ao aceitar mudar de carreira a RECORRIDA, tacitamente, aceitou como perdidos os pontos acumulados, o que corresponderia à aceitação do ato com as consequências inerentes, nos termos do n.º 1 do art. 56.º do CPTA. Mas sem razão.
25-Com efeito, dos autos não se evidencia que a A. e aqui RECORRIDA alguma vez tenha aceitado a perda dos pontos adquiridos, nas avaliações de desempenho até 2015, na sequência da sua integração na carreira de técnico superior especialista em estatística, nos termos previstos no referido n.º 2 do art. 12.º do Decreto Lei 187/2015, de 7 de setembro. Sendo que o facto de não se ter oposto à integração na nova carreira-n.º 2 do art. 11.º-, se da parte da entidade pública não houve um sinal sequer que evidenciasse a perda desses pontos, também da não oposição por parte da A. à integração na nova carreira, não podemos concluir que aceitou essa perda de pontos.
26-Para que tal acontecesse, com as consequências inerentes ao art. 56.º do CPTA, tendo a transição ocorrido, ope legis, na sequência do referido art. 11.º, n.º 2 do Decreto Lei 187/2015, impunha-se que houvesse uma clara demonstração, por parte da A., dessa aceitação. Algo que o INE, IP, não demonstra; e, de acordo com os factos assentes, minimamente não se pode sustentar que da atuação da trabalhadora tenha resultado um reconhecimento, sob alguma forma, de que os pontos detidos seriam perdidos. Muito menos de que se esteja perante uma aceitação “espontânea e sem reserva” (art. 56.º, n.º 2, do CPTA, não se mostrando aplicável o n.º 3, dado não se estar perante situação de “oportunidade de execução” de qualquer ato).
27-Dito de outro modo, a circunstância de a Autora e ora RECORRIDA não se ter oposto à sua integração na carreira de técnico superior especialista em estatística, nos termos previstos no artigo 11.º, n.º 2, do Decreto Lei 187/2015, de 7 de setembro, não constitui aceitação da perda dos pontos obtidos nas avaliações de desempenho de 2004 a 2015, para efeitos do art. 56.º, n.º 1, do CPTA.
28-Assim, improcede, de igual modo, este fundamento do recurso.
III.II.i. DO MÉRITO (ART. 156.º, N.ºS 2 E 7 DA LTFP).
28-Entrando agora na questão de fundo a resolver, importa, tal como identificado no acórdão que admitiu a revista e salientado no despacho que determinou o julgamento do recurso nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, apreciar se a mudança de carreira importou (ou não) a perda de pontos obtidos e acumulados até à data da transição/mudança para a nova carreira, dos pontos SIADAP, entretanto acumulados, desde 2005.
29-Como já se disse, as Instâncias entenderam, de forma coincidente, que quando existe uma transição de carreira, isso não implica a perda ou destruição dos pontos obtidos até essa data para efeitos do SIADAP.
30-A RECORRENTE alega que essa interpretação é contrária à sua e àquela que é sufragada pela DireçãoGeral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), uma vez que houve uma mudança de carreira (passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, I. P., criada pelo Decreto Lei 187/2015), com a consequente alteração do posicionamento remuneratório detido pelos trabalhadores, iniciando-se, a partir dessa mudança de carreira/posicionamento remuneratório, uma nova contagem de pontos para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório. Mais, em diplomas recentes o legislador, em situações de valorização remuneratória resultantes de reestruturações de tabelas remuneratória e mudanças de carreira, tem introduzido normas especiais para evitar a perda de pontos do SIADAP pelos trabalhadores, o que significa que reconhece que a norma geral do art. 156.º, n.os 2 e 7 da LTFP seria aplicável a essas situações e por isso teve de criar normas especiais para evitar a sua aplicação.
Vejamos então.
31-É certo que a norma do artigo 156.º da LTFP, com a redação introduzida pelo Decreto Lei 84-F/2022, de 16 de dezembro, veio acolher no n.º 8 a solução do aproveitamento dos pontos.
32-Porém, do preâmbulo do diploma resulta a sua aplicação apenas para o futuro; isso é incontornável. Veja-se que se afirma expressamente que “[é] ainda introduzida uma alteração à LTFP no sentido de acomodar solução que permita, para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório do trabalhador, a acumulação dos pontos remanescentes obtidos em sede de avaliação do desempenho, no sentido de os fazer relevar para efeitos de futura alteração”. Ou seja, essa possibilidade-a acumulação dos pontos remanescentesnão existia anteriormente e, por isso mesmo, é que o legislador criou/introduziu a alteração (que não se aplica retroativamente).
33-Regime jurídico novo que não é aplicável à situação dos autos, uma vez que apenas entrou em vigor no dia 1.01.2023 (artigo 24.º do Decreto Lei 84-F/2022, de 16 de dezembro).
34-Por outro lado, olhando para o diploma, importa convocar e interpretar o seu art. 20.º (disposição transitória) que dispõe que “[c]om a aplicação do disposto no presente decretolei o trabalhador mantém os pontos e correspondentes menções qualitativas de avaliação do desempenho para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório”, em conjugação com o já referido art. 24.º, n.os 1 e 2. E daí só pode resultar a conclusão, tirada em obediência aos cânones da interpretação jurídica extraídos do art. 9.º do C. Civil, que após 1 de janeiro de 2023 (n.º 1 do art. 24.º) os trabalhadores mantêm os pontos em caso de futura alteração de posicionamento remuneratório (n.º 1 do art. 20.º). E neste capítulo importa ainda referir que no art. 24.º o legislador apenas salvaguardou, ao nível da produção de efeitos com retroatividade, a atualização do subsídio de refeição (aqui com produção de efeitos a 1 de outubro de 2022).
35-Para além de que para assumir natureza interpretativa, a lei teria expressamente de o dizer ou, pelo menos, de essa natureza se retirar do seu contexto. O que manifestamente não acontece aqui.
36-Como se disse no acórdão do STJ de 8.02.2018, proc. n.º 1092/16.6T8LMG.C1.S1, citando a Doutrina:
“para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos; que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, J. Baptista Machado, Almedina, 1993, pág. 246/247). Ora, no caso, não só não ocorria controvérsia jurídica, como foi o próprio legislador a enunciar que o regime havia sido introduzido inovatoriamente.
37-A não ser assim o legislador teria usado uma outra qualquer formulação que viesse reconhecer a validade da solução da retroatividade, quer enunciando-a no preâmbulo do diploma, quer conferindolhe adequada forma normativa. Mas não, antes previu a possibilidade de manutenção dos pontos, em situações análogas à presente, apenas para as situações que viessem a ocorrer após a entrada em vigor do diploma (art.s 24.º, n.os 1 e 2, e 20.º do Decreto Lei 84-F/2022, de 16 de dezembro). E é sabido que se a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, a verdade é que não pode ser considerada uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
38-Significa isto que, contrariamente ao concluído nas Instâncias, não se poderá aplicar o Decreto Lei 84-F/2022, de 16 de dezembro, enquanto matriz normativa de apoio à tese defendida pela A. e ora RECORRIDA.
39-Neste âmbito, como alegado pelo RECORRENTE, também o Decreto Lei 110-A/2023, de 28 de novembro, que efetuou uma alteração da estrutura remuneratória da carreira de regime especial de técnico superior especialista em estatística do Instituto Nacional de Estatística, I. P., modificando o Decreto Lei 187/2015, de 7 de setembro e introduzindo uma melhoria remuneratória, reconheceu como necessário que as valorizações remuneratórias efetuadas na carreira geral de técnico superior tivessem idêntica tradução, ainda no ano de 2023, nas carreiras especiais de técnico superior especialista em orçamento e finanças públicas e de técnico superior especialista em estatística do Instituto Nacional de Estatística, I. P. E nesse diploma, no seu artigo 4.º, n.º 1, foi introduzida uma disposição de salvaguarda para efeitos de manutenção dos pontos, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023 (art. 5.º). Porém, no caso dos autos, essa salvaguarda não foi prescrita pelo legislador.
40-Mantendo-se a regra geral, quando o trabalhador integrar nova carreira/categoria, os pontos acumulados nas avaliações de desempenho sobre as anteriores funções serão perdidos, não podendo relevar para efeitos de futura alteração de posicionamento na nova carreira/categoria. Regra que se compreende porque este está numa nova posição, com funções diferentes e, assim, num novo ciclo avaliativo.
41-O art. 156.º da LTFP, no seu n.º 7 (e n.º 2), é claro no sentido de que, para efeitos de alteração obrigatória para a posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que o trabalhador se encontra, só relevam os pontos “nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram”.
42-Assim, e como referem Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, em anotação a este artigo 156.º (cf. Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Vol. I, 2014, p. 470):
“[u]ma primeira nota para realçar que as menções em causa têm todas de ser obtidas durante o mesmo posicionamento remuneratório, o que significa que se o trabalhador mudar de posição remuneratória (seja na mesma categoria, seja por promoção à categoria superior, no caso de carreiras pluricategoriais, seja por mudança de carreira) deixará de beneficiar das menções que anteriormente lhe haviam sido atribuídas, as quais se tornam irrelevantes para efeitos de futuras alterações de posicionamento remuneratório, voltando a estar obrigado a perfazer as menções referidas no n.º 2 do presente artigo na nova posição remuneratória.”
43-E continuam, a propósito do n.º 7 do mesmo artigo (idem, p. 472):
“[n]o n.º 7 do presente artigo consagra-se a única situação em que é obrigatório o empregador público proceder a uma alteração da posição remuneratória dos seus trabalhadores, pelo que, uma vez verificado o condicionalismo previsto em tal norma, assiste a estes o direito potestativo de exigirem a mudança para aposição remuneratória imediatamente seguinte da sua categoria, a qual produzirá efeitos a partir do dia 1 de Janeiro do ano em que se alcancem 10 pontos nas sucessivas avaliações de desempenho referentes ao posicionamento remuneratório em que se encontra o trabalhador”.
44-Assim, só terão relevo os pontos acumulados a partir de 2015, ano da mudança de carreira (e de posição remuneratóriacf. art. 12.º, do Decreto Lei 187/2015). Solução distinta exigiria uma norma especial, a qual foi consagrada, nomeadamente e como já referido supra, no Decreto Lei 110-A/2023, com efeitos a 1.01.2023 (diploma que alterou os níveis remuneratórios das carreiras especiais, mas ressalvou que o trabalhador mantém os pontos que tem para futuras alterações de posicionamento remuneratório).
45-Não pode aceitar-se a ideia de que não se está face a uma alteração do posicionamento remuneratório na categoria, tendo ocorrido apenas uma transição de carreira que não implica a perda ou destruição dos pontos obtidos até à data em que tal sucedeu. Como se viu, está expressamente previsto nos n.os 2 e 7 do artigo 156.º da LTFP, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho, relativamente aos trabalhadores do RECORRENTE, para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, que relevam, apenas, as “avaliações do seu desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram [sublinhado nosso]”. Aliás, no mesmo sentido dispunham os n.os 1 e 6 do artigo 47.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, quer na sua primitiva redação, quer na redação dada pela Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro.
46-Assim, sempre que o trabalhador muda de posição remuneratória, quer em resultado de alteração de posicionamento remuneratório propriamente dita, quer por qualquer outra razão, como, por exemplo, na sequência de procedimento concursal ou mudança de carreira, como é o caso destes autos, inicia-se um novo período de aferição das avaliações de desempenho relevantes para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, obrigatória ou por opção gestionária.
47-Também como alegado pelo RECORRENTE, tendo-se verificado com o Decreto Lei 187/2015 uma mudança de carreira (passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, I. P., criada pelo Decreto Lei 187/2015), com a consequente alteração do posicionamento remuneratório detido pelos trabalhadores, inicia-se, a partir dessa mudança de carreira/posicionamento remuneratório, uma nova contagem de pontos para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório, tanto mais que, neste caso concreto, a mudança de carreira teve, como um dos seus princípios enformadores, uma valorização remuneratória, que se traduziu, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto Lei 187/2015, “no reposicionamento dos trabalhadores na posição remuneratória correspondente ao nível remuneratório imediatamente seguinte ao nível remuneratório ou à remuneração base que detinham na data da entrada em vigor do diploma”, podendo, mesmo, ocorrer uma valorização correspondente a um “salto” de duas posições, no caso de a alteração de uma posição remuneratória se mostrar inferior à 1.ª posição remuneratória da nova carreira.
48-Donde, as avaliações de desempenho e as consequentes alterações obrigatórias para a posição remuneratória seguinte, têm de ser obtidas durante o posicionamento remuneratório em que os trabalhadores se encontram (“acumulação de 10 pontos nas avaliações de desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontra”). O que significa que se o trabalhador mudou de posição remuneratória por mudança de carreira, como sucedeu com a Autora e ora RECORRIDA, deixará de beneficiar dos pontos que anteriormente lhe foram atribuídos, os quais se tornam irrelevantes para efeito de futuras alterações de posicionamento remuneratório, voltando a estar obrigado a perfazer os pontos exigidos na nova posição remuneratória [8 pontos nas avaliações do desempenho nas mesmas funções e no mesmo posicionamento remuneratório].
49-Acresce que-o que não é contestadocom a mudança de carreira ocorreu já uma valorização remuneratória da A. e ora RECORRENTE.
50-E se posteriores diplomas legais similares entenderam salvaguardar a manutenção dos pontos acumuladosque não a sua perdatal não releva para o caso presente (ou pelo menos não releva com o sentido que foi dado pelas Instâncias). Repete-se que não foi criada, como vimos, a imprescindível norma legal transitória ou de salvaguarda, com efeitos retroativos.
51-A adoçãoou não-de semelhante norma legal integra a liberdade de conformação do legislador em correspondência com o desenvolvimento e concretização das opções políticas definidas, no caso em matéria de reestruturação de carreiras da Administração Pública e das respetivas valorizações remuneratórias, em momentos temporalmente distintos, não cabendo aos tribunais substituir-se ao legislador nessa função. A inexistência de norma especial de salvaguarda no caso e a sua previsão no Decreto Lei 84-F/2022, de 16 de dezembro, e, também, no Decreto Lei 110-A/2023, de 28 de novembro, consubstancia uma opção políticolegislativa; como o foi a opção de não conferir efeitos retroativos às normas que vieram permitir a manutenção dos pontos acumulados pelo trabalhador em futura alteração de posicionamento remuneratório.
52-Isto estabelecido, poderia conjeturar-se, dada a comunicação dos pontos que foi feita pelo INE, IP à A., se não seria de aplicar o princípio da boafé administrativa, na vertente da tutela da confiança (art. 10.º, n.º 2 do CPA). Mas contrariamente ao que, ainda que sem o afirmarem expressamente, se retira quer da sentença do TAC de Lisboa, quer do acórdão do TCA Sul, não se pode falar da aplicação do princípio da boafé, na vertente da tutela da confiança.
53-Na verdade, o princípio da boafé não vincula contra legem. Pode ser fundamento de autovinculação no domínio discricionário ou de responsabilidade civil [a violação da boafé pode configurar um facto ilícito gerador de responsabilidade civil], mas não de soluções que não encontrem respaldo na lei positiva (a confiança administrativa só vale se for legítima; i.e., conforme à lei). Neste sentido, o acórdão deste Supremo de 9.07.2014, proc. n.º 1561/13, e extensa jurisprudência e doutrina aí recenseadas.
54-De resto, cremos que nem se poderá falar sequer de um comportamento gerador de confiança ou de uma situação de confiança. Como este STA tem evidenciado, no âmbito da atividade administrativa são pressupostos da tutela de confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efetivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou (cf. o ac. de 21.09.2011, proc. n.º 753/11.
55-Se atentarmos na advertência que consta no final do ofício endereçado à Autora e dado como provado sob a alínea C), deste retira-se que os pontos acumulados apenas seriam suscetíveis de relevar dentro do mesmo nível remuneratório [“Ou seja, a acumulação dos 10 pontos é feita dentro do mesmo nível remuneratório e nas mesmas funções. Sempre que ocorrer alteração da posição remuneratória, ou da categoria profissional, passarão a relevar para a nova contagem as avaliações obtidas na nova categoria ou posição remuneratória”]. O mesmo decorrendo do texto da Nota Informativa dada como assente sob a alínea G), em que se refere:
“[e]m síntese, a transição para a carreira especial de TSEE do INE implicou alteração de posição remuneratória e correspondente valorização, pelo que os pontos acumulados resultantes das avaliações de desempenho dos TSEE, ocorridas nos anos anteriores ao biénio 2015/2016, face à legislação presentemente aplicável não releva, dado que os técnicos estão a exercer funções em posicionamento remuneratório superior./ Contudo, esta questão da valorização remuneratória só se colocará efetivamente quando a lei do OE permitir o seu “descongelamento”, pelo que se desconhecem que regras serão aplicáveis na data em que tal lei for publicada”]. E o mesmo resulta do teor do ofício dado como provado sob a alínea H), em que, por referência da contagem dos pontos de 2010 a 2016, se destacou que os pontos não relevam, mas que tudo dependerá das regras que constarem da Lei do OE que proceda ao descongelamento. Em suma, não existe sequer confiança a merecer tutela.
56-Em síntese útil conclusiva, não estando previsto por norma especial qualquer regime de manutenção dos pontos acumulados, vale a regra geral de alteração do posicionamento remuneratório constante do artigo 156.º da LGTFP, na versão original, a qual é aplicável às situações em que há uma mudança de carreira com a consequente alteração do posicionamento remuneratório, como no caso ocorreu. E não se poderá atribuir relevância aos princípios da boafé ou da confiança, quer porque no caso não se verificam os pressupostos para a sua aplicação, quer porque eles não podem prevalecer sobre o princípio da legalidade.
57-E assim sendo, procedendo o recurso quanto a este fundamento, terá que revogar-se o acórdão e a sentença na parte correspondenteconhecimento do mérito da ação-e, em razão dos fundamentos que vimos de expor e que validam o acerto da posição sustentada pelo aqui RECORRENTE, julgar-se a ação improcedente, com a consequente absolvição do INE, IP, dos pedidos.
58-Anexa-se sumário, elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em conferência todos os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, em:
-Conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão da 1.ª instância de condenação da Entidade Demandada nos pedidos; e, na revogação dessa decisão,-Julgar a ação improcedente, com a consequente absolvição da Entidade Demandada dos pedidos.
Custas pela Recorrida, neste Supremo e nas Instâncias.
Notifique.
Lisboa, 3 de julho de 2025.-Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (voto de desempate)-Pedro José Marchão Marques (relator por vencimento)-Teresa Maria Sena Ferreira de SousaJosé Francisco Fonseca da PazSuzana Maria Calvo Loureiro Tavares da SilvaCláudio Ramos Monteiro (vencido, nos termos da declaração da Cons.ª Helena Ribeiro)-Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (com declaração de voto de vencida, aderindo à declaração da Cons.ª Helena M. Ribeiro)-Helena Maria Mesquita Ribeiro (vencida, nos termos da declaração que se anexa)-Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves JarmelaAntero Pires Salvador (vencido, nos termos do voto que junto)-Frederico Macedo Branco (voto vencido, aderindo ao voto apresentado pelo colega Antero Salvador).
Voto de Vencido A questão fulcral que se coloca nestes autos consiste em determinar se, na sequência da transição da Autora da carreira geral de Técnico Superior para a carreira especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, I. P., os pontos acumulados no âmbito do SIADAP até à data da transição devem ou não ser considerados para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório.
Dissinto da posição maioritária que faz vencimento neste acórdão, por considerar que a solução jurídica adotada assenta numa leitura excessivamente literal e descontextualizada do regime legal aplicável, descurando princípios estruturantes do direito administrativo, bem como a evolução normativa que tem vindo a reconhecer a relevância dos pontos obtidos em sede de avaliação de desempenho, mesmo em contextos de transição de carreira.
A letra da leiconcretamente o artigo 156.º da LTFP, na sua versão anterior à alteração introduzida pelo Decreto Lei 84-F/2022-não impõe, de forma inequívoca, a perda de pontos. A norma refere que os pontos relevantes são os obtidos “durante o posicionamento remuneratório em que se encontram”, mas tal formulação não exclui, de forma expressa, a possibilidade de considerar os pontos obtidos em posicionamentos anteriores, sobretudo quando a transição decorre de uma reorganização promovida pela própria Administração, e não de uma progressão voluntária.
A ausência de norma especial que salvaguarde a manutenção dos pontos não pode ser interpretada como exclusão tácita. O acórdão parte do pressuposto de que, na falta de norma expressa, se aplica o que será uma regra geral da perda de pontos. Contudo, essa interpretação ignora o princípio da continuidade funcional e a natureza não voluntária da transição de carreira, que foi imposta por diploma legal (Decreto-Lei 187/2015), e que não implicou qualquer rutura no exercício de funções, nem alteração substancial das competências exercidas.
Importa ainda sublinhar que parte dos pontos em causa foram obtidos durante o período de proibição de valorizações remuneratórias, período esse que o próprio legislador veio a reconhecer como excecional, permitindo, em diversos regimes, a sua consideração para efeitos de progressão futura. A sua desconsideração, no caso concreto, representa uma penalização injustificada de um mérito efetivamente reconhecido e certificado pela própria Administração.
A evolução legislativa recente reforça, a nosso ver, a tese que sufragamos. O Decreto Lei 84-F/2022 e o Decreto Lei 110-A/2023 consagraram expressamente a manutenção dos pontos em situações de transição de carreira, não para criar um regime excecional, mas para evitar dúvidas interpretativas como as que agora se colocam. O mesmo sucede com o Decreto Lei 61/2025, que regula a transição para a nova carreira especial de Técnico Superior Especialista em Coordenação Transversal de Administração e Políticas Públicas, e que igualmente salvaguarda os pontos acumulados. Estes diplomas não inovam em substância, antes consolidam uma orientação por parte do legislador que reconhece a justiça material da manutenção dos pontos em contextos de reorganização funcional.
A este propósito, merece ainda destaque o Decreto Lei 75/2023, que estabelece um regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras. Este diploma aplica-se expressamente a trabalhadores que, ao longo dos 18 anos exigidos, tenham exercido funções em carreiras ou categorias diferentes, o que demonstra que a mudança de carreira não é, por si só, causa de perda de pontos. Esta solução legislativa, coerente com os princípios da justiça material e da boa administração, reforça a tese de que, na ausência de norma expressa em sentido contrário, os pontos obtidos devem ser considerados para efeitos de progressão.
A rejeição da aplicação do princípio da tutela da confiança, com base em advertências genéricas constantes de ofícios e notas informativas, revela-se insuficiente. A comunicação dos pontos pela entidade empregadora, sem qualquer reserva quanto à sua irrelevância futura, é objetivamente apta a gerar uma expectativa legítima, tanto mais que foi reiterada ao longo do tempo e nunca contrariada por ato administrativo formal. A confiança legítima pode nascer de comportamentos objetivos da Administração, mesmo que não formalmente vinculativos, desde que aptos a gerar uma expectativa razoável de continuidade.
Também o princípio da boafé administrativa impõe que a atuação da Administração se paute pela coerência, previsibilidade e respeito pelas legítimas expectativas dos trabalhadores. A mudança de carreira foi acompanhada de valorização remuneratória, mas não pode servir de justificação para anular o mérito acumulado pela trabalhadora ao longo de anos de serviço avaliado positivamente. A ser assim, o legislador dá com uma mão aquilo que retira com a outra.
Por todo o exposto, entendo que os pontos SIADAP acumulados pela Autora até à data da transição de carreira deveriam ser considerados para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório.
Como tal, confirmaria o acórdão recorrido.
Lisboa, 03 de julho de 2025 Helena Maria Mesquita Ribeiro Processo 3807/23.7BELSB “VOTO VENCIDO”
“Quanto ao mérito.
O Dec. Lei 187/2015, de 7 de Setembro, procedeu, além do mais, à revisão das carreiras do INE, IP, criando a carreira de regime especial de técnico superior especialista em estatística (TSEE), com a integração nesta carreira dos trabalhadores do INE, IP que integravam o grupo de qualificação do pessoal técnico superior ou a carreira geral de técnico superior e à integração dos demais trabalhadores do INE, IP nas carreiras gerais da Administração Pública.
Assim sendo, sob a epígrafe “Transição para a carreira de técnico superior especial”, o artigo 11.º do mesmo Dec. Lei determinou que:
“1-Transitam para a carreira de técnico superior especialista em estatística do INE, I. P., sem necessidade de quaisquer outras formalidades, os trabalhadores que pertençam ao mapa de pessoal do INE, I. P., e se encontram integrados no grupo de qualificação do pessoal técnico superior previsto no Regulamento das Carreiras Profissionais e Grupos de Qualificação do Instituto Nacional de Estatística, I. P., 29 aprovado pelo despacho conjunto A-215/89 XI, de 3 de novembro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 270, de 23 de novembro, ou na carreira geral de técnico superior.
2-Os trabalhadores referidos no número anterior podem opor-se, mediante comunicação dirigida ao presidente do conselho diretivo do INE, I. P., à sua integração na carreira de técnico superior especialista em estatística do INE, I. P., nos 30 dias seguintes ao da entrada em vigor do presente decretolei.
3-Os trabalhadores que se oponham à integração na carreira de técnico superior especialista em estatística do INE, I. P., nos termos do número anterior, mantêm se ou transitam para a carreira geral de técnico superior, consoante os casos”.
No que concerne aos efeitos remuneratórios decorrentes da transição de carreiras, o artigo 12.º “Reposicionamento remuneratório”, estipulou que:
“1-Na transição para carreiras gerais, os trabalhadores do INE, I. P., são reposicionados na posição remuneratória correspondente à aplicação do disposto no artigo 104.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro.
2-Na transição para a carreira de técnico superior especialista em estatística do INE, I. P., os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória correspondente ao nível remuneratório imediatamente seguinte ao nível remuneratório ou à remuneração base que detêm na data da entrada em vigor do presente decretolei, exceto se esta for inferior à 1.ª posição remuneratória do anexo I ao presente decretolei, caso em que são reposicionados na 2.ª posição remuneratória.
3-Quando do reposicionamento referido no número anterior resultar um acréscimo remuneratório inferior a (euro) 52, o trabalhador é reposicionado na posição remuneratória seguinte à referida nesse número, se a mesma existir.
4-Para efeitos de reposicionamento remuneratório dos trabalhadores, nos termos do presente artigo, a remuneração base integra o valor da tabela salarial do INE, I. P., bem como as diuturnidades”.
Assim e revertendo ao caso dos autos, resulta, conjugadamente dos arts. 11.º e 12.º do Dec. Lei 187/2015, que o que está em causa é apenas e só a transição ou a adaptação para um regime legal novo e não uma “mera” alteração ou progressão remuneratória.
Na verdade, apenas se pode configurar como um ajustamento remuneratório emergente da transição para uma nova carreira, por imperativo legal e não de uma qualquer alteração ou progressão remuneratória no âmbito da categoria de técnicos especialista em estatística.
O que significa que, para efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei 114/2017, de 29 de Dezembro, se deve ter em conta a totalidade do tempo avaliado e não avaliado, desde a última alteração de posicionamento remuneratório, não podendo, no caso da A., deixar de se considerar que têm de ser valorados os 13 pontos, não utilizados, obtidos em sede de avaliação de desempenho [entre 2004 e 2015] antes da transição para a nova carreira e para efeitos de reposicionamento remuneratório.
Por conseguintecomo também concluíram as instâncias “... não pode ter lugar aqui a aplicação da “Regra geral de alteração do posicionamento remuneratório” prevista no artigo 156.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois que esta reporta-se exclusivamente à possibilidade de alteração do posicionamento remuneratório na categoria em que já se encontra o trabalhador com vínculo de emprego público.
… Destarte, e em suma, para o efeito de reposicionamento remuneratório emergente da transição para a nova carreira de técnico superior de especialista em estatística (TSEE), deve-se atender todo o âmbito temporal “avaliado” e “não avaliado” da carreira da trabalhadora, ora Autora.
Tanto assim o é que, sobre assunto de análise jurídica em tudo semelhante à do presente dissídio se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdãos de 13 de maio de 2022 (processo 407/19.0BEPNF), e de 20 de dezembro de 2022 (processo 00641), in www.dgsi.pt, onde consta que:
“Do que se trata aqui, portanto, é do ajustamento remuneratório emergente da transição para uma nova da categoria da carreira (...) e não de uma qualquer alteração ou progressão remuneratória no âmbito da categoria (...) em que já se encontrava[m] [os Autores].
Logo, não pode ter lugar aqui a aplicação da “Regra geral de alteração do posicionamento remuneratório, prevista no artigo 156.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois que esta reporta-se exclusivamente à possibilidade de alteração do posicionamento remuneratório na categoria em que já se encontra o trabalhador com vínculo de emprego público, o que não é, verdadeiramente, o caso dos autos.
Acresce que a definição operada (...) foi sustada a 1 de janeiro de 2011, por força do disposto no artigo 24.º da Lei 55-A/2010, de 21 de dezembro [Orçamento do Estado para 2011], que proibiu as valorizações remuneratórias abrangendo, de entre outras situações, as alterações de posicionamento remuneratório e as progressões, o que se manteve, por via das sucessivas leis de aprovação do Orçamento do Estado, até 31 de dezembro de 2017.
Mas retomada com a entrada em vigor da Lei 114/2017, de 29 de dezembro, nos termos da qual passou a ser possível proceder a alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão, para o que o legislador estabeleceu, de entre outras previsões, que (...) é atribuído um ponto por cada ano não avaliado artigo 18.º, n.os 1 e 2, da Lei 114/2017, de 29 de dezembro].
Pelo que, para efeito de reposicionamento remuneratório emergente da transição para uma nova categoria da carreira de enfermagem, é de atender todo o âmbito temporal “não avaliado” da carreira do trabalhador.
De modo que, à míngua da aquisição processual da efetivação da avaliação de desempenho da Autora no período de 2004 a 2011, não pode (...) deixar de ponderar e valorizar o período de 2004 a 2011 da carreira da Autora para efeitos de mudança de posição remuneratória.”
Assim, temos que o que está em causa é apenas e só a mudança de carreira e respectivo reposicionamento remuneratório, nos termos legais supra referidosns. 2 e 3 do artigo 12.º do Dec. Lei 187/2025, de 7/9-que não a regra geral de alteração do posicionamento remuneratório, prevista no artigo 156.º da Lei 35/2014, de 20/6, pois que esta norma reporta-se, exclusivamente, à possibilidade de posicionamento remuneratório na categoria em que já se encontrava o trabalhador com vínculo de emprego público.
Deste modo, a mudança de carreira não importa qualquer perda de pontos obtidos e acumulados até à data da transição/mudança por parte da A.
Acrescendo, importa, ainda, referir que, se a entidade demandada entendia, aquando da mudança/transição de carreiras, in casu, passagem da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE IP (nova carreira criadacomo vimos-pelo Dec. Lei 187/2015:
de 7/9), com o consequente ajustamento remuneratório aos seus trabalhadores, que, com essa mudança/transição, haveria perda dos pontos SIADAP anteriormente acumulados, deveria ter dado nota disso mesmo aos trabalhadores envolvidos e assim, se por essa razão (e outras possíveis), entendiam que não lhes era favorável a transição, sempre os funcionários poderiam deduzir a oposição prevista no artigo 11.º n.º 2 do Dec. Lei 187/2015, de 7/9.
Acresce ainda referir que, nos termos do Ofício de 13/11/2017, o INE, IP, informou a A./Recorrida dos pontos acumulados de 2010 a 2016, num total de 7 pontoscf. al. H) dos factos Provadosaliás, em similitude com a informação que lhe enviara em 23/4/2010, notificando-a dos 6 pontos acumulados desde 2004 até 2009-cf. al. C) dos factos provadospelo que, se entendia que esses 13 (1) pontos haviam sido perdidos como defende nos autos-, com a transição da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística do INE, I. P., deveria ter expressamente efectivado essa informação e não, como o fez, induzir a existência/manutenção dessa acumulação de pontos, quando a transição já havia sido operada [em Outubro de 2015-cf. als. D) e F) da factualidade provada].
Uma coisa é a mudança/transição de carreira por reestruturação do INE, IP, como se evidencia do respectivo Preâmbulo, a saber:
“É, assim, crucial que o INE, I. P., disponha de condições para atrair, manter e desenvolver técnicos altamente qualificados e especializados, que suportem um sistema de produção de informação estatística oficial fortemente exigente em termos de qualidade e de regras de conduta ética e profissional. A isto acresce a notória dificuldade em manter e recrutar, para o INE, I. P., técnicos superiores com as habilitações necessárias ao cumprimento da sua missão, face às condições laborais hoje existentes, às condições remuneratórias e de progressão na carreira e a particular responsabilidade cometida aos trabalhadores daquele organismo. Assim, num contexto de valorização das atividades de elevada criticidade e complexidade da Administração Pública, torna-se prioritário inverter a situação a que os técnicos superiores do INE, I. P., se encontram hoje sujeitos, criando a carreira especial de técnico superior especialista em estatística do INE. I. P. Em relação aos demais trabalhadores do INE, I. P., procede-se à sua transição para as carreiras gerais da Administração Pública, transição que se encontrava por determinar legislativamente desde 2008. O presente decretolei procede, assim, à revisão das carreiras do INE, I. P., à criação da carreira de regime especial de técnico superior especialista em estatística do INE, I. P., à integração nesta carreira dos trabalhadores do INE, I. P., que integram o grupo de qualificação do pessoal técnico superior ou a carreira geral de técnico superior, e à integração dos demais trabalhadores do INE, I P., nas carreiras gerais da Administração Pública” (sublinhado e negrito nossos), com o consequente e legal ajustamento remuneratório dos seus funcionáriosartigo 12.º, n.º 2 do Dec. Lei 187/2015-, como é o caso da A., outra diversa é a valorização remuneratória decorrente da acumulação de pontos SIADAP, que permite, de acordo com a classificação/pontuação anual, um acréscimo remuneratório, uma alteração do posicionamento remuneratório (2), como prémio do seu trabalho diário/mensal/anual, sendo que, no caso da A. e decorre da factualidade provadacf. als. C) e H)-, obteve, em todos os anos em causade 2004 a 2015-1 ponto por ano, correspondente a avaliação de Bom/adequado, num total de 13 pontos acumulados.
Também, não resulta fundamentação que importe solução diversa do Parecer/lnformação da DireçãoGeral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), antes a mesma se mostra apenas concludente, ainda que, obviamente, se possa aceitar que o INE, IP a “tivesse de seguir”.
Importa ainda salientar que, desde o Dec. Lei 187/2015 e posteriores diplomas legais que foram criando melhores condições remuneratórias para os funcionários do INE,IP, especificamente para esta nova carreira especial (TSEE), como resulta evidenciado dos respectivos Preâmbulos, sempre se colocou a tónica na valorização das carreiras, na manutenção dos técnicos superiores na administração pública, pelo que, se sempre foi esse o propósito, expressando mesmo a manutenção de pontos acumulados anteriormente, não podemos entender que em 2015, com o Dec. Lei 187/2015, tivesse sido outra a perspectiva.
É o caso do Preâmbulo do Dec. Lei 84-F/2022, de 16/12-onde se pode ler “É ainda introduzida uma alteração à LTFP no sentido de acomodar solução que permita, para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório do trabalhador, a acumulação dos pontos remanescentes obtidos em sede de avaliação do desempenho, no sentido de os fazer relevar para efeitos de futura alteração”, o que é efectivado no seu artigo 19, sendo mesmo alterado o artigo 16.º da LTFP, com o n.º 8-
Para efeito do disposto no número anterior, quando os trabalhadores tenham acumulado mais do que os pontos legalmente exigidos para a alteração da posição remuneratória, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório
», sendo ainda que, nos termos do artigo 20.º, é expressa uma “Disposição de salvaguarda”, que refere que “1-Com a aplicação do disposto no presente decretolei o Disposição de salvaguarda trabalhador mantém os pontos e correspondentes menções qualitativas de avaliação do desempenho para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório”.
O mesmo aconteceu com o Dec. Lei 110-A/2023, de 28/11, que procede à primeira alteração ao Dec. Lei 187/2025, de 7 de Setembro, em cujo Preâmbulo se escreve “Assim, neste contexto de valorização das carreiras, o Governo reconhece como necessário que as valorizações remuneratórias efetuadas na carreira geral de técnico superior tenham idêntica tradução, ainda em 2023, nas carreiras especiais de técnico superior especialista em orçamento e finanças públicas do Ministério das Finanças e de técnico superior especialista em estatística do Instituto Nacional de Estatística I. P. (sublinhado nosso), tendo, igualmente, uma “Disposição de salvaguarda”, no seu artigo 4.º
1-Com a aplicação do disposto no presente decretolei o trabalhador mantém os pontos e correspondentes menções qualitativas de avaliação do desempenho para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório
».
Ou seja, se posteriores diplomas legais similares entenderam salvaguardar a manutenção dos pontos acumuladosque não a sua perdatemos que essa posição expressa mais não significa senão assegurar o entendimento que aqui se sufraga e assim evitar entendimentos diversos, porventura, como o do INE, IP”.
Assim, tudo visto e ponderado, negaria provimento ao recurso, com a consequente manutenção do Acórdão recorrido …”.
Antero Pires Salvador.
(1) (Os 13 (7+6) indicados na sentença do TAF de Sintra, confirmada pelo TCA-Sul.)
(2) (Como, aliás, se fez constar do Ofício endereçado à A., de 23/9/2010-cfr. al. c) dos factos provados.)
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