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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 11/2024, de 11 de Julho

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Sumário

Acórdão do STA de 06-06-2024 ― Processo n.º 741-23.4BELSB ― 1.ª Secção ― Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: Estando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência por banda da Administração, a garantia do gozo de tais direitos por parte do mesmo não se compagina com uma tutela precária, traduzida na atribuição de uma autorização provisória, antes reclama uma tutela definitiva, pelo que o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA.

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 11/2024



Acórdão do STA de 06-06-2024, no Processo 741/23.4BELSB - 1.ª Secção

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO

1 - AA, com os sinais dos autos, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC Lisboa), contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA processo de Intimação para a Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, atualmente a seguir termos contra a AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, IP, (AIMA), no qual pediu que a entidade demandada fosse intimada a decidir o pedido de concessão de autorização de residência que apresentara em 5/5/2020, emitindo o correspondente título de residência ou, a assim se não se entender, a declarar que a sua pretensão fora tacitamente deferida por se mostrar decorrido o prazo legal de decisão. Pediu ainda que fosse aplicada à entidade demandada sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos no artigo 169.º do CPTA, em montante a fixar pelo Tribunal, por cada dia de incumprimento da sentença que vier a ser proferida.

Para tanto alegou, em síntese, que tendo entrado legalmente em território nacional, deu entrada, no dia 05/05/2020, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do pedido de autorização de residência que formulou ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 2 da Lei 23/2007, de 04/07, na versão conferida pela Lei 102/2017, de 28/08, para o que juntou a documentação legalmente exigida para o efeito;

Observa que nos termos do n.º 1 do artigo 82.º da Lei 102/2017, o pedido de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias, mas no seu caso, não obstante as várias solicitações junto do requerido para entregar mais documentação e para que proferisse decisão, a verdade é que estando volvidos mais de 33 meses sobre o seu requerimento, não foi proferida qualquer decisão;

A falta de decisão desse pedido lesa seriamente os seus direitos constitucionais básicos, desde logo, a segurança no emprego, uma vez que trabalha há mais de 33 meses indocumentado e sob ameaça constante de despedimento;

Está refém da sua entidade empregadora, não tendo direito de escolha, trabalhando sem direito a horas extras ou trabalho suplementar, tudo, porque permanece irregular, tendo em risco o seu trabalho e a sua estabilidade profissional por culpa exclusiva do R.;

Afirma que, tal como se relata nas edições do Jornal Expresso deste ano “há trabalho escravo em Portugal”;

Mais alega que não revê a sua família que se encontra no... há mais de 3 anos, uma vez que, sem título de residência não pode visitar/estar com a sua família no seu país de origem;

Esta situação viola o seu direito à família (artigo 36.º da CRP) e faz de si um homem profundamente infeliz, impedindo-o de reagrupar a sua família, de modo a dar-lhe apoio e receber também o carinho da mesma;

Ademais, está impedido de fazer negócios e criar mais riqueza nacional e a sua permanência em situação irregular retira-lhe tranquilidade, mesmo para andar em público, podendo a todo o tempo ser objeto de ações de fiscalização, em qualquer local (na rua, no metro, no seu local de trabalho), ser mandado parar pela polícia, onde se inclui o SEF, estando também em causa o seu direito à liberdade e à segurança, andando sempre “com o coração nas mãos”;

A Lei 5/95, de 21/02 determina a obrigatoriedade do porte de documento de identificação, sendo a entidade recorrida quem está a impedir o cumprimento dessa obrigação, violando o seu direito à identidade nacional;

Está também em causa o seu direito à saúde, uma vez que apenas tem acesso ao sistema de saúde se pagar a integralidade das taxas, seja qual for a circunstância, não obstante descontar para a segurança social desde dezembro de 2020 e pagar impostos em território português;

Entende que o cerceamento dos seus direitos fundamentais decorre das próprias regras da experiência, sendo dedutível por mera presunção judicial;

Por estar indocumentado encontra-se privado da possibilidade de beneficiar do princípio da equiparação consagrado no artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o que o priva de direitos básicos reconhecidos a qualquer ser humano;

A seu ver, reúne os requisitos legais plasmados nas diversas alíneas do artigo 88.º, n.º 2 da Lei 23/2007 para obter autorização de residência, uma vez que possui contrato de trabalho, entrou legalmente no país e está inscrito na Segurança Social;

Defende que estando em causa uma matéria em que se discutem direitos fundamentais de cidadania e identidade, e outros direitos análogos, não há lugar para decisões provisórias e precárias, as quais sempre poderão ser revogadas na ação principal, em regra morosa, sendo a melhor solução para a defesa dos seus interesses o recurso ao presente meio processual, tanto mais que beneficia de uma proteção multinível quanto a direitos fundamentais;

A intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias é o meio idóneo para dar cumprimento ao artigo 20.º, n.º 5 da CRP;

Conclui, pedindo a procedência da ação.

2 - Por sentença de 12.03.2023, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento na verificação da exceção dilatória inominada da inidoneidade do meio processual, por ter entendido que a utilização deste meio processual dependia “(i) da urgência da tutela requerida, (ii) da imprescindibilidade de uma tutela urgente definitiva (subsidiariedade), e (iii) da existência de direitos fundamentais passíveis de tutela jurisdicional ao abrigo dos arts. 109.º e segs. do CPTA” e que, no caso, o A. não alegara factos demonstrativos de qualquer situação de urgência “para lá dos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há um tempo já (demasiado) longo, relativamente à decisão do seu pedido de autorização de residência” nem que “essa urgência não pudesse ser acautelada provisoriamente (por meio de tutela cautelar com eventual decretamento provisório da providência a requerer enquanto o requerente aguardasse a decisão de um processo principal condenatório (não urgente)”, não havendo que determinar a substituição da petição e decretar provisoriamente a providência cautelar ao abrigo do art.º 110.º-A, n.º 1, por tal petição ser extemporânea em sede de ação administrativa de condenação à prática de ato devido visto já se mostrar ultrapassado, desde 22/9/2021, o prazo de 1 ano para a sua apresentação.

3 - Por acórdão de 11.01.2024, o TCA Sul, julgou improcedente a apelação que o autor interpôs dessa sentença, aquiescendo, no essencial, com o entendimento expendido pela 1.ª Instância, confirmando a decisão recorrida.

4 - É deste acórdão que o A. vem pedir a admissão do recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, para o que formulou alegações, que culminaram nas seguintes conclusões:

"172°) A tese constante no Douto Acórdão do TCA Sul revela-se atentatória de um valor fundamental do Estado de Direito.

173°) Existe uma violação clara do direito à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268.º, 4 da Constituição da República Portuguesa.

174°) O Acórdão em apreço consiste num obstáculo, desproporcionado no acesso ao Direito e ao processo previsto no artigo 20.º da Lei Fundamental.

175°) Traduz-se ainda claramente num benefício ao infrator SEF que assume uma posição clara de inércia e de clara irresponsabilidade nos presentes autos.

176°) Existe uma evolução jurisprudencial no sentido de aclamar a Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias como o meio processual mais idóneo.

177°) A primeira evidência é promanada no Ac. do TCA SUL em 15.02.2018.

178°) Seguidamente o Acórdão da Suprema Instância de 11.09.2019 no âmbito do processo 1899/18.0BELSB, que ditou que a Intimação, para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias constitui o meio processual idóneo para obter a emissão de uma decisão de autorização de residência em caso de decisão sonegada em virtude da inércia administrativa.

179°) O Recorrente tem uma proteção multinível no que respeito a direitos fundamentais, sendo-lhe aplicada a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

180°) Violou-se o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa.

181°) Violou-se a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

182°) Violou-se o Tratado de Lisboa de Dezembro de 2009.

183°) Violou-se o Ac. STA, de 16.05.2019, proferido no processo 02762/17.7BELSB.

184°) Quanto maior o tempo da indocumentação, maior a sua exposição à clandestinidade, à precariedade e à exploração.

185°) Não é legalmente possível a tese da autonomia da urgência em matéria de Intimações para Defesa de direitos, liberdades e garantias.

186°) Não existe prazo legal para intentar uma Intimação Defesa de direitos, liberdades e garantias.

187°) Medo, ignorância, falta de meios, circunstâncias que tiveram um papel decisivo no recurso tardio à justiça administrativa.

188°) Circunstâncias que em Direito valem, não sendo juridicamente inconsequente presumir as mesmas.

189°) Aquilo que se discute é de uma Justiça em tempo útil, rápida, eficaz, definitiva.

190°) A falta de um título de residência coloca em causa a dignidade da pessoa humana.

191°) o Recorrente está coibido de se movimentar, celebrar negócios civis, alcançar trabalho e até invocar apoio policial, sob o risco de expulsão.

192°) O Recorrente aguarda há mais de três anos e meio por uma decisão.

193°) Está debaixo de intenso sofrimento, em pânico.

194°) A qualquer momento pode ficar sem emprego, potencial alvo de exploração e de ser expulso.

195°) Não revê a sua família há mais de quatro anos no... que de si dependem.

195°) É um modesto ajudante de cozinha sem instrução.

196°) A jurisprudência dominante em matéria de decisões por inércia administrativa por parte do SEF nos tribunais portugueses de primeira instância, e no TCA SUL e TCA NORTE é no sentido de o presente meio legal ser o mais idóneo para melhor acautelar a nossa Constituição da República Portuguesa.

197°) O TCA Sul tem nove acórdãos considerados provados e procedentes em situação idêntica com recurso ao presente meio legal.

198°) O Ac. do TCA SUL cria um entrave, obstáculo desproporcionado e injustificado no acesso ao Direito e ao processo previsto no artigo 20.º da Lei Fundamental, retirando em definitivo o acesso a qualquer via processual, o que é profundamente injusto.

199°) Sentimento de Injustiça que cresce quando a Recorrida AIMA IP assume uma postura de inércia nos presentes autos.

200°) O Recorrente não sabe quanto tempo mais terá de aguardar.

201°) Vai ter de viver o resto da sua vida na ilegalidade, na clandestinidade.

202°) O TCA SUL não teve consciência.

203°) Temos receio que o Recorrente não consiga aguentar.

204°) O Recorrente ROGA por uma aplicação correta da Lei, por JUSTIÇA, por Humanismo.

205°) Violaram-se os artigos 1°, 2°, 12°, 13°, 15°, 20°, 26°, 27°, 36°, 44°, 53°, 58°, 59°, 64°, 67°, 68°, 268°, 4 da Constituição da República Portuguesa, artigos 7o, 15° e 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6o e 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 109.º CPTA e ainda os artigos 82.º, 1 e artigo 88.º, 2 das leis 23/2007 de 04/7, Lei 59/2017 de 31/7 e Lei 102/17 de 28/08 e Lei 18/2022 de 25/08 e ainda os artigos 5o, 8°, 10o, 13o todos do CPA e ainda o artigo 607.º, 4, do CPC. Violaram-se ainda a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamado pelo Parlamento Europeu, o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa, violou-se o Tratado de Lisboa.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL DEVE, O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA,

A) SER REVOGADO O ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL.

B) SER A RECORRIDA AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, IP, (AIMA) EM DEFINITIVO INTIMADA A DECIDIR.

C) SER RECONHECIDA A INTIMAÇÃO, PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O MEIO PROCESSUAL MAIS IDÓNEO, NA DEFESA DO DIREITO NACIONAL, EUROPEU, INTERNACIONAL, DOS VALORES CONSTITUCIONAIS, E SEM DEPENDÊNCIA DE PRAZO PARA SER ARGUIDA OU DAR ENTRADA EM JUÍZO, EVITANDO SOFRIMENTO OU SACRIFÍCIO AOS ADMINISTRADOS E, SOBRETUDO PARA QUE POSSA EXISTIR OU SER FEITA JUSTIÇA A QUEM RECORRE AOS TRIBUNAIS, PARA QUE O ESTADO DE DIREITO FUNCIONE,

D) SER CONDENADA A RECORRIDA AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, IP, (AIMA) A EMITIR O TÍTULO DE RESIDÊNCIA.

POR CONSEQUÊNCIA AINDA DEVERÁ SER RESPEITADO E SE MANTER O MUI DOUTO ACÓRDÃO DA SUPREMA INSTÂNCIA DE 11.09.2019 E DE 16.05.2019.

ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!".

5 - Não foram apresentadas contra-alegações.

6 - A revista foi admitida pela formação preliminar deste STA, por acórdão de 04.04.2024, que no essencial, para o que mais releva, expendeu a seguinte fundamentação, que ora se transcreve:

"O A. justifica a admissão da revista com a relevância jurídica e social das questões a apreciar por estarem em causa “direitos absolutamente fundamentais” e com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido erro de julgamento, com o fundamento que se mostram preenchidos os pressupostos estabelecidos pelo art.° 109.º, n.º 1, do CPTA, que não inclui a urgência, sendo inidóneos, para o efeito pretendido, o uso de meios cautelares e alegando que a interpretação acolhida pelo acórdão viola o seu direito de acesso aos tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

A questão que está em causa nos autos é idêntica à que foi objeto do acórdão desta formação de 21/3/2024, proferido no processo 707/23.4BELSB, que decidiu pela admissão da revista apesar da sintonia das instâncias por esta “assentar em fundamentos ainda discutidos pela jurisprudência, como o demonstra, desde logo, o recente aresto deste STA que, apesar de ir na linha do que foi decidido pelo acórdão recorrido, mereceu um voto de vencido - Ac. do STA de 16.11.2023, processo 0455/23.5BELSB; Ver ainda Ac. STA de 11.09.2019 R° 01899/18.0BELSB” -, concluindo que à relevância da questão jurídica acresce a necessidade de clarificar e solidificar o sentido da sua resolução, no âmbito de casos concretos trazidos a juízo, o que é múnus do órgão máximo desta jurisdição Justifica-se, pois, quebrar a regra da excecionalidade da admissão das revistas.

4 - Pelo exposto, acordam em admitir a revista."

7 - Notificado nos termos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, o Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser julgado improcedente o presente recurso de revista, e em consequência, confirmado o acórdão recorrido, entendendo que se “mostra estar verificada a exceção dilatória inominada de impropriedade ou de inidoneidade do meio processual utilizado, pela falta do requisito da subsidiariedade, que se assume como pressuposto processual especifico, e do qual depende a possibilidade de utilização da Ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias”.

8 - Por requerimento de 21/05/2024 e no uso da faculdade prevista nas disposições conjugadas dos n.os 1 e 2 do artigo 148.º do CPTA, a aqui Relatora requereu à Senhora Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA) o julgamento em formação alargada do presente recurso de revista.

9 - O requerimento referido no ponto que antecede foi deferido por despacho de 23.05.2024 da Senhora Presidente do STA que, ademais, dispensou a apresentação a vistos aos demais Senhores Juízes Conselheiros, atenta a possibilidade de os mesmos acederem ao processo via SITAF.

Assim, com envio prévio do projeto de acórdão a todos os Senhores Juízes Conselheiros, foi o mesmo sujeito à Conferência.

II - QUESTÕES A DECIDIR

10 - Tendo em conta as conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente - as quais delimitam o objeto do recurso, nos termos dos artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC, ex vi, artigos 1.º e 140.º n.º 3 do CPTA (sem prejuízo de eventual matéria de conhecimento oficioso) - a questão essencial a decidir na presente revista é a de aferir se o acórdão do TCA Sul incorreu em erro de julgamento ao confirmar a sentença proferida pela 1.ª Instância, que indeferiu liminarmente o pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. A resposta a essa questão, passa por saber se o meio processual adequado para reagir contra a situação em que se encontra o Recorrente, é o processo principal urgente de “Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias” previsto e regulado nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, conforme é entendimento do mesmo, ou se, este meio não pode ser mobilizado nestas situações, por existir outro meio de assegurar a tutela pretendida por via da instauração de uma ação administrativa, e de uma providência cautelar para atribuição provisória de autorização de residência.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

III.A - Fundamentação de facto

11 - No Acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

"A) Em 5 de maio de 2020 o Requerente apresentou junto dos serviços do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras manifestação de interesse com vista à obtenção de autorização de residência, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 88.º, da Lei 23/2007, de 4 de julho;

B) Em 8 de março de 2023, o Requerente apresentou em juízo o requerimento inicial dos presentes autos de intimação;

C) Nesta data ainda não havia sido proferida decisão sobre o pedido referido em A);"

**

III.B - Fundamentação de direito

a. 1. enquadramento geral do objeto de recurso

12 - Constitui objeto do presente recurso de revista o acórdão proferido pelo TCA Sul, em 11.01.2024, que negou provimento à apelação interposta pelo autor, aqui Recorrente, da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, em 12.03.2023 que indeferiu liminarmente a ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, na qual formulou o pedido de condenação do SEF- organismo que foi entretanto extinto, cujas competências passaram para a AIMA, IP-, a decidir a pretensão que lhe apresentara na data de 05.05.2020, e, em consequência, a emitir o título de autorização de residência que requerera, ou, no caso de tal se entender, a declarar que se verificava o deferimento tácito do pedido apresentado nesse requerimento.

13 - Conforme resulta do relatório acima elaborado, o TAC de Lisboa decidiu indeferir liminarmente o pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias apresentado pelo autor, no pressuposto de que não se verificava uma situação de urgência, que é condição para que o meio processual em causa possa ser acionado, e bem assim, que não se verificava o requisito da subsidiariedade exigido pelas disposições conjugadas dos artigos 109.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, ambos do CPTA.

14 - Este entendimento foi, no essencial, acolhido pelo TCA Sul, que decidiu manter a sentença recorrida, julgando improcedentes os erros de julgamento assacados à mesma, entendendo, não estar verificado o mencionado requisito da subsidiariedade do qual depende a utilização da ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Nesse sentido, o TCA Sul sufragando a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª Instância, e acolhendo no essencial a fundamentação expendida no Acórdão do STA de 16.11.2023 (processo 0455/23.5BELSB), nele considerou que:

"[...] Em suma, tal como decidiu o tribunal recorrido, o decretamento de uma providência cautelar adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir na ação administrativa principal, de que é exemplo paradigmático a intimação para a emissão de autorização de residência provisória (e o competente título de residência), será suficiente e adequada à proteção dos direitos e liberdades invocados pelo Requerente. De referir que, no caso, o decretamento de providência cautelar não afetaria os limites da tutela cautelar, designadamente os impostos pela sua natureza provisória. Como se afirmou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de junho de 2023, Processo 166/23.1BEALM: "A concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75.º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redação da Lei 18/2022, de 25/8, a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respetivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a ação principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respetiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não conduz a uma situação definitiva e irreversível."

É certo que, no caso, o tribunal considerou que à data da propositura da presente intimação já havia caducado o direito de intentar ação administrativa visando a condenação da Entidade Requerida à prática do ato devido, por ter decorrido o prazo de um ano previsto no n.º 1 do artigo 69.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, juízo este que o Recorrente não questionou.

Nestes termos, não seria viável intentar uma ação administrativa de condenação à prática do ato devido, com fundamento na ausência de resposta ao pedido apresentado pelo Requerente em 5 de maio de 2020, associada a um pedido de decretamento de providência cautelar, visando acautelar os efeitos da sentença a proferir no processo principal.

Esta circunstância não determina, no entanto, que possa considerar-se que, assim sendo, seria adequada à tutela dos seus direitos e liberdades a intimação para proteção de direitos e liberdades ameaçados pela ausência de decisão.

Em regra, como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de novembro de 2023, Processo 455/23.5BELSB, em casos, como o em apreço, em que é "invocada uma “violação continuada” e atual, porque permanente, resultante da omissão de decisão por parte da entidade recorrida, no que respeita ao pedido de autorização de residência" a "chamada proteção acrescida", conferida pela intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias "não deve ser assegurada" uma vez que "o próprio requerente não reagiu atempadamente contra a omissão da entidade requerida", circunstância que permite, em regra, "concluir que os alegados direitos não se encontram em perigo, face ao tempo entretanto decorrido até que fosse solicitada a intervenção do Tribunal".

Com efeito, "a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não se destina, nem visa, suprir a inércia do interessado quando este tenha deixado de reagir, quando podia, de forma atempada contra um ato negativo da Administração ou mesmo contra o incumprimento do dever de decidir, a que acresce que, o interessado nestes casos, tem sempre a possibilidade de renovar a sua pretensão, a todo o tempo, sem que lhe seja coartado qualquer direito" (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de novembro de 2023, Processo 455/23.5BELSB).[...]".

15 - O Recorrente não se conforma com o acórdão recorrido, assacando-lhe erro de julgamento em matéria de direito, prima facie, por do mesmo resultar a violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, constituindo a tese nele sufragada um obstáculo desproporcionado no acesso ao direito e ao processo, tal como previsto no artigo 20.º, também da Constituição. O Recorrente continua a defender a adequação do meio processual usado, e como tal, defende que o uso de uma providência cautelar, associada a uma ação administrativa ordinária, é um meio impróprio para assegurar a tutela jurisdicional efetiva. Invoca, neste contexto, a violação, pela decisão recorrida, de várias disposições constitucionais, de direito convencional e ainda de direito ordinário, a saber, os artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º, 15.º, 20.º, 26.º, 36.º, 44.º, 53.º, 58.º, 59.º, 64.º, 67.º, 68.º, e 268.º, n.º 4, todos da Constituição, os artigos 7.º, 15.º e 41.º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os artigos 6.º e 14.º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, ainda o artigo 109.º, do CPTA, ainda os artigos 82.º, n.º 1, e 88.º, n.º 2, ainda da Lei 23/2007, de 4 de Julho, da Lei 59/2017, de 31 de Julho, da Lei 102/17, de 28 de Agosto, da Lei 18/2022, de 25 de Agosto, e ainda os artigos 5.º, 8.º, 10.º e 13.º, todos do CPA, e ainda o artigo 607.º, n.º 4, do CPC. Invoca, por último, a violação do Código Europeu da Boa Conduta Administrativa e a igual violação do Tratado de Lisboa.

16 - Nessa sequência, conclui pedindo: (i) a revogação do Acórdão recorrido; ii) a intimação para decidir da entidade demandada, atualmente a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P.; iii) o reconhecimento de que a intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias constitui o meio processual mais idóneo, na defesa do direito nacional, europeu e internacional, dos valores constitucionais, sem dependência de prazo para ser arguida ou dar entrada em juízo; iv) a condenação da entidade demandada na emissão do título de residência.

17 - Está em causa saber, no essencial, se o Acórdão recorrido errou no julgamento que efetuou em matéria de direito ao concluir que o meio processual utilizado pelo Recorrente - Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto e disciplinado nos artigos 109.º, 110.º e 111.º do CPTA - é inadequado, por não se encontrar preenchido o pressuposto da subsidiariedade, e ao decidir que se impunha no caso o indeferimento liminar da ação.

18 - Previamente à decisão a proferir sobre a propriedade ou impropriedade do meio processual utilizado, entendemos ser da maior relevância começar por perscrutar o panorama legal que enquadra o processo de obtenção de autorização de residência por parte dos cidadãos de países terceiros à UE que ingressem em território nacional.

a. 2. quadro legal aplicável às migrações

19 - No âmbito da União Europeia (EU), qualquer cidadão de um país membro goza do direito de livre circulação, podendo entrar em Portugal munido apenas do “bilhete de identidade” ou documento equivalente, e qualquer português pode igualmente entrar em qualquer estado-membro da UE nas mesmas condições. E gozam, bem assim, do direito de residência.

20 - Relativamente a cidadãos estrangeiros oriundos de países terceiros em relação à UE, as exigências são diferentes consoante esteja em causa a mera entrada no país, para o que basta ser titular de documento de viagem e com visto, ou a sua permanência em território nacional, que exige, nos termos da lei, uma autorização de residência.

21 - Entre nós, o diploma que "define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração" é a Lei 23/2007, de 04 de julho - vide artigo 1.º -, com as sucessivas alterações que o legislador lhe tem vindo a introduzir.

22 - De acordo com o disposto no artigo 74.º da Lei 23/2007, de 04 de julho, a autorização de residência pode ser temporária ou permanente, conforme a sua duração.

23 - A autorização temporária é aquela que é válida pelo período de dois (2) anos contados a partir da data da emissão do título e é renovável por períodos sucessivos de três anos - cf. n.º 1 do artigo 75.º dessa Lei, na versão conferida pela Lei 18/2022, de 25/08.

24 - Quanto à autorização permanente a mesma não tem limite de validade, ou seja, é concedida por tempo indeterminado, mas o seu título deve ser renovado de cinco (5) em cinco (5) anos - n.os 1 e 2 do artigo 76.º da referida Lei.

25 - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 80.º da Lei 23/07 "Sem prejuízo das disposições da presente lei relativas ao estatuto dos nacionais de Estados terceiros residentes de longa duração, beneficiam de uma autorização de residência permanente os cidadãos estrangeiros que, cumulativamente:

a) Sejam titulares de autorização de residência temporária há pelo menos cinco anos;

b) Durante os últimos cinco anos de residência em território português não tenham sido condenados em pena ou penas que, isolada ou cumulativamente, ultrapassem um ano de prisão, ainda que, no caso de condenação por crime doloso previsto na presente lei ou com ele conexo ou por crime de terrorismo, por criminalidade violenta ou por criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, a respetiva execução tenha sido suspensa;

c) Disponham de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º;

d) Disponham de alojamento;

e) Comprovem ter conhecimento do português básico.

2 - O período de residência anterior à entrada em vigor da presente lei releva para efeitos do disposto no número anterior."

26 - A autorização de residência determina a emissão de um título de residência, que substitui o documento de identificação (artigo 84.º).

27 - Por força da opção legislativa da União Europeia de atribuição de autorização de residência conforme as suas finalidades, a Lei 23/2007 prevê vários tipos de autorização de residência. Cada tipo de autorização reclama o preenchimento de condições especificas, sendo que, antes destas, o cidadão estrangeiro tem de satisfazer um conjunto de condições gerais de concessão de autorização de residência temporária (artigo 77.º) e de residência permanente (artigo 80.º).

28 - No caso dos autos, o Recorrente pretende obter uma autorização de residência temporária para o exercício de atividade subordinada.

29 - Ora, o artigo 77.º, na redação em vigor antes das alterações introduzidas pela 23/2007, de 4 de julho, 53/2007, de 31 de agosto, 63/2007, de 6 de novembro, 27/2008, de 30 de junho e 73/2021, de 12 de novembro">Lei 53/2023 de 31 de agosto determinava que:

"1 - Sem prejuízo das condições especiais aplicáveis, para a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos:

a) Posse de visto de residência válido, concedido para uma das finalidades previstas na presente lei para a concessão de autorização de residência;

b) Inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto;

c) Presença em território português, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 58.º;

d) Posse de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º;

e) Alojamento;

f) Inscrição na segurança social, sempre que aplicável;

g) Ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade superior a um ano;

h) Não se encontrar no período de interdição de entrada e de permanência em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento;

i) Ausência de indicação no SIS;

j) Ausência de indicação no Sistema Integrado de Informação do SEF para efeitos de recusa de entrada e de permanência ou de regresso, nos termos dos artigos 33.º e 33.º-A.

2 - Sem prejuízo das disposições especiais aplicáveis, pode ser recusada a concessão de autorização de residência por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública"

30 - Por sua vez, o n.º 2 do artigo 88.º da Lei 23/07, de 04/07, na redação introduzida pela Lei 28/ 2019, de 29/03 estabelecia que "Mediante manifestação de interesse apresentada através do sítio do SEF na Internet ou diretamente numa das suas delegações regionais, é dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro, além das demais condições: a) Possua um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada por sindicato, ou representante de comunidades migrantes com assento no Conselho para as Migrações ou pela Autoridade para as Condições do Trabalho; b) tenha entrado legalmente em território nacional; c) Esteja inscrito na segurança social, salvo os casos em que o documento apresentado nos termos da alínea a) seja uma promessa de contrato de trabalho".

31 - A Lei 28/2019, de 29/03, introduziu o n.º 6 ao artigo 88.º nos termos do qual "presume-se a entrada legal prevista na alínea b) do n.º 2 sempre que o requerente trabalhe em território nacional e tenha a sua situação regularizada perante a segurança social há pelo menos 12 meses". A Lei 18/2022, de 25/08, consagrou redação similar no n.º 5 do artigo 89.º Esta presunção é considerada inilidível, pelo que, bastará provar a realização de descontos pelo período de um ano para se considerar que a entrada do estrangeiro em território nacional foi legal.

32 - Ou seja, resultava do quadro legal em vigor até à vigência da 23/2007, de 4 de julho, 53/2007, de 31 de agosto, 63/2007, de 6 de novembro, 27/2008, de 30 de junho e 73/2021, de 12 de novembro">Lei 53/2023, de 31/08, que podia ser concedida autorização de residência, com dispensa de posse de visto de residência válido, ao cidadão estrangeiro que, além das demais condições gerais previstas no artigo 77.º, n.º 1, da Lei 23/2007, de 04/07, na redação introduzida pela Lei 28/2019, de 29/03, possua um contrato de trabalho, tenha entrado legalmente em território nacional e esteja inscrito na segurança social, ou, tendo entrado ilegalmente em território nacional, tenha a sua situação regularizada perante a segurança social há pelo menos 12 meses.

33 - Com a 23/2007, de 4 de julho, 53/2007, de 31 de agosto, 63/2007, de 6 de novembro, 27/2008, de 30 de junho e 73/2021, de 12 de novembro">Lei 53/2023, de 31/08, acrescentou-se à alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º "ou visto para a procura de trabalho", o qual é relativamente fácil de obter. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 88.º permite a dispensa de apresentação de vistos de residência para a obtenção de autorização de residência para o exercício de atividade profissional subordinada mediante "manifestação de interesse" apresentada através do site da AIMA.

34 - Assim sendo, atualmente, um trabalhador que tenha entrado ilegalmente em Portugal, ou seja, sem documentos de viagem, desde que obtenha o número de contribuinte, o número de identificação na Segurança Social, inicie uma relação laboral e, tenha decorrido o prazo de um ano com descontos efetuados para a Segurança Social pode efetuar a "manifestação de interesse" através do site da AIMA e requerer autorização de residência.

35 - Importa ter presente que nos termos do artigo 82.º da Lei 23/2007 “O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias” (n. º5) e “O pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias” (n.º 6), sendo que, neste último caso, a falta decisão no prazo previsto de 60 dias por causa não imputável ao requerente “o pedido entende-se como deferido, sendo a emissão do título de residência imediata” (n.º 7).

36 - Note-se que nos termos do artigo 83.º, n.º 1 da Lei 23/07, o titular de autorização de residência tem direito:

a) À educação, ensino e formação profissional, incluindo subsídios e bolsas de estudo em conformidade com a legislação aplicável;

b) Ao exercício de uma atividade profissional subordinada;

c) Ao exercício de uma atividade profissional independente;

d) À orientação, à formação, ao aperfeiçoamento profissional independente;

e) Ao acesso à saúde;

f) Ao acesso ao direito e aos tribunais.

37 - Por fim, importa assinalar que a entrada de cidadãos estrangeiros, bem como a permanência e trânsito dos mesmos, em violação da Lei 23/07, de 04/07, são expressamente consideradas ilegais (cf. artigo 181.º), sendo que as situações mais graves, estão tipificadas como crime no Código Penal e as menos graves como contraordenação.

38 - Estão previstos os seguintes crimes: (i) Artigo 183.º do CP (auxílio à imigração ilegal); Artigo 184.º do CP (associação de auxílio à imigração ilegal); (iii) Artigo 185.º (Angariação de mão de obra ilegal); Artigo 185.º-A (Utilização de atividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal); Artigo 186.º (Casamento ou união de conveniência) e Artigo 187.º (Violação de medida de interdição de entrada).

39 - Para o que mais interessa, tenha-se presente que nos termos do Artigo 185.º-A do CP "Quem de forma habitual, utilizar o trabalho de cidadãos estrangeiros que não sejam titulares de autorização de residência ou visto que habilite a que permaneçam legalmente em Portugal, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias".

40 - A expressão "de forma habitual", não inclui a contratação ocasional de trabalhador estrangeiro, que constitui mera contraordenação (artigo 198.º-A da Lei 23/2007), sendo da competência do conselho diretivo da AIMA a aplicação das coimas, que a pode delegar.

41 - Feito este excurso pela Lei 23/2007, de acordo com as sucessivas alterações que lhe foram sendo introduzidas, e tendo presente que o Recorrente apresentou em 05.05.2020 um pedido de autorização de residência temporária para o exercício de uma atividade subordinada, é inquestionável que o prazo de 90 dias de que a Administração dispunha para proferir decisão foi longamente ultrapassado e que no caso, esse silêncio, não vale como deferimento tácito.

42 - Tal significa que o Recorrente se encontra a residir em Portugal em situação irregular há vários anos, vivendo numa situação de clandestinidade, devido à falta de decisão por parte da Administração relativamente ao pedido de atribuição de residência que apresentou logo que ingressou em território nacional.

43 - As questões que se colocam nesta revista passam por saber se o meio processual adequado para reagir contra a situação em que se encontra o Recorrente, comum a milhares de outros cidadãos estrangeiros que permanecem no país indocumentados, é o processo principal urgente de “Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias” previsto e regulado nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, conforme é entendimento do mesmo, ou se, este meio não pode ser mobilizado nestas situações, por existir outro meio de assegurar a tutela pretendida por via da instauração de uma ação administrativa, e de uma providência cautelar para atribuição provisória de autorização de residência.

44 - Esta questão não tem merecido um tratamento uniforme por parte da jurisprudência, existindo uma clivagem entre os que sustentam que a Intimação prevista nos artigos 109.º e seguintes é o meio processual idóneo ao qual o cidadão estrangeiro deve lançar mão para reagir contra a falta de decisão do pedido de atribuição de residência, uma vez que, a falta dessa decisão impede que o mesmo seja investido no gozo efetivo de um conjunto de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos na Constituição da República Portuguesa e em vários instrumentos de direito internacional, e a corrente jurisprudencial que considera adequado à tutela dos direitos destes cidadãos que se encontram indocumentados por falta de decisão tempestiva da Administração em relação ao pedido apresentado, o recurso a uma ação administrativa de condenação à prática de ato devido e dedução de pedido cautelar de atribuição provisória de autorização de residência.

45 - Esta clivagem jurisprudencial é patente no recente Acórdão do STA, proferido no processo 455/23.5BELSB, em 16.11.2023, no qual estava em apreciação uma situação similar à dos presentes autos, onde se discutia a possibilidade de utilização do mecanismo processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias numa situação conexa com um pedido de autorização de residência, tendo feito vencimento a tese de que o meio processual utilizado era inadequado, dada a sua natureza subsidiária, sendo que ao caso, era suficiente o decretamento de uma providência cautelar para a emissão de um título de residência provisório, a requerer no âmbito de uma ação administrativa não urgente, para acautelar os direitos invocados pelo requerente.

46 - Considerou-se nesse acórdão que não obstante estarem em causa “situações relacionadas com direitos, liberdades e garantias com um estatuto que exigem um especial aconchego jurisdicional”, e de a própria jurisprudência deste STA se ter “pronunciado no sentido de os trabalhadores provenientes de países terceiros que se encontrem em situação regular e irregular no território nacional beneficiarem, quanto a direitos fundamentais de uma proteção multinível - cf. Ac. de 11.09.2019, in proc. n.º 1899/18.0BELSB” tal não significa que o presente quadro normativo, vá ao encontro da pretensão do recorrente nos presentes autos. Escreveu-se no referido acórdão que "a norma do artigo 109.º do CPTA exige a necessidade de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa e se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos em perigo, que a tutela cautelar e respetiva ação principal seriam inidóneos para tal efeito.

No entanto, no caso sub judice, apesar de vir invocada uma “violação continuada” e atual, porque permanente, resultante da omissão de decisão por parte da entidade recorrida, no que respeita ao pedido de autorização de residência requerido pelo ora recorrente, a verdade é que a chamada proteção acrescida, já não deve ser assegurada porque o próprio requerente não reagiu atempadamente contra a omissão da entidade requerida, o que só por si, permite concluir que os alegados direitos não se encontram em perigo, face ao tempo entretanto decorrido até que fosse solicitada a intervenção do Tribunal". Mais se expendeu no citado acórdão que "a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não se destina, nem visa, suprir a inércia do interessado quando este tenha deixado de reagir, quando podia, de forma atempada contra um ato negativo da Administração ou mesmo contra o incumprimento do dever de decidir, a que acresce que, o interessado nestes casos, tem sempre a possibilidade de renovar a sua pretensão, a todo o tempo, sem que lhe seja coartado qualquer direito." E concluiu-se que "o requerente/ora recorrente assim que viu passado o tempo de resposta que estava determinado à Administração, deveria logo ter agido - cf. artºs 129.º e 13.º, n.º 2 do CPTA - utilizando os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados, de modo a obter em tempo útil, uma decisão (positiva ou negativa) que lhe salvaguardasse os direitos que invoca e eventualmente poder beneficiar dos direitos que alegadamente poderão estar a ser limitados, como a alegada “assistência médica, contacto com a sua família no país de origem, etc”.

Como não o fez, é óbvio que nestes autos e através deste meio processual utilizado, falha a condição de necessidade de tutela jurisdicional urgente de modo a assegurar em tempo útil o exercício dos alegados direitos.".

47 - Votou de vencido o Conselheiro CLÁUDIO MONTEIRO, argumentando "que a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração o dever de decidir o pedido de autorização de residência formulado pelo Autor é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos seus direitos, liberdades e garantias, em especial do seu direito à residência e, por essa via, à equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da CRP, condição sine qua non para lhe garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação.

A urgência não se determina pelo tempo de reação do requerente ao incumprimento dos prazos de decisão pela Administração, porque o direito fundamental em causa não é o direito à decisão. A urgência determina-se, sim, pelo risco de lesão do(s) direito(s) fundamental(ais) em que aquela decisão o investe, risco esse que é tanto maior quanto maior o tempo em que o requerente permanece indocumentado.

Discordo, por isso, em absoluto, da ideia de que a "violação continuada" do(s) direito(s) fundamental(ais) em causa nos autos precluda a faculdade de requerer a intimação necessária para assegurar a sua proteção. A "violação continuada" pode ter - tem neste caso concreto - uma relação direta com a intensidade da lesão dos direitos do requerente, dado que, quanto maior o tempo de indocumentação, maior a sua exposição à clandestinidade, à precariedade e à exploração.

Assim como discordo da relevância atribuída à ultrapassagem dos prazos de reação pela via processual normal. O legislador não estabeleceu um prazo para que se requeira uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, precisamente, porque o pressuposto da mesma é a sua indispensabilidade para assegurar, em tempo útil, o exercício dos seus direitos, qualquer que seja a fonte da ameaça de lesão dos mesmos - neste sentido, v. o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de maio de 2019, proferido no Processo 02762/17.7BELSB. E a fonte dessa ameaça, no caso concreto dos autos, não é apenas a falta de decisão no prazo legalmente estabelecido, é também o prolongamento excessivo do tempo de decisão.

Infelizmente, os autos não contêm matéria de facto suficiente para que se possa avaliar adequadamente se o requerente fez ou não diligências interlocutórias para obter uma decisão, apesar de tal facto ter sido alegado, bem como, para determinar as razões do seu recurso tardio à justiça administrativa. Mas não é difícil, nem juridicamente inconsequente, presumir que a ignorância, o medo e a insuficiência de meios económicos para obter os serviços de um advogado que o represente tenham desempenhado um papel decisivo nessa espera.

Pelas razões expostas, não posso subscrever uma decisão que onera excessivamente os administrados com os custos da falência dos serviços públicos, e beneficia o infrator, sendo evidente, como resulta dos autos, que o requerente tem direito à autorização de residência requerida.".

48 - Adiantamos, desde já, que propendemos a concordar com o voto de vencido expresso no mencionado acórdão. Na verdade, afigura-se-nos, ser demasiado redutor concluir que o facto de o cidadão estrangeiro lançar mão do meio processual de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, bastante tempo após o decurso do prazo legal de que a Administração dispunha para a decisão do pedido para a atribuição de autorização de residência, revele que a situação em que se encontra já não possa ser tida como urgente, no pressuposto de que, se fosse urgente, não teria aguardado tanto tempo para reagir judicialmente.

49 - Como melhor cuidaremos de enunciar, em situações como as verificadas no presente recurso de revista, afigura-se-nos que o caráter urgente na obtenção de uma autorização de residência é incontestável e atual, e que essa urgência não é uma urgência de natureza cautelar, porquanto, sem a competente autorização de residência, o cidadão estrangeiro está colocado numa situação de grande fragilidade e vulnerabilidade decorrente de se encontrar indocumentado, e como tal, a residir num país de forma clandestina. Essa situação transporta para a vida de quem nela se encontre, como é facto notório, uma intranquilidade que não é compaginável com o respeito pela própria dignidade da pessoa humana e que urge resolver em termos de mérito, tanto quanto é certo, que a falta de autorização de residência condiciona a possibilidade de uma efetiva integração e com plenos direitos de quem se encontre indocumentado.

50 - No âmbito dos presentes autos, o entendimento perfilhado pelas instâncias de que, não tendo o ora Recorrente reagido atempadamente à omissão do dever de decisão por parte da Administração através da instauração da ação administrativa de condenação à pratica de ato devido é de molde a precludir o direito de instaurar a “Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias”, e, ainda, como entendeu a 1.ª Instância, a retirar o caráter de urgência na tutela judicial exigida pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, são juízos que se nos afiguram desajustados.

51 - O TCA Sul, precise-se, decidiu que não assistia ao Recorrente o direito a lançar mão do meio processual de “Intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias”, uma vez que, este meio tem caráter subsidiário, apenas podendo ser mobilizado se não for viável a satisfação do direito peticionado através do recurso a outros meios processuais. Ora, no caso, entendeu que o recurso a uma providência cautelar e a uma ação de condenação à prática de ato devido, teriam possibilitado ao Recorrente a proteção dos direitos que arroga violados, conquanto, por essa via, poderia almejar obter uma autorização de residência provisória, até que fosse decidida a sua pretensão na ação principal. Entendeu o Tribunal recorrido, concordando nessa parte com o voto de vencido subscrito no Acórdão do STA de 16.11.2023 que "quanto maior o tempo de indocumentação, maior a sua exposição à clandestinidade, à precariedade e à exploração", porém, considerou que "para que se possa admitir que um Requerente que durante vários meses não reagiu contra a falta de decisão do seu pedido, lance mão de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, é necessário que este alegue factos que demonstrem que a "violação continuada" determinou uma "intensidade da lesão dos direitos do requerente" que demandam que opere a válvula de escape do ordenamento jurídico, o que manifestamente o Requerente, ora Recorrente, não fez".

52 - Cremos, como já o expressamos supra, que esta decisão não se poderá manter, por se nos prefigurar que apenas uma decisão de mérito é de molde a retirar quem se encontre a residir em território nacional de forma indocumentada, por falta de decisão tempestiva da Administração, de uma situação de indignidade. Avançando.

a. 2. Da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias e a tutela cautelar

53 - A intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias vem prevista e regulada nos artigos 109.º, 110.º, 110.º-A e 111.º do CPTA, tendo sido uma das grandes inovações que a reforma do contencioso administrativo operada entre os anos de 2002-2004, introduziu no ordenamento nacional.

54 - Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 92/VIII, que deu origem à Lei 15/2002, de 22 de fevereiro, que aprovou o CPTA, qualificou-se o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, como um instrumento de obtenção de "amparo constitucional". Em bom rigor, com a previsão deste meio processual o legislador criou no ordenamento jurídico nacional um mecanismo de “amparo ordinário” de direitos fundamentais, em concretização do direito fundamental de amparo decorrente do n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) no qual se estabelece que "para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos", embora o âmbito de proteção inclua um leque mais vasto de direitos fundamentais que não apenas os de natureza pessoal.

55 - Ligando a previsão legal deste meio ao n.º 5 do artigo 20.º da CRP, não se pode deixar de dizer que a admissão da Intimação se justifica para salvaguardar, entre os direitos pessoais, o direito de cidadania, previsto no n.º 1 do artigo 26.º, entendido no sentido lato que resulta da previsão do artigo 15.º, relativo à equiparação entre estrangeiros e cidadãos nacionais.

56 - O mecanismo da Intimação previsto nos artigos 109.º e segts do CPTA assegura uma proteção a título principal, urgente e sumária, de direitos, liberdades e garantias, que estejam a ser violados naquelas situações em que a rápida prolação de uma decisão que vincule a Administração (ou particulares) a adotar uma conduta positiva (facere) ou negativa (non facere) se revele como indispensável para acautelar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.

56 - A previsão deste mecanismo processual que incorpora no seu desenho legal a preocupação de assegurar uma tutela jurisdicional efetiva perante situações urgentes em que estejam em causa a proteção de direitos, liberdades e garantias, reforça o papel absolutamente crucial dos tribunais administrativos e fiscais na garantia contenciosa dos direitos, liberdades e garantias (cf. designadamente, al. a), n.º 1 do artigo 4.º do ETAF).

57 - Trata-se de um processo principal declarativo urgente (cf. artigo 36.º do CPTA), que permite a prolação de uma decisão judicial rápida sem descurar as garantias processuais e materiais de que depende a prolação de uma decisão justa. Como bem diz ISABEL FONSECA, o CPTA estabeleceu “um modelo multicelular (aberto) para proteção das situações de urgência” - cf. in Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo, Lisboa, Lex, 2004, pág. 61.

58 - O pressuposto positivo específico da Intimação vem previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA: trata-se da indispensabilidade do recurso a esse meio como forma de assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, acudindo a lesões presentes e futuras. Ou seja, exige-se que a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia. Cabe ao requerente da intimação alegar e demonstrar a urgência na obtenção de uma decisão definitiva para a tutela dos direitos, liberdades e garantias que alega estarem a ser violados.

59 - Como já se enunciou, o leque de direitos, liberdades e garantias fundamentais amparáveis pela Intimação é muito amplo, devendo ainda ter-se em conta os direitos fundamentais que resultem de lei ou norma internacional que vincule o Estado Português, como aliás resulta do disposto no artigo 16.º, n.º 1 da CRP. E não se pode deixar de reconhecer, também, que está em causa nestes processos a salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana.

60 - A nossa jurisprudência tem feito uma leitura generosa do conceito de direito, liberdade e garantia para efeitos do artigo 109.º e das pretensões amparáveis enquanto exercício de tais direitos, estendendo mesmo a proteção a concretizações legislativas de direitos fundamentais sociais, como o ensino superior, a saúde ou a segurança social - cf. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, pág. 139. Também o princípio da dignidade da pessoa humana tem sido invocado em alguns acórdãos onde se releva a afetação de dimensões nucleares de direitos fundamentais, designadamente, de direitos sociais - cf. Ac. do TCAS, de 15.02.2018, proc. 2482/17.2BELSB.

61 - Por outro lado, é pressuposto para a utilização da Intimação que não seja suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar. Como salientam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, "o Código assume que, ao contrário do que se poderia pensar, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a propositura de uma ação não urgente, associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação" - cf. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª ed., Coimbra, 2017, pp. 933-934.

62 - Chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade do artigo 109.º, n.º 1 do CPTA, quando condiciona o uso do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias à impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, para asseguramento do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, do decretamento provisório de uma providência cautelar, o Tribunal Constitucional (TC), no seu Acórdão 5/2006, tirado em fiscalização concreta, disponível in www.tribunalconstitucional.pt julgou que a relação de subsidiariedade e a forma como estava configurada não consubstanciava uma intervenção restritiva excessiva no âmbito dos direitos de acesso ao tribunal e a uma tutela jurisdicional efetiva. Lê-se no sumário desse Acórdão do TC:

"III. Assumindo natureza provisória a pretensão deduzida pelo requerente no processo de intimação [...], para a tutela da sua posição subjetiva eram suficientes e adequados os meios processuais de ação administrativa especial acoplada a providência cautelar, no âmbito da qual podia ser requerido o decretamento provisório da providência, nos termos do artigo 131.º/1 do CPTA, …IV. Neste contexto, a interpretação normativa acolhida na decisão recorrida, aliás em perfeita consonância com a literalidade do preceito legal, no sentido da inadmissibilidade do uso do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, não viola os direitos constitucionais de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efetiva, direitos estes que são satisfeitos pela previsão legal de mecanismos processuais que possibilitem, de modo adequado e suficiente, aos interessados a defesa dos seus direitos perante os tribunais, mas obviamente não asseguram a todos eles o sucesso nas suas pretensões".

63 - O TC acentuou, também, que o critério de distinção do artigo 109.º radica essencialmente na adequação, perante a situação concreta, de uma sentença provisória ou de uma sentença de mérito definitiva.

64 - Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha escrevem que apesar de não estar sujeita a prazo o recurso à Intimação só se justifica “se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” - cf. ob. cit. pág. 932 e Ac. TCA Sul, de 09.05.2019, processo 2002/15.3BELSB-B.

65 - Segundo JOANA DE SOUSA LOUREIRO não faz sentido o recurso à Intimação, “sob pena de esse protelamento induzir o decesso liminar da ação, não em função de qualquer prazo de caducidade, mas sim por constituir um sinal robusto de que a situação configurada no processo não justifica a emissão urgente de uma decisão de fundo que seja indispensável para a proteção de um direito, liberdade e garantia, e de que é possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma ação administrativa” - cf. in Processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias: breves notas a propósito da nova reforma do contencioso administrativo, in Comentário à revisão do ETAF e do CPTA, coord. Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Lisboa, AAFDL Editora, 2016, pp. 529-554, p. 553. Neste sentido, Ac. do TCA Norte de 26.01.2006, Proc. 1157/05.

66 - Já para RUI DE MESQUITA GUIMARÃES, "para verificação do requisito da urgência, ainda que se verifique uma delonga no recurso aos tribunais imputável ao administrado, a Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias será o meio de reação idóneo, desde que: (i) originariamente fosse o meio adequado para a proteção do direito (e, portanto, não foi o decurso do tempo que fez emergir a situação de urgência que fundamenta o recurso à intimação) e (ii) se mantenham, materialmente, os pressupostos de facto que justificam uma decisão de mérito célere"- cf. intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias - o impacto do decurso do tempo, in CJA, n.º 135, 2019, pág. 3-8, p. 8.

67 - A nosso ver, cremos ser necessário distinguir a urgência cautelar da urgência principal, bem como ter presentes as características da tutela cautelar, máxime, a sua instrumentalidade e provisoriedade. Se do que se trata é de acautelar danos decorrentes do decurso do tempo do processo principal, estamos em pleno no âmbito da tutela cautelar; se do que se trata é de urgência na decisão de mérito, então a providência cautelar não é suficiente.

68 - As hipóteses de urgência são porventura mais fáceis de configurar numa tutela preventiva, como é o caso de uma manifestação (artigo 45.º da CRP) ou greve (artigo 53.º da CRP) que se pretende que possa ainda realizar-se na data prevista. É seguramente mais complexa e difícil de apreender em situações como a que está em causa neste recurso de revista em que a lesão dos direitos fundamentais em causa se prolonga no tempo sem um horizonte temporal que dite de forma inequívoca o efeito útil de decisão.

Quanto a nós, na situação em apreciação, o facto de a lesão dos direitos fundamentais que o Recorrente pretende ver tutelados com a célere emissão de decisão sobre o pedido de atribuição de autorização de residência se prolongar no tempo, não lhe retira o caráter de urgência, antes torna a situação ainda mais premente de uma rápida decisão.

De acordo com a jurisprudência vertida no Acórdão deste STA, de 16.05.2019, processo 0267/17.7BELSB, o decurso do tempo para efeitos de determinação da urgência não poderá ser apreciado em abstrato, vale dizer, nem em termos puramente cronológicos nem dispensando o juiz da Intimação de atender às circunstâncias do caso.

69 - A nosso ver, tudo passa por aferir, se o que o se pretende é uma regulação definitiva ou uma regulação provisória. Se o que se pretende é uma regulação definitiva, então o meio processual adequado será um meio principal, e neste caso, ou se trata de uma situação de especial urgência das que o legislador tipificou como tal, ou o processo urgente não é necessário, sendo a forma de tutela mais adequada uma solução combinatória de ação principal e providência cautelar, o que decorre da especificidade ou da excecionalidade, mais do que da subsidiariedade, dos processos urgentes.

70 - A este respeito identificamos doutrina a defender, aliás, que "não há subsidiariedade nem fungibilidade entre tutela cautelar e Intimação, há sim dois institutos, com funções e estruturas diferentes, que se revelam mais ou menos adequados em função da situação concreta e do tipo de urgência - cautelar ou definitiva - em causa" - cf. ANABELA COSTA LEÃO, Comentários à Legislação Processual Administrativa, Vol. II, Carla Amado Gomes, Ana F. Esteves, Tiago Serrão (Cood.), pág. 674.

71 - Partindo destas premissas, cremos que no caso em análise, a urgência do Recorrente na obtenção de uma decisão não é uma urgência cautelar ou instrumental, tratando-se antes da urgência na obtenção de uma decisão principal de mérito. É que estando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela CRP e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência formulado, a garantia do gozo de tais direitos por parte do cidadão estrangeiro não se compagina com uma tutela precária, num cenário que já é contingente para o mesmo (note-se que a autorização de residência temporária apenas permite ao cidadão estrangeiro que resida em Portugal por um período inicial de dois anos, que pode ser renovado, por um período de 3 anos).

72 - Neste sentido aponta a jurisprudência expendida pelo STA, no seu Acórdão de 11/09/2019, proferido no processo 1899/18.0BELSB, no qual, no âmbito de um processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, instaurado para obtenção de uma autorização de residência, em que se discutia qual a redação aplicável do n.º 2 do artigo 88.º da Lei 23/07 (se a resultante da Lei 29/2012, de 09.08, ou da Lei 59/17, de 31.07), esta alta instância, acabou por expressar um juízo favorável sobre a adequação desse meio processual para efeitos de obrigar a Administração à emissão da autorização de residência, ao escrever: "Em face de todo o exposto, e considerando o disposto nos artigos 679.º e 665.º do CPC, aplicáveis ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA, devem os autos baixar ao TCAS para apreciação e decisão da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Cabe sublinhar que os trabalhadores oriundos de países terceiros em situação regular e, em menor escala, os que se encontram em situação irregular, beneficiam de uma proteção multinível no que respeita aos direitos fundamentais. Assim, além da legislação nacional, é-lhes aplicada, designadamente e nos termos nelas previstos, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. [...] (negro nosso)".

73 - A permanência em território nacional na situação de indocumentado, ou seja, sem título de residência válido, por incapacidade ou inércia da Administração em dar seguimento ao pedido de atribuição de residência formulado por um cidadão estrangeiro, atendendo às consequências daí advenientes para o mesmo em matéria de direitos, liberdades e garantias que lhe são formalmente reconhecidos pela CRP e por vários instrumentos de direito público internacional, reclama uma tutela que não se basta com a medida cautelar traduzida na concessão de uma autorização de residência provisória, que apenas lhe confere uma tutela precária, não lhe garantindo o direito a residir em território nacional durante, pelo menos, um período de 2 anos, como sucederia caso lhe fosse conferida autorização de residência temporária. A autorização de residência provisória apenas garante ao cidadão estrangeiro que enquanto não for proferida a decisão de mérito no processo principal, não pode ser considerado como estando em situação irregular em território nacional. Uma tutela reconhecida apenas nesses moldes, obsta, ou pelo menos, dificulta, a plena efetividade dos direitos, liberdades e garantias, assegurados aos cidadãos estrangeiros, desde logo pelo artigo 15.º da CRP.

74 - Como antedito, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual mobilizável quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar - artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.

75 - O Recorrente alega que, decorrente da sua situação de indocumentado, não pode beneficiar da aplicação do princípio da equiparação, ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, estando em causa o seu direito ao trabalho, à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, à saúde, bem como o seu direito à família.

76 - E assim é, efetivamente. Trata-se, aliás, de consequências em relação às quais, não é necessária atividade probatória para que se aceitem as mesmas como ocorrências verificáveis na esfera jurídica de um cidadão estrangeiro indocumentado. Nesse sentido, como bem se refere no em Acórdão do TCAS de 15/02/2018, proferido no processo 2482/17.2BELSB, “as regras da experiência, que aqui valem como presunção judicial, nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, indicam-nos que a falta de um título que permita a permanência, em termos de legalidade, do A. e Recorrente no território nacional, podem pôr em causa o reduto básico, que se liga ao principio da dignidade da pessoa humana (cf. artigo 1.º da CRP) dos indicados direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança (cf. artigos. 27.º e 44.º da CRP), à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), a procurar trabalho, a trabalhar e à estabilidade no trabalho (cf. artigos. 53.º, 58.º e 59.º da CRP) ou à saúde (cf. artigo 64.º da CRP). Frente à situação em apreço, o A. pode ver-se coibido, na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar de negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar alcançar trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação. Em suma, a falta de tal título contende quer com um feixe alargado de direitos de índole pessoal, que serão reconduzíveis à tipologia de direitos, liberdades e garantias, quer com direitos económicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho ou à saúde, que são direitos fundamentais não integrados pela Constituição naquela primeira categoria, mas que quando coartados na sua dimensão mais essencial, ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana e à própria liberdade individual - como ocorre no caso ora em apreço - terão de ficar abrangidos pelo regime aplicável àqueles direitos, liberdades e garantias e logicamente pelo âmbito desta intimação.”

77 - O recorrente beneficia de uma proteção multinível relativamente a direitos fundamentais, sendo-lhe aplicável a carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigos 7.º, 15.º e 41.º) e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigos 6.º e 14.º). Nesse sentido, escreveu-se no Ac. do STA, de 11.09.2019 que "os trabalhadores oriundos de países terceiros em situação regular e, em menor escala, os que se encontram em situação irregular, beneficiam de uma proteção multinível no que respeita aos direitos fundamentais. Assim, além da legislação nacional, é-lhes aplicada, designadamente e nos termos nelas previstos, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos".

78 - O facto de ter decorrido um longuíssimo período desde a formulação do pedido de autorização de residência pelo Recorrente, considerando que foi apresentado em 05.05.2020, não degrada a urgência de modo a tornar menos premente a necessidade de uma decisão de mérito sobre esse pedido.

79 - A permanência de um cidadão estrangeiro indocumentado em território nacional por razões alheias ao mesmo e assacáveis aos serviços a quem legalmente está atribuída a incumbência de tramitar o procedimento para a emissão da decisão final, não é compatível com o leque de direitos que lhes é formalmente reconhecido pela CRP e pelos tratados internacionais. Um cidadão estrangeiro indocumentado está numa situação irregular a qual se exprimirá depois na forma como os seus direitos são usurpados, vendo-se, desde logo, compelido a aceitar um trabalho precário, que os cidadãos nacionais não querem, quando, a partir do momento em que entra em território nacional, tem direito a beneficiar dos mesmos direitos, das mesmas liberdades, das mesmas garantias e está sujeito às mesmas obrigações dos nacionais ou dos estrangeiros documentados.

80 - A nível internacional, existem instrumentos legais que no âmbito dos direitos humanos reconhecem direitos a qualquer pessoa, independentemente da nacionalidade ou estatuto legal, o que tem na base, a evidência de que o estrangeiro é uma pessoa, em relação ao qual se exige que seja respeitado o princípio da dignidade da pessoa humana. Não se ignora, contudo, que existe um défice no reconhecimento efetivo dos direitos humanos aos estrangeiros em situação irregular, sendo que muitos estados tendem a excluir os imigrantes do acesso a certos direitos sociais e económicos, muitos deles destinados à salvaguarda da dignidade humana, temendo que o reconhecimento de tais direitos produza o que vem sendo apelidado de um "efeito chamada" - cf. MANUEL SARAIVA MATIAS, in Migrações e Cidadania, Fundação Francisco Manuel dos Santos. Também é consabido que mesmo que os estados reconheçam formalmente, ou pelo menos, não excluam à priori os imigrantes em situação irregular do gozo dos direitos assegurados às demais pessoas, essa exclusão acaba, muitas vezes, por verificar-se factualmente.

81 - É por demais conhecida a vida em clandestinidade dessas pessoas que, no receio de denunciarem a sua situação de ilegalidade, acabam por não usufruir dos direitos humanos mais essenciais, evitando recorrer ao sistema de saúde, inscrever as crianças nas escolas, e tornam-se presas fáceis para a exploração laboral ou mesmo violência sexual, reféns do medo de reportar tais situações às autoridades.

82 - Perante esta realidade, há quem sustente que neste domínio existe como que uma disjunção entre a universalidade dos direitos formalmente reconhecidos a todas as pessoas, e um efetivo gozo desses direitos pelas mesmas. Alguns autores referem que a tradicional ligação, invocada por HANNAH ARENDT, entre cidadania e o "direito a ter direitos", foi hoje substituído pela ligação entre a legalidade do estatuto da pessoa e esse direito a ter direitos. Atualmente muitos autores defendem que a divisão entre nacional e estrangeiro foi substituída pela divisão entre estrangeiros em situação legal e estrangeiros em situação irregular. Olhando para o panorama mundial, o que percecionamos é que a qualidade de “ser humano” parece ainda não ser suficiente para se poder gozar plenamente dos direitos humanos dos estrangeiros - cf. ANA RITA GIL, in “Imigração e Direitos Humanos”, 2.ª Edição, Atualizada, Petrony, pág. 190 e segts.

83 - Registe-se, que apesar de tudo, os organismos de controlo dos direitos humanos têm contribuído para erradicar a exclusão dos imigrantes em situação irregular do efetivo gozo dos direitos humanos. A esse respeito veja-se a jurisprudência do TEDH, que, no caso Silidian c. França se referiu inclusivamente a um dever de os Estados protegerem os imigrantes em situação irregular de situações de exploração (Dec. De 26/07/2005, queixa n.º 26/07/2005, em que o TEDH condenou a França por violação do artigo 4.º da CEDH, por não ter tomado as medidas necessárias para evitar que uma imigrante em situação irregular fosse mantida em situação de escravatura).

Avançando.

84 - O Recorrente apresentou o seu pedido de atribuição de residência em território nacional no dia 05.05.2020, ou seja, quase há 3 anos por referência à data em que intentou a presente ação, e a Administração dispunha do prazo de 90 dias para se pronunciar nos termos do artigo 88.º/2 da Lei 23/2007, de 4/07. Até ao momento, volvidos mais de 4 anos, a Administração não decidiu se concedia ou não a requerida autorização de residência ao Recorrente, prolongando no tempo a sua situação de indocumentado.

85 - Neste quadro, é evidente a urgência na obtenção de uma decisão de mérito, tratando-se de uma urgência atual, uma vez que o Recorrente se encontra numa situação de duradoura clandestinidade. Apenas a autorização de residência temporária lhe permitirá residir em território português com um mínimo de estabilidade, sem termo incerto de permanência. Na verdade, com uma autorização de residência provisória, o Recorrente não terá sequer a possibilidade de contar, uma vez obtida essa autorização, com um direito de permanecer em território nacional por um período mínimo, vendo comprometido o direito a usufruir de um direito de residência de pelo menos 2 anos, ao invés do que sucederá caso lhe seja reconhecido o direito de residência temporária.

86 - Essa circunstância não é um mero detalhe sem relevância. É que, perante uma autorização de residência transitória, o Recorrente não pode, desde logo, apresentar-se perante uma entidade empregadora com a garantia de que poderá assumir um compromisso laboral pelo período seguro de, pelo menos, 2 anos, como sucederia caso obtivesse uma autorização de residência temporária, de modo a obter uma situação laboral menos precária, o que, só por este prisma, demonstra a inadequação de uma tutela provisória, que não lhe confere a mesma amplitude de direitos da tutela urgente de mérito.

87 - Nestas situações, exige-se que seja proferida uma decisão apta a assegurar a efetividade da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais do cidadão estrangeiro, o que não se compadece com a prolação de decisões provisórias e instrumentais.

88 - Não é difícil de perspetivar, de acordo com as regras normais da experiência de vida, que aqui valem como presunção judicial, nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, que a falta de um título de residência temporária que permita a permanência, em termos de legalidade, do Recorrido no território nacional, durante um período certo, afeta o reduto básico, que se liga ao principio da dignidade da pessoa humana (cf. artigo 1.º da CRP) dos indicados direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança (cf. artigos. 27.º e 44.º da CRP), à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), a trabalhar e à estabilidade no trabalho (cf. artigos. 53.º, 58.º e 59.º da CRP) ou à saúde (cf. artigo 64.º da CRP).

89 - Permanecendo indocumentado, o Recorrente pode ver-se limitado na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar obter um melhor trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação (recorde-se que as entidades empregadoras apenas podem contratar trabalhadores indocumentados a título ocasional, sob pena de incorrerem na prática de crime).

90 - Em suma, a falta de tal título contende quer com um feixe alargado de direitos de índole pessoal, que serão reconduzíveis à tipologia de direitos, liberdades e garantias, quer com direitos económicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho ou à saúde, que são direitos fundamentais não integrados pela Constituição naquela primeira categoria, mas que quando coartados na sua dimensão mais essencial, ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana e à própria liberdade individual, terão de ficar abrangidos pelo regime aplicável àqueles direitos, liberdades e garantias e logicamente pelo âmbito desta intimação.

91 - Enquanto a autorização de residência não for concedida ao Recorrente o mesmo permanece vulnerável a abusos, designadamente, a nível laboral, sujeito a aproveitamentos indevidos da sua condição de clandestino, sendo inegável a verificação de uma necessidade imediata do Recorrente em deter um título ou uma autorização para se poder manter a residir legalmente em Portugal e aqui continuar a viver e a trabalhar na qualidade de estrangeiro com título legal de permanência e por um período que saiba qual é, para em função do mesmo, gizar o seu projeto de vida, como seja, o de requerer o reagrupamento familiar, sem o receio de a qualquer momento, ser surpreendido com uma decisão judicial ou administrativa desfavorável.

92 - A autorização de residência é imprescindível para que o Recorrente possa efetivar o seu direito a uma legal integração no mercado de trabalho, e para que usufrua materialmente dos demais direitos, como seja a segurança, tranquilidade, liberdade de circulação e saúde.

93 - Em suma, a urgência verificada na situação dos autos não é uma urgência cautelar, tratando-se antes de uma urgência na obtenção de decisão de mérito. Como tal, não deve considerar-se adequada ou bastante à defesa dos direitos fundamentais do Recorrente a mera obtenção de uma tutela cautelar, que é necessariamente instrumental, traduzida na atribuição de autorização de residência provisória, que a qualquer momento, pode cessar, não lhe conferindo um horizonte temporal mínimo de estabilidade e de previsibilidade em relação à duração da sua permanência regular em território português. Deste modo, repete-se, somente a autorização de residência temporária contribui para a consolidação do seu direito a residir sem termo incerto em território nacional (cf. artigo 80.º, n.º 1, alínea a) da Lei 23/2007). Dispor de um tempo mínimo de residência regular em território nacional é condição necessária para que um cidadão estrangeiro possa delinear o seu projeto de vida com alguma segurança e estabilidade, a que acrescem ainda facilidades procedimentais, o que não é de somenos importância (vide artigos 76.º, n.º 3 e 82.º, n.º 7 da Lei 23/2007).

94 - Estando em causa a intimação judicial da Recorrida a emitir uma decisão sobre o pedido de autorização de residência que lhe foi apresentado há mais de quatro anos, quando o prazo legal para proferir decisão sobre tal pretensão é de 90 dias (cf. artigo 82.º, n.º 1 da Lei 23/2007, de 4 de julho), só a tutela judicial de mérito é adequada, sendo que a urgência da situação não se compadece com o recurso à ação administrativa. Só a procedência do pedido de intimação lhe poderá proporcionar a plenitude do exercício dos direitos que diz estarem a ser afetados.

95 - Em suma, decorre de o excurso antecedente impor-se concluir pela procedência do presente recurso de revista, revogando-se o acórdão recorrido, por a decisão nele incorporada enfermar de erro de julgamento no que concerne à apreciação da violação do disposto no artigo 109.º do CPTA, devendo o processo prosseguir como ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, de acordo com o prescrito no artigo 110.º e seguintes do CPTA, ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª Instância para os devidos efeitos.

96 - Note-se que, pese embora tenha havido citação da entidade demandada para os termos da causa, nos termos do artigo 641.º, 7 do CPC, após a revogação do indeferimento liminar a entidade demandada deve ser notificada (na primeira instância) para apresentar contestação. Nesse sentido pronunciam-se Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I., 2.ª Edição, que em anotação ao artigo 569.º do CPC, pág. 661, referem: "A partir da data da citação ou, havendo dilação, depois de esta findar (art. 139-º, n.º 2), inicia-se o prazo para a apresentação da contestação, que é de 30 dias. Essa regra é afastada nos casos em que seja revogado o despacho de indeferimento liminar. A razão é a seguinte: interposto recurso do despacho de indeferimento liminar (art.629.º, n.º 3, al.c)), os autos são conclusos ao juiz para apreciação do respetivo requerimento (art.641.º, n.º 1); sendo admitido o recurso, é determinada a citação do réu para os termos do recurso e da causa (art.641.º, n.º 7); nessa sequência, poderá então o réu responder à alegação do recorrente (art.638.º, n.º 5), mas a eventual apresentação de contestação apenas se justificará de e quando a Relação revogar aquele despacho; deste modo, quando os autos forem recebidos no tribunal de 1.ª instância, o réu será notificado (e não citado, uma vez que a citação já ocorreu em momento anterior) para a apresentação da contestação".

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IV - DECISÃO

Nestes termos, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, decidindo em formação alargada, acordam em conceder provimento ao recurso de revista interposto pelo Recorrente e, em consequência revogam o acórdão recorrido proferido pelo TCA Sul, devendo o processo prosseguir como ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, de acordo com o prescrito no artigo 110.º e seguintes do CPTA, ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª Instância para os devidos efeitos.

Sem custas (cf. al. b), n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique.

Lisboa, 6 de junho de 2024. - Helena Maria Mesquita Ribeiro (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Maria do Céu Dias Rosa das Neves (vencido nos termos da declaração que junto) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (com voto de vencido em anexo) - Cláudio Ramos Monteiro - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete - Pedro José Marchão Marques (com voto de vencido anexo).

Vencida, por entender ser de manter todo o enquadramento jurídico vertido no Proc. n.º 0455/23.5BELSB, de que fui relatora. - MARIA DO CÉU NEVES.

Proc. 741/23.4BELSB

Voto de vencido

Vencida. Não acompanho a decisão por duas razões essenciais: primeiro, porque não é identificado um direito fundamental cuja tutela possa ser acautelada por este meio processual; segundo, porque a matéria de facto assente não permite verificar a existência ou não in casu dos pressupostos do artigo 109.º do CPTA.

A decisão que fez vencimento considera que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é a via processual adequada para a situação dos autos, mas não identifica, em concreto, o(s) direito(s) fundamental(ais) que visa acautelar e, em nosso entender, assenta num equívoco. Vejamos. Se, como parece ser o caso, o acórdão considera que este meio é apto para acautelar os direitos fundamentais de titulares de uma autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada (à segurança no emprego, a beneficiar do acesso à saúde em termos equiparados aos residentes e outros que o estatuto de equiparação do artigo 15.º da CRP confere) sem que a mesma tenha ainda sido concedida, então a decisão visa proteger direitos fundamentais de que o Requerente não é nem pode ser titular à data em que o pedido é formulado e o aresto é proferido, pois tais direitos dependem de uma decisão administrativa (a dita autorização a proferir pela AIMA nos termos dos artigos 77.º e 88.º da Lei 23/2007, de 4 de Julho) e surgem na esfera do Requerente apenas após essa decisão administrativa. Ora, o Tribunal não se pode substituir à Administração na apreciação dos requisitos legais para a atribuição daquele estatuto jurídico do Requerente e, por isso, também não pode presumir o deferimento do pedido de autorização de residência, que é condição para a titularidade dos direitos fundamentais enunciados na fundamentação da decisão como violados ou sob ameaça de violação. A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias não é uma via processual adequada para a protecção de direitos fundamentais putativos ou presumidos.

Pode também dizer-se que a decisão da qual divergimos o que acaba por afirmar (embora tal não conste do respectivo texto) é que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual adequado para garantir o direito à boa administração no âmbito do qual se inscreve o direito a obter em tempo côngruo uma decisão administrativa do tipo da autorização de residência. Mas nada disso resulta da fundamentação, nem qualquer esforço laborioso de construção dogmática de um tal direito como direito fundamental se pode ler no seu trecho fundamentador, pelo que nos escusamos de discorrer sobre todas as dúvidas teoréticas e dogmáticas que uma tal solução merece no nosso sistema jurídico de direito positivo.

Em suma, o acórdão considera que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio apto para a protecção de uma situação jurídica que não qualifica jurídico-dogmaticamente como direito, liberdade e garantia determinado e pessoal e concretamente titulado pelo Requerente.

A isso acresce que a mesma decisão dá por verificados os pressupostos normativos do artigo 109.º do CPTA, sem que, em concreto, exista matéria de facto para o efeito. Dos três pontos que constam da matéria de facto assente nos autos resulta apenas a existência de um atraso dos serviços competentes da Administração Estadual (hoje, a AIMA) na emissão da decisão administrativa relativamente ao pedido de autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada e tal é manifestamente insuficiente para que se possa apreciar a existência em concreto da violação ou ameaça de lesão de um direito, liberdade e garantia, quanto mais de uma situação de especial urgência na emissão de uma decisão de fundo a respeito da necessidade urgente de uma putativa titularidade de direitos.

Como resulta do que dissemos anteriormente, o CPTA não consagra a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias como o meio adequado para reagir contra os atrasos na prolação de uma decisão administrativa ou na adopção de um comportamento administrativo mesmo que essenciais na sua instrumentalidade para a efectivação de um direito fundamental (ex. para assegurar consultas médicas ou cirurgias nos prazos prescritos nas guidelines para neutralizar os riscos para a saúde que podem advir do atraso na sua realização), por mais prolongados que esses atrasos sejam. E dúvidas não há de que o atraso na decisão ou na adopção do comportamento é sempre apto a, em abstracto, causar prejuízos para o exercício dos direitos desses requerentes de autorizações ou utentes dos serviços públicos. Para os primeiros - os requerentes de um acto administrativo de tipo autorizativo - o atraso prejudica o seu direito legal à obtenção de uma decisão em prazo que é instrumental para a titularidade de um direito fundamental; seja para o exercício do direito à habitação (no caso das licenças urbanísticas que ainda subsistem), o exercício de uma actividade económica (no caso em que a actividade administrativa prévia de controlo ainda se mantém) ou mesmo de acesso a um status (reformado, pensionista, titular de uma prestação social, etc.). Para os segundos - os utentes dos serviços públicos - o atraso pode traduzir-se (dependendo das concretas circunstâncias fácticas) numa lesão dos direitos destes utentes dos serviços públicos, como a saúde, a qualidade de vida e até a vida quando tais atrasos se reportam a certos atendimentos no âmbito do SNS (ex. consultas ou cirurgias oncológicas), ou até numa violação da igualdade de tratamento segundo condições económicas.

Em todos estes casos há, em abstracto, risco de lesão de direitos, incluindo de direitos fundamentais. Risco de lesão que carece, entre outros requisitos impostos pelo legislador, de ser substanciado em concreto e de ser provado em juízo; desde logo, quando, como a jurisprudência deste STA tem afirmado à saciedade, se requer um meio processual que antecipe alguns dos efeitos dos actos autorizativos cuja decisão não foi proferida em prazo. Uma exigência que decorre da necessidade de prova de elementos que preencham o requisito do periculum in mora, a que acresce a aparência do direito, ou seja, o Requerente tem também de alegar e provar factos que apontem para uma provável decisão favorável da autorização requerida. No caso de o pedido corresponder a uma intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, exige-se, à luz do artigo 109.º do CPTA, acrescidamente, a prova de elementos que justifiquem que a protecção do direito, ante a concreta situação do Requerente, não se compadece com uma mera decisão provisória e precária.

Ora, no caso dos autos, nada foi trazido ao processo que permita, sequer, formular um juízo quanto à concreta situação pessoal, laboral, económica, sanitária (para enunciar apenas algumas) do Requerente. Trata-se de uma decisão que é proferida sem densificação em factualidade concreta. O que se explica pela circunstância de a própria petição inicial apresentar, a respeito da necessidade e urgência da decisão administrativa um conjunto de argumentos de facto que não têm substanciação em elementos concretos. Alega-se que o Requerente tem trabalho estável em Portugal [artigo 55.º da p.i., mas os documentos juntos dizem respeito a rendimentos pagos por diversas entidades no ano de 2022 (doc. 7), que não correspondem sequer àquela que consta do contrato de trabalho a termo certo (doc. 3)], que está em causa o seu direito à saúde [artigo 56.º da p.i.], mas sem se alegar em que termos concretos esse acesso está comprometido de forma urgente quando comparado com outra pessoa que esteja em Portugal a título precário e transitório, e alega-se que está em causa o direito à família [artigo 57.º da p.i.], mas nada se densifica quanto aos efectivos laços familiares comprometidos de forma urgente face à sua concreta condição pessoal.

Aliás, os “pseudo-factos” que são alegados nos artigos 55.º a 60.º da p.i. para substanciar os requisitos do artigo 109.º do CPTA são reproduzidos ipsis verbis nos artigos 52.º a 57.º das p.i. correspondentes aos processos n.os 310/23.9BELSB, 477/23.6BELSB, 2186/23.7BELSB (apenas para referir alguns exemplos das muitas centenas de p.i. que inundam hoje a jurisdição, como se de peças processuais automatizadas e produzidas por um “bot” se tratasse). E era também este o texto fundamentador dos “factos” que constava dos artigos 52.º a 57.º da p.i. no processo 455/23.5BELSB, cujo acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2023 subscrevemos e no qual se julgou a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias como um meio processual impróprio.

Os únicos factos que são apresentados, substanciados e provados no presente processo dizem respeito ao atraso na emissão da decisão administrativa. No mais, inexiste factualidade que permita a apreciação dos requisitos do artigo 109.º, o que se deve, como já explicámos, à forma como intencionalmente foi proposto o presente meio processual e não a qualquer falha das instâncias na elaboração das respectivas decisões judiciais.

Em suma, o pedido, tal como foi apresentado, só podia ter como decisão o indeferimento liminar, mesmo que adoptássemos uma interpretação ampla da possibilidade de uso da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias no contexto de um amparo judicial a lesões concretas e iminentes de direitos fundamentais.

Acresce que a decisão que fez vencimento centra-se no facto de considerar que a intimação é, neste caso, um meio processual apto por a situação em abstracto do Requerente se não compadecer com uma tutela precária e provisória, como a que seria alcançada pela via processual alternativa de cumulação de acção de condenação com uma providência cautelar que antecipasse alguns efeitos do acto autorizativo requerido (ponto 93). E concluiu pela aptidão do meio processual da intimação, afastando o critério legal da necessidade, ao apoiar-se na evidência da vulnerabilidade condicional do Requerente sem necessidade da respectiva verificação em concreto, ou seja, como já dissemos, reduzindo a exigência dos pressupostos legais, em sentido inverso àquela que é a directriz legal para o uso subsidiário desta via processual. Mas a solução a que chega - de que a intimação pode ser um meio apto para obter a condenação da AIMA à emissão de uma decisão que aprecie o pedido de autorização formulado pelo Requerente - é, em si, ilustrativa, auto-explicativa e confirmativa das críticas que apontámos e que revelam o uso impróprio do meio processual da intimação. A condenação à emissão de uma decisão (por contraposição à condenação à emissão do acto autorizativo) não pode considerar-se uma via de efectivação de direitos fundamentais a que putativamente se pode ter acesso, mobilizando os mesmos na fundamentação do que legitima o uso do meio processual (direito ao trabalho, à livre circulação, à saúde, à família). Opera-se, por esta via, um salto lógico na fundamentação racional da futura decisão condenatória. Veja-se que a decisão a proferir pela AIMA em caso de procedência da acção pode ser de indeferimento do pedido de autorização de residência por não estarem verificados os pressupostos do artigo 77.º da Lei 23/2007. Neste caso, pergunta-se: que direito fundamental daqueles que na fundamentação da decisão se alegou estar a ser tutelado por esta via processual foi a final garantido? Nenhum. O único direito que é tutelado por esta via (tanto em caso deferimento como de indeferimento do pedido de autorização pela AIMA) é o direito legal à obtenção de uma decisão administrativa; direito que a se não é um direito fundamental, nem foi individualizado como tal na fundamentação da decisão. Ora, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias só pode considerar-se um meio processual apto ou idóneo quando directamente permita assegurar a tutela de direitos fundamentais presentes, efectivos e concretamente titulados e não quando esteja em causa uma tutela instrumental de direitos hipotéticos ou putativos, como parece aceitar-se no ponto 71 da decisão.

Mas a divergência com o acórdão que fez vencimento encerra outros aspectos que não podemos deixar de mencionar. O acórdão de que aqui divergimos, ao afastar-se do rigor legal dos pressupostos normativos prescritos na lei para o uso da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, e sustentando-se em alegadas violações genéricas e abstractas de direitos fundamentais, aproxima-se de institutos processuais que têm feito caminho em algumas jurisdições sob a denominação de decisões judiciais estratégicas ou decisões processuais estruturais, ou seja, de decisões que os tribunais proferem, não para responder a um litígio concreto (como é próprio da função jurisdicional), mas antes com o propósito de responder ao que identificam como uma falha estrutural ou sistémica na protecção de direitos fundamentais (o que, a seu modo, é também invocado no ponto 73 da decisão ao aceitar-se que a omissão na decisão atempada se pode dever a incapacidade da Administração em cumprir os prazos legais).

A fundamentação da decisão de que aqui divergimos aceita como factualidade violações em abstracto de direitos fundamentais de que o Requerente pode vir a ser titular e assenta em elementos genéricos que o tribunal intuiu, deu como demonstrados, recolheu da experiência comum, das notícias que vão sendo veiculadas pela Media, mas não de factos que tenham sido comprovadamente assentes através de prova judicial ou que possam vir a sê-lo face ao teor da p.i. que consta dos autos. Vejamos. No aresto considera-se que o cidadão estrangeiro que aguarda pela autorização de residência há muito tempo (mais de dois anos no caso dos autos) está numa situação de grande fragilidade (ponto 49), mas não se densificam as concretas circunstâncias em que se encontra AA e que consubstanciam essa grande fragilidade. Considera-se que o Requerente, por estar indocumentado e não poder beneficiar do estatuto de residente e de equiparação ao cidadão nacional, se encontra lesado ou em risco de lesão do direito ao trabalho (mas desconhece-se, porque nada se encontra alegado, se ele tem presentemente capacidade para trabalhar ou sofre de alguma incapacidade, se actualmente tem um contrato de trabalho, se se encontra em situação de exploração), que está ameaçado no direito à segurança pessoal (mas não se identifica em que termos em concreto se consubstancia tal ameaça, se existe alguma ameaça concreta ou se alguma vez foi em concreto ameaçado), do direito à saúde (mas desconhece-se se ele tem algum seguro de saúde, se tem algum subsistema de acesso à saúde no seu país de origem que seja válido em Portugal, em que condições se processa o acesso à saúde entre nós e em que medida pode estar comprometido, porque nada é alegado nos autos a este respeito e nada foi provado), e considera ainda que tem afectado o seu direito à família (embora também não esteja alegado nem provado que o Requerente tenha sequer família e qual seja ela) (ponto 75). De resto, na própria fundamentação da decisão conclui-se que “não é necessária atividade probatória para que se aceitem as mesmas [as ameaças a estes direitos] como ocorrências verificáveis na esfera jurídica de um cidadão estrangeiro indocumentado” (ponto 76). Precisamente porque a finalidade da decisão não é assegurar os direitos fundamentais ao Requerente AA, nem sequer garantir-lhe o estatuto de equiparação a nacional nos termos do artigo 15.º da CRP, uma vez que tais direitos e titularidade do estatuto dependem da decisão administrativa da AIMA, a única que pode verificar as circunstâncias habilitadoras do Requerente a ser residente em Portugal ao abrigo dos artigos 88.º e 77.º da Lei 23/2007, de 4 de Julho. A finalidade da decisão deste STA, da qual divergimos, é considerar a intimação como um meio próprio e adequado para responder à falha estrutural do serviço da administração que aprecia e decide os pedidos de autorização de residência (impulsionar ao bom funcionamento da AIMA), ou a falha do legislador que concebeu uma solução legal “simplificada” de entrada e permanência no território nacional sem controlo prévio e sem a garantia de atribuição de um correspectivo estatuto legal de protecção para os que aqui se encontram ao abrigo desse regime legal simplificado (falha entretanto suprida com a entrada em vigor do Decreto-Lei 37-A/2024, de 3 de Junho); sendo que qualquer destas finalidades extrapola - consideramos nós - o âmbito da função judicativa, tal como ela se encontra balizada pela lei processual.

Soluções e decisões judiciais que se inscrevam no domínio dos processos estruturais não encontram acolhimento na lei processual portuguesa e criam uma disrupção arriscada ao modelo em que assenta o nosso Estado de Direito Democrático. O nosso modelo jurídico não se coaduna com o uso da via judicial para dar resposta a uma falha estrutural, seja na execução de políticas públicas, seja na gestão e organização administrativas. Os tribunais não podem ser a prima ratio da garantia da “boa gestão pública” perante falhas estruturais, sejam do poder executivo, sejam do poder legislativo. A sua função atém-se à protecção, em concreto, de situações jurídicas individualizadas, de acordo com as regras processuais vigentes e as circunstâncias fácticas concretizadas e (com)provadas.

E são vários os riscos associados à disrupção que este tipo de decisões pode causar ao funcionamento do Estado de Direito Democrático. No tempo em que o discurso das emoções capturou o da razão, importa sublinhar que mesmo no plano do uso estratégico do processo judicial para responder a falhas estruturais, a presente decisão revela-se inútil, senão mesmo perniciosa. Inútil porque, em última instância, não resultando da decisão a condenação do Estado a dotar-se de meios adequados para assegurar resposta em tempo côngruo a todas as demandas (como seria uma decisão de um processo estrutural “típico”), o resultado prático de uma condenação sucessiva da AIMA a decidir com prioridade e em prazo curto cada pedido genérico e não substanciado que dê entrada na jurisdição (de forma mecânica, como antes denunciámos) redundará na transmutação da ordenação dos pedidos actualmente pendentes (que agora consubstanciam já um “bloco fechado”); ordenação que hoje assenta na antiguidade administrativa da entrada do requerimento nos serviços da AIMA e que passará a fazer-se por data da decisão judicial condenatória. Ora, sem a garantia de que venham a existir mais meios para proferir as decisões administrativas, a sucessão massiva de decisões judiciais condenatórias é inútil. Mas mais que inútil ela pode até ter efeitos perversos: primeiro, porque estas sucessivas decisões judiciais criam instabilidade e atrasam a elaboração e a eficácia de qualquer plano político-administrativo que se pretenda implementar para gerir o stock de pedidos pendentes, obrigando a permanentes reordenações de prioridades na decisão dos pedidos; segundo, porque irá interferir no dito universo homogéneo vulnerável (e hoje estabilizado) daqueles que aguardam pela decisão do pedido de autorização de residência, substituindo a actual ordenação, por critério de antiguidade administrativa, por uma nova ordenação, baseada na prioridade da decisão judicial condenatória, apenas acessível àqueles que puderem suportar os custos do serviço do mandatário, deixando assim ainda mais vulneráveis aqueles que o não puderem fazer.

Lisboa, 6 de Junho de 2024. - Suzana Tavares da Silva.

Processo 741/23.4BELSB

VOTO DE VENCIDO

Não acompanho a posição que logrou vencimento, pelas razões que sumariamente descrevo:

1 - A análise da situação descrita nos autos e que é objecto de recurso deverá conter-se na discussão estritamente jurídica.

Nessa perspectiva - que é a única aceitável no nosso ordenamento jurídico, à luz dos art.s 110.º, 111.º, 161.º, 197.º, 198.º, 199.º e 202.º da CRP [distintamente do que sucede, por exemplo, com o mandado de injunção, previsto no art. 5.º, LXXI, da Constituição Federal brasileira, que permite ao juiz substituir-se ao legislador na emissão de norma regulamentadora do exercício de um direito fundamental, com efeitos restritos ao caso concreto] - o objeto deste recurso é apenas (o erro sobre) a propriedade/impropriedade do meio processual e a eventual admissibilidade da sua posterior convolação em providência cautelar associada a um decretamento provisório.

2 - Isto pressuposto, tenho muita dificuldade em admitir a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no contexto fáctico dado por assente nas instâncias.

3 - A possibilidade de utilização desta intimação - que é excecional, como aliás se reconhece no texto do acórdão - não depende apenas da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de qualquer providência, antes tem também como pressuposto a inexistência de qualquer outro meio processual especial de defesa de direitos, liberdades e garantias determinados.

4 - A tutela dos direitos reivindicados consubstancia-se, de modo direto e imediato, ao direito à decisão administrativa, na sequência do requerimento de manifestação de interesse formulado (o que não constitui um direito, liberdade ou garantia, nem um direito fundamental de natureza análoga, nem um direito fundamental fora do catálogo constitucional). Só indireta, reflexa ou mediatamente é que se poderá - e o tempo verbal não é aqui utilizado sem significado - relacionar a omissão do dever de decisão com uma afetação dos direitos fundamentais elencados já como afetados no acórdão.

5 - Ora, mesmo a admitir-se que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias tem tal amplitude - de amparo geral ou amplo -, não só pode (podia) ser tutelada a situação reclamada através de uma medida cautelar provisória - que perduraria enquanto a necessária instrução do procedimento decorresse e até à decisão final (que pode ser de indeferimento, necessário é ter presente) - e que é instrumental à garantia dos direitos fundamentais assinalados na p.i., como existe meio processual adequado de tutela do direito à decisão (previsto no art. 13.º, n.º 1, do CPA), aliás especialmente regulado no CPTA - a condenação à prática de acto.

6 - Sucede que o aqui Autor deixou caducar o prazo previsto no art. 69.º, n.º 1, do CPTA, o que significa - como em todos os casos em que tal sucede - que o decurso do prazo de 1 ano implicou, para si, a perda do direito de reagir jurisdicionalmente contra a situação em causa de inércia administrativa.

7 - Olhando para o art. 89.º, n.º 4, al. k), do CPTA, que expressamente qualifica como exceção dilatória a intempestividade da prática do ato processual - aliás exceção de conhecimento oficioso -, compaginando-o com a circunstância de se encontrar ultrapassado o referido prazo de 1 ano previsto no referido art. 69.º, n.º 1, do CPTA, o que é impeditivo de uma eventual convolação da intimação, nenhuma originalidade existe afinal no caso em apreço.

8 - Os pedidos de intimação não podem servir para forçar a Administração - que tem por missão prosseguir o interesse público, no respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos cidadãos (art. 266.º, n.º 1 da CRP) - a agir com desprezo pelo interesse geral em benefício de cidadãos isolados (desvirtuando o princípio da igualdade), antes devem constituir um reforço da protecção jurídica dos particulares num contexto de legalidade ao serviço do interesse dos membros da comunidade (cf. Carla Amado Gomes, Pretexto, Contexto e Texto da Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantais, p. 22).

9 - Sancionar-se positivamente a utilização deste meio processual para as situações-tipo identificadas no acórdão, significa a derrogação de todo o regime adjectivo de referência, tal como se encontra previsto no CPTA, franqueando a sua utilização, desde logo, como meio de renovação de prazos (perdidos) para instauração das ações devidas. Significa isto, muito simplesmente, que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias deixaria de ser subsidiária e extraordinária - esse é o quadro legislativo vigente vertido no art. 109.º do CPTA -, mas alternativa e comum, de utilização generalizada.

10 - O legislador não consagrou este meio processual como uma ação de amparo de aplicação genérica e corrente, antes a sujeitou ao apertado preenchimento de determinados pressupostos e cumprimento de certos requisitos. Como aliás este Supremo Tribunal Administrativo sempre entendeu quando chamado a pronunciar-se sobre esta temática (cf., i.a. os ac.s de 18.05.2017, proc. n.º 283/17, de 13.04.2023, proc. n.º 47/22.6BELLE, e de 7.09.2023, proc. n.º 1701/20.2BELSB).

11 - As razões de direitos humanos invocadas no acórdão - que obviamente nos sensibilizam -, salvo o devido respeito, assumiriam relevância sim e seriam operativas mas para outros efeitos, designadamente em via de tutela de direitos em sede de asilo ou de proteção subsidiária; o que não é o caso (subjacente ao pedido formulado nos autos está uma razão de migração económica e não razões de proteção internacional).

12 - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só será admissível se o direito que, em concreto, se encontra ameaçado, não puder ser tutelado com mais eficácia e suficiência por outra qualquer providência especificamente orientada para a sua defesa.

13 - Pelo que, entendendo: i) que visando a intimação, no caso concreto, o cumprimento do dever de decisão administrativa, a factualidade apresentada não configura uma situação de especial urgência diretamente relacionada com a necessidade de assegurar o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias; sem embargo, ii) não existir indispensabilidade de utilização da intimação, por existir meio adjetivo adequado e suficiente à tutela do direito; e iii) existindo prazo para a decisão administrativa que obrigaria à utilização tempestiva da ação para a condenação na prática do ato devido, ocorrendo neste momento (pelo menos em face do que ficou provado) uma situação de caducidade do direito, confirmaria o decidido.

14 - Noutra perspetiva, esta agora de análise mais fina à fundamentação constante do acórdão, sobressai da mesma alguma indefinição nos seus termos, gerada por uma pré-compreensão decisória, a qual perpassa ao longo do texto. Vejamos:

15 - No ponto 52. afirma-se que “apenas decisão de mérito é de molde a retirar quem se encontre a residir em território nacional de forma indocumentada”. O mesmo ocorrendo no ponto 58. e em 68., onde se escreve que “a lesão dos direitos fundamentais que o Recorrente pretende ver tutelados com a célere emissão de decisão sobre o pedido de atribuição de autorização de residência se prolongar no tempo” ou em 73. quando se conclui: “A permanência em território nacional na situação de indocumentado, ou seja, sem título de residência válido, por incapacidade ou inércia da Administração em dar seguimento ao pedido de atribuição de residência formulado por um cidadão estrangeiro, [...] não se basta com a medida cautelar traduzida na concessão de uma autorização de residência provisória, que apenas lhe confere uma tutela precária”. E em 85.: “[a]penas a autorização de residência temporária lhe permitirá residir em território português com um mínimo de estabilidade, sem termo incerto de permanência”. Como em 88.: “a falta de um título de residência temporária que permita a permanência, em termos de legalidade, do Recorrido no território nacional, durante um período certo, afeta o reduto básico, que se liga ao princípio da dignidade da pessoa humana”. Indo o acórdão mais longe, afirmando-se perentoriamente: “[e]nquanto a autorização de residência não for concedida ao Recorrente [...]” (91.); ou: “[a] autorização de residência é imprescindível para que o Recorrente possa efetivar o seu direito a uma legal integração no mercado de trabalho” (92.); ou mesmo que.: “[s]omente a autorização de residência temporária contribui para a consolidação do seu direito a residir sem termo incerto em território nacional” (93.). E, maxime, por reporte incondicional ao caso do A., deixa-se estabelecido que: “só a procedência do pedido de intimação lhe poderá proporcionar a plenitude do exercício dos direitos que diz estarem a ser afetados”.

16 - Ora, o acórdão, sempre salvo o devido respeito, está já a assumir uma determinada conclusão, sem estarem estabelecidas as premissas de que aquela depende. Assume-se um silogismo assente em premissas que não estão ainda (minimamente) demonstradas: o necessário preenchimento dos demais requisitos exigidos para a concessão da autorização de residência temporária e que depende, desde logo, da satisfação do disposto no n.º 2 do art. 88.º da Lei 23/2007, de 4 de julho (versão então vigente e que continua em vigor de acordo com o art. 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 37-A/2024, de 3 de junho) e no art. 77.º do mesmo diploma.

17 - Mas, por outro lado, o acórdão refere-se também ao procedimento instrutório e à necessidade de nele ser proferida uma decisão. Por exemplo, no ponto em 79. e paradigmaticamente em 84., quando se afirma que: “[a]té ao momento, volvidos mais de 4 anos, a Administração não decidiu se concedia ou não a requerida autorização de residência ao Recorrente [...]”.

18 - Isto é, o acórdão apesar de apontar à intimação para ser proferida “uma” decisão - que o dispositivo acolhe -, certo é que não deixa de verter, na sua motivação, considerandos determinativos (condicionantes) da decisão que se entende dever ser “a” decisão a proferir.

19 - E este efeito de autoridade de caso julgado (e que obsta a que a relação jurídica definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa), enquanto comando de ação afigura-se, de certo modo, incompatível com o dispositivo concreto do acórdão.

Pelo que, não acompanhando nem a fundamentação nem o sentido da decisão que fez vencimento, teria negado provimento ao recurso e mantido integralmente o acórdão recorrido.

6.06.2024. - PEDRO MARCHÃO MARQUES.

117869577

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5809889.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1913-07-10 - Lei 28 - Ministério da Marinha - Repartição do Gabinete

    Dispensa o major general da armada das funções de primeiro comandante do corpo de marinheiros. (Lei n.º 28)

  • Tem documento Em vigor 1995-02-21 - Lei 5/95 - Assembleia da República

    ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DO PORTE DE DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO DE QUALQUER PESSOA QUE SE ENCONTRE OU CIRCULE EM LUGAR PÚBLICO, ABERTO AO PÚBLICO OU SUJEITO A VIGILÂNCIA POLICIAL. ESCLARECE O PROCEDIMENTO DE IDENTIFICAÇÃO, BEM COMO OS RESPECTIVOS MEIOS. O DISPOSTO NO PRESENTE DIPLOMA NAO PREJUDICA A APLICAÇÃO DAS PROVIDÊNCIAS PREVISTAS NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL.

  • Tem documento Em vigor 2002-02-22 - Lei 15/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPPTA) e procede a algumas alterações sobre o regime jurídico da urbanização e edificação estabelecido no Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-06 - Acórdão 5/2006 - Supremo Tribunal de Justiça

    No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo 442.º, n.º 2).

  • Tem documento Em vigor 2007-07-04 - Lei 23/2007 - Assembleia da República

    Aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-31 - Lei 53/2007 - Assembleia da República

    Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública.

  • Tem documento Em vigor 2007-11-06 - Lei 63/2007 - Assembleia da República

    Aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana.

  • Tem documento Em vigor 2008-06-30 - Lei 27/2008 - Assembleia da República

    Estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.os 2004/83/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 1 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 2012-08-09 - Lei 29/2012 - Assembleia da República

    Altera (primeira alteração) a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, e republica-a em anexo, na redação atual. Implementa a nível nacional o Regulamento (CE) nº 180/2009 (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho, e transpõe para a ordem jurídica interna o disposto na Diretiva nº 2008/115/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro, na Diretiva nº 2009/50/CE, do Cons (...)

  • Tem documento Em vigor 2017-07-31 - Lei 59/2017 - Assembleia da República

    Quarta alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional

  • Tem documento Em vigor 2017-08-28 - Lei 102/2017 - Assembleia da República

    Procede à quinta alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional e transpõe as Diretivas 2014/36/UE, de 26 de fevereiro, e 2014/66/UE, de 15 de maio de 2014, e 2016/801, de 11 de maio de 2016

  • Tem documento Em vigor 2019-03-29 - Lei 28/2019 - Assembleia da República

    Estabelece uma presunção de entrada legal na concessão de autorização de residência para o exercício de atividade profissional, procedendo à sétima alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional

  • Tem documento Em vigor 2021-11-12 - Lei 73/2021 - Assembleia da República

    Aprova a reestruturação do sistema português de controlo de fronteiras, procedendo à reformulação do regime das forças e serviços que exercem a atividade de segurança interna e fixando outras regras de reafetação de competências e recursos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, alterando as Leis n.os 53/2008, de 29 de agosto, 53/2007, de 31 de agosto, 63/2007, de 6 de novembro, e 49/2008, de 27 de agosto, e revogando o Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16 de outubro

  • Tem documento Em vigor 2022-08-25 - Lei 18/2022 - Assembleia da República

    Altera o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional

  • Tem documento Em vigor 2023-08-31 - Lei 53/2023 - Assembleia da República

    Transpõe a Diretiva (UE) 2021/1883, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado, alterando as Leis n.os 23/2007, de 4 de julho, 53/2007, de 31 de agosto, 63/2007, de 6 de novembro, 27/2008, de 30 de junho, e 73/2021, de 12 de novembro

  • Tem documento Em vigor 2024-06-03 - Decreto-Lei 37-A/2024 - Presidência do Conselho de Ministros

    Altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, procedendo à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse.

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