Decide, com respeito às contas do Partido CHEGA (CH), referentes à campanha para a eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 22 de setembro de 2019, julgar improcedente o recurso interposto pelo Partido CHEGA (CH) da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos de 27 de outubro de 2023.
Acórdão 96/2025
Processo 161/24
Aos quatro de fevereiro de dois mil e vinte e cinco, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros João Carlos Loureiro, Joana Fernandes Costa, Carlos Medeiros Carvalho, José Teles Pereira, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Rui Guerra da Fonseca, Maria Benedita Urbano, Dora Lucas Neto, António José da Ascensão Ramos, e Afonso Patrão, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.
Após debate e votação, foi, pelo Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Ex.mo Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, ditado o seguinte:
I. Relatório
1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da ENTIDADE DAS CONTAS E FINANCIAMENTOS POLÍTICOS (doravante designada apenas por «ECFP»), em que é recorrente o Partido CHEGA (CH), foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, datada de 27 de outubro de 2023, relativa às contas apresentadas pelo CHEGA referentes à campanha para a eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 22 de setembro de 2019, que sancionou o recorrente no plano contraordenacional.
2 - Por decisão datada de 19 de maio de 2021, tomada no processo PA 15/ALRAM/19/2019 (doravante designado apenas por «PA»), a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas da campanha apresentadas pelo CHEGA, relativas àquela eleição, da qual foi RICARDO JOSÉ FERNANDES VIEIRA mandatário financeiro [artigo 27.º, n.º 4, da
Lei 19/2003, de 20 de junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP») e artigo 43.º, n.º 1, da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla «LEC»)]. Mais determinou, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LEC, extração de certidão para o apuramento da responsabilidade contraordenacional do CHEGA e do mandatário financeiro.
3 - Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o CHEGA e contra RICARDO JOSÉ FERNANDES VIEIRA, pela prática das irregularidades ali verificadas. Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.º s 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do
Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, referido adiante pela sigla «RGCO»), tendo o CHEGA apresentado a sua defesa.
4 - Por decisão de 27 de outubro de 2023, a ECFP aplicou:
a) Ao arguido CHEGA, a sanção de coima no valor de 10 (dez) vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) de 2020, perfazendo a quantia de € 4.388,10 (quatro mil, trezentos e oitenta e oito euros e dez cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP;
b) Ao arguido RICARDO JOSÉ FERNANDES VIEIRA, a sanção de coima no valor de 1 (uma) vez o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) de 2020, perfazendo a quantia de € 438,81 (quatrocentos e trinta e oito euros e oitenta e um cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n. ºs 1 e 2, da LFP.
5 - O arguido CHEGA recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (doravante designada apenas por «LTC»), tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:
«III - DAS CONCLUSÕES DO ARGUIDO
[...]
6 - Os presentes autos de contraordenação têm origem numa incorreta interpretação, pela ECFP, salvo o devido respeito, do conceito legal de “despesas de campanha eleitoral”, cuja definição legal consta do artigo 19.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho, não podendo as despesas em causa nos presentes autos serem tidas como despesas de campanha eleitoral e, consequentemente, não sendo estas abrangidas pela obrigação legal de discriminação de receitas e de despesas, previstas na
Lei 19/2003, de 20 de junho, até porque, inexistindo receitas na campanha eleitoral em causa - cf. factos provados nos pontos 11 e 12 da decisão que ora se impugna - não poderiam também existir despesas que devessem constar das contas relativas à campanha eleitoral relativa às eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada em 22 de setembro de 2019.
7 - Note-se que o Arguido foi inscrito, junto do Tribunal Constitucional, no dia 9 de abril de 2019, o primeiro congresso do Arguido realizou-se nos dias 29 e 30 de julho de 2019, no qual foram eleitos pela primeira vez os titulares dos órgãos do partido, pelo que o Arguido não recebeu, nesse ano, subvenção da Assembleia da República.
8 - Antes de avançar para analise dos preceitos legais em causa, bem como para a explicitação do que, no entendimento dos Arguidos, consiste o erro de aplicação do Direito por parte da ECFP, cabe identificar as despesas em causa.
9 - Nos termos da decisão que ora se impugna - cf. factos provados nos pontos 6. e 8. da decisão - são consideradas despesas de campanha eleitoral os seguintes itens:
i) Tela 1,50 m x 2 m “CHEGA a Madeira não pode mais”;
ii) Flyer calendário “CHEGA Madeira”;
iii) Deslocação e estadia de André Ventura à ilha da Madeira, nos dias 18, 19 e 20 de setembro de 2019; e,
iv) Jantar realizado no dia 20 de setembro de 2019, no restaurante “O Miradouro”, no valor de EUR 727,50 (setecentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos).
10 - Conforme ficou alegado e demonstrado em sede de Defesa, apresentada pelo Arguido em sede de audiência prévia, as despesas identificadas foram custeadas por fundos que não correspondiam a receitas da campanha eleitoral.
11 - A tela 1,50 m x 2 m “CHEGA a Madeira não pode mais” e flyer calendário “CHEGA Madeira”, foram custeados por militantes e simpatizantes do Arguido, sem tal alguma vez lhes tivesse sido solicitado pelo partido, custos esses que, refira-se, têm uma expressão económica irrisória, tendo custado menos de EUR 500,00 (quinhentos euros).
12 - Quanto à deslocação e estadia do Presidente do Arguido, Dr. André Ventura, foram todos os encargos relativos às mesmas suportados pelo próprio.
13 - Por fim, o jantar realizado no dia 20 de setembro de 2019, no restaurante “O Miradouro”, no valor de EUR 727,50 (setecentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos), foi suportado pelos intervenientes no referido jantar, que dividiram a conta entre todos.
14 - No final do referido jantar, foi solicitada fatura com o número de contribuinte do Arguido, para o caso de vir a ser possível reembolsar, aos militantes e simpatizantes, as importâncias despendidas nessa ocasião, o que nunca veio a acontecer.
15 - Nos termos do artigo 16.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho, as campanhas eleitorais apenas podem ser financiadas com recurso a:
i) Subvenção estatal;
ii) Contribuição de partidos políticos que apresentem ou apoiem candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas Regionais e para as autarquias locais, bem como para Presidente da República;
iii) Donativos de pessoas singulares apoiantes das candidaturas à eleição para Presidente da República e apoiantes dos grupos de cidadãos eleitores dos órgãos das autarquias locais;
iv) Produto de atividades de angariação de fundos para a campanha eleitoral.
16 - A campanha eleitoral do Arguido relativa às eleições para a Assembleia legislativa da Região Autónoma da Madeira não teve qualquer um deste tipo de receitas.
17 - Por outro lado, constituem, nos termos do artigo 19.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho, despesas da campanha eleitoral as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo.
18 - Conforme ficou demonstrado, a candidatura à Assembleia legislativa da Região Autónoma da Madeira não realizou qualquer despesa, uma vez que não obteve, também, qualquer receita.
19 - Uma vez que todos os encargos identificados na decisão que se impugna e identificadas no artigo 19.º acima - exceto as despesas de deslocação e estadia custeadas pelo presidente do Arguido - foram suportados por militantes e simpatizantes, por sua livre iniciativa e sem que alguma coisa lhes tivesse sido solicitada pelo Arguido.
20 - Cabe então identificar o que o Arguido considera ser o erro de interpretação do Direito na decisão impugnada.
21 - Pode ler-se na decisão em causa, em sede da exposição de Direito, que: “Alegou, contudo, que as mencionadas despesas não foram efetivamente suportadas pela campanha, mas sim por terceiros, razão pela qual não foram registadas nas contas. Tais argumentos não têm a virtualidade de afastar a imputação. Diferentemente ao aduzido pelos Arguidos e em obediência as normas acima referidas, é manifesto que todas as despesas e receitas relativas aos meios de campanha em causa deveriam encontrar-se registadas nas contas, o que no presente caso não sucedeu”. (destacados nossos)
22 - É neste ponto que o Arguido considera, salvo o devido respeito, ter havido um erro de interpretação da lei por parte da ECFP no presente caso, uma vez que, nos termos do n.º 6, do artigo 16.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho: “A utilização do bens afetos ao património do partido político, bem como a colaboração de militantes, simpatizantes e de apoiantes, não são consideradas nem como receitas, nem como despesas de campanha.” (destacados nossos)
23 - Tendo em conta que todas despesas identificadas nos presentes autos foram realizadas por militantes ou simpatizantes do Arguido, e de que a campanha não teve qualquer uma das receitas identificadas no n.º 1 do artigo 16.º da
Lei 19/2003, de 20 de junho, inexistiram, nos termos das normas acima citadas, quaisquer receitas ou despesas que devessem ser inscritas nas contas da campanha eleitoral relativa às eleições à Assembleia legislativa da Região Autónoma da Madeira».
6 - Por deliberação de 1 de fevereiro de 2024, tomada ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
7 - Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 22 de fevereiro de 2024, pelo qual se admitiu liminarmente o recurso interposto. O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Notificado, o CHEGA sustentou o provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A. Considerações gerais
8 - A
Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, não havia ainda procedimento contraordenacional instaurado, visto que o prazo para prestação das contas estava ainda em curso, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica, por se tratar de processo novo.
A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no
Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da
Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).
No referido
Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).
B. Questões a decidir
9 - Em face do teor das alegações, as questões a decidir a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, datada de 27 de outubro de 2023, são as seguintes:
a) Subsunção dos factos dados como provados aos tipos de ilícito imputados;
b) Imputação subjetiva dos factos a título doloso;
c) Medida concreta da coima.
C. Apreciação do recurso
10 - Mérito da decisão sancionatória
10.1 - Matéria de facto
10.1.1 - Factos provados
Com relevo para a decisão, provou-se que:
1 - O CHEGA é um partido político português cuja atividade se encontra, desde 9 de abril de 2019, registada junto do Tribunal Constitucional.
2 - O CHEGA apresentou lista de candidatos à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 22 de setembro de 2019.
3 - O CHEGA constituiu RICARDO JOSÉ FERNANDES VIEIRA como mandatário financeiro para as contas da campanha eleitoral relativa à eleição descrita em 2., tendo sido efetuada a respetiva publicitação em anúncio.
4 - O CHEGA apresentou, em 20 de dezembro de 2019, junto da ECFP, as contas da campanha relativas à eleição mencionada em 2., tendo-as complementado em 12 de junho de 2020.
5 - Nas contas mencionadas em 4., o CHEGA não registou despesas emergentes das ações e eventos por si realizados, a saber:
5.1 - As despesas realizadas com a publicitação do anúncio referido em 3.;
5.2 - As despesas realizadas com a aquisição de Tela, com dimensão 1,50m × 2 m, com a menção “CHEGA a Madeira não pode mais”;
5.3 - As despesas realizadas com a aquisição de “Flyer calendário”, com a menção “CHEGA Madeira”;
5.4 - As despesas realizadas com a deslocação e estadia de André Ventura, nos dias 18, 19 e 20 de setembro de 2019, na Madeira;
5.5 - As despesas respeitantes ao jantar realizado em 20 de setembro de 2019, no restaurante “O Miradouro”, no Funchal, a que corresponde a Fatura n.º FACR-N/4844, emitida, com o número de identificação fiscal do CHEGA, pelo fornecedor “Teixeira & Jesus, L.da - Restaurante O Miradouro”, no valor de € 727,50.
6 - Ao agir conforme descrito nos pontos 5.1. a 5.5., o CHEGA representou como possível que não discriminava devidamente, nas contas mencionadas em 4., as suas despesas, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
7 - O CHEGA sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
8 - O CHEGA registou, nas contas mencionadas em 4., receitas no valor de € 0,00 e despesas no valor de € 0,00.
9 - O CHEGA não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada em 2.
10 - Nas contas de 2022, o CHEGA registou na rubrica “Resultado líquido do período” um saldo de € 23.740,41, um total do ativo de € 322.939,87 e um total dos fundos patrimoniais de € 262.780,51, registando ainda um total do passivo de € 60.159,36.
10.1.2 - Factos não provados
Com relevância para a decisão, não há factos não provados.
10.1.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos, das regras da experiência e de inferências lógicas.
Para a prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor da publicação constante do sítio público da Internet do Tribunal Constitucional, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, da qual a mesma se extrai.
A prova dos factos constantes de 2. dos factos provados adveio do teor do
Mapa Oficial 9/2019, publicado no Diário da República n.º 187, 1.ª série de 30 de setembro de 2019.
A prova da factualidade indicada no ponto 3. dos factos provados resulta dos elementos que constam de fls. 8, 18, 19 e 21 do PA.
A prova da factualidade enunciada no ponto 4. dos factos provados extrai-se de fls. 23 a 64, 75 a 80 do PA.
A prova da matéria de facto vertida no ponto 5.1 dos factos provados adveio do teor do documento de fls. 18 e 21 do PA, conjugado com os elementos de prestação de contas, de cuja análise se extrai a ausência de registo em referência.
A prova da factualidade constante dos pontos 5.2. a 5.5. dos factos provados resulta dos elementos recolhidos pela ECFP no âmbito da fiscalização das ações e meios utilizados na campanha (v. os anexos ao relatório da ECFP e fls. 105, 105 verso e 106 do PA), conjugados com os elementos de prestação de contas apresentados pelo CHEGA no âmbito do procedimento de apreciação apenso aos autos (em particular, quanto ao ponto 5.4., de fls. 115 e 116 do PA), de cuja análise se extrai a ausência de registo em causa.
De notar que se eliminaram destes factos as referências, constantes da decisão recorrida, que davam conta da circunstância de aquelas despesas constituírem «ações de campanha e respetivos meios», na medida em que tais juízos não têm uma índole factual, antes incorporando uma valoração de natureza jurídica cuja fixação é objeto de discussão e, no mais, que não tem cabimento no plano do julgamento da matéria de facto. Assim, considera-se provado apenas o que consta objetivamente das despesas registadas nas contas de campanha apresentadas pelo CHEGA e que não foi contestado. Veja-se, ainda, que a formulação destes factos foi alterada face à constante na decisão recorrida, correspondendo, na sua atual formulação, ao desdobramento da factualidade referida nos pontos 5. a 7. daquela decisão em várias alíneas de um único ponto (v. 5.1. a 5.5. dos factos provados), por estar em causa a descrição de núcleos factuais que merecem individuação, constituindo embora expressão de uma mesma conduta infracional. A formulação foi ainda expurgada das considerações de natureza jurídica constantes da decisão recorrida.
Para a prova da matéria de facto enunciada em 5.5. dos factos provados foi considerado o teor da fatura que consta de fls. 95 do PA, em conjugação com os documentos de prestação de contas apresentados no âmbito do PA, em particular considerando as fls. 106 e ss. do PA.
A prova da factualidade enunciada em 6. extrai-se da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferência lógicas. Tratando-se de estados mentais do agente, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, na ausência de confissão, através da interpretação exterior de factos internos, o que se realiza por meio de inferências, assentes em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum ou em abduções baseadas em factos apurados através de prova direta.
No que toca à imputação da prática da conduta descrita em 5.1. dos factos provados, cumpre notar que, sendo manifesto que o CHEGA não desconhecia o dever de publicação, em jornal de circulação nacional, da lista completa dos mandatários financeiros para as contas de campanha - tanto mais que o observou -, afigura-se pelo menos plausível que, revelando consciência desse facto, se tenha confrontado com a dúvida de saber se a despesa efetuado com a aquela publicação, sendo exclusiva do contexto de campanha, constituiria uma despesa de campanha cuja omissão de registo, nas contas apresentadas, constituiria violação do dever de representação contabilística, não podendo deixar de se ter conformado com esse facto.
Quanto à prática, a título de dolo eventual, dos factos indicado em 5.2. a 5.5. dos factos provados, importa dizer que não é crível que o CHEGA, ao omitir a discriminação, nas contas de campanha, das despesas ali indicadas não tenha representado a possibilidade de aquela omissão ser contraordenacionalmente censurável, nem que não se tenha com esse facto conformado.
Uma tal consideração resulta, em particular, do facto de as despesas indicadas em 5.2. a 5.5. coincidirem com a tipologia de despesas de campanha indicadas pela ECFP nas Recomendações Públicas dirigidas aos candidatos da eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, publicadas em fevereiro de 2019, cabendo ao CHEGA, enquanto participantes deste ato eletivo, delas tomar conhecimento, em particular no que respeita à indicação de que constituem despesas de campanha, sujeitas a representação contabilística nessa qualidade, aquelas relativas a ‹‹[p]ropaganda, comunicação impressa e digital; estruturas, cartazes e telas, comícios, espetáculos e caravanas››. Acresce não ser crível que o CHEGA desconhecesse, em concreto, que a despesa indicada em 5.5. constituía uma despesa de campanha sujeita a registo contabilístico, já que aquele evento não só consta da planificação das ações de campanha por si realizadas - referido como “Jantar de despedida”, no “Programa do CHEGA Madeira para os dias 18, 19 e 20 de setembro” (cf. fls. 106 do PA) -, como contou com a participação do Presidente do CHEGA.
Note-se, de resto, que a convicção formada pelo CHEGA quanto à licitude da sua atuação, sustentando que as despesas referidas em 5.2. a 5.5. dos factos provados não estariam sujeitas ao dever de discriminação por não constituírem despesas de campanha, sendo embora uma questão reservada para o momento da apreciação jurídica dos factos, não pode deixar de servir à apreciação do conteúdo mental representativo do arguido, em especial por ser pouco compatível com a assumida inexperiência do CHEGA em matéria de contas de campanha (v. p. 7. das conclusões), condição que não poderia deixar de implicar a consciência do risco associado àquela interpretação.
Finalmente, a circunstância de as contas de campanha apresentadas pelo CHEGA serem totalmente omissas quanto ao registo contabilístico de despesas - não se tratando, pois, de uma omissão esporádica -, sugere um problema de registo contabilístico detetável pelo mais incauto participante num ato eletivo, já que não só é pouco provável que uma candidatura não efetue qualquer despesa, como em um tal caso vem essa remota hipótese excluída, já que o Presidente da Direção Nacional do CHEGA, por comunicação de 19 de agosto de 2019, reconheceu perante a ECFP a necessidade de, no contexto daquela campanha, ‹‹[p]roceder a pagamentos e ao cumprimento de compromissos financeiros previamente assumidos›› (v. fls. 13 do PA).
Quanto à consciência da ilicitude, constante do ponto 7. dos factos provados, refere a decisão recorrida que o arguido sabia que as condutas praticadas eram proibidas e sancionáveis como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
Vêm indicadas, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo, devendo recordar-se que, também aqui, a prova se faz por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva. Recorde-se ainda que, conforme decorre do artigo 9.º do RGCO, a falta de consciência da ilicitude do facto - que é, como se sabe, um problema de valoração do facto, que não se confunde com o erro de conhecimento - não exclui o dolo, apenas podendo afastar a culpa quando o erro não for censurável ao agente. Ora, a exigibilidade da observância dos deveres é um critério essencial para determinar a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude do arguido, já que não está em causa, neste domínio, a atribuição de um juízo de culpa ética equivalente ao do direito penal, antes a eventual indiferença relativamente aos valores tutelados pelas normas de dever previstas na LFP e na LEC. É justamente pela qualidade de participante num ato eleitoral que se impunha ao arguido uma exigibilidade reforçada enquanto destinatário especial das normas de dever impostas em matéria de contas, sendo certo que, como o Tribunal Constitucional tem desde sempre afirmado (v. os Acórdãos n.os 77/2011 e 86/2012), estando em causa a observância de regras específicas relativas ao financiamento e apresentação de contas dos partidos políticos, os partidos e os seus responsáveis financeiros não podem, em consciência, deixar de conhecer as normas a que estão vinculados.
Não se pode ignorar, a este propósito, que o recorrente foi advertido pela ECFP acerca das consequências contraordenacionais da sua conduta. Com efeito, o Presidente da Direção Nacional do CHEGA questionou a ECFP, em 19 de agosto de 2019, sobre se ‹‹[...] 1) [s]erá possível que os militantes que queiram fazer donativos, por exemplo, façam as transferências diretamente para os fornecedores, entrando esses comprovativos nas contas como donativos? 2) não sendo legalmente admissíveis pagamentos em dinheiro realizados por partidos políticos a partir de certo montante, será admissível que militantes ou simpatizantes paguem diretamente as despesas às entidades em causa e fiquem, dessa forma, credores do partido [...]›› (v. fls. 13 a 15 do PA), tendo a ECFP esclarecido, em 21 de agosto de 2019, que ‹‹[q]uanto à 1.ª questão colocada, a resposta à mesma tem necessariamente de ser negativa, porquanto tal consubstanciaria um donativo indireto, não admitido pelo art.ª 16.ª da
Lei 19/2003, de 20 de junho; em relação à 2.ª questão, a resposta também é negativa, uma vez que as despesas que, nos termos do art.ª 19.º, n.º 4, da
Lei 19/2003, de 20 de junho podem ser liquidadas em numerário por pessoas singulares, a título de adiantamentos, estão igualmente sujeitas ao mesmo limite do n.º 3 do mesmo artigo›› (v. fls. 16 do PA). Assim, na ausência de motivos justificativos - que, neste caso, não foram apresentados −, não pode senão concluir-se que a prova da consciência da ilicitude (facto 7.) resulta da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras da experiência comum e de inferências lógicas.
A prova do facto descrito em 8. dos factos provados resulta de fls. 36 e 44 do PA.
A prova da matéria indicada no ponto 9. dos factos provados adveio de fls. 66 do PA.
A prova da factualidade constante do ponto 10. dos factos provados extrai-se do Balanço consolidado e demonstração dos resultados, que integram as contas relativas ao ano de 2022, apresentadas pelo CHEGA e que se encontram publicitadas no sítio público da ECFP.
10.2 - Matéria de direito
10.2.1 - Considerações gerais
Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, «os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes», sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Como se salientou no recente
Acórdão 509/2023, decorre do cotejo entre as normas dos artigos 30.º a 32.º da LFP - os especialmente relevantes em matéria de contas de campanha eleitoral - e o regime jurídico traçado no seu capítulo III, que existe uma dicotomia fundamental no universo das infrações passíveis de sanção contraordenacional no âmbito das campanhas eleitorais. Temos, por um lado, infrações materiais, estas relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, que se traduzem na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela lei, designadamente receitas não enquadráveis no artigo 16.º do mesmo diploma, ou na realização de despesas sem justificação legal, mormente por não dizerem respeito à campanha eleitoral ou que excedam os limites previstos no artigo 20.º Temos, por outro lado, infrações formais, que dizem respeito à inobservância do dever de prestação de contas e, no âmbito destas, do dever de tratar contabilisticamente as despesas e receitas da campanha de acordo com as diretrizes do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma, de tal forma que essa representação contabilística viabilize a sindicância material das receitas percebidas e das despesas realizadas.
Atendendo ao conteúdo dos tipos contraordenacionais dos artigos 30.º a 32.º da LFP, são passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais as seguintes condutas (v. o
Acórdão 98/2016, § 6.2.):
a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, ab initio;
b) A violação, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, in fine;
c) A inobservância, por parte de pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4;
d) A ausência ou insuficiência de discriminação ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;
e) A inobservância do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da
Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Como se afirmou no
Acórdão 405/2009, a contraposição entre infrações materiais − as descritas nas alíneas a) a c) − e infrações formais − as descritas nas alíneas d) e e) − «tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada acto (cf. arts.16.º, n.º 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da
Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos actos já realizados (cf. art. 12.º, ex vi do art. 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da
Lei 19/2003)».
Importa extrair os corolários desta dicotomia.
Em primeiro lugar - e como se salientou no citado
Acórdão 405/2009 -, releva para a determinação do momento em que deverá considerar-se praticado o facto típico e, nessa medida, para todos os efeitos jurídicos que dependam desse elemento, como sejam a determinação da lei temporalmente aplicável e a contagem do prazo de prescrição.
Em segundo lugar, dela se extrai que ambas as categorias de infrações são, pela sua distinta natureza, mutuamente irredutíveis e cumuláveis. Irredutíveis no sentido em que, embora as infrações formais tenham uma natureza instrumental face às materiais, dado que as exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais visam possibilitar um adequado escrutínio do cumprimento das regras substantivas sobre o regime das despesas e das receitas em sentido estrito, não se implicam, nem se excluem, mutuamente. O que vale por dizer que o cometimento de uma infração material não implica logicamente o cometimento de uma infração formal (nada obsta a que, por exemplo, a perceção de uma receita não permitida por lei esteja devidamente comprovada e discriminada nas contas da campanha), nem o seu contrário (por exemplo, a falta ou insuficiência da discriminação ou de comprovação contabilística de uma determinada receita nas contas da campanha não implica, por si só, que essa receita seja materialmente ilícita - ainda que dificulte tal avaliação). Cumuláveis no sentido em que, relativamente ao mesmo facto, ambas as infrações podem coexistir e ser imputadas ao mesmo sujeito a título de concurso efetivo (por exemplo, nada obsta a que a perceção de uma receita proibida por lei seja objeto de uma representação contabilística deficiente, visando precisamente ocultar a sua ilicitude material).
10.2.2 - Imputações ao recorrente
10.2.2.1 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP
O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos e as entidades participantes num ato eletivo obedece a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das contas da campanha ao controlo público da conformidade legal, seja no que concerne às despesas de campanha, seja às respetivas receitas, nomeadamente no que concerne às fontes de financiamento.
O artigo 31.º da LFP, sob a epígrafe «[n]ão discriminação de receitas e de despesas», prevê, no seu n.º 1, que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS», preceituando o n.º 2 deste artigo que «[o]s partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS[...]».
A tipificação acolhida pelo artigo 31.º da LFP, atribuindo relevância contraordenacional à inobservância do dever de discriminar ou comprovar devidamente receitas e despesas de campanha eleitoral, segue o modelo de remissão para as normas contidas na parte substantiva da LFP, em matéria de campanhas eleitorais (v. o Capítulo III - Financiamentos das Campanhas Eleitorais), em concreto para o ‹‹[r]egime e tratamento de receitas e de despesas›› previsto no artigo 15.º da LFP. Nos termos do n.º 1 deste artigo, «[a]s receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias restritas à respetiva campanha e obedecem ao regime do artigo 12.º[...]», de modo que o dever de organização contabilística próprio das contas de campanha eleitoral se vê concretizado por referência ao artigo 12.º da LFP.
A relevância contraordenacional da inobservância dos deveres contabilísticos previstos pelo artigo 12.º da LFP, ex vi do artigo 15.º deste diploma, conforme nos termos do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, depende, no contexto das contas da campanha eleitoral, da verificação de um predicado das despesas e receitas submetidas a tratamento contabilístico: que sejam estas despesas ou receitas de campanha eleitoral. Com efeito, apenas assume relevância contraordenacional a inobservância de deveres contabilísticos que consubstanciem a omissão ou imperfeição da descrição contabilística de despesas ou receitas de campanha eleitoral - não discriminar ou não discriminar devidamente - ou, por outro lado, que se traduzam na ausência ou na insuficiência de titulação contabilística dos factos que as constituam - não comprovar ou não comprovar devidamente. O recorte típico da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP tem, pois, como condição primeva, a determinação do que seja uma receita ou despesa de campanha eleitoral.
Vejamos.
No que respeita às receitas de campanha, embora nenhuma definição seja oferecida na LFP, o artigo 16.º deste diploma enumera taxativamente os meios admitidos para o financiamento de atividades de campanha eleitoral, termos em que, por via dessa delimitação, simultaneamente positiva e negativa, estabelece que apenas aquelas se consideram receitas de campanha. Resulta deste artigo que constituem receitas de campanha aqueles meios de financiamento legalmente admitidos que sirvam para financiar as atividades da campanha (‹‹[a]s atividades da campanha eleitoral só podem ser financiadas por [...]»), circunstância que transporta para o conteúdo da definição um requisito de aptidão cuja verificação repousa num juízo de prognose. Assim, um meio de financiamento legalmente admitido, nos termos do artigo 16.º da LFP, ainda que obtido em período de campanha eleitoral, constitui receita de campanha apenas quando sirva o propósito de financiar as atividades de campanha. As receitas de campanha assumem, pois, uma natureza instrumental face às despesas exclusivas das atividades da campanha.
Por sua vez, o conceito de despesa de campanha eleitoral resulta expressamente do artigo 19.º, n.º 1, da LFP, nos termos do qual se consideram «[d]espesas de campanha eleitoral as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo [...]». De acordo com esta disposição, uma despesa é idónea a integrar o conceito de despesa de campanha quando dê cumprimento, cumulativamente, às seguintes três condições: seja efetuada pela candidatura (condição de atribuição); se destine a atingir uma finalidade eleitoral ou o benefício eleitoral que dela decorre (condição de aptidão) e seja efetuada dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral (condição temporal).
A primeira condição exigida pela definição legal permite delimitar negativamente o conjunto de casos em que as despesas, cumprindo embora as condições temporais e de aptidão exigidas pela definição legal, não tenham sido efetuadas pela candidatura. A este propósito, como tem repetidamente afirmado o Tribunal Constitucional, em particular no
Acórdão 19/2008, ‹‹[s]ó aquelas despesas que possam ser imputadas às candidaturas - isto é aquelas pelas quais a candidatura possa ser responsabilizada (sobre as quais tenha tido poder de decisão) - podem preencher o conceito de despesas de campanha eleitoral, sob pena de, como já se disse, serem terceiros - e não a própria candidatura - a decidir como vão ser geridos os limites das despesas de campanha eleitoral impostos pelo referido artigo 20.º da
Lei 19/2003, viabilizando ou inviabilizando a realização de determinados eventos [...]››, acrescentando, ainda, que ‹‹[h]á ainda que sublinhar que o risco enunciado, que se não ignora, de poder vir a acontecer que as candidaturas deleguem em terceiros a realização de despesas com intuito ou benefício eleitoral próprio, para, assim, fugirem aos limites do artigo 20.º da
Lei 19/2003, pode, porém, face à lei actualmente em vigor, ser ultrapassado não só, porventura, através do recurso às figuras da fraude à lei ou da simulação, desde que, evidentemente, se encontrem presentes e sejam demonstrados os respectivos pressupostos, mas também por um adequado trabalho de instrução, que permita concluir ser imputada à candidatura uma despesa, com intuito ou benefício eleitoral, só aparentemente efectuada por terceiros [...]››.
Ora, o juízo de imputação de uma despesa à candidatura não pode deixar de considerar, como momento decisivo da ligação de certo facto ao seu domínio de decisão, a circunstância de se estar perante uma organização, dotada de estrutura funcional, cuja capacidade de exercício está adstrita a finalidades predeterminadas, de vocação eleitoral. Deve, pois, reconhecer-se que a adoção de um critério restritivo de imputação, que venha essencialmente referido à identificação do agente que materialmente efetua a despesa - no sentido em que é o executor do pagamento - é insuficiente e inadequado para servir de critério de imputação da despesa à candidatura, em particular por ignorar a relevância do contributo da candidatura para a realização das atividades de campanha, e das inerentes despesas, que lhe aproveitam. A imputação de uma despesa ao domínio de decisão da candidatura - e, bem assim, a sua sujeição, na qualidade de despesa da campanha, ao dever de discriminação nas contas da campanha - não está, pois, limitada aos casos em que a candidatura execute diretamente o pagamento da despesa, devendo referir-se a todos aqueles em que aquela despesa, sendo embora paga por terceiros, possa ainda ser atribuída ao seu domínio de decisão. Um diferente entendimento significaria atribuir às candidaturas um privilégio de irresponsabilidade sobre as despesas efetuadas no contexto das campanhas eleitorais, bastando, para esse efeito, que o pagamento das despesas fosse delegado em terceiros para as isentar dos deveres contabilísticos impostos no contexto da prestação de contas e, ainda, para subverter o regime que impõe limitações materiais, quantitativos e qualitativos, à realização de despesas e à obtenção de receitas de campanha.
Por fim, importa sublinhar que a verificação dos demais requisitos qualitativos previstos no n.º 1 do artigo 19.º da LFP - em particular a verificação do requisito de aptidão, consubstanciado na finalidade eleitoral ou no efetivo benefício eleitoral que dela decorre -, não pode deixar de constituir um elemento heurístico que, sopesado com o propósito funcional da candidatura, vocacionada a uma finalidade eleitoral, concorre para a afirmação do juízo de imputação. Com efeito, estarão fora da regularidade social os casos em que uma certa despesa, realizada com intuito ou benefício eleitoral no período temporal de seis meses que antecede o ato eleitoral, se situe à margem do domínio de decisão de uma candidatura. A ponderação necessária ao juízo de imputação só, todavia, pode ser realizada em concreto.
A decisão recorrida reconduziu 5 (cinco) instâncias concretas ao tipo de infração previsto no artigo 31.º, n.º 1, com fundamento na violação do dever de discriminação, imposto pelo artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, todos da LFP, das seguintes despesas:
i) despesas realizadas com a publicitação do anúncio de identificação do seu mandatário financeiro (v. ponto 5.1 dos factos provados);
ii) despesas realizadas com a aquisição de Tela (v. ponto 5.2. dos factos provados);
iii) despesas realizadas com a aquisição de “Flyer calendário” (v. ponto 5.3. dos factos provados);
iv) despesas realizadas com a deslocação e estadia de André Ventura nos dias 18, 19 e 20 de setembro de 2019, à Madeira (v. ponto 5.4. dos factos provados);
v) despesas realizadas com o jantar no restaurante “O Miradouro”, em 20 de setembro de 2019 (v. ponto 5.5. dos factos provados).
10.2.2.2 - O recorrente, não impugnando a ausência de registo daquelas despesas, contesta, contudo, que se possam considerar despesas de campanha, sujeitas ao dever legal de discriminação nas contas de campanha, considerando estar em causa ‹‹[u]ma incorreta interpretação, pela ECFP [sic] do conceito legal de “despesas de campanha eleitoral”›› (v. ponto 6. das conclusões).
A argumentação aduzida repousa em fundamentos que, sendo parcialmente comuns aos núcleos factuais cuja prática vem imputada, merecem que a apreciação da sua relevância, para efeitos de preenchimento do tipo de ilícito, se realize num único momento.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o recorrente sustenta que ‹‹[a] candidatura à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não realizou qualquer despesa, uma vez que não obteve, também, qualquer receita [...]›› (v. ponto. 18 das conclusões). Ora, ao pretender fazer decorrer de certo facto relativo a receitas de campanha consequências para efeitos da qualificação material de uma despesa de campanha, sugerindo efeitos necessários entre conceitos independentes e incomunicáveis, a argumentação apresentada constitui um non sequitur. O que seja, ou não, uma despesa de campanha em nada depende da existência, ou inexistência, de receitas de campanha obtidas pelo recorrente, antes obedecendo à verificação das condições previstas na sua própria definição legal, constante do 19.º da LFP. A circunstância de o CHEGA não ter obtido receitas de campanha é, pois, indiferente para a qualificação de certa despesa como despesa de campanha e, bem assim, para a sua sujeição ao dever de discriminação nas contas de campanha.
Vem, depois, o recorrente afirmar que ‹‹[t]endo em conta que todas despesas identificadas nos presentes autos foram realizadas por militantes ou simpatizantes do Arguido [...] inexistiram, nos termos das normas acima citadas, quaisquer receitas ou despesas que devessem ser inscritas nas contas da campanha eleitoral [...]». (v. ponto 23 das conclusões).
Sobre o que alega o recorrente, importa dizer duas coisas.
Por um lado, não é verdade que uma despesa paga por terceiros não constitua uma despesa de campanha suscetível de observar a definição legal constante do 19.º da LFP, estando, pois, sujeita ao dever formal de integração nas contas de campanha. Como se deixou dito em 10.2.2.1. supra, a execução material do pagamento não tem a virtualidade de desqualificar uma despesa de campanha, desde que se possa ainda afirmar o respetivo contributo para a realização das atividades de campanha. Não se alcança, pois, o efeito pretendido pelo recorrente quanto à impugnação da infração de natureza formal que lhe vem imputada.
Por outro, deve notar-se, conforme se deixou dito em 10.1.3. supra, que o recorrente foi advertido pela ECFP acerca das consequências contraordenacionais do pagamento, realizado por militantes ou simpatizantes, das suas despesas de campanha, em particular pelo desvalor material de uma tal conduta. Em concreto, o recorrente sabia que o pagamento realizado por militantes ou simpatizantes, diretamente a fornecedores, se traduziria no recebimento de donativos indiretos, materialmente inadmissíveis. Ora, justamente porque o recorrente conhecia a inadmissibilidade material de obtenção de donativos indiretos, bem sabendo que não poderiam aqueles pagamentos integrar-se contabilisticamente a título de receitas, não poderia desconhecer que a realidade que refletiu teria de ser registada como despesa de campanha.
A alegação do recorrente não revela, pelas razões apresentadas, a mínima aptidão para excluir a relevância contraordenacional do comportamento imputado.
10.2.2.3 - A imputação referida em i. diz respeito à factualidade constante dos pontos 5.1. dos factos provados, estando em causa a ausência de registo, nas contas de campanha do CHEGA, da despesa realizada com a publicitação do anúncio do mandatário financeiro das contas, situação que consubstancia, segundo a decisão recorrida, a prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, por violação do dever imposto pelo artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, todos da LFP.
Uma tal despesa, constituindo um encargo associado a um dever próprio do ato eleitoral, constante do artigo 21.º, n.º 4, da LFP, com inerente intuito eleitoral, realizado nos seis meses imediatamente anteriores à data da eleição, não pode deixar de constituir uma despesa da campanha eleitoral, nos termos e para os efeitos do artigo 19.º da LFP, sujeita a discriminação nas contas de campanha apresentadas. A circunstância de aquela despesa ter sido paga pelo mandatário financeiro não impede a formulação de um juízo de integração numa tal categoria, não isentando o recorrente da observância dos deveres contabilísticos previstos no artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, todos da LFP.
A omissão de integração desta despesa constitui irregularidade formal que preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de não discriminação de despesa de campanha eleitoral.
10.2.2.4 - A imputação referida em ii. e iii. merece, pela identidade do objeto, tratamento conjunto. A factualidade relevante é a descrita no ponto 5.2. e 5.3. dos factos provados, da qual resulta que o CHEGA não registou despesas relativas à aquisição de uma tela com a dimensão 1,50m × 2 m, com a menção “CHEGA a Madeira não pode mais” (v. ponto 5.2. dos factos provados) e de um “Flyer calendário”, com a menção “CHEGA Madeira” (v. ponto 5.3. dos factos provados).
Na sua alegação, o recorrente, sustenta que aquelas despesas, por terem sido custeadas por militantes e simpatizantes, ‹‹[s]em que tal alguma vez lhes tivesse sido solicitado pelo partido›› (v. ponto 21 das alegações), não poderiam constituir despesas de campanha. Mais refere que ‹‹[t]êm uma expressão económica irrisória, tendo custado menos de EUR 500,00 (quinhentos euros)›› (v. ponto 22 das alegações).
Quanto à primeira razão, remete-se para o que deixou dito em 10.2.2.2. supra, concluindo-se que a circunstância de a despesa ter sido paga por militantes ou simpatizantes não impede a formulação de um juízo de integração na categoria de despesas de campanha. Depois, porque ainda que o montante registado em 5.2. e 5.3. dos factos provados assuma reduzido valor, certo é que na infração imputada está em causa um problema formal relativo a informação contabilística omitida, que se verifica independentemente da expressão financeira da despesa. Os montantes envolvidos nas despesas cuja discriminação foi omitida não permitem, pois, com exceção de casos em que se esteja perante uma divergência insignificante, que não ultrapasse o patamar mínimo que justifica a intervenção contraordenacional mesmo no plano formal, excluir a tipicidade do facto.
Verifica-se a violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da LFP. Tal irregularidade formal preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de não discriminação de despesas da campanha eleitoral.
10.2.2.5 - Está em causa, na imputação iv., a factualidade descrita no ponto 5.4. dos factos provados, da qual resulta que o CHEGA não registou, nas contas de campanha, despesas realizadas com a deslocação e estadia de André Ventura, nos dias 18, 19 e 20 de setembro de 2019, na Madeira.
Ora, estando em causa a realização de despesas funcionais à participação do Presidente do CHEGA em atividades realizadas nos dias 18, 19 e 20 de setembro de 2019 - incluindo, de acordo com o anúncio do “Programa do CHEGA Madeira com André Ventura nos dias 18, 19 e 20 de setembro”, a realização, em 18 de setembro de 2019, de arruadas no Funchal, em Câmara de Lobos, na Ribeira Brava e em Ponta Sol; em 19 de setembro, o almoço no restaurante “o Forno” e a visita ao Lugar de Baixo, Camacha e Serras e, em 20 de setembro, a arruada e Machico, Porto da Cruz e no Funchal, com jantar de despedida (v. fls. 106 do PA) -, efetuadas com intuito eleitoral e em cumprimento da condição temporal que é requisito da definição de despesa de campanha, nos termos e para os efeitos do artigo 19.º da LFP, não pode senão concluir-se que as despesas referidas em 5.4. dos factos provados constituem despesas de campanha sujeitas a discriminação nas contas de campanha. A circunstância de estas despesas terem sido pagas pelo Presidente do CHEGA não impede a formulação de um juízo de integração em uma tal categoria.
A atuação do recorrente é, pois, subsumível ao tipo de ilícito previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, com fundamento na inobservância do artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma, com fundamento na violação do dever de discriminação de despesas de campanha.
10.2.2.6 - A imputação referida em v. diz respeito à matéria de facto constante do ponto 5.5. dos factos provados, verificando-se, segundo a decisão recorrida, que a ausência de discriminação da despesa com o jantar realizado no restaurante “O Miradouro”, em 20 de setembro de 2019, constituiria inobservância do dever de discriminação de despesas de campanha, consagrado no artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Vem o recorrente recusar que esta despesa possa ser qualificada como despesa de campanha por ter sido suportada ‹‹[p]elos intervenientes do referido jantar, que dividiram a conta entre todos [...]›› (p. 24 das alegações), acrescentando que ‹‹[f]oi solicitada fatura com o número de contribuinte do Arguido, para o caso de vir a ser possível reembolsar, aos militantes e simpatizantes, as importâncias despendidas nessa ocasião [sic] o que nunca veio a acontecer [...]›› (v. p. 25 e 26 das alegações).
É preciso notar que o facto de o nome e número de identificação fiscal do CHEGA constar da fatura referida àquele jantar não pode ser entendido como uma circunstância acidental, alheia à esfera de intervenção deste Partido, em particular quando dos factos apurados nos autos não resulta qualquer elemento que permita desfazer a relação de presumida coincidência entre o registo formal da aquisição e a qualidade material de adquirente. Veja-se, de resto, que o artigo 36.º, n.º 5, alínea a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) dispõe que constitui formalidade de inclusão obrigatória nas faturas a ‹‹[o]s nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal››, termos em que o CHEGA se constituiu formalmente como adquirente dos bens e serviços relativos à realização daquele jantar.
Ora, não há qualquer razão que permita contrariar a presunção formada a partir da identificação formal do CHEGA como adquirente dos bens e serviços relativos ao jantar. Pelo contrário, considerando o momento temporal em que foi realizado, sopesado com a circunstância de o CHEGA ter feito incluir aquele jantar na planificação das ações de campanha por si realizadas, identificando-o como «jantar de despedida» (v. ponto 10.3.1. supra.), não se encontra alternativa explicativa que permita, com o mínimo de plausibilidade, recusar a imputação daquela despesa ao CHEGA. Assim, tratando-se de uma despesa efetuada com intuito eleitoral, que aproveita à candidatura e que dá cumprimento à condição temporal que é requisito da definição de despesa de campanha, nos termos e para os efeitos do artigo 19.º da LFP, não pode senão concluir-se que a despesa referida à factualidade mencionada em 5.5. constitui despesas de campanha eleitoral sujeita a discriminação nas contas apresentadas pelo CHEGA.
Verifica-se, pois, a violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da LFP. Tal irregularidade formal preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de não discriminação de despesas da campanha eleitoral.
10.2.2.7 - O preenchimento do elemento subjetivo do tipo, relativamente às condutas a que se referem os pontos 10.2.2.2. a 10.2.2.6, baseia-se nos factos provados nos pontos 6. e 7. dos factos provados, dos quais decorre que, em cada uma das referidas situações subsumíveis à infração prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, o arguido agiu com dolo eventual.
10.2.3 - Consequências jurídicas
Importa determinar em que medida as conclusões alcançadas quanto às imputações se refletem na decisão acerca da espécie e medida da sanção a aplicar ao arguido.
Prevê o artigo 31.º, n.º 1, da LFP, que os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e com máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS. Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, os partidos políticos que cometam essa mesma infração são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS. Considerando que o valor do IAS para o ano de 2020 foi fixado em € 438,81 pela
Portaria 27/2020, de 31 de janeiro, a moldura abstrata situa-se, no caso dos partidos políticos, entre os valores de € 4.388,10 e € 87.762,00.
A decisão recorrida fixou a coima a aplicar ao CHEGA em 10 (dez) IAS de 2020, perfazendo a quantia de € 4.388,10 (quatro mil, trezentos e oitenta e oito euros e dez cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP. Para tal, ponderou a gravidade da conduta do arguido, considerando, em especial, o número de vezes em que a infração foi praticada, o seu significado quanto ao eventual desvalor material associado e, ainda, o reduzido tempo de existência do partido.
Ora, apesar de, no presente caso, estar em causa a prática de infrações de natureza formal, importa notar que o arguido não só violou uma pluralidade de deveres de organização contabilística - identificando-se, a partir dos concretos factos praticados, pelo menos 5 (cinco) núcleos de factos suscetíveis de recondução à infração prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP -, como a sua conduta comporta um forte indício de prática de infrações materiais relacionadas com a obtenção de donativos legalmente inadmissíveis. Como refere, a este propósito, a decisão recorrida, ‹‹[a]s situações descritas pelo Arguido, em abstrato, podem configurar a obtenção para a campanha de donativos não elencados enquanto tal [...]›› (cf. p. 11 da decisão). Uma tal circunstância, que acentua a ilicitude da conduta, é incompatível com a reduzida gravidade da contraordenação.
Importa ainda notar que as contas apresentadas pelo CHEGA foram totalmente omissas quanto ao registo contabilístico de despesas e receitas, o que, significando uma representação distorcida dos factos apurados no contexto da campanha - dos quais resulta, inequivocamente, que o CHEGA efetuou despesas de campanha -, sugere um problema de registo contabilístico que impede praticamente o controlo da conformidade material das contas apresentadas.
Finalmente, importa considerar, para efeitos de ponderação da culpa, a circunstância de o arguido não ter assumido nenhuma responsabilidade pelas infrações praticadas, não manifestando intenção nenhuma de contribuir para a remoção da ilicitude, o que naturalmente intensifica as necessidades preventivas e, bem assim, as exigências de punição.
Atendendo aos fatores aqui ponderados e ao demais circunstancialismo apurado nos presentes autos, considera-se que a elevada ilicitude da conduta do arguido é incompatível com a decisão de aplicar ao arguido uma sanção de coima no mínimo legal, cabendo, contudo, em respeito pelo disposto no artigo 72.º-A, n.º 1, do RGCO, que proíbe a reformatio in pejus, manter a sanção aplicada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
i) Julgar improcedente o recurso interposto pelo Partido CHEGA (CH) da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 27 de outubro de 2023 e, em consequência, confirmar a sua condenação pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da
Lei 19/2003, de 20 de junho;
ii) Condenar Partido CHEGA (CH) pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da
Lei 19/2003, de 20 de junho, na coima correspondente a 10 (dez) vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) de 2020, perfazendo a quantia de € 4.388,10 (quatro mil, trezentos e oitenta e oito euros e dez cêntimos).
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Atesto o voto de conformidade da Senhora Conselheira Maria Canotilho, que participa na sessão através de meios telemáticos. Gonçalo de Almeida Ribeiro
Lisboa, 4 de fevereiro de 2025 - Gonçalo de Almeida Ribeiro - João Carlos Loureiro - Joana Fernandes Costa - Carlos Medeiros Carvalho - José Teles Pereira - Rui Guerra da Fonseca - Maria Benedita Urbano - Dora Lucas Neto - António José da Ascensão Ramos - Afonso Patrão - José João Abrantes.
318733805