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Acórdão 37/87, de 17 de Março

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Sumário

Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º do Decreto Regional n.º 21/80/A, de 11 de Setembro, na parte em que nela se estabelece a pena de prisão para a condução de velocípedes com motor sem habilitação.

Texto do documento

Acórdão 37/87
Processo 183/86
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional (T. Const.):
I - Relatório
1 - O procurador-geral da República-adjunto em exercício neste Tribunal veio requerer, nos termos do artigo 82.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), conjugado com o artigo 281.º, n.º 2, da Constituição (CRP), que se declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º do Decreto Regional 21/80/A, de 11 de Setembro, com o fundamento de que ela já foi julgada inconstitucional em três casos concretos pelo T. Const., a saber, no Acórdão 124/86 (processo 164/85), no Acórdão 160/86 (processo 163/85) e no Acórdão 228/86 (processo 148/85).

Juntou cópias dos referidos acórdãos - os quais, entretanto, foram todos publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 6 de Agosto, 1 de Agosto e 8 de Novembro de 1986.

2 - Notificado, nos termos do artigo 54.º, também da LTC, para responder, querendo, remeteu o presidente da Assembleia Regional dos Açores a este Tribunal, primeiro por telex e depois por via postal, como resposta, um parecer da Comissão Permanente de Organização e Legislação da Assembleia Regional açoriana (ARA) sobre a questão. Nesse parecer reconhece-se que o preceito contido no artigo 7.º do Decreto Regional 21/80/A se encontra ferido de inconstitucionalidade orgânica, mas não por ambas as razões consideradas por este Tribunal.

Efectivamente, enquanto no Acórdão 124/86 o T. Const. (1.ª Secção) julgou inconstitucional a norma em causa por entender que ela respeitava a matéria sem «interesse específico» para a Região, já no Acórdão 160/86 (2.ª Secção) esse julgamento assentou no facto de tal norma versar matéria reservada à competência da Assembleia da República (AR); no Acórdão 228/86 (1.ª Secção), por sua vez, vieram a acolher-se os dois fundamentos. Ora no parecer em referência sufraga-se apenas o entendimento de que o artigo 7.º do Decreto Regional 21/80/A invade a reserva legislativa parlamentar, mas rejeita-se que a matéria em causa não se revista de «interesse específico» para a Região.

3 - Considerados os acórdãos invocados no requerimento introdutório do pedido, verifica-se que: no Acórdão 124/86 se julgaram inconstitucionais «as normas do Decreto Regional 21/80/A, de 11 de Setembro, respeitantes à condução de velocípedes com motor nas vias públicas da Região Autónoma dos Açores», normas essas identificadas antes como sendo os artigos 1.º, 3.º, 4.º, 5.º, 7.º e 9.º desse diploma; no Acórdão 160/86 se julgou apenas inconstitucional «a norma do artigo 7.º» do mesmo decreto regional, «na medida em que nela se estabelece a pena de prisão para a condução de velocípedes com motor sem habilitação»; e no Acórdão 228/86 se julgaram inconstitucionais «a norma do artigo 1.º bem como as normas dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 9.º» do diploma em causa, «na parte em que referem os velocípedes com motor». Sendo o artigo 7.º - como se vê - o único preceito julgado inconstitucional nos três arestos, a ele, pois, havia de restringir-se, como restringiu, em vista do disposto no artigo 281.º, n.º 2, da Constituição, o pedido de «generalização» dos efeitos desses julgamentos, apresentado pelo Ministério Público (MP).

Importa, todavia, atentar em que, em rigor, só uma parte desse preceito foi julgada inconstitucional em todos os acórdãos referidos: só a parte que se refere à condução de velocípedes com motor sem habilitação e, mesmo essa, apenas enquanto comina para tal infracção a pena de prisão. É o que também cabe concluir das fórmula decisórias transcritas, as quais mostram, designadamente, que só esse limitado segmento normativo foi objecto de um juízo de inconstitucionalidade no Acórdão 160/86.

Quer isto dizer que é unicamente quanto a esse segmento normativo - o segmento normativo do artigo 7.º do Decreto Regional 21/80/A, pois, em que se estabelece a pena de prisão para a condução de velocípedes com motor sem habilitação - que se acha verificado o pressuposto condicionante da admissibilidade do específico mecanismo processual de declaração da inconstitucionalidade previsto no citado artigo 281.º, n.º 2. Por conseguinte, a esse mesmo segmento normativo há-de restringir-se, forçosamente, o objecto do presente processo.

4 - O Decreto Regional 21/80/A veio dispor sobre títulos de habilitação e de licença, e respectivos requisitos, exigíveis, nos Açores, para a condução nas vias públicas de velocípedes com motor e de conjuntos motocultivadores-reboque. O seu artigo 7.º é uma norma punitiva, do teor seguinte:

Por sua vez, as penalidades a aplicar por desrespeito às disposições do presente diploma são aquelas constantes do Código da Estrada, nas partes finais dos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º, n.os 7 e 12.

Ora é ao remeter para a parte final do artigo 46.º, n.º 1, do Código da Estrada (CE) que este preceito comina a pena de prisão (e multa) para as infracções a que se reporta. É nesse segmento, pois, mas só no que tange à condução de velocípedes com motor sem habilitação, que cumpre seguidamente apreciá-lo.

II - Fundamentos
5 - O alcance do Decreto Regional 21/80/A, no que respeita à condução de velocípedes com motor, foi o de estabelecer na Região Autónoma dos Açores (RAA) um regime de licenciamento dessa condução, com um correspondente regime punitivo, diversos dos fixados em geral pelo CE (aprovado pelo Decreto-Lei 39672, de 20 de Maio de 1954, com alteração posteriores).

Assim, enquanto, de harmonia com este Código, a habilitação exigida para a condução de tais veículos consiste, tal como para a condução de quaisquer outros velocípedes, na posse de «licença de condução», passada pela câmara municipal, ou de carta de condução de ciclomotores ou motociclos (artigo 54.º), nos termos do decreto regional os mesmos veículos só poderão ser conduzidos por quem esteja habilitado com título semelhante ao exigido pelo CE para a condução de ciclomotores, ou seja com um título de índole idêntica, afinal, à da «carta de condução», prevista no CE, não apenas para os ciclomotores, mas para os «veículos automóveis» em geral. Efectivamente, dispõe-se no artigo 1.º, n.º 1, do diploma em causa:

Sem prejuízo das licenças de condução passadas pelas câmaras municipais até à data da entrada em vigor do presente diploma, na RAA a concessão do título de habilitação para a condução de velocípedes com motor processar-se-á segundo o sistema fixado no artigo 47.º do CE para os ciclomotores.

Por outro lado, vê-se através deste último preceito, em particular se combinado com o artigo 38.º, n.º 3, do mesmo diploma e o disposto no Decreto 47070, de 4 de Julho de 1966, que o título que o CE exige para a condução de tais veículos é já uma «carta de condução», a conceder pela respectiva direcção de viação.

Por sua vez, enquanto, segundo o CE, a condução de velocípedes - e, portanto, também a condução de velocípedes com motor - sem licença é punida apenas com multa (artigo 54.º, n.º 1), segundo o Decreto Regional 21/80/A a condução destes últimos velocípedes sem habilitação específica é punida com prisão e multa, tal-qualmente acontece, no âmbito daquele Código, com a condução sem carta de veículos automóveis: é justamente isso o que veio estabelecer, como se viu, o artigo 7.º, na parte em apreço.

Deste modo - e considerando apenas, como aqui importa, a sua dimensão punitiva -, temos que o Decreto Regional 21/80/A veio modelar diferentemente, nos Açores, uma contravenção antes prevista em lei da República (como é o CE) e cominar para a sua prática, já não só a pena de multa, mas a de prisão e multa. O problema é, pois, o de saber se o legislador regional podia operar semelhante modificação da moldura punitiva contravencional.

6 - Não há, porém, motivo para alterar a resposta negativa a esta questão, já dada pelo Tribunal nos seus anteriores arestos acima mencionados. E para manter tal resposta basta considerar que a ARA, ao estabelecer a punição referida, invadiu o domínio da reserva de competência legislativa da AR, tal como definido pelo artigo 167.º da CRP, na versão originária desta (só esta versão do texto constitucional importa, para o efeito, levar em conta, atento o facto de o decreto regional em causa haver sido editado na sua vigência).

É bem certo que, de harmonia com a orientação por último fixada pela Comissão Constitucional e igualmente acolhida por este Tribunal em vários acórdãos (v., entre outros, os Acórdãos n.os 15/84, 21/84, 22/84 e 23/84 no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 11, 19, 21 e 22 de Maio de 1984, e também os Acórdãos n.os 49/84, 50/84 e 149/84 no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 24 e 25 de Julho de 1984 e de 5 de Março de 1985), «a competência reservada pela Constituição à AR não abrangia a definição de matéria contravencional».

Simplesmente, ao afirmar-se tal doutrina tinha-se unicamente em vista a reserva estabelecida pela alínea e) do citado artigo 167.º, relativa à «definição dos crimes, penas e medidas de segurança e processo criminal»; daí que a mesma doutrina não excluísse que, por força de outras alíneas do mesmo preceito constitucional, se devesse considerar reservada ao parlamento, apesar de tudo, a emissão de certas e determinadas normas sobre contravenções. Estavam (e, de resto, continuarão a estar) nesse caso, precisamente, as normas que estabeleciam para o ilícito contravencional penas de prisão - as quais caíam na reserva da alínea c) do artigo 167.º [agora, alínea b) do artigo 168.º].

Na verdade, traduzindo-se tais penas em restrições à liberdade física das pessoas - a primeira das liberdades constitucionalmente reconhecidas (artigo 27.º, n.º 1) - e mesmo na sua total privação, é óbvio que ao estabelecerem-se semelhantes penas se interfere no regime dessa liberdade: ora isso era indiscutivelmente matéria reservada à AR, pois que, de facto, nos termos da citada alínea c), a esta cabia em exclusivo, e salvo autorização sua ao Governo, legislar sobre «direitos, liberdades e garantias». Não pode, pois, haver dúvida de que, se a matéria contravencional não entrava, em geral, na reserva legislativa parlamentar, tal já acontecia, quando estivesse em causa a previsão de penas de prisão para esse ilícito. [No sentido indicado, de resto, já este Tribunal se havia expressamente pronunciado nos citados Acórdãos n.os 49/84, 50/84 e 120/84 (a que outros subsequentes poderiam juntar-se) - sendo que nos mais arestos por último mencionados também se não perfilhou posição diferente, não obstante a diversidade do julgamento de fundo neles proferido; e no mesmo sentido vai também a doutrina (em especial, Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, 1.º vol., 2.ª ed., 1985, pp. 425 segs.).]

Assim sendo, é indubitável que - como se concluiu no Acórdão 160/84 - a ARA, ao decretar a pena de prisão, no diploma em exame, para a condução de velocípedes com motor, sem o respectivo título de habilitação (sendo que antes a contravenção correspondente era punida por lei da República apenas com multa), invadiu a reserva de competência legislativa da AR, com violação do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), segunda parte, referido ao artigo 167.º, alínea c), da CRP (versão originária).

7 - Posto isto, desnecessário se torna averiguar ainda se a matéria versada no artigo 7.º do Decreto Regional 21/80/A se reveste de «interesse específico» na RAA (como sustenta na sua resposta a ARA), ou não, de tal modo que também a esse outro título, e em vista do disposto no citado artigo 229.º, n.º 1, alínea a), primeira parte, será inconstitucional (como este Tribunal entendeu nos Acórdãos n.os 124/86 e 228/86).

É que - consoante se acentou no Acórdão 160/86 - «onde esteja uma matéria reservada à 'competência própria dos órgãos de soberania', designadamente da AR, não há 'interesse específico para as regiões' que legitime o poder legislativo das regiões autónomas». E, por outro lado, encontrado um fundamento que necessariamente conduz à declaração de inconstitucionalidade do preceito em apreço, bem pode o Tribunal dispensar-se, por economia de meios, de considerar novos e diferentes motivos, porventura igualmente conducentes àquela declaração.

III - Decisão
8 - Nestes termos, declara-se, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º do Decreto Regional 21/80/A, na parte em que nela se estabelece a pena de prisão para a condução de velocípedes com motor sem habilitação, por violação do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), segunda parte, com referência ao artigo 167.º, alínea c), da CRP, na versão originária desta última.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 1987. - José Manuel Cardoso da Costa - Mário de Brito - Vital Moreira - José Magalhães Godinho - Raul Mateus - Antero Alves Monteiro Diniz - Messias Bento - Luís Nunes de Almeida - Martins da Fonseca - Mário Afonso - Armando Manuel Marques Guedes.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/42595.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1954-05-20 - Decreto-Lei 39672 - Ministérios do Ultramar e das Comunicações

    Aprova o novo Código da Estrada.

  • Tem documento Em vigor 1966-07-04 - Decreto 47070 - Ministérios do Ultramar e das Comunicações

    Dá nova redacção a várias disposições do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 39672 de 20 de Maio de 1954. Estabelece o regime a que ficam sujeitos os veículos com características de ciclomotores.

  • Tem documento Em vigor 1980-09-11 - Decreto Regional 21/80/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Regional

    Fixa as condições de concessão de licenças de condução de velocípedes com motor e de motocultivadores-reboques.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1988-05-12 - Acórdão 91/88 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DE TODAS AS NORMAS DO DECRETO REGIONAL NUMERO 21/80/A, DE 11 DE SETEMBRO, (CONDUCAO DE VELOCIPEDES), POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 229, NUMERO 1, A) DA CONSTITUICAO.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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