Acórdão 91/88
Processo 317/87
Acordam, em sessão plenário, no Tribunal Constitucional (T. Cont.):
I - Relatório
1 - O procurador-geral da República veio, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, requerer se aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade orgânica de todas as normas do Derreto Regional n.º 21/80/A, de 11 de Setembro, com excepção da parte da norma do artigo 7.º já declarada inconstitucional pelo Acórdão 37/87, de 3 de Fevereiro de 1987.
Fundamenta o seu pedido dizendo, em síntese, o seguinte:
a) O diploma em causa veio estabelecer para a Região Autónoma dos Açores um regime diferente do vigente nas restantes parcelas do território nacional quanto às seguintes matérias:
Concessão de títulos de habilitação para a condução de velocípedes com motor (artigo 1.º) e conjuntos motocultivadores-reboques (artigo 2.º);
Apresentação aos respectivos exames (artigo 3.º);
Validade e revalidação dos mesmos títulos e necessários exames médicos (artigo 4.º);
Exigência de exames especiais, menções constantes dos títulos e obrigação de comunicação de mudança de residência dos condutores (artigo 5.º);
Taxas a cobrar (artigo 6.º); e
Penalidades a aplicar (artigo 7.º).
b) As normas acabadas de apontar versam matérias que não são de interesse específico para a Região, pois que a problemática da circulação dos dois apontados tipos de veículos não lhe respeita exclusivamente, nem nela exige um especial tratamento por aí assumir peculiar configuração;
c) A existência de interesse específico é uma condicionante da competência legislativa da Região [artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição];
d) O artigo 7.º, na parte em que estabelece pena de prisão para a condução sem habilitação de conjuntos de motocultivadores-reboques, versa matéria de «direitos, liberdades e garantias», reservada à competência própria de um órgão de soberania - a Assembleia da República (AR) [artigo 167.º, alínea c), na versão originária da Constituição];
e) O n.º 1 do artigo 1.º, ao transferir das câmaras municipais da Região para os serviços dependentes da Direcção-Geral de Transportes Terrestres (DGTT) a competência para a concessão de títulos para condução de velocípedes com motor, priva aquelas da receita resultante da cobrança das correspondentes taxas, assim alterando o regime das finanças locais, matéria que constijtui reserva de lei, nos termos do n.º 2 do artigo 240.º da Constituição;
f) Os artigos 8.º e 9.º, não tendo autonomia, antes sendo meramente instrumentais das restantes normas do diploma, não podem deixar de ser afectados igualmente pela declaração de inconstitucionalidade.
2 - O Presidente da Assembleia Regional dos Açores, notificado para se pronunciar, enviou um parecer da respectiva Comissão de Organização e Legislação, no qual se conclui não padecerem de inconstitucionalidade as normas questionadas, em resumo, pelo seguinte:
a) Não se identificando o interesse específico com interesse exclusivo, há que reconhecer a existência daquele nas matérias sobre que versa o diploma aqui questionado;
b) Na verdade, sendo as mesmas as características dos veículos que circulam nas estradas do continente e nas da Região, estas possuem, no entanto, diferentes características de circulação e um diferente volume de tráfego, designadamente de tráfego animal, tudo a exigir um especial tratamento, por ali assumir a matéria uma peculiar configuração;
c) Depois, as taxas cobradas nos termos do artigo 6.º do diploma em apreço sempre acabam por ter como «sujeito activo in fine, o orçamento regional, pese embora a legal separação e independência dos poderes autárquicos e regionais» - problemática esta que esperam «em breve ver clarificada em sede de revisão constitucional, e subsequente revisão do Estatuto da Região, bem como o surgimento da Lei Geral do Enquadramento do Sistema Fiscal Regional».
3 - Cumpre, então, decidir.
II - Fundamentos
4 - O Decreto Regional 21/80/A, de 11 de Setembro, dispõe como segue:
Artigo 1.º - 1 - Sem prejuízo das licenças de condução passadas pelas câmara municipais até à data da entrada em vigor do presente diploma, na Região Autónoma dos Açores a concessão do título de habilitação para a condução de velocípedes com motor processar-se-á segundo o sistema fixado no artigo 47.º do Código da Estrada para ciclomotores.
2 - No correspondente exame, a prova referida no n.º 1 da alínea b) do artigo 49.º do mesmo Código apresentará duas modalidades distintas:
a) Uma com o emprego de testes simplificados, caso em que a aprovação será apenas válida para a condução dos velocípedes em causa;
b) Uma segunda com o emprego de testes normais, caso em que a aprovação será então também válida para a obtenção de carta destinada a qualquer categoria de veículo automóvel.
Art. 2.º - 1 - A condução em vias públicas dos conjuntos motocultivadores-reboques só poderá ser exercida por indivíduos munidos de título de licença, cuja obtenção obedecerá a formalismos idênticos àqueles em vigor para a obtenção de carta de condução de tractores agrícolas.
2 - Exceptua-se a idade mínima, que é fixada em 16 anos.
3 - A carta de condução de qualquer veículo automóvel habilita sempre à condução dos conjuntos a que se refere o presente artigo.
Art. 3.º - 1 - Aos candidatos a condutor em causa não é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 48.º do mesmo Código, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 226/76, de 10 de Abril, no que se refere à apresentação através da escola de condução ou instrutor com actividade por conta própria, não sendo igualmente aplicáveis as disposições da Portaria 51/78, de 25 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Portaria 504/79, de 6 de Novembro.
2 - No caso, porém, de ser preferida para a prova teórica do exame a modalidade referida na alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º deste diploma, já a mencionada apresentação a esta prova terá de ser feita nos termos do citado artigo 48.º, com o número normal mínimo de quinze lições teóricas de frequência obrigatória.
Art. 4.º - 1 - A validade dos títulos de habilitação a que alude o presente diploma será a referida na alínea a) do n.º 7 do já mencionado artigo 47.º do Código da Estrada, a não ser que, por decisão médica, sejam impostos períodos de reinspecção menores; a revalidação dos mesmos títulos seguirá trâmites idêntico àqueles em vigor para as cartas de condução.
2 - Aplica-se aos exames médicos necessários para a obtenção ou renovação dos mesmos títulos o disposto nos artigos 39.º, 40.º e 41.º do Regulamento do Código da Estrada, entendendo-se que, para o efeito, velocípedes com motor e motocultivadores-reboques são equiparados a ciclomotores e tractores agrícolas.
Art. 5.º - 1 - Também a orientação definida nos n.os 8, 9 e 10 do mesmo artigo 47.º do Código da Estrada é aplicável aos condutores a licenciar nos termos do presente diploma, conforme a competência atribuída à Direcção Regional de Transportes Terrestres pelo Decreto Regulamentar Regional 20/78/A, de 20 de Outubro.
2 - Nos novos títulos de habilitação para a condução de velocípedes com motor ou motocultivadores-reboques não poderá ser feito qualquer averbamento ou aposta qualquer indicação, carimbo ou selo, senão pela Direcção Regional de Transportes Terrestres.
3 - Sempre que mudem de residência, os condutores em causa são obrigados a participá-lo, no prazo de 30 dias, à mesma Direcção Regional de Transportes Terrestres.
Art. 6.º As taxas a cobrar nas modalidades referidas no presente diploma são as constantes da Portaria 399/73, de 7 de Junho, para ciclomotores e tractores agrícolas, com as actualizações em vigor.
Art. 7.º Por sua vez, as penalidades a aplicar por desrespeito às disposições do presente diploma são aquelas constantes do Código da Estrada, nas partes finais dos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.os 7 e 12.
Art. 8.º Quaisquer instruções necessárias à boa aplicação deste mesmo diploma serão definidas por despacho do Secretário Regional dos Transportes e Turismo.
Art. 9.º - 1 - O presente decreto entra em vigor 90 dias após a sua publicação.
2 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por despacho do Secretário Regional dos Transportes e Turismo, em relação a qualquer ilha onde a estrutura de serviços existente não permita desde logo o desempenho das missões consignadas no presente decreto.
5 - O diploma acabado de transcrever ocupa-se da condução na Região Autónoma dos Açores de velocípedes com motor e de conjuntos motocultivadores-reboques.
Como vai ver-se, veio ele instituir um regime diverso do que então vigorava para todo o território nacional.
Este regime consta do Código da Estrada (CE), que, para o efeito, estabelece uma distinção fundamental: veículos automóveis e velocípedes.
Os veículos automóveis - ou seja, os «veículos de tracção mecânica destinados a transitar pelos seus meios na via pública» (cf. o artigo 27.º, n.º 1) - subdividem-se em automóveis ligeiros, automóveis pesados e motociclos (cf. o artigo 27.º, n.º 2), sendo equiparados estes últimos os ciclomotores [ou seja, os veículos de duas ou mais rodas com motor de cilindrada não superior a 50 cm3 que não sejam considerados velocípedes (cf. o artigo 38.º, n.º 3)].
Os velocípedes são os «veículos de duas ou mais rodas accionadas pelo esforço do próprio condutor por meio de pedais ou dispositivos análogos» (cf. o artigo 38.º, n.º 1).
Aos velocípedes são equiparados, para todos os efeitos, salvo indicação expressa em contrário, os velocípedes com motor, ou seja, «os veículos de duas ou mais rodas providos de um motor auxiliar e que tenham as seguintes características:
a) Pedais ou dispositivos análogos que permitam ao condutor accionar o veículo a uma velocidade razoável, suficiente para o seu emprego normal, sem o recurso do motor;
b) Motor de cilindrada não superior a 50 cm3;
c) Velocidade máxima, em patamar, limitada por construção a 50 km/h;
d) Tara não superior a 55 kg» (cf. o artigo 38.º, n.º 2).
Para a condução nas vias públicas, seja de veículos automóveis (ligeiros, pesados ou motociclos), seja de ciclomotores, exige o artigo 47.º do CE carta de condução, passada pelas direcções de viação aos indivíduos que preencham os requisitos exigidos pelo n.º 2 daquele artigo. Entre tais requisitos conta-se a aprovação no exame a que se refere o artigo 49.º do mesmo Código. Esse exame consta de uma prova prática de condução, destinada à apreciação da calma, da prudência e da perícia do candidato, e de uma prova teórica visando apurar o seu conhecimento das regras e dos sinais de trânsito.
Para a condução de velocípedes nas vias públicas - trate-se de velocípedes com motor ou de velocípedes sem motor - exige o artigo 54.º do CE a posse de uma licença de condução apropriada, passada por uma câmara municipal, após a aprovação em exame consistente numa prova prática de condução e num interrogatório sobre regras e sinais de trânsito e sobre normas que condicionam a admissão dos velocípedes ao trânsito nas vias públicas (cf. o artigo 45.º, n.os 1 e 2).
Não exige o CE a posse de qualquer título para a condução de conjuntos motocultivadores-reboques nas vias públicas.
A condução de veículos automóveis ou de ciclomotores nas vias públicas por condutores que não possuam carta de condução constitui contravenção punível com multa de 10000$00 a 50000$00 e prisão até um mês (em caso de reincidência, a multa é de 20000$00 a 100000$00 e a prisão pode elevar-se a seis meses) (cf. o artigo 46.º, n.º 1).
A condução de velocípedes (com ou sem motor) nas mesmas condições constitui contravenção punível com multa de 600$00 a 3000$00 (cf. o artigo 54.º, n.º 1).
6 - Feito este apontamento, constata-se que o legislador regional, no Decreto Regional 21/80/A, de 11 de Setembro, para a condução nas vias públicas de velocípedes com motor exige título idêntico àquele que o CE impõe para a condução de veículos automóveis e de motociclos, ou seja, a carta de condução, punindo os condutores daqueles veículos que não possuam tal título nos mesmos termos em que o CE pune os condutores indocumentados de veículos automóveis. Quer dizer que, para o efeito de obtenção de título que habilite à condução de velocípedes com motor na via pública, e bem assim para o efeito de punir tal condução sem se possuir o título de habilitação necessário, o legislador regional «deslocou» esses veículos da categoria a que pertencem - a dos velocípedes - para a dos veículos automóveis e motociclos, aos quais, como se viu, estão equiparados os ciclomotores (cf. o artigo 1.º).
O exame destinado à obtenção dessa «carta de condução» modelou-o, no entanto, o legislador regional em termos algo diferentes dos do exame imposto pelo CE para se obter carta de condução de veículos automóveis e motociclos (cf. o citado artigo 1.º, n.º 2, em confronto com o artigo 49.º do CE).
No tocante à condução dos conjuntos motocultivadores-reboques, passou a exigir título semelhante ao que é necessário para conduzir tractores agrícolas (cf. o artigo 2.º, n.º 1), com a diferença de que a idade mínima para a sua obtenção é fixada em 16 anos (cf. o artigo 2.º, n.º 2).
O legislador regional também introduziu algumas especialidades quanto à apresentação dos candidatos às provas de exame para obtenção dos títulos que habilitam à condução. Assim, dispensou, por regra, a exigência de o candidato ser proposto por uma escola de condução ou por um instrutor com actividade por conta própria, como o exige o artigo 48.º, n.º 1, do CE, na redacção do Decreto-Lei 226/76, de 10 de Abril (cf. o artigo 3.º, n.º 1), e dispensou, bem assim, por regra, a necessidade de o candidato ter frequentado um número mínimo de lições, conforme dispõe a Portaria 51/78, de 25 de Janeiro, alterada pela Portaria 584/79, de 6 de Novembro (cf. o artigo 3.º, n.º 2).
O prazo de validade dos títulos de condução é, no diploma em análise, em regra, o das cartas de condução de veículos automóveis passadas a condutores não profissionais, e a sua revalidação segue trâmites idênticos aos que vigoram para a das cartas de condução (cf. o artigo 4.º, n.º 1).
Aos exames médicos para obtenção e renovação de tais títulos aplica-se: o regime em vigor para os condutores de ciclomotores, quando se trate da obtenção de título para conduzir velocípedes com motor, e o regime que vigora para os condutores de tractores agrícolas, quando estiver em causa a obtenção de título para conduzir conjuntos motocultivadores-reboques (cf. o artigo 4.º, n.º 2).
A competência que, nos termos dos n.os 8, 9 e 10 do artigo 47.º do CE, pertencia à Direcção-Geral de Viação para determinar a sujeição dos condutores de veículos automóveis a exames especiais é, neste diploma, atribuída à Direcção Regional de Transportes Terrestres (cf. o artigo 5.º, n.º 1). A esta Direcção Regional se reserva também a inscrição de averbamentos, a aposição de qualquer indicação, de carimbo ou selos (cf. o artigo 5.º, n.º 2). E a ela devem ainda os condutores comunicar as suas mudanças de residência (cf. o artigo 5.º, n.º 3).
Pela concessão dos títulos que habilitem à condução de velocípedes com motor e aos conjuntos motocultivadores-reboques, manda o legislador regional cobrar taxas devidas pela passagem de títulos que habilitem a conduzir ciclomotores e tractores agrícolas (cf. o artigo 6.º).
O diploma regional estabeleceu penalidades para o desrespeito ao que nele se dispõe como se os velocípedes com motor fossem veículos automóveis ou ciclomotores e como se os conjuntos motocultivadores-reboques fossem tractores, pois que mandou aplicar-lhes os artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.os 7 e 12, do CE (cf. o artigo 7.º).
7 - Todo este diferente regime justificou-o o legislador regional nos termos que seguem:
1 - A concessão de licença para condução de velocípedes ou sem motor processa-se ainda hoje de acordo com o disposto no artigo 54.º do Código da Estrada. Ora, as câmaras municipais da Região não dispõem de meios humanos ou materiais que lhes permitam realizar os exames necessários à obtenção daquelas licenças com o indispensável rigor, de forma a garantir o mínimo de aptidão dos candidatos, em termos quer de prática de condução, quer do conhecimento das regras de trânsito.
Por outro lado, aumenta cada vez mais na Região o número de motocultivadores-reboques, para cuja condução a legislação actual não exige qualquer título comprovativo do conhecimento das regras e sinais de transito, nem o mínimo de prática.
2 - É elevadíssimo na Região o número de acidentes de trânsito envolvidos por velocípedes com motor, a maioria dos quais apresentam características de pequenos motociclos, com especificações técnicas sempre em evolução, tomando assim difícil o respeito das normas regulamentares que condicionam a respectiva circulação.
Relativamente aos motocultivadores-reboques, há também que ultrapassar uma situação que cada vez se torna mais grave, reconhecida, aliás, pelos serviços agrícolas da Região.
3 - Assim, pretende-se que a concessão de títulos para a condução de velocípedes com motor passe para a competência dos serviços dependentes da Direcção Regional de Transportes Terrestres, ao mesmo tempo que se regulamentam as condições especiais em que é passado aquele título.
Para os condutores de motocultivadores-reboques passa-se a exigir título de licença, cuja obtenção obedecerá a formalismos quase idênticos aos que são necessários para a carta de condução de tractores agrícolas. [Cf. o preâmbulo do Decreto Regional 21/80/A.]
8 - Este Tribunal, pelo Acórdão 37/87, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17 de Março de 1987, já declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 7.º do diploma aqui em apreço na parte em que aí se estabelece a pena de prisão para a condução de velocípedes com motor sem título de habilitação.
Essa declaração de inconstitucionalidade assentou na circunstância de que a cominação de penas de prisão, mesmo para punir ilícitos contravencionais (ou seja, ilícitos cuja regulamentação não pertence, em geral, à reserva parlamentar), constitui matéria reservada à AR, por força do que ao tempo dispunha o artigo 167.º, alínea c), da Constituição («Direitos, liberdades e garantias»). Entendeu-se, por isso, que o preceito do artigo 7.º, na parte apontada, violava o artigo 229.º, n.º 1, alínea a), última parte, referido àquele artigo 167.º, alínea c). De facto, como já antes se assinalara no Acórdão 160/86 (Diário da República, 2.ª série, de 1 de Agosto de 1986), «onde esteja uma matéria reservada à 'competência própria dos órgãos de soberania', designadamente da Assembleia da República, não há 'interesse específico' que legitime o poder legislativo das regiões autónomas».
É óbvio que os fundamentos em que assentou tal declaração de inconstitucionalidade valem de pleno para o segmento normativo do dito artigo 7.º na parte em que estabelece a pena de prisão para a condução de conjuntos motocultivadores-reboques sem título de habilitação, como, de resto, este Tribunal já decidiu nos Acórdãos n.os 437/87 e 438/87, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 23 de Janeiro e 17 de Fevereiro de 1988, respectivamente.
Esse segmento normativo tem, assim, de ser declarado inconstitucional, uma vez que também ele viola o artigo 229.º, n.º 1, alínea a), segunda parte, com referência ao artigo 167.º, alínea c), da Constituição, na sua versão originária, que será a citada.
9 - A norma do referido artigo 7.º, na parte restante ainda subsistente - ou seja, na parte em que agrava as penas de multa para a condução de velocípedes com motor e de motocultivadores-reboques sem habilitação e em que remete para o artigo 47.º, n.os 7 e 12, do CE -, foi também já julgada inconstitucional por diversas vezes por este Tribunal, com fundamento em que ela viola o citado artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, enquanto aqui se exige para a intervenção do poder legislativo regional a existência de um interesse específico da Região em legislar sobre a matéria [cf. os Acórdãos n.os 124/86, 228/86, 46/87, 49/87, 80/87, 105/87, 106/87, 108/87, 129/87, 154/87, 20/88 e 22/88 (Diário da República, 2.ª série, de 6 de Agosto e de 8 de Novembro de 1986, de 6 de Abril, de 5 de Maio, de 22 de Maio, de 28 de Maio, de 23 de Julho e de 4 de Julho de 1987 e de 13 de Abril de 1988, respectivamente).
Ponderou-se então que a punição das infracções consistentes na condução de tais veículos sem habilitação «não diz respeito exclusivamente à Região Autónoma dos Açores, nem se verifica nenhum indício relevante que leve a concluir que essa matéria exija aí um tratamento específico, diferenciado do restante território nacional, por aí revestir peculiar configuração». Designadamente - disse-se -, não e específica dos Açores, «de modo a justificar um tratamento diferenciado para a Região» e, assim, «a justificar a intervenção do poder legislativo regional», a circunstância (invocada no preâmbulo do diploma aqui em apreciação) de haver um elevado número de acidentes em que são envolvidos velocípedes com motor (cf. o citado Acórdão 20/88). Esse problema é, com efeito, de todo o País.
Específico dos Açores, em termos de justificar a intervenção do legislador regional, não o é também - acrescenta-se agora - o aumento do «número de motocultivadores-roboques, para cuja condução a legislação actual não exige qualquer título comprovativo do conhecimento das regras e sinais de trânsito, nem o mínimo de prática» - circunstância esta igualmente invocada naquele preâmbulo. Também esse não é um fenómeno só dos Açores, nem que aí assume particular configuração.
As razões invocadas na resposta do autor da norma a saber - as diferentes características da circulação rodoviária na Região, e bem assim o diferente volume de tráfego, designadamente do tráfego animal - também não são de molde a legitimar a intervenção do poder legislativo regional, pois que essas variações observam-se de umas regiões para outras em todo o território nacional, não se podendo, por isso, dizer que se trate de algo específico dos Açores.
«O poder legislativo regional é um poder condicionado, sujeito a limites vários», escreveu-se no Acórdão 326/86 deste Tribunal, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18 de Dezembro de 1986. Designadamente, ele só pode versar matérias de interesse específico para a respectiva região e que se não achem reservadas à competência própria dos órgãos de soberania.
Ora, este Tribunal já decidiu, no Acórdão 42/85, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 6 de Abril de 1985 - e repetiu-o em arestos posteriores -, que «só poderão tipicizar-se como de interesse específico [das regiões autónomas] aquelas matérias que lhes respeitam exclusivamente ou que nelas exijam um especial tratamento, por ali assumirem uma peculiar configuração».
Sendo isto assim, então há que declarar a inconstitucionalidade do artigo 7.º no segmento normativo ora sub judicio - ou seja, enquanto agrava as penas de multa por condução de velocípedes com motor e de motocultivadores-reboques sem título de habilitação e na parte em que remete para o artigo 47.º, n.os 7 e 12, do CE -, uma vez que ele viola o artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
10 - Foi também por entender que não existe interesse específico capaz de legitimar a intervenção do poder legislativo regional (designadamente por ter por irrelevantes as razões invocadas no preâmbulo) que em várias das suas decisões este Tribunal julgou inconstitucionais as normas dos artigos 1.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 9.º do mesmo Decreto Regional 21/80/A.
É para essas decisões e para os argumentos nelas desenvolvidos que aqui se remete, sem, no entanto, deixar de se destacar uma que outra ideia mais impressiva.
Prosseguindo.
11 - O artigo 1.º foi julgado inconstitucional nos já citados Acórdãos n.os 124/86, 228/86, 46/87, 49/87, 80/87, 105/87, 106/87, 108/87, 129/87 e 154/87, e bem assim nos Acórdãos n.os 176/87, 337/87, 416/87, 20/88 e 22/88 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Julho e de 19 de Setembro de 1987 e de 2 de Janeiro e de 13 de Abril de 1988).
No citado Acórdão 176/87 escreveu-se, entre o mais, que o artigo 1.º não se pode reclamar de interesse específico, uma vez que «definir qual seja o título de habilitação para conduzir velocípedes com motor sem dúvida que interessa a todo o território nacional, e não se vê que este problema assuma particular configuração nas regiões autónomas a postular disciplina específica».
Esta doutrina, que veio a ser repetida nos Acórdãos n.os 337/87 e 416/87, já citados, há agora que reafirmá-la.
Na verdade - para além das razões já atrás aduzidas a propósito do artigo 7.º -, bastará lembrar que, circulando os velocípedes com motor em todo o território nacional, em todo ele se faz sentir a necessidade de sujeitar os candidatos a condutor a exames rigorosos, pois que só desse modo será possível garantir que os títulos de habilitação sejam concedidos apenas a quem revele possuir um mínimo de aptidão para o efeito. Mas, então, preciso é que os serviços competentes para a realização de tais exames disponham dos necessários meios humanos e materiais, e isso nem sempre sucede. Simplesmente, também esta carência de meios não é exclusiva dos Açores, nem ali assume especial gravidade ou contornos peculiares.
Isto, que se diz a propósito do título de habilitação para conduzir velocípedes com motor, ou seja, da norma do artigo 1.º, vale inteiramente, por razões óbvias, para o título de habilitação para a condução de motocultivadores-reboques, ou seja, para a norma do artigo 2.º do diploma em análise.
Há, pois, que declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 1.º e 2.º, por violação do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Atingida esta conclusão quanto ao artigo 1.º, é inútil ir averiguar se, quanto a ele, se verifica o outro motivo de inconstitucionalidade invocado pelo peticionante, a saber: se esse artigo 1.º conduz a uma alteração do regime das finanças locais e se, desse modo, viola o artigo 240.º, n.º 2, da Constituição.
Prosseguindo, então:
12 - Os artigos 3.º, 4.º e 5.º versam, todos eles, matérias que interessam a todo o território nacional (cf., supra, n.º 6) - matérias que, atentas as razões já aduzidas a propósito dos artigos 1.º, 2.º e 7.º, não são de interesse específico para a Região Autónoma dos Açores.
Tais normas foram, por isso mesmo, julgadas inconstitucionais por este Tribunal (cf. os Acórdãos n.os 124/86, 228/86, 46/87, 49/87, 108/87, 129/87 e 154/87, atrás citados).
Entendeu-se então que elas violavam o artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Nada havendo a alterar a esse juízo, há agora que declarar a inconstitucionalidade das indicadas normas, com fundamento na violação do preceito constitucional mencionado.
13 - Também o artigo 6.º foi julgado inconstitucional pelos Acórdãos n.os 228/86, 46/87, 49/87, 108/87, 129/87 e 154/87, citados acima. E justamente por se considerar que ele viola o artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Há que manter essa pronúncia, declarando-se a inconstitucionalidade da norma em causa, uma vez que ela versa matéria que não é exclusiva dos Açores, nem assume aí contornos particulares em termos de reclamar uma disciplinar específica para a Região (cf., supra, n.º 6).
14 - O artigo 9.º foi, também ele, julgado inconstitucional nos Acórdãos n.os 124/86, 228/86, 46/87, 49/87 e 108/87, igualmente por violação do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
O preceito em causa limita-se a fixar o prazo de entrada em vigor do diploma em que se inscreve (n.º 1) e a prescrever a possibilidade de esse prazo ser alargado em determinadas circunstâncias (n.º 2). Não tem ele, assim, autonomia em relação às normas dos artigos 1.º a 7.º
Por isso, sendo estas normas declaradas inconstitucionais, também a deste artigo 9.º o deve ser, por via de consequência.
15 - É também consequencial a inconstitucionalidade do artigo 8.º, ele também carecido de autonomia. Na verdade, tal preceito mais não faz do que dispor que, sendo necessárias instruções para a boa execução do diploma, serão elas «definidas por despacho do Secretário Regional dos Transportes e Turismo». Não tem ele, pois, sentido sem as restantes normas do diploma.
III - Decisão
Isto posto, declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas do Decreto Regional 21/80/A, de 11 de Setembro, nos termos seguintes:
a) As normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, por violação do artigo 229.º n.º 1, alínea a), da Constituição, na sua versão originaria;
b) A norma do artigo 7.º, na parte em que agrava as penas de multa para a condução, sem título de habilitação, de velocípedes com motor e de motocultivadores-reboques e em que remete para o artigo 47.º, n.os 7 e 12, do CE, por violação do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, na sua versão originária, e na parte em que estabelece a pena de prisão para a condução de motocultivadores-reboques, sem título de habilitação, agora por violação daquele artigo 229.º, n.º 1, alínea a), segunda parte, com referência ao artigo 167.º, alínea c), da mesma Constituição, também na sua versão originária;
c) As normas dos artigos 8.º e 9.º, consequencialmente.
Lisboa, 26 de Abril de 1988. - Messias Bento - José Magalhães Godinho - Luís Nunes de Almeida - Mário de Brito - Antero Alves Monteiro Dinis - Martins da Fonseca - José Manuel Cardoso da Costa - Raul Mateus - Vital Moreira - Armando Manuel Marques Guedes.