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Resolução da Assembleia da República 17/87, de 21 de Julho

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Sumário

Publicita o relatório da III Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate.

Texto do documento

Resolução da Assembleia da República n.º 17/87
Inquérito ao acidente de Camarate
A Assembleia da República, tendo apreciado o relatório apresentado pela Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate, constituída pela Resolução 1/86, de 2 de Janeiro, delibera, nos termos do artigo 6.º da Lei 43/77, de 18 de Junho:

a) Mandar publicar no Diário da República, 1.ª série, o relatório da Comissão e respectivas declarações de voto em anexo à presente resolução;

b) Dar publicidade, na maior extensão possível, aos autos da Comissão Eventual de Inquérito, cujo relatório foi apreciado pelo Plenário, bem como das que a antecederam, nos termos decorrentes das disposições legais aplicáveis, cabendo ao Presidente e aos Vice-Presidentes da Assembleia da República assegurar que sejam solicitadas aos depoentes as autorizações necessárias e realizadas as demais diligências necessárias ao público acesso aos documentos do inquérito;

c) Facultar de imediato e integralmente os autos à Procuradoria-Geral da República, para que possa examiná-los, avaliar os elementos deles constantes e proceder consoante as conclusões da apreciação que leve a cabo;

d) Recomendar que pelas entidades competentes do Governo e da Administração Pública sejam ainda adoptadas as providências necessárias e adequadas para que os elementos juntos aos autos na sequência das averiguações da Comissão possam ser examinados por peritos aeronáuticos estrangeiros, cuja intervenção foi solicitada e não pôde ser obtida pela Assembleia da República.

Aprovada em 28 de Abril de 1987.
O Presidente da Assembleia da República, Fernando Monteiro do Amaral.

RELATÓRIO DA III COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO AO ACIDENTE DE CAMARATE
(Relatório apresentado pela CI constituída pela Resolução 1/86, de 2 de Janeiro, nos termos e para os efeitos do artigo 11.º da Lei 43/77, de 18 de Junho.)

ÍNDICE
CAPÍTULO I
A III CEIAC
1 - Constituição.
2 - Composição.
3 - Tomada de posse e eleição da Mesa.
4 - Regimento.
5 - Substituições.
6 - Sigilo.
7 - Audição de depoentes.
8 - Prorrogação do prazo de vigência.
9 - Reuniões e diligências.
10 - Integração dos autos das I e II CEIACs.
CAPÍTULO II
Antecedentes
1 - A I CEIAC:
1.1 - Constituição, composição e actividades.
1.2 - Relatório final.
2 - Tomada de posição governamental.
3 - Esclarecimentos determinados pelo Ministro da Justiça.
4 - Esclarecimentos determinados pelo Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes.

5 - Constituição e actividades da II CEIAC.
6 - Organização e descrição dos volumes e processos dos autos.
CAPÍTULO III
Diligências executadas
1 - Ponderação geral.
2 - Diligências empreendidas pela II CEIAC.
3 - Diligências empreendidas pela III CEIAC.
4 - Colaboração do NTSB e de peritos britânicos.
5 - Critérios adoptados.
CAPÍTULO IV
Avaliação das diligências relativas aos vestígios encontrados na área do acidente

1 - Estudo das questões de aerodinâmica e combustão.
2 - Conclusões do estudo encomendado ao IST.
3 - Esclarecimentos complementares solicitados.
4 - Resposta complementar do IST.
5 - Discussão e avaliação do estudo do IST:
5.1 - Parecer-informação do PGR.
5.2 - Informação-parecer da PJ.
6 - Apreciação feita pela Comissão: questões gerais.
6.1 - Aclarações de pressupostos.
7 - Apreciação feita pela Comissão: conclusões:
7.1 - Quanto à quantidade de gasolina que ardeu.
7.2 - Quanto à duração do incêndio.
7.3 - Quanto à intensidade do vento.
7.4 - Quanto ao rumo do vento.
7.5 - Esclarecimentos do INMG.
7.6 - Síntese das apreciações parcelares.
7.7 - Trajectórias do voo e do rasto.
8 - Outros aspectos relevantes.
CAPÍTULO V
Avaliação das diligências relativas a aspectos médico-legais
1 - A questão dos fragmentos metálicos:
1.1 - O relatório do perito Newton sobre fragmentos.
1.2 - O relatório dos peritos Newton e Mason sobre o vestuário.
1.3 - Conclusões dos peritos.
1.4 - O relatório do Prof. Mason.
1.5 - As conclusões do LNETI.
1.6 - As dúvidas quanto à natureza dos fragmentos.
1.7 - A amostra H.
2 - Resultados da reapreciação radiológica:
2.1 - Questões colocadas.
2.2 - O parecer do Prof. Aires de Sousa: resumo.
2.3 - Conclusões.
2.4 - Apreciação do parecer.
3 - Resultado da reapreciação médico-legal.
CAPÍTULO VI
Síntese geral dos resultados das diligências
1 - Aspectos cuja aclaração foi visada:
1.1 - A notícia de actividade criminosa de um indivíduo que usa, entre outros, o nome de Lee Rodrigues.

1.2 - A inquirição de dois pilotos de um cargueiro francês DC-3.
1.3 - Actuações de serviços de informações susceptíveis de contribuírem para esclarecer certas circunstâncias do acidente de Camarate.

1.4 - As «revelações» do ex-agente Victor Pereira.
1.5 - As sequelas da Grande Reportagem.
1.6 - O destino e verdadeira natureza de peças achadas ou desaparecidas.
1.7 - «Le complot de Lisbonne».
2 - Aspectos não clarificados:
2.1 - Condições de decisão da deslocação ao Porto no Cessna 421A, YV-314P.
2.2 - Condições de preparação do voo.
2.3 - Ausência de comunicações com a torre durante o voo.
2.4 - Performance do avião.
2.5 - Disposição relativa dos corpos das vítimas.
3 - Hipóteses explicativas que implicariam revisão de anteriores conclusões:
3.1 - A questão do «incêndio a bordo».
3.2 - Exame das implicações.
3.3 - O «engenho sob o lugar do piloto».
4 - Síntese final.
CAPÍTULO VII
Conclusões
1 - Quanto às actuações governamentais.
2 - Quanto à actuação da CI da DGAC.
3 - Quanto à actuação da PJ.
4 - Conclusões gerais.
CAPÍTULO VIII
Propostas e recomendações
1 - Medidas a propor ao Plenário.
2 - Recomendações.
IDENTIFICAÇÃO DE SIGLAS
ANA, E. P. - Aeroportos e Navegação Aérea, E. P.
CEIAC - Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate.
CI - Comissão de Inquérito.
DGAC - Direcção-Geral da Aviação Civil.
IML - Instituto de Medicina Legal.
INMG - Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica.
IST - Instituto Superior Técnico.
LNETI - Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial.
LPC - Laboratório de Polícia Científica.
MAI - Ministério da Administração Interna.
MTC - Ministério dos Transportes e Comunicações.
NTSB - National Transportation Safety Board.
OGMA - Oficinas Gerais de Material Aeronáutico.
PGR - Procurador-Geral da República.
PJ - Polícia Judiciária.
RTP - Radiotelevisão Portuguesa.
SCIACV - Secção Central de Investigação de Actividades Concertadas de Violência.

Relatório da III Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate
CAPÍTULO I
A III CEIAC
1 - Constituição
Tendo sido apresentado o projecto de resolução 6-A/IV, subscrito por deputados do PSD e do PS, para constituição de uma nova comissão de inquérito parlamentar sobre a tragédia de Camarate (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 11, de 6 de Dezembro de 1985), que foi discutido e aprovado em Plenário (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 15, de 12 de Dezembro de 1985), a Assembleia da República, pela Resolução 1/86, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 16, de 20 de Dezembro de 1985, e no Diário da República, 1.ª série, n.º 1, de 2 de Janeiro de 1986, deliberou constituir a III Comissão de Inquérito Parlamentar - em cujos trabalhos participassem, querendo, representantes dos familiares das vítimas, nos termos da lei de processo e segundo o estatuto já estabelecido pela anterior comissão -, para continuar a averiguar de forma cabal as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro de 1980, em Camarate, o Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, e acompanhantes, com a seguinte composição:

Partido Social-Democrata - oito deputados;
Partido Socialista - cinco deputados;
Partido Renovador Democrático - quatro deputados;
Partido Comunista Português - três deputados;
Centro Democrático Social - dois deputados;
Movimento Democrático Português - um deputado.
2 - Composição
Pelos respectivos grupos e agrupamentos parlamentares foram indicados para integrar a CEIAC os seguintes deputados:

Mário Júlio Montalvão Machado (PSD);
José Luís Bonifácio Ramos (PSD);
João Domingos de Abreu Salgado (PSD);
Luís António Damásio Capoulas (PSD);
Cecília Pita Catarino (PSD);
Reinaldo Gomes (PSD);
Fernando Correia Afonso (PSD);
Domingos Duarte Lima (PSD);
Armando dos Santos Lopes (PS);
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida (PS);
Armando António Martins Vara (PS);
Aloísio Fernando Macedo da Fonseca (PS);
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros (PS);
José Luís Correia de Azevedo (PRD);
Jaime Coutinho Silva Ramos (PRD);
Paulo Guedes de Campos (PRD);
Francisco Barbosa da Costa (PRD);
Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP);
José Manuel Santos de Magalhães (PCP);
José Manuel de Melo Antunes Mendes (PCP);
Horácio Alves Marçal (CDS);
José Luís da Cruz Vilaça (CDS);
João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Por cartas já anteriormente dirigidas à Comissão que a esta antecedeu, os familiares das vítimas indicaram os seus representantes, tendo ficado assim constituída tal representação:

Representantes de António Jorge Nuno de Sousa:
João Pedro Manso Xavier de Brito;
José Miguel Alarcão Júdice;
Representantes de Maria Manuela Bernardo Albuquerque:
Augusto José de Matos Sobral Cid;
Jorge Francisco Godinho Saldanha;
Representantes de Maria Manuela Pires Amaro da Costa:
Norberto António Gomes de Andrade;
Maria Manuela da Silva C. S. V. da Silva Pires;
Representantes de Snu Abecassis:
Nuno Rogeiro;
Lino António Gouveia de Albuquerque;
Representantes de Maria Margarida A. Lacerda Gouveia:
Carlos Matos Chaves de Macedo;
Daniel Proença de Carvalho;
Representantes de Manuel Rafael Amaro da Costa:
Alexandre Martins Moniz Bettencourt;
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro;
Representantes de Francisco Sá Carneiro:
Ricardo Sá Caneiro;
Francisco Sá Carneiro.
3 - Tomada de posse e eleição da Mesa
Aos 22 de Janeiro de 1986 foi por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República conferida posse à Comissão, conforme consta do respectivo livro de registo de posse, tendo a mesma reunido a 30 de Janeiro de 1986 para eleição da Mesa, que passou a ter a seguinte constituição:

Presidente - Mário Júlio Montalvão Machado (PSD);
Vice-presidentes:
Armando dos Santos Lopes (PS);
Horácio Alves Marçal (CDS);
Secretários:
José Luís Correia de Azevedo (PRD);
Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP).
4 - Regimento
Iniciados os trabalhos, a Comissão aprovou o seu regimento, conforme publicação inserta no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 30, de 7 de Fevereiro de 1986.

5 - Substituições
No decurso dos trabalhos verificaram-se as seguintes substituições de deputados:

José Luís da Cruz Vilaça (CDS) por Henrique José Cardoso de Menezes Pereira de Moraes (CDS), em 4 de Fevereiro de 1986;

José Manuel de Melo Antunes Mendes (PCP) por António da Silva Mota (PCP), em 28 de Outubro de 1986;

Reinaldo Gomes (PSD) por Dinah Ferrão Alhandra (PSD), em 4 de Fevereiro de 1986;

Domingos Duarte Lima (PSD) por Carlos Pinto (PSD), em 12 de Maio de 1986;
Luís António Damásio Capoulas (PSD) por Álvaro Marques Barros de Figueiredo (PSD), em 12 de Maio de 1986;

Carlos Pinto (PSD) por Francisco Antunes da Silva (PSD), em 10 de Dezembro de 1986.

Quanto aos representantes dos familiares das vítimas, verificaram-se também as seguintes substituições:

Lino António Gouveia de Albuquerque por José Manuel Duarte Figueiredo, em 11 de Novembro de 1986;

Daniel Proença de Carvalho por Alexandre Patrício Gouveia, em algumas sessões.
6 - Sigilo
No início dos trabalhos foram devidamente ajuramentados todos os membros da Comissão, os representantes dos familiares das vítimas e, bem assim, todos os funcionários da Assembleia da República que, por qualquer forma, iam prestar a sua colaboração, no sentido de guardarem absoluto sigilo sobre tudo quanto ocorresse no decurso dos trabalhos.

7 - Audição de depoentes
A Comissão, por proposta de qualquer dos seus membros, procedeu à audição de depoentes - mesmo de alguns que já haviam prestado testemunhos constantes dos autos, para que estes confirmassem ou infirmassem o seu teor - e também ouviu todas as pessoas e entidades que, por iniciativa própria, se lhe dirigiram com o intuito de trazerem ao conhecimento da Comissão factos ou opiniões relacionados com os acontecimentos de Camarate.

8 - Prorrogação do prazo de vigência
O prazo que inicialmente foi concedido à Comissão para conclusão dos seus trabalhos foi prorrogado por mais 180 dias (Diário da Assembleia da República, n.º 91, de 8 de Janeiro de 1986).

9 - Reuniões e diligências
A Comissão realizou 53 reuniões, inquiriu 54 depoentes, muitos dos quais mais de uma vez, e procedeu a acareações sempre que se justificaram.

Procedeu ainda à recolha, estudo e tratamento de abundante documentação, tendo realizado também diligências externas, visitando o local do acidente, a torre de controle e os terrenos do Aeroporto, examinando os destroços do avião e um avião semelhante ao sinistrado, tendo até procedido, na altura, à gravação da troca de impressões então verificada entre os membros da Comissão e os técnicos que os acompanharam. A Comissão não procedeu a qualquer reconstituição do voo fatídico; todavia, tomou conhecimento de que foi realizado, a título particular, um voo de reconhecimento ao local do acidente, com um Cessna-421A propriedade da RAR, em que tomaram parte os seguintes Srs. Deputados:

Cecília Pita Catarino (PSD);
Dinah Ferrão Alhandra (PSD);
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros (PS);
José Luís Ramos (PSD).
10 - Integração dos autos das I e II CEIAC
Deliberou a Comissão tomar conhecimento de todos os elementos deixados pelas anteriores comissões - utilizando-os como se seus fossem, já que esta Comissão representava como que a continuação dos trabalhos das anteriores -, tendo estabelecido o prazo de 30 dias para que a Comissão se inteirasse de todo o processo.

CAPÍTULO II
Antecedentes
1 - A I CEIAC
A III CEIAC prosseguiu e aprofundou os trabalhos das que por duas vezes foram constituídas por deliberação do Plenário da Assembleia da República.

1.1 - Constituição, composição e actividades
A I Comissão foi constituída a requerimento de mais de 50 deputados do PSD, do CDS e do PPM (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 12, de 12 de Novembro de 1982), nos termos do n.º 4 do artigo 181.º da Constituição da República e ao abrigo do disposto no artigo 218.º e na alínea c) do artigo 219.º do Regimento da Assembleia da República então vigente.

O referido requerimento foi justificado e apresentado a Plenário, tendo sido aprovado (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 21, de 2 de Dezembro de 1982).

A Assembleia da República, pela Resolução 214/82, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 27, de 14 de Dezembro de 1982, indica a composição da referida Comissão, que vem a ser publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 287, de 14 de Dezembro de 1982.

A Comissão tomou posse em 14 de Dezembro de 1982.
Em 8 de Fevereiro de 1983 - por deliberação da Comissão Permanente, em virtude de ter sido dissolvida a Assembleia da República - foi decidido que a Comissão permanceria em funções, a fim de poder ultimar os seus trabalhos e apresentar o competente relatório.

Em 10 de Março de 1983, também por deliberação da referida Comissão Permanente, foi decidido prorrogar o mandato da Comissão até ao dia 23 de Abril de 1983.

1.2 - Relatório final
Em 22 de Abril de 1983, a Comissão apresentou o seu relatório final (publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 60, de 28 de Abril de 1983), cujo conteúdo era, no fundamental, o constante dos respectivos capítulos II, III e IV, do seguinte teor:

CAPÍTULO II
1 - Pelo Despacho 11/D9/80, de 4 de Dezembro de 1980, da DGAC, seguindo orientações do Governo e atentas as circunstâncias especiais do acidente, envolvendo altas personalidades, foi criada, no âmbito do MTC, a Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate, cuja constituição consta a fl. 2923 dos autos (relatório produzido em 25 de Março de 1981).

O âmbito desse referido inquérito foi delimitado e definido pelo artigo 26.º da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, recolhida no direito interno pelo Decreto-Lei 36158, de 17 de Fevereiro de 1947, e alterada pelos Decretos-Leis n.os 40200, de 24 de Junho de 1955, 40201, da mesma data, 44257, de 31 de Março de 1962, 44920, de 18 de Março de 1963, e 221, de 26 de Maio de 1971.

O objectivo do inquérito foi definido de acordo com o anexo 13 à Convenção (5.ª ed., Março de 1979), no seu capítulo 3, parágrafo 3.1 («Objectivo do inquérito»), e é pormenorizado no Manual de Investigação de Acidentes com Aeronaves (doc. n.º 6920 - AN/855/4, da ICAO, 4.ª ed., 1970, actualizado em 18 de Junho de 1978), capítulo I, que se transcreve:

O inquérito a um acidente ou a um incidente tem por objectivo fundamental a prevenção de acidentes ou de incidentes futuros. Esta actividade não visa nunca a determinação de culpas ou responsabilidades.

A fl. 3006 do relatório consta a indicação da causa provável do acidente:
[...] perda da potência de propulsão do motor esquerdo, devido a um esgotamento inesperado do combustível dos depósitos da asa do mesmo lado na fase crítica de subida após a descolagem, com consequente perda de velocidade, agravada pelos efeitos de resistência aerodinâmica produzidos cumulativamente pela rotação passiva da hélice do mesmo lado, pela incompleta recolha dos flaps e pela desfavorável distribuição de pesos [...], o acidente poderia ter sido evitado se tivessem sido cumpridos os procedimentos correntes da preparação do voo, da inspecção da aeronave antes do voo, da lista de verificações antes da descolagem [...] ou eventualmente diminuídas as suas consequências se houvesse sido utilizado todo o comprimento disponível da pista para a manobra de descolagem.

Foram factores contribuintes a tensão psíquica vivida pelo piloto, a precipitação da partida para o voo e a fadiga física - causas prováveis que constam igualmente referidas a fl. 3007.

2 - Por despacho de 5 de Dezembro de 1980 da Directoria de Lisboa da Polícia Judiciária foi instaurado inquérito preliminar.

Em 4 de Outubro de 1981, a PJ levou os autos conclusos (fl. 1262), apresentando o relatório de que se reproduzem as conclusões:

A Polícia Judiciária não detectou circunstâncias ou factos que permitam invalidar as conclusões essenciais da Comissão de Inquérito da Direcção-Geral da Aviação Civil sobre o tempo, modo, lugar e causas da queda do avião Cessna YV-314P, da qual resultou, como consequência necessária, a morte do Primeiro-Ministro, Dr. Sá Carneiro, do Ministro da Defesa Nacional, engenheiro Amaro da Costa, e dos restantes ocupantes do aparelho.

Todavia, da indagação feita não se obteve a confirmação de que tivesse sido subtraído ou, por outro modo, tivesse desaparecido combustível do avião nas condições admitidas por aquela Comissão.

Até ao momento, exploradas todas as suspeitas levantadas, não foram recolhidos indícios que fundamentem minimamente a existência de qualquer intervenção criminosa punível.

Pelo exposto, entende-se que, por mera cautela, os autos deverão ficar a aguardar a produção de melhor prova.

Em 12 de Outubro de 1981, o procurador-geral da República lavrou despacho conforme teor que se transcreve:

Em período de natural exacerbação política, pois que decorria campanha para eleições presidenciais, o feito de que os autos tratam importou a morte do Primeiro-Ministro, do Ministro da Defesa e dos seus acompanhantes.

Natural é, portanto, o clima emocional e de inquietação social que se lhe seguiu, compreensível é igualmente que geral e vincadamente se deseje um completo esclarecimento de responsabilidades e ainda que em boa parte dos cidadãos se mantenha uma atitude de severa reserva perante as explicações da ocorrência que não correspondam a imaginadas e logo acreditadas maquinações de vingança pessoal ou de terror político.

Tive, assim, por devido reclamar da Polícia Judiciária que a remessa do processo ao Ministério Público, concluído o inquérito, fosse feita por meu intermédio. O objectivo último é o de me permitir desde logo uma análise completa e ponderada do caso e a prolação das providências de serviço tidas como necessárias.

O exame do processo foi atentamente feito e desde logo permitiu concluir pela existência de sólidos e abundantes indícios de culpa contra os elementos da tripulação do avião sinistrado, nomeadamente contra o piloto Jorge Manuel Moutinho de Albuquerque. Pelo menos este seria seguramente objecto de acusação por homicídio cometido por negligência se a sua responsabilidade criminal não tivesse ficado extinta com o seu próprio decesso.

Com efeito, o piloto Albuquerque, que conhecia bem o estado do aparelho, sabia seguramente que:

a) O depósito de combustível do fuso do motor direito (wing locker) não estava operativo, havendo mesmo sido retirada a bomba eléctrica de trasfega para os depósitos principais;

b) Um dos indicadores de combustível de outro depósito não dava indicações seguras;

c) O motor do lado esquerdo perdia («babava») óleo;
d) Havia dificuldades e interrupções nas transmissões;
e) Um alternador do lado direito suscitava dúvidas de funcionamento;
f) Algo mais não estava bem na mecânica do avião, denunciado nas viagens realizadas nos dias anteriores por dificuldades em fazer funcionar os motores, com sacrifício das bateriais próprias e necessidade de recurso a meio externos, e até pela paragem momentânea do motor esquerdo, já uma vez verificada em voo.

Além disso:
1.º Não cumpriu minimamente os deveres regulamentares a observar antes de cada voo, nomeadamente quanto à verificação do combustível disponível;

2.º Falseou a indicação no plano de voo quanto ao combustível de que dispunha, por menção de quantidade superior à que, por mero cálculo, supôs existir no aparelho;

3.º Levantou voo sem suficiente aquecimento pelo menos do motor esquerdo e terá prosseguido apesar das falhas (ratés) do mesmo motor;

4.º Não utilizou toda a extensão de pista disponível, mas apenas cerca de metade;

5.º Denunciou grande nervosismo, exemplificado na movimentação do aparelho com o gerador TAP, que solicitara, ainda ligado.

Tudo isto como que confirma a bondade da reserva formulada pelos técnicos da TAP à admissão do piloto Albuquerque nos serviços da companhia: «inaceitável para piloto de linhas aéreas, por não estar dentro do perfil desejado e ter flutuações de rendimento».

A violação dos deveres gerais e especiais de diligências imputável ao piloto Albuquerque afigura-se suficientemente relevante para explicar o acidente e, portanto, para constituir a sua causa.

Acresce que o concurso de eventuais actos de sabotagem ou de ataque directo exigiriam curialmente preparação adequada, que se não compadece, em termos de probabilidade, com a circunstância primordial de a utilização do aparelho sinistrado para transporte do Primeiro-Ministro, do Ministro da Defesa e das demais individualidades ter apenas sido aceite cerca das 12 horas e 20 minutos do próprio dia do sinistro, ter sido comunicada depois das 16 horas e, ao que parece, não ter ultrapassado o conhecimento de um número restrito e insuspeito de pessoas.

Importa, porém, excepcionar o caso de ter havido furto de gasolina do aparelho sinistrado, que podia ter sido, se existiu, cometido com o propósito de sabotar o voo - sendo embora certo que o meio seria relativamente inidóneo para alcançar o resultado, pela circunstância de ser exigível do piloto a verificação dos níveis de carburante e não ser de supor a omissão dessa verificação - ou cometido apenas com o propósito de apropriação fraudulenta.

Ainda que, pelo que ficou sumariamente expresso, se antolhe que o sinistro ocorrido é explicável pela conjunção das deficiências mecânicas do avião utilizado com a violação dos deveres essenciais de diligência por parte do seu piloto, é imperioso reconhecer que outras causas, nomeadamente intencionais ou criminosas, podem ter ocorrido. Ou, mais rigorosamente: que a explicação do acidente, colhida da prova indiciária alcançada, não é tão concludente que, em termos absolutos, permita excluir o concurso de outras acções causais.

Merece destaque a dúvida primordial esmaltada no processo, e que é a de saber se terá ou não havido furto de gasolina do avião sinistrado enquanto esteve, apenas algumas horas, estacionado no Aeroporto da Portela. O relatório da Comissão de Inquérito admite que tenha ocorrido esse furto e propende mesmo a aceitar que ocorreu, enquanto a Polícia Judiciária propende a excluí-lo.

De considerar ainda, sem prejuízo da boa impressão de qualidade e de isenção colhida dos pareceres periciais, a hipótese de se efectuar outra peritagem, de alto nível técnico, e finalmente a insistência com que em alguns jornais se refere que haverá quem detenha elementos ou conhecimentos pertinentes e úteis, numa iniludível denúncia de intranquilidade de estratos sociais importantes quanto ao mérito da investigação feita.

É a própria Polícia Judiciária, aliás, que prudentemente propõe que o processo aguarde produção de melhor prova, em lugar de um arquivamento que constituiria a alternativa adequada para a demonstração inequívoca que tivesse sido feita de que não houve crime ou de, a ter havido crime, que está extinta a responsabilidade criminal.

A especificidade do caso aconselha, a meu ver, o prosseguimento de esforços investigatórios, agora sob a modalidade de inquérito público.

Pretende-se, em suma, solicitar a qualquer pessoa que detenha elementos ou conhecimentos úteis sobre o caso investigado que os forneça ou indique, que colabore directa e espontaneamente no inquérito policial.

Mas este esforço e este objectivo exigem empenhamento colectivo e, portanto, tipos de divulgação e de motivação pública que transcendem as possibilidades do Ministério Público, assim como da própria Polícia Judiciária. E, se vier a reconhecer-se a necessidade ou mera conveniência de uma peritagem de alta especialização, que seja impossível de alcançar no País, igualmente transcendidas ficam as possibilidades do Ministério Público ou da Polícia Judiciária.

Importa, assim, propor a colaboração activa do Governo.
Nestes termos, determino que a Polícia Judiciária abra ou admita uma nova fase de inquérito preliminar, que designei de «inquérito público», analisando e explorando devidamente os elementos probatórios e informativos que lhe forem levados, facultando-os, em suma, à colaboração oficiosa e directa ao público.

E, como considero que o esforço de divulgação e de motivação pública necessário carece de colaboração do Governo, dar-lhe-ei conhecimento deste despacho por intermédio da S. Ex.ª o Ministro da Justiça.

Devolva-se o processo, contra protocolo.
A Comissão não pode deixar de chamar a atenção para a tipicidade processual encontrada na figura do assim denominado «inquérito público», o que indicia desde logo uma constatação, por parte do PGR, das insuficiências investigatórias detectadas na actividade da PJ.

No âmbito do assim denominado «inquérito público» decorreram múltiplas diligências investigatórias sob tutela da PJ e do PGR, designadamente:

1) A peritagem levada a efeito por uma equipa do NTSB;
2) A realização da exumação dos corpos dos pilotos para exame, requerida a instância das respectivas famílias;

3) A peritagem levada a efeito por dois técnicos britânicos contratados pela RTP, com o objectivo específico e delimitado de investigar se a bordo do avião sinistrado teria ocorrido ou não uma deflagração motivada por engenho explosivo.

3 - As fotocópias dos autos de inquérito preliminar foram remetidas a esta Comissão em 24 de Janeiro de 1983.

Não foi possível a esta Comissão determinar em que data foram os autos de inquérito preliminar, agora denominados de «inquérito público», novamente conclusos ao PGR, que emitiu despacho de arquivamento dos autos a aguardar melhor prova em data que igualmente a Comissão não pode apurar e de teor a que unicamente chegou ao conhecimento pela imprensa.

Não pode a Comissão deixar de lamentar que a decisão da Procuradoria-Geral da República tenha ocorrido num momento em que decorriam os trabalhos deste inquérito parlamentar e sem que essa decisão tenha sido do seu conhecimento.

Tal circunstancialismo põe em causa a colaboração institucional solidária, que deve constituir base fundamental da organização do Estado democrático, sobretudo atento o facto de esta Comissão sempre ter evidenciado um escrupuloso respeito pelo segredo de justiça e a sua total disponibilidade em colaborar com as demais entidades públicas relacionadas, a diverso título, com a investigação acerca do caso de Camarate.

CAPÍTULO III
1 - A ocorrência do sinistro e sua localização:
1.1 - Cerca das 20 horas e 14 minutos do dia 4 de Dezembro de 1980, com partida da placa de estacionamento Delta do Aeroporto da Portela, iniciava-se o voo particular de um avião bimotor Cessna-421A, matrícula YV-314P, com destino ao Aeroporto de Pedras Rubras, transportando dois pilotos e cinco passageiros, entre os quais o Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, e o Ministro da Defesa, engenheiro Adelino Amaro da Costa.

Pouco tempo depois, o avião despenhava-se no Bairro das Fontainhas, em Camarate, num local situado a cerca de 500 m do fim da pista percorrida pela aeronave à descolagem (fl. 2946).

1.2 - O incêndio que consumiu o avião atingiu algumas viaturas e parte de edifícios vizinhos e foi rápida e eficazmente atacado, poucos minutos depois, pelos serviços próprios do Aeroporto de Lisboa. Nas operações de rescaldo participaram igualmente outras corporações que entretanto chegaram ao local, tendo os incêndios sido dados por extintos cerca de vinte minutos depois (fls. 1046, 1047, 3179 e 3180).

1.3 - Todos os ocupantes do avião foram encontrados mortos por entre os restos carbonizados do avião.

1.4 - A remoção inicial quer dos corpos das vítimas quer dos destroços não obedeceu a qualquer método ou orientação superior (fl. 2970).

2 - Reconstituição do acidente:
2.1 - Entre as 22 horas e 30 minutos e as 23 horas começaram a chegar ao local técnicos da DGAC e elementos da PJ, posteriormente afectos às investigações (fls. 128 e 2966).

2.2 - A situação caótica encontrada ficou bem descrita a fl. 2959, quer quanto aos destroços, quer quanto à situação das vítimas:

[...] A guarda montada aos destroços (GNR e PSP) foi iludida pela intervenção de pessoas não autorizadas, que conseguiram assim acesso aos mesmos. O rigor das observações e exames periciais levados a cabo pela CI foi, em consequência, inevitavelmente prejudicado.

2.3 - Só cerca das 3 horas da madrugada do dia 5 foi possível às autoridades conseguir um mínimo de controle da situação. Um cidadão (fl. 219) fez, onze dias depois, a entrega de uma peça do equipamento do avião que tinha recolhido para «recordação» durante o dia 5. Só alguns dias depois os destroços foram removidos para outro local.

2.4 - Elementos da CI, na noite do sinistro, só conseguiram ter acesso a parte da asa esquerda do avião, deixada por este no sótão de uma habitação ainda antes dos embates finais (fl. 2966).

Os elementos da PJ só iniciaram cabalmente os seus trabalhos a partir das 7 horas e 30 minutos da manhã do dia 5 (fl. 409).

2.5 - Através da descrição de três testemunhas oculares (fls. 3279, 3283 e 3280), a CI da DGAC estima que o trajecto mais provável do avião foi o que seguidamente se resume: este teria descolado, atingido uma altura máxima entre 40 m e 50 m, teria em seguida estabilizado em voo horizontal, entre 100 m e 200 m, no momento em que o motor esquerdo teria começado a falhar, iniciando uma trajectória descendente e em pranchamento ligeiramente sobre a esquerda, cortando primeiramente a linha de iluminação pública da estrada de acesso ao Bairro de São Francisco, e cerca de 100 m mais à frente teria embatido em vários obstáculos, até se despenhar numa rua do Bairro das Fontainhas, em Camarate, tendo a maior parte dos destroços (fuselagem, motor e asa direita e parte da cauda) ficado numa rua desse Bairro, junto às Vivendas Zeca e Fatinha.

Ao todo, o voo teria totalizado uma distância de cerca de 1700 m, com uma duração de 38 segundos. O local do acidente situa-se cerca de 18 m acima do nível da pista utilizada (v. gráfico a fls. 3017 e 3119).

2.6 - Com o concurso do LPC, LNETI, OGMA, testemunhas e pesquisas no terreno, a CI da DGAC apresenta o seu relatório em Março de 1981:

[...] a causa provável do acidente foi a perda da potência de propulsão do motor esquerdo, devida ao esgotamento inesperado do combustível nos depósitos do mesmo lado na fase crítica de subida após a descolagem, com a consequente perda de velocidade, agravada [...], cumulativamente, pela rotação passiva da hélice do mesmo lado, pela incompleta recolha dos flaps e pela desfavorável distribuição de pesos. [Fl. 2935.]

2.7 - Considera ainda a CI da DGAC:
[...] o acidente poderia ter sido evitado se tivessem sido cumpridos os procedimentos correntes da preparação do voo, da inspecção da aeronave antes do voo, da lista de verificações antes da descolagem e tomadas as decisões coerentes com o estado de funcionamento de sistemas e componentes do avião, em obediência às instruções e recomendações contidas no manual de operação do avião. O acidente poderia ainda ter sido evitado ou eventualmente diminuídas as suas consequências se houvesse sido utilizado todo o comprimento disponível da pista para a manobra de descolagem. Foram factores contribuintes a tensão psíquica vivida pelo piloto, a precipitação da partida para o voo e a fadiga física. [Fls. 2935 e 2936.]

2.8 - Quanto a eventual acto de sabotagem, embora não encontrando indícios para tal, quer nas suas próprias investigações, quer pelas informações da PJ, a CI da DGAC, no seu relatório, considera, porém, que «[...] só uma investigação mais profunda (fora do âmbito desta Comissão) poderá concluir da sua praticabilidade» (fl. 3200).

2.9 - Em aberto deixa o relatório da CI da DGAC a questão da não existência de combustível no depósito da asa esquerda, que teria originado a mencionada quebra do motor desse lado: «[...] A Comissão não pode excluir a eventualidade do desaparecimento de combustível.» (Fl. 3001.)

2.10 - A controvérsia gerada em termos de opinião pública em relação às causas do sinistro estão historiadas no volume D e conduziram a novas investigações técnicas, entre as quais se salienta a realizada pelo NTSB, cujo relatório, elaborado a pedido do Governo, foi presente ao PGR em 28 de Junho de 1982 (fl. 1983).

Este relatório leve por base elementos dos relatórios da DGAC, bem como a análise dos destroços do avião ainda existentes e de peças já desmontadas de componentes de equipamentos recuperados e analisados anteriormente.

A RTP realizou igualmente uma investigação particular sobre se teria existido ou não um rebentamento por explosivo a bordo, tendo-se, para o efeito, deslocado a Portugal dois especialistas ingleses (fls. 2407 e segs., 2412 e segs., 2597 e segs. e 2607 e segs.).

3 - Questões relacionadas com a reconstituição do sinistro:
A análise feita por esta Comissão, quer dos relatórios em anexo, quer da investigação a que procedeu por iniciativa própria, evidencia algumas divergências, lacunas e contradições que se considera deverem ser apontadas.

3.1 - A CI da DGAC, quanto à ausência de combustível, considera pouco provável que o piloto tivesse aterrado na madrugada do próprio dia 4 com tão pouco combustível numa asa, já que isso provocaria um certo desequilíbrio na aterragem, o que dificilmente teria passado despercebido quer aos pilotos quer aos passageiros.

Acresce que essa ausência de combustível teria resultado de uma gestão de combustível dos vários depósitos em voos anteriores muito pouco usual (fls. 2980 e segs.).

Para o NTSB (fl. 2003), mais relevante do que descobrir as razões dessa inexistência de combustível é o facto de o piloto não ter procedido à inspecção prévia dos tanques.

3.2 - Para a explicação da trajectória do avião a partir da falha do motor esquerdo:

3.2.1 - (Fls. 2995 e segs., depoimentos n.os 10, 22, 23 e 24.) A CI da DGAC considera que o piloto teria utilizado flaps à descolagem, o que mais teria agravado a perca de velocidade do avião.

O NTSB admite a hipótese de a descolagem ter sido normal e os flaps terem apenas sido utilizados já na fase final do voo (fl. 2005);

3.2.2. - O piloto, nos pressupostos e circunstâncias admitidos, teria até procedido correctamente, procurando evitar o acidente, ao optar pela alimentação do motor esquerdo com recurso à selecção de combustível a partir do depósito principal da asa direita. Esta última operação teria sido, porém, mal executada.

Para o NTSB (fl. 2005) admite-se que o acidente tivesse sido evitado caso o piloto, nos primeiros três a sete segundos após a falha do motor, o tivesse colocado «em bandeira», ou seja, sem a hélice oferecer resistência ao avanço do avião;

3.2.3 - Para outros depoentes (n.os 4 e 7, fl. 685) poderia ter ocorrido no momento do voo correspondente à falha do motor esquerdo o accionamento de um dispositivo de sabotagem, pelo que a fase final do voo se teria processado, pelo menos, já com o piloto em estado de inconsciência.

3.3 - Quanto às questões levantadas pela CI da DGAC e apresentadas no n.º 2.7, o NTSB considera que não é indicativo de um piloto preocupado e nervoso ou um «acto inseguro» o facto de o piloto requisitar à torre de controle uma «descolagem imediata» (fl. 2003). Consideram ainda que teria sido possível ao piloto dispor de tempo suficiente para efectuar o checklist e verificação de magnetos antes da descolagem e que pela evidência física dos destroços existentes se prova que ambos os motores e seus acessórios, bem como outras partes vitais do avião, teriam podido operar normalmente até ao momento do impacte (fls. 2003 e segs.).

3.4 - Analisados os depoimentos das testemunhas constantes nos autos dos relatórios oficiais, bem como as declarações prestadas a esta Comissão, consideram-se pouco claros os seguintes aspectos da reconstituição oficial do acidente:

3.4.1 - Se o piloto terá feito ou não uma visita prévia de inspecção ao avião antes da partida final;

3.4.2 - Se existia ou não qualquer foco de incêndio na aeronave, antes ou depois de ter cortado os fios eléctricos na estrada de acesso ao Bairro de São Francisco, antes ou depois de ter embatido na Vivenda Paulos, ou antes do último embate, registado na Vivenda Zeca, em função de depoimentos contraditórios constantes a fls. 84, 170, 179, 192, 231, 338, 346, 349, 352, 354, 357, 358, 359, 362, 363, 365, 366, 367, 370, 372, 373, 374, 376, 378, 380, 387, 3233, 3266, 3280, 3284, 3285, 3286, 3287, 3288, 3290, 3294, 3296, 3297 e 3300;

3.4.3 - A disposição final das diversas partes do avião durante o incêndio e a ele sujeitas;

3.4.4 - A probabilidade apontada pela CI da DGAC para a não existência de energia a bordo durante a emergência;

3.4.5 - A situação de durante, pelo menos, os últimos quinze segundos do voo os pilotos não terem posto a hélice em «passo de bandeira», contrariamente às indicações do manual de voo e independentemente da colocação da selectora de combustível do motor esquerdo em off, por eventual erro de pilotagem, aliás não corrigido durante igual período de tempo.

3.5 - Constata-se que a aeronave não estaria nas melhores condições de segurança para operar em transporte de passageiros, nomeadamente em virtude de:

a) Fuga de óleo no motor esquerdo;
b) Deficiências no sistema de transmissões;
c) Deficiências em pelo menos um indicador da quantidade de combustível, aliado ao facto de não ser conhecido com exactidão o consumo real dos motores;

d) Dúvidas quanto ao funcionamento do alternador direito;
e) Dificuldades no arranque dos motores.
4 - Questões relacionadas com a actuação da PJ:
4.1 - Em matéria de investigação criminal conduzida pela PJ pode registar-se o levantamento das seguintes notícias de actividade criminosa:

Caso a fl. 178 - em 10 de Dezembro de 1980;
Caso a fl. 329 - sem data;
Caso a fl. 431 - em 9 de Janeiro de 1981;
Caso a fl. 470 - em 15 de Dezembro de 1981;
Caso a fl. 516 - em 9 de Fevereiro de 1981;
Caso a fl. 520 - em 9 de Fevereiro de 1981;
Caso a fl. 623 - em 9 de Fevereiro de 1981;
Nas situações referenciadas a fls. 178, 329, 470, 516, 520 e 623, a PJ actuou de imediato, quer pela celeridade, quer pela forma exaustiva como as diligências foram conduzidas.

No tocante às situações a fl. 431, constata a Comissão o seguinte:
Por comunicação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (fl. 433) recebia-se a informação de que um suspeito (referenciado a fl. 431) tinha sido preso num aeroporto estrangeiro, à chegada de Lisboa, poucos dias após o sinistro, tendo a referida polícia estrangeira informado que o indivíduo em questão evidenciava notória perigosidade, antecedentes criminais e que poderia, de alguma forma, estar relacionado com a ocorrência de Camarate.

Nos registos criminais da PJ nada constava acerca de tal indivíduo; simultaneamente recebeu a PJ a informação da mesma polícia estrangeira de que em Lisboa residiam eventuais familiares.

Constata-se que só cinco meses após esta indicação a PJ pediu à INTERPOL informações acerca deste assunto (fls. 869 e 870). A fl. 1123 consta ter a INTERPOL informado que o suspeito deveria ser julgado no estrangeiro por outro crime. A fl. 1129 consta o auto de inquirição do eventual familiar em Lisboa, em 30 de Julho de 1981, isto é, seis meses após a primeira informação.

Dos autos consta ainda a informação de que o referido indivíduo fora julgado e condenado no estrangeiro e consta igualmente, a fl. 1165, que só em 3 de Agosto de 1981 foi efectuada incipiente diligência investigatória no Aeroporto de Lisboa referente ao indivíduo.

Ora, existia documentação (fl. 1173) na posse das autoridades portuguesas desde o dia 12 de Dezembro de 1980 que referenciava a presença do suspeito, com disfarce e identidade falsa, na área de circulação restrita do Aeroporto de Lisboa.

Nesta última diligência externa (fl. 1165), a PJ omite a referência à data de entrada clandestina em Portugal do referido suspeito, pelo Aeroporto de Lisboa, bem como o número do voo de chegada e do bilhete da TAP, fraudulentamente obtido no estrangeiro, em 3 de Dezembro de 1980 (fl. 2686).

Ora, já em 15 de Dezembro de 1980 (fl. 1171) a PJ tinha conhecimento de que o referido suspeito havia entrado clandestinamente em Portugal em 3 de Dezembro de 1980 e saído clandestinamente do País pelo Aeroporto de Lisboa, em 10 de Dezembro de 1980. A PJ, apesar de saber que o referido suspeito fora julgado e condenado, apesar de ter sido informada de que o mesmo cumpria pena no estrangeiro e que iria ser deportado em 18 de Outubro de 1981 (fl. 2632), encerrou o inquérito preliminar em 23 de Setembro de 1981, sem que dos autos conste qualquer diligência investigatória conduzida no estrangeiro durante o período de detenção do referido suspeito.

O relatório da polícia estrangeira recebido em 6 de Outubro de 1981 (fls. 2682 e segs.), para além de todas as conclusões e antecedentes criminais, contém (fl. 2684) o seguinte comentário:

Não obstante as extensas investigações a que se procedeu quanto às suas actividades criminosas, é provável que jamais se venha a saber o alcance de todas as suas actividades.

Ora, apesar de um elemento da SCIACV ligado à investigação de Camarate ter recebido em 3 de Outubro de 1981 (fl. 2632) toda esta documentação, vai receber o referido suspeito ao Aeroporto em 18 de Outubro de 1981 (fls. 2629 e 2653), procedendo a uma simples investigação sumária, sendo afinal remetida para a 8.ª Secção da PJ a investigação criminal acerca do referido suspeito, sem averiguação exaustiva, quer sobre a forma de entrada em Portugal do referido indivíduo, quer dos seus movimentos entre o dia 3 de Dezembro de 1980, quer da ausência de investigações posteriores no Aeroporto de Lisboa.

Ora (a fl. 2723), em 10 de Novembro de 1981, o perfil criminal do indivíduo em causa ainda suscita o seguinte comentário por parte de um agente da 8.ª Secção não relacionado com a SCIACV:

Quanto à personalidade do arguido [...] trata-se de indivíduo de larga experiência, muito viajado, a quem dificilmente será possível obter a confissão seja do que for, se para tal não se dispuser de elementos de prova bastantes. O seu conhecimento do meio criminal, da lei e da gravidade da acusação que lhe é feita leva-o a um estado de descontracção e indiferença pelos actos processuais, chegando a fazer projectos e a emitir pareceres quanto ao tempo provável da sua detenção.

Por declarações prestadas a esta Comissão por um elemento da PJ (depoente n.º 5) foi afirmado desconhecer-se com rigor qual a verdadeira identidade do referido indivíduo, identificado inicialmente a fl. 431, afirmando-se igualmente desconhecer a PJ as conexões criminais do mesmo com o tráfego clandestino de armamento, condenações anteriores por tráfego de droga no estrangeiro, ser referenciado como mecânico de aeronaves, ter conhecimentos sobre sistemas hidráulicos de aeronaves e ser portador de documentação de identificação falsa (21 falsas identidades) sofisticadamente falsificada.

A afirmação deste depoente n.º 5, manifestamente, não pode acolher-se como fidedigna, porquanto dos autos constaram suficientes indicações referentes à perigosidade do mesmo.

Para este depoente n.º 5, o referido indivíduo tratar-se-ia de um simples burlão.

Ora, o referido indivíduo é posteriormente pronunciado como autor material de crime previsto e punido no artigo 226.º do Código Penal e ainda de crime previsto e punido nos artigos 216.º, n.º 1, e 222.º do mesmo diploma, com a agravante 34.ª do artigo 34.º do mesmo Código (fl. 2882), em processo instruído por prova incriminatória e onde constam documentos (fls. 2700 e segs.) que deveriam ter sido exaustivamente investigados e posteriormente poderiam conduzir ou à ilibação do suspeito ou a eventuais novas pistas de actividade criminosa.

Por outro lado, não pode deixar de se considerar existir irregularidade processual detectada e até reconhecida em declarações, a fl. 431, do depoente n.º 5, que consistiu na junção aos autos somente em 20 de Janeiro de 1983 do «expediente» referente ao suspeito referido a fl. 431, quando deveria essa tramitação estar inserida no desenvolvimento cronológico do processo de investigação.

De realçar que as fotocópias do processo de inquérito preliminar da PJ foram requisitadas por esta Comissão em 17 de Dezembro de 1982 e foram recebidas pela Comissão em 24 de Janeiro de 1983. Porém, só em 20 de Janeiro último foram inquiridos eventuais familiares do referido suspeito.

4.2 - Cumpre finalmente chamar a atenção para o facto de subsistirem dúvidas sobre a questão de ter sido ou não realizada análise laboratorial (fls. 390 e 393) pelo menos a um dos vestígios encontrados entre o fim da pista e a Vivenda Paulos (fls. 401, 402, 411 e 412). O depoente n.º 20 confirmou o constante a fls. 403 e segs., bem como a constatação de sonegação de evidência.

O depoente n.º 5 contestou tais declarações.
4.3 - Um inspector (fls. 403 e segs.) e um subinspector (fls. 401 e 402) recolheram vestígios entre o topo da pista e a estrada principal de acesso ao Bairro de São Francisco. O LPC com firma que esses vestígios pertencem ao avião (fls. 390 e segs.). A CI da DGAC não pôde tomar em consideração essa ocorrência, em virtude de a mesma não lhe ter sido comunicada e as suas próprias pesquisas não terem indicado tal situação.

5 - Em matéria de exames médico-legais cumpre salientar o seguinte:
5.1 - De acordo com testemunhas oculares (fls. 3236 a 3240 e 3265 a 3267) e o relatório do NTSB, datado de 26 de Junho de 1982 (vol. CI, fl. 3800), não se pode concluir, de forma indesmentível, que o estado psíquico do piloto Jorge Moutinho de Albuquerque propiciasse os erros que lhe são imputados.

5.2 - No tocante aos aspectos médico-legais realça-se, em primeiro lugar, uma série de elementos que deviam ter sido observados aquando das primeiras autópsias, feitas no IML, e que o não foram, conforme se pode verificar no relatório do NTSB (fl. 3819).

5.3 - Os exames médico-legais efectuados no IML aquando das primeiras autópsias não referem estudos e análises aos tímpanos das vítimas, elemento fundamental em qualquer autópsia emergente de sinistro com a gravidade e as eventuais repercussões do mesmo, como este, obviamente, requeria.

As fracturas encontradas apenas em três vítimas, o seu carácter e a sua localização não merecem referência especial nem parecem ter provocado reparo nos peritos médico-legais do Instituto acima referido, nem ao perito britânico, nem aos técnicos do NTSB. No entanto, os peritos médicos indicados pelas famílias das vítimas formularam reparos acerca dessas fracturas.

De igual modo a referência a fragmentos metálicos aderentes aos corpos do piloto, do co-piloto, da Sr.ª D. Maria Manuela Silva Pires Amaro da Costa, do Dr. António Patrício Gouveia, do engenheiro Adelino Amaro da Costa, do Dr. Francisco Sá Carneiro e da Sr.ª D. Ebbe Seidenfaden Abecassis foi sumariamente caracterizada.

5.4 - No relatório elaborado pelo perito patologista inglês, datado de Novembro de 1982, refere-se que os fragmentos de «densidade metálica» encontrados nos pés do piloto Jorge Moutinho de Albuquerque, dos quais se fizeram estudos no Departamento de Radiologia do Hospital de Santa Maria (Lisboa) e no Departamento de Metalurgia e Metalomecânica do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, são resíduos de alumínio resultantes da estrutura da aeronave. Em relação a esta afirmação importa realçar duas contradições encontradas:

a) Os referidos fragmentos de «densidade metálica», que se encontravam profundamente situados nos tecidos justa-ósseos de ambas as regiões calcaneanas do piloto Jorge Moutinho de Albuquerque e que se encontram referenciados na amostra H do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, foram incluídos no grupo das amostras de natureza não metálica;

b) As experiências efectuadas pelos médicos radiologistas peritos indicados pelas famílias das vítimas, depoentes n.os 8 e 9, conforme consta do seu relatório, enviado, por iniciativa própria, à Comissão Eventual de Inquérito sobre o Acidente de Camarate em 11 de Abril de 1983, concluem que os fragmentos metálicos em questão «não são de alumínio nem de uma liga deste metal usada no fabrico de aviões».

Estes peritos, médicos radiologistas portugueses, indicados pelas famílias do piloto e co-piloto aquando das segundos autópsias, são categóricos em afirmar que os fragmentos metálicos não são de alumínio nem de uma liga deste metal usada no fabrico de aviões.

5.5 - Regista-se que, através de todos os exames radiológicos realizados aos pés do co-piloto Alfredo de Sousa, não se detectaram idênticos «fragmentos de densidade metálica».

CAPÍTULO IV
Conclusões
1 - Quanto à actuação do Governo:
1.1 - Considera-se ter sido prejudicial para o prosseguimento das investigações a nota oficiosa de 11 de Dezembro de 1980. De facto, constata-se que até àquela data não só a PJ não tinha ainda na sua posse resultados de análises laboratoriais importantes, como os trabalhos da CI da DGAC se encontravam numa fase muito preliminar. Deficilmente se encontra uma justificação para o teor dessa nota oficiosa.

1.2 - Constata-se como positivo o facto de se ter mantido em aberto a investigação ao longo de todo o processo. Mas já não são compreensíveis alguns entraves levantados às famílias das vítimas, nomeadamente quanto à exumação dos corpos dos pilotos, nem o atraso no recurso à colaboração de entidades e técnicos estrangeiros com maior experiência e apetrechamento técnico do que os meios existentes em Portugal.

1.3 - A falta de legislação específica quanto à segurança no transporte aéreo de altas personalidades do Estado torna-se demasiado evidente em todo o processo. Constata-se que até à data não há conhecimento de qualquer iniciativa nesse sentido ter sido acolhida na nossa legislação.

1.4 - Constata-se igualmente uma evidente descoordenação entre as actividades da CI da DGAC e da PJ, bem como certas investigações paralelas de técnicos da TAP, cuja intervenção nunca esteve bem definida.

A inexistência de um organismo especializado em acidentes e segurança aeronáuticos com competência e atribuições de âmbito superior às da actual DGAC contribuiu de modo decisivo para aquela descoordenação.

1.5 - O Governo não pode deixar de ser criticado pelos factos mencionados.
2 - Quanto à actuação da CI da DGAC:
2.1 - Poderiam ter contribuído para um apuramento mais exacto dos factos as seguintes diligências:

a) Pesquisa de existência de gasolina derramada em toda a zona de terreno nas proximidades da Vivenda Paulos;

b) Inquirição de dois pilotos de um cargueiro francês DC-3 que se encontravam no Parque Delta e que terão assistido, junto ao avião sinistrado, aos preparativos para a partida.

2.2 - A constatação, por ordem cronológica, da existência de poucos vestígios de combustível em todos os depósitos na asa esquerda, a declaração de um informador da Comissão Política do PSD divulgada no dia 5 pela comunicação social (v. resenha de imprensa), os maus antecedentes históricos do avião e o conhecimento do estado em que o mesmo se encontrava, algumas anomalias observadas em voos imediatamente anteriores ao do sinistro, a demora em pôr os motores em marcha antes do voo fatídico, a ausência de informações em contrário por parte da PJ e a divulgação de uma prematura nota oficiosa poderão ter influenciado o trabalho da CI da DGAC.

2.3 - Não podem ser imputadas à CI da DGAC responsabilidades por omissões negligenciais, sobretudo se se tiver em consideração a urgência pedida pelo Governo na elaboração do relatório e a delapidação dos destroços no local do acidente na noite do sinistro, embora o relatório técnico contenha algumas imprecisões e afirmações não cabalmente justificadas quanto a todos os vestígios dos impactes que o avião sofreu ou provocou.

3 - Quanto à actuação da PJ:
São imputados ao trabalho de investigação criminal realizado por esta entidade actos de negligência:

3.1 - A PJ tratou insuficientemente elementos relevantes para o processo;
3.2 - Não averiguou as condições de vigilância na noite de 3 de Dezembro à aeronave sinistrada, quando o avião esteve estacionado no Aeroporto de Pedras Rubras;

3.3 - Não realizou atempadamente pesquisa exaustiva e adequada nos destroços do avião nem investigou o espectro alargado de modalidades de sabotagem diferentes da utilização de explosivos.

3.4 - Não inquiriu atempadamente os bombeiros que chegaram em primeiro lugar ao local do sinistro nem os elementos que retiraram os corpos dos destroços;

3.5 - Não aprofundou nem acareou os relatos de testemunhas oculares que referenciam o avião como já tendo um foco de incêndio antes do primeiro embate com os daqueles que não se referem ou negam tal ocorrência;

3.6 - Existe irregularidade processual na tramitação dos autos a fl. 2625;
3.7 - Os elementos médico-legais não foram explicitados numa razão de causa-efeito na exploração de outras hipóteses no sinistro de Camarate, quer ao nível da CI da DGAC, quer ao nível da PJ;

3.8 - A investigação conduzida pela Comissão na matéria mencionada no capítulo III, n.º 4.1 (fls. 24 a 29), deste relatório indicia omissões e insuficiência investigatória de tal forma que leva a formular uma imputação de negligência mais grave.

Esta matéria carece, sem dúvida, de cabal e futuro esclarecimento por parte das entidades competentes para o efeito.

4 - Conclusões gerais:
4.1 - Não compete a esta Comissão, nem a tal ela se propôs, emitir um juízo de probabilidade alicerçada em factos incontroversos que permitam afirmar ter o sinistro ocorrido por facto virtual, falha humana ou actividade criminosa.

4.2 - Todavia, a esta Comissão tornou-se evidente que na condução das investigações técnicas e criminais levadas a cabo pela Administração Pública se colhem deficiências, irregularidades, omissões e contradições, outrossim de relevante importância para o apuramento de conclusões de significado inequívoco e categórico.

4.3 - Reconhece a Comissão que o prazo que lhe foi assinalado para a realização dos seus trabalhos e a circunstância de estes se terem iniciado volvido um lapso de tempo substancial sobre a verificação dos factos sobre cuja análise se debruçou não lhe permitiram o desenvolvimento de mais iniciativas que permitissem averiguações suplementares de eventos relevantes para as suas conclusões.

4.4 - Daí que a Comissão seja de parecer que os órgãos da Administração Pública competentes para as averiguações técnicas e investigação criminal do chamado «caso de Camarate» podem e devem aprofundar, no futuro, a análise do processo, face ao aparecimento de elementos novos e suplementares susceptíveis de conduzirem à mais completa verdade material.

2 - Tomada de posição governamental
Na sequência da publicação do transcrito relatório, o Governo aprovou a seguinte tomada de posição, divulgada em 30 de Abril de 1983:

O Governo tomou conhecimento do relatório final do inquérito que, no uso da sua competência constitucional e parlamentar, a Assembleia da República promoveu e levou a termo acerca da ocorrência de Camarate.

O Governo regista com agrado que, limitando o âmbito do inquérito à investigação da diligência e do zelo com que se houveram o Governo e os diversos órgãos da Administração Pública empenhados no total esclarecimento da referida ocorrência, a Assembleia da República, através da Comissão que para o efeito designou, tenha respeitado as limitações das suas competências e tenha alcançado levar a termo o seu trabalho, pela primeira vez em procedimentos semelhantes.

A maioria da Comissão de Inquérito formula alguns reparos ao Governo que este não pode deixar de repudiar, essencialmente pelas razões apontadas pelo Ministro da Justiça nas suas declarações prestadas para a televisão no dia 27 do mês corrente e que, em síntese, foram as seguintes: o Governo não tem poderes para intervir na investigação criminal e não regateou nem demorou a colaboração e a concessão dos meios financeiros que lhe foram solicitados, antes tudo facultou integral e rapidamente; o Governo não publicou qualquer nota oficiosa, pertinente ou não, na data indicada no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. A nota oficiosa que publicou em 14 de Outubro de 1981 correspondeu ao pedido de colaboração que lhe foi formulado pelo procurador-geral da República, no sentido de obter o interesse público para a colaboração na investigação, sem que seja visível o inconveniente que possa ser apontado e que efectivamente a Comissão se dispensou de indicar; o Governo não levantou qualquer obstáculo ou entrave às famílias das vítimas quanto a qualquer diligência sugerida para a descoberta da verdade, pelo contrário, sempre facilitou a colaboração desejada; não existiu qualquer omissão no que respeita a normas sobre segurança no transporte aéreo de personalidades do Estado, mas, como é elementar, essas determinações não foram publicitadas; não existiu descoordenação entre as actividades da Comissão de Inquérito da Direcção-Geral da Aviação e as da Polícia Judiciária.

Todavia, o Governo não enjeita o dever de considerar as sequelas naturais do inquérito parlamentar. E assim:

a) O Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes determinou o esclarecimento técnico dos defeitos apontados ao parecer da Comissão de Peritos, constituída por determinação do Governo logo após a ocorrência de Camarate;

b) Também o Ministro da Justiça determinou o esclarecimento das imputações feitas pela referida Comissão à actuação da Polícia Judiciária;

c) Está em fase final de preparação a publicação do volume que, conforme proposta do procurador-geral da República, apresentada e aprovada antes da conclusão do relatório da Comissão Parlamentar, conterá integralmente os relatórios periciais produzidos e algumas peças do processo consideradas relevantes ou significativas para o esclarecimento público;

d) Serão também publicados, tão depressa quanto possível, os esclarecimentos referidos nas alíneas a) e b).

Entende ainda o Governo dever referir ter sido informado pelo procurador-geral da República de que apenas aguarda que lhe seja assegurada a disponibilidade do relatório em apreço para, nos termos do último despacho que proferiu no processo, promover a remessa do mesmo ao tribunal de instrução criminal. Assim se possibilitará que, sob a direcção do juiz de instrução, sejam investigados os pontos tidos por supeitos ou menos claros, depois de objectivados e concretizados por parte dos responsáveis pelo mesmo relatório, como se afigura indispensável.

Não pode o Governo, finalmente, deixar de manifestar a sua estranheza por a Comissão Parlamentar de Inquérito não ter considerado necessário ouvir, para se esclarecer conveniente, o magistrado que exercia ao tempo da investigação o cargo de director-geral da Polícia Judiciária.

3 - Esclarecimentos determinados pelo Ministro da Justiça
Tendo o Ministro da Justiça correspondentemente determinado à PJ o esclarecimento das imputações que lhe foram feitas pela I CEIAC, foram estas objecto da resposta seguinte, com data de 1 de Junho de 1983:

As acusações feitas à PJ pela Comissão Eventual de Inquérito sobre o Acidente de Camarate costam do capítulo IV «Conclusões», n.º 3, fls. 34 e 35, do respectivo relatório, onde são imputados ao trabalho de investigação criminal realizado por esta entidade actos de negligência, que de seguida se transcrevem:

1) A PJ tratou insuficientemente elementos relevantes para o processo;
2) Não averiguou condições de vigilância na noite de 3 de Dezembro à aeronave sinistrada, quando o avião esteve estacionado no Aeroporto de Pedras Rubras;

3) Não realizou atempadamente pesquisa exaustiva e adequada nos destroços do aviso nem investigou o espectro alargado de modalidades de sabotagem diferentes da utilização de explosivos;

4) Não inquiriu atempadamente os bombeiros que chegaram em primeiro lugar ao local do sinistro nem os elementos que retiraram os corpos dos destroços;

5) Não aprofundou nem acareou os relatos de testemunhas oculares que referenciam o avião como já tendo um foco de incêndio antes do primeiro embate com os daqueles que não se referem ou negam tal ocorrência;

6) Existe irregularidade processual na tramitação dos autos a fl. 2625;
7) Os elementos médico-legais não foram explicitados numa razão causa-efeito na exploração de outras hipóteses no sinistro de Camarate, quer ao nível da CI da DGAC, quer ao nível da PJ;

8) A investigação conduzida pela Comissão na matéria mencionada no capítulo III, n.º 4.1 (fl. 24 a fl. 29) deste relatório indicia omissões e insuficiência investigatória de tal forma que leva a formular uma imputação de negligência mais grave.

Respondendo às imputações e sintetizando-as, então se disse e passo a transcrever:

1 - Tratamento insuficiente de elementos relevantes para o processo:
a) Não se apontam elementos que não hajam tido o devido tratamento;
b) Os elementos relevantes que vieram ao conhecimento da PJ tiveram o tratamento adequado;

c) O Exmo. Conselheiro Procurador-Geral da República, a quem terá de ser reconhecida a competência para em tal ajuizar, nomeadamente ao proferir o seu despacho final, não fez qualquer reparo à actuação da PJ;

2 - Não averiguação das condições de vigilância à aeronave sinistrada na noite de 3 de Dezembro em Pedras Rubras:

a) A PJ procedeu às diligências convenientes no Aeroporto de Pedras Rubras, que constam a fls. 681, 840 e 842 dos autos;

b) Não obstante, não se vislumbra qual o interesse para a investigação das circunstâncias do sinistro das circunstâncias de vigilância da aeronave sinistrada nesse tempo e lugar;

c) Não se aponta o objectivo dessa averiguação;
3 - Não realização de pesquisa exaustiva nos destroços do avião e não investigação do espectro alargado de modalidades de sabotagem diferentes da utilização de explosivos:

a) A 3.ª Secção da Directoria de Lisboa da PJ deslocou-se ao local do sinistro e aí pesquisou, nos destroços da aeronave e imediações, os elementos úteis, dentro de uma perspectiva ampla, abrangente das hipóteses de acidente e sabotagem;

b) Naquele momento não existia qualquer elemento indiciário explicativo de qualquer causa do sinistro;

c) Não se explicita o que deveria ter sido pesquisado nem que modalidade de sabotagem deveria ter sido investigada;

4 - Não inquirição atempada dos bombeiros que chegaram em primeiro lugar ao local e não inquirição dos elementos que retiraram os corpos dos destroços:

a) O relatório dos bombeiros que acorreram ao local foi junto aos autos em 22 de Janeiro de 1981 e é pormenorizado;

b) A inquirição dos bombeiros e dos restantes elementos que retiraram os corpos dos destroços foi feita e no devido tempo;

c) A PJ assistiu e colaborou na retirada dos corpos dos destroços;
d) Não se apontam consequências nefastas ou resultados que devessem ser obtidos com tais diligências;

5 - Não se aprofundaram nem acarearam os relatos de testemunhos oculares que referenciam o avião como já tendo um foco de incêndio antes do primeiro embate com os daquelas que não se referem ou negam tal ocorrência:

a) São muitos os depoimentos que referem que o avião se incendiou após os embates;

b) São feitos de forma a não deixarem legítimas dúvidas sobre o facto de o incêndio haver ocorrido após os embates;

c) Não se aponta que o juízo valorativo feito aos depoimentos sobre este facto enferme de vício;

6 - Existência de irregularidade processual na tramitação dos autos a fl. 2625:

a) Pressupõe-se que a irregularidade referida se reporta à junção das peças processuais de fl. 2055 a fl. 2076;

b) Tais peças processuais foram juntas em 20 de Janeiro de 1983 e consistem em duplicados de expediente que foi oportunamente enviado à secção competente para do mesmo conhecer;

c) Procedeu-se à junção naquela data por se considerar então de interesse sob o ponto de vista formal;

d) Não se afigura como irregularidade processual a junção dos duplicados de expediente;

e) Não se explicita que essa chamada irregularidade haja influído de algum modo no apreço dos autos;

7 - Não explicitação numa razão causa-efeito dos elementos médico-legais na exploração de outras hipóteses no sinistro de Camarate:

a) Para as conclusões a que a PJ chegou, embora em termos de probabilidade, contribuíram de forma decisiva os elementos médico-legais;

b) É incorrecto partir de hipóteses minimamente prováveis para dos elementos médico-legais se extrair elemento coadjuvante;

c) A perspectiva correcta é a de, face aos elementos colhidos e analisados globalmente, se concluir pela forma como ocorreu o sinistro;

d) Não se refere qualquer outra hipótese de sinistro que os elementos médico-legais apontem por razão causa-efeito;

8 - Indiciação de omissão e insuficiência investigatória que leva a formular uma imputação de negligência grave sobre a matéria mencionada no capítulo III, n.º 4.1 (fl. 24 a fl. 29):

a) Tal matéria tem como objecto a notícia de actividade criminosa de um tal Lee Rodrigues;

b) Dá-se relevo, no relatório elaborado pela CEIAC (Comissão Eventual de Inquérito sobre o Acidente de Camarate), a esta matéria, mas não se vislumbra nexo causal entre actuação e conduta delituosa do referenciado e os factos em apreço nos autos elaborados pela PJ;

c) Apurou-se das diligências investigatórias que:
1) O indivíduo em questão, usando passaporte filipino, tinha nacionalidade tanzaniana e o verdadeiro nome de Sinam Ebrahim Hassam Shawani;

2) Viajara de Londres para Lisboa a 3 de Dezembro;
3) A 6 de Dezembro se apresentou no balcão da TAP, no aeroporto, fardado de comandante das linhas aéreas;

4) Fez uso de uma carta (falsa) supostamente escrita pelas Linhas Aéreas Filipinas; e

5) Conseguiu obter um bilhete de passagem gratuita para Londres;
6) Com a mesma carta obtivera a passagem grátis de Londres para Lisboa no dia 3 [v. alínea c), n.º 2)];

7) No dia 10 de Dezembro, vestindo a mesma farda de comandante das linhas aéreas, esteve de novo no aeroporto;

8) Apresentou-se nos serviços de manutenção da TWA;
9) Sendo aí atendido, revelou pretender fazer uma rápida verificação aos manuais do 707, avião de modelo não usado pela TWA; e assim

10) Levantou suspeitas, confirmadas pela conversa e telefonemas feitos depois para comprovar a sua identidade;

11) Quando o indivíduo já voava rumo a Londres é que se constatou realmente o logro;

12) Foi recebido em Londres pela polícia local, que fora entretanto alertada;
13) Apenas esteve na zona de manutenção técnica de aviões no dia 10 de Dezembro;

d) Já na fase do denominado «inquérito público» a PJ, face a algumas dúvidas manifestadas por alguns familiares das vítimas, tornou a ouvir o mesmo indivíduo e alguns dos seus familiares;

e) Confirmou-se ser o indivíduo insuspeito dos factos relacionados com o sinistro de Camarate;

f) O que se referiu na alínea c) consta, em síntese, do relatório final elaborado pela PJ e não é referido qualquer facto que prejudique tais conclusões;

g) As conclusões fácticas referidas na alínea c) não são postas em causa, nem por enfermarem de erro de raciocínio, nem por existência de qualquer facto que as prejudique.

A investigação foi levada a cabo com toda a isenção, cuidado e empenho que o caso exigia, mas admite-se que a insuficiência humana perante as dificuldades que o evento em si traduz e o processo retratou possa ter sido companheira dos elementos da PJ, de tal modo que o resultado final da investigação não houvesse adquirido a perfeição.

Crê-se, porém, ilegítimo imputar negligência a falta que, se existiu, é do foro da insuficiência humana e lamenta-se tão-somente que outros mais suficientes não hajam feito luz na treva em que se terá estado.

4 - Esclarecimentos determinados pelo Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes

Tendo o Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes determinado o esclarecimento dos defeitos apontados pelo relatório da I CEIAC ao parecer da Comissão de Peritos, constituída por determinação do Governo logo após o acidente de Camarate, veio o mesmo a ser elaborado em 10 de Maio de 1983 pelo respectivo presidente, nos termos seguintes:

[...]
2 - Os comentários que o relatório em apreço mereceu da Comissão de Inquérito (CI) da DGAC respeitam apenas às matérias em que são referidos a actuação desta e o seu relatório de Março de 1981, bem como o relatório do NTSB, de que a mesma CI da DGAC possui cópia do original em inglês. As questões suscitadas pela acção de outras entidades e pessoas ou por depoimentos e informação documental prestados à própria Comissão Eventual da Assembleia da República, quando objecto de eventual referência na presente informação, foram ponderadas no estrito quadro dos factos e hipóteses mais prováveis contidos naqueles dois relatórios e noutros escassos elementos documentais fidedignos que chegaram ao conhecimento da CI da DGAC.

3 - Tendo em vista facilitar a correlação com as partes questionáveis do relatório da Comissão da Assembleia da República, preferiu-se seguir o ordenamento de matérias deste, aceitando-se o ónus da repetitividade de certos esclarecimentos, rectificações e correcções, determinados pelas necessidades de clareza e precisão do discurso em cada caso. Assim:

4 - Nos termos do capítulo I, n.º 1, do relatório em apreço, anotou-se que:
[...] o âmbito de trabalho da Comissão ficou delimitado à investigação sobre se o Governo e os diversos órgãos da Administração Pública conduziram a actividade investigatória relacionada com o desastre de Camarate com eficácia e zelo ou se, pelo contrário, existem indícios de sonegação de evidência, impropriedades ou omissões gerais indicativas de negligência. [Fl. 2, terceiro parágrafo.]

A Comissão [...] sempre actuou no estrito quadro definido no requerimento do inquérito parlamentar [...] e no disposto na Lei 43/77, de 18 de Junho, não se constituindo, por isso, em comissão técnica de análise das causas do acidente de Camarate, mas antes apreciando as questões de natureza técnica apenas com a preocupação de melhor poder ajuizar acerca da actuação das entidades públicas que conduziram os inquéritos sobre o desastre [...] [Fl. 2, último parágrafo, continuando a fl. 3.]

5 - Dentro ainda dos mesmos capítulo e número, na transcrição da informação prestada pela Comissão ao Plenário da Assembleia da República em 3 de Fevereiro de 1983 refere-se a solicitação ao conselho de gerência da ANA, E. P., do «original de um relatório do Serviço contra Incêndios, junto do relatório da DGAC, cuja fotocópia não se acha completa» [n.º II, alínea c), da transcrição a fl. 4 do relatório].

Cabe, neste ponto, confirmar a validade da observação ali feita, porquanto o exame recente do documento em causa (informação n.º 110, de 11 de Dezembro de 1980, do Serviço contra Incêndios), remetido pelo chefe dos Serviços de Exploração do Aeroporto de Lisboa com o seu ofício n.º 852, de 27 de Fevereiro de 1981, à CI da DGAC, revela a citada lacuna na sua última folha. O inquérito sumário entretanto realizado pelo conselho de gerência da ANA, E. P., permitiu detectar a incorrecção e expedir prontamente cópia completa daquele documento, que, com cópia do ofício de remessa, se anexa à presente informação. O texto em falta referia matéria que, sendo embora relevante para a operacionalidade dos meios de luta contra incêndios do Aeroporto de Lisboa, não implica qualquer alteração ao relatório da CI da DGAC, porquanto carece de interesse em termos de consequências e causas do acidente de Camarate.

6 - Na sequência do atrás exposto, tem-se por devidamente esclarecida a razão da referência feita pela Comissão, no capítulo I, n.º 2.8, a fl. 8, do seu relatório, a «um relatório do Serviço contra Incêndios, junto ao relatório da DGAC, cuja cópia não se achava completa [...]».

7 - No capítulo II do relatório foram anotadas as imprecisões e omissões que passam a referir-se:

a) No n.º 1, primeira linha, o despacho citado tem o n.º 11/DG/80.
b) Sob o mesmo n.º 1 e a partir da segunda linha, inclusive, escreve-se que, pelo citado despacho da DGAC, «e seguindo orientações do Governo e atentas as circunstâncias especiais do acidente, envolvendo altas personalidades, foi criada, no âmbito do MTC, a Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate, cuja constituição consta a fl. 2923 dos autos [...]». Julga-se dever reiterar que, conforme exposto no preâmbulo do relatório da CI da DGAC de Março de 1981, sob as epígrafes «Âmbito do inquérito» e «Comissão de inquérito», o inquérito a um acidente com aeronaves é tornado obrigatório pelo normativo internacional, acolhido no direito interno português, independentemente da importância das pessoas envolvidas, e a nomeação da comissão encarregada de o realizar cabe ao director-geral da Aviação Civil, no exercício da competência expressa na alínea q) do artigo 3.º do Decreto-Lei 242/79, de 25 de Julho. As orientações do Governo e as circunstâncias especiais do acidente, referidas no n.º 2 do Despacho 11/DG/80, de 4 de Dezembro, fundamentaram apenas a determinação transmitida ao presidente da Comissão de Inquérito de manter permanentemente o director-geral da Aviação Civil ao corrente da evolução dos trabalhos.

Identicamente, conforme notícia mandada divulgar em 5 de Dezembro de 1980 pelo MTC através da Direcção-Geral de Informação, se deu conhecimento público de que o Conselho de Ministros, reunido na noite de 4 de Dezembro, resolvera incumbir os Ministros da Justiça e dos Transportes e Comunicações de acompanharem, em permanência, os trabalhos da Comissão de Inquérito, que fora nomeada segundo as determinações internacionais (anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional), mandadas aplicar ao território português pela legislação vigente. A CI da DGAC funcionou, pois e apenas, no âmbito que lhe era próprio e para que fora constituída. Em cumprimento dos preceitos legais em vigor, submeteu o seu relatório ao director-geral da Aviação Civil em 26 de Março de 1981 (nota n.º 5/SDG/81), este remeteu-o ao chefe do Gabinete do Secretário de Estado dos Transportes Exteriores em 27 imediato (ofício n.º 45/DG/81), a fim de ser presente ao Ministro dos Transportes e Comunicações, que, por seu turno, homologou as respectivas conclusões por despacho de 3 de Abril seguinte, exarado sobre aquele último ofício. Em conclusão, terá de haver-se por inexacta a afirmação constante do primeiro parágrafo do n.º 1 do capítulo II, a fl. 9 do relatório em apreço, designadamente onde condiciona o despacho do director-geral da Aviação Civil a orientações do Governo e às circunstâncias especiais do acidente.

c) Ainda sob o mesmo n.º 1 do capítulo II, a fl. 10, do relatório, é dada indicação da causa provável do acidente como se de uma transcrição exacta do relatório da CI da DGAC se tratasse. Neste relatório, a causa provável do acidente é descrita no n.º 175, a fl. 81, sendo seguida da citação das medidas (n.º 176, a fl. 82, do mesmo relatório) que, se tivessem sido executadas em obediência ao normativo técnico em vigor e às instruções e recomendações constantes do manual de operação do avião, teriam evitado a ocorrência, bem como da indicação dos factores julgados contribuintes (n.º 176, a fl. 82, do citado relatório) para o quadro das acções e omissões que configuraram a actuação do piloto. Contudo, na parte citada do relatório em apreço da Comissão Eventual constituída no seio da Assembleia da República, não só é feita uma transcrição incompleta e algo inexacta do texto do referido n.º 175 do relatório da CI da DGAC, mas ainda se lhe adita, como se de um seguimento textual se tratasse, o texto truncado do n.º 176 do mesmo relatório e se termina por assimilar os factores contribuintes como causas prováveis. Independentemente da impropriedade do procedimento adoptado, no interesse da precisão técnica e da transparência da interpretação, importa registar que na transcrição feita foram ainda omitidos:

c') Os períodos finais do texto do n.º 175 do relatório da CI da DGAC (transcrevem-se: «O facto de a hélice do mesmo lado não ter sido encontrada em passo de 'bandeira' resultou provavelmente do procedimento determinado pelo piloto ao optar antes por uma alimentação de rerecurso a partir do sistema de combustível da asa direita. A tentativa com este objectivo provavelmente feita conduziu, porém, à colocação da torneira selectora esquerda na posição fechada.»). Estes períodos constituem parte indissociável da causa provável, porque a completam, quando apontam uma explicação para o facto de não haver sido encontrada em passo de «bandeira» a hélice do motor em que se registou a perda de potência, como seria necessário, conformemente aos procedimentos correntes em situação idêntica e com aviões de características de performance semelhantes;

c") As frases finais do primeiro período do texto do n.º 176 do mesmo relatório da CI da DGAC {transcrevem-se: «[...] e tomadas as decisões coerentes com o estado de funcionamento de sistemas e componentes do avião, em obediência às instruções e recomendações contidas no manual de operação do avião.»}, em que se apontam duas ideias necessárias não apenas a uma mais correcta explicitação da actuação do piloto, como ainda a uma resposta a questões levantadas mais a jusante no relatório da Comissão da Assembleia da República em apreço.

8 - Em complemento do atrás exposto, por obrigação de rigor e no interesse da melhor coerência no encadeamento da exposição, cabe desde já referir que, a fls. 19 e 20 do relatório em apreço, no seu capítulo III, se repetem, sob o n.º 2.6, a transcrição do texto do n.º 175 do relatório da CI da DGAC, com apenas algumas imprecisões de pontuação, embora persistam as omissões referidas na alínea c') do número antecedente da presente informação {acrescidas da eliminação da frase «[...] pelos efeitos de resistência aerodinâmica produzidos [...]»}, e, sob o n.º 2.7, as transcrições, embora em seguimento textual, dos n.os 176 e 177 do mesmo relatório da CI da DGAC, sem a omissão atrás citada na alínea c").

9 - No capítulo III, n.º 1, a Comissão da Assembleia da República, ao descrever «a ocorrência do sinistro e sua localização», refere, sob o n.º 1.4, a fl. 18, que «a remoção inicial quer dos corpos das vítimas quer dos destroços não obedeceu a qualquer método ou orientação superior». Uma vez mais, por obrigação de rigor, importa acentuar que, com excepção da secção do nariz da fuselagem do avião acidentado, que foi deslocada do seu posicionamento inicial quando o veículo automóvel sobre o qual se encontrava foi movido para outro local, e de alguns componentes e fragmentos isolados, parte dos quais ulteriormente recuperados, a remoção dos destroços foi executada no dia imediato (5 de Dezembro de 1980) por técnicos da DGAC, sob a orientação de membros da respectiva CI. Ainda dentro do mesmo objectivo de rigor, anota-se que, na transcrição feita sob o n.º 2.2 (parte final do n.º 62 do relatório da CI da DGAC), a precisão contida no perêntesis (GNR e PSP) é da responsabilidade dos autores do relatório da Comissão da Assembleia da República.

10 - No mesmo capítulo, com o n.º 2 e a epígrafe «Reconstituição do acidente», a fl. 18, sob o n.º 2.3, escreve-se que «só alguns dias depois os destroços foram removidos para outro local». Face ao exposto no número antecedente da presente informação, relativamente à remoção dos destroços e mantendo-se apenas a excepção quanto a alguns componentes e fragmentos isolados que foram objecto de ulterior recuperação mediante entrega pelos seus respectivos possuidores, os destroços do avião ficaram recolhidos no hangar 7 da DGAC, localizado no Aeroporto de Lisboa, sob guarda permanente de elementos da esquadra da PSP do mesmo Aeroporto, a partir do fim da tarde do dia imediato ao da ocorrência do acidente. Haverá que concluir-se, pois, pela inexactidão do relatório da Comissão da Assembleia da República quanto à operação específica da remoção dos destroços, porquanto não seria curial entender-se que a devolução ou recuperação de componentes ou fragmentos isolados, feita dias depois, deva caracterizar ainda uma fase daquela remoção.

11 - Prosseguindo a análise do texto do relatório em apreço, dentro do mesmo capítulo e sob a mesma epígrafe anotou-se que:

a) A fl. 19, sob o n.º 2.4, se escreve que, na noite do sinistro, elementos da CI da DGAC «só conseguiram ter acesso a parte da asa esquerda do avião, deixada por este no sótão de uma habitação, ainda antes dos embates finais». Embora, em rigor, a localização inicial daquela parte da asa esquerda tenha sido o sótão da Vivenda Paulos, crê-se que, para uma mais clara definição do contexto em que é referida a actuação da CI da DGAC, no momento e circunstâncias referidos, teria sido mais apropriado assinalar que os elementos daquela CI, na noite do sinistro, só conseguiram ter acesso às partes da asa esquerda do avião deixadas por alguns bombeiros no solo junto àquele edifício, de cujo sótão os mesmos bombeiros as haviam antes removido;

b) A fl. 20, sob o n.º 2.8, se aponta que, «quanto a eventual acto de sabotagem, embora não encontrando indícios para tal, quer nas suas próprias investigações, quer pelas informações da PJ, a CI da DGAC, no seu relatório, considera, porém, que (e transcreve-se) «[...] só uma investigação mais profunda (fora do âmbito desta Comissão) poderá concluir da sua praticabilidade». Uma vez mais por obrigação de rigor, importa acentuar que a citação feita no relatório da Comissão da Assembleia da República, neste ponto, não é extraída do relatório da CI da DGAC, mas sim do volume do processo por ela organizado, que contém a documentação relativa à investigação operacional. Com efeito, a fls. 159 e 160 desse volume, sob os n.os 7 e 8 e num contexto estrito de análise sobre a finalidade e oportunidade da preparação do acto de sabotagem, é feita ponderação de alguns aspectos que tendem a eliminar a praticabilidade de tal acto, embora, por óbvia precaução formal, se haja ressalvado que a investigação cabal em tal área e com tal objectivo não cabe no âmbito das atribuições e competências próprias da CI da DGAC. Em conclusão, contrariamente ao que o texto do relatório da Comissão da Assembleia da República, no n.º 2.8, em referência, parece sugerir, a CI da DGAC não propende para a aceitação de hipóteses de prática de acto deliberado contra a segurança do voo, como, aliás, refere, no seu relatório, a fl. 76, n.º 153, e confirma a fl. 81, n.º 174.

12 - Para completar a apreciação da matéria do capítulo do relatório em apreço sob a epígrafe «Reconstituição do acidente», não pode deixar-se sem incisivo comentário a expressão do segundo parágrafo do n.º 2.10, a fl. 21, onde, relativamente à investigação realizada pelo NTSB a pedido do Governo, se afirma que o relatório da equipa daquele organismo norte-americano, que para tal efeito se deslocou a Lisboa, «teve por base elementos dos relatórios da DGAC bem como a análise dos destroços do avião ainda existentes e de peças já desmontadas de componentes de equipamentos recuperados e analisados anteriormente». Com efeito:

a) Na parte preambular do relatório do NTBS, sob a rubrica «Background» e no início do segundo parágrafo, descreve-se:

The mission of the investigation team was to conduct an investigation of the subject accident to determine if there were indications of sabotage or pilot incapacitation.

Traduzindo: «O objectivo da equipa norte-americana foi o de conduzir uma investigação do acidente em causa para determinar se houve indícios de sabotagem ou de incapacitação do piloto.»

b) Ainda na mesma parte preambular, no parágrafo seguinte, escreve-se:
The team used portions of the factual data gathered previously by Technical Commission of the Civil Aviation Service and the criminal police. These facts included transcripts of witness statements, measurements of wreckage distribution, air traffic control transcripts, pilot records and weather information. The team conducted an independent investigation and analysis of the aircraft wreckage, power plants and aircraft systems. The performance of the flight crew was analysed separately from previous investigations as were the aircraft weight and balance computations, and performance capabilities. Team pathologists conducted independent analyses of the data provided by the Forensic Medicine Institute in Lisbon.

Traduzindo: «A equipa utilizou partes da informação factual previamente colhida pela Comissão Técnica da Aviação Civil e pela polícia criminal. Esses factos compreenderam transcrições dos depoimentos testemunhais, medições da distribuição dos destroços, transcrições do controle de tráfego aéreo, registos do piloto e informação meteorológica. A equipa conduziu uma investigação e análise independentes dos destroços da aeronave, instalações de potência e sistemas da aeronave. O desempenho da tripulação de voo foi analisado separadamente a partir de investigações anteriores, bem como os cálculos de peso e centragem e as características de performance da aeronave.

Patologistas da equipa conduziram análises independentes da informação fornecida pelo Instituto de Medicina Legal em Lisboa.»

c) As transcrições feitas mostram que os técnicos norte-americanos do NTSB se não serviram dos «relatórios da DGAC» (sendo que apenas um existe), mas sim da informação factual existente e explicitamente identificada, fornecida não apenas pela DGAC, como também pela PJ e pelo IML de Lisboa. Os mesmos técnicos afirmam que executaram investigação e análises independentes dos elementos materiais recolhidos e da informação existente.

d) Por outro lado, os destroços do avião examinados pelos técnicos norte-americanos não foram os «ainda existentes», mas sim os que, uma vez removidos e recuperados do teatro do acidente, estão conservados no hangar 7 do Aeroporto de Lisboa, sob a guarda inicialmente permanente de agentes da PSP, como já atrás referido no n.º 10, e posteriormente mantidos ao cuidado de funcionários responsáveis da DGAC, sob instruções claras de prevenirem quaisquer desvio ou deliberada deterioração.

d) O facto de componentes e equipamento do avião terem sido examinados pelos técnicos norte-americanos depois de desmontados e analisados anteriormente não motivou qualquer reparo por parte deles. As desmontogens, se não houvesse sido executadas pelos técnicos da Cl da DGAC (e em tal ocorrência teria havido negligência ou omissão técnica grave), deveriam os norte-americanos fazê-las para efeitos de cabal análise.

f) A Comissão Eventual de Inquérito sobre o Acidente de Camarate, constituída por decisão de 30 de Novembro de 1982 do Plenário da Assembleia da República, ao subscrever o parágrafo em questão, a fl. 29 do seu relatório, não refere quaisquer elementos susceptíveis de constituírem fundamentação ou sequer indiciação para a suspeita, aí claramente expressa, de que aos técnicos norte-americanos não terá, primeiramente, sido assegurado o exame da totalidade dos destroços inicialmente recolhidos no teatro do acidente e de que, adicionalmente, a desmontagem e exames anteriores de componentes recuperados poderiam ter possibilitado a adulteração ilícita de informação material útil.

g) Assim, face ao exposto e considerando:
Que não são do conhecimento da CI da DGAC, e particularmente do seu presidente, quaisquer factos ou informação que idoneamente apontem para uma substanciação do sentido que transparece do texto em causa;

Que a subcomissão executiva da Comissão da Assembleia da República, nas audições para que convocou os membros da CI da DGAC, cujas gravações e transcrições escritas conserva, nunca levantou ou sequer fez menção a quaisquer dúvidas ou suspeitas respeitando os elementos materiais que naquele mesmo texto refere;

Que a fl. 34, sob o n.º 2.3, do seu relatório a Comissão da Assembleia da República, ao formular conclusões quanto à actuação da CI da DGAC, decide não poderem ser imputadas a esta responsabilidades por omissões negligenciais;

haverá que denunciar, nesta oportunidade e desde já, o espírito subjacente à forma e expressão do texto, que proponde a levantar injustas suspeições, porque infundadas, e deixar aqui expresso o mais vivo protesto pelo facto.

13 - Ainda dentro da matéria descrita sob a epígrafe «Reconstituição do acidente», e particularmente com referência ao último parágrafo do n.º 2.10, a fl. 21, do relatório da Comissão da Assembleia da República, onde se faz citação da investigação particular mandada executar pela RTP, não pode a CI da DGAC, por obrigação de rigor e com fundamento em prova documental idónea que possui, deixar de esclarecer que pelo menos o perito britânico Eric Newton foi chamado a pronunciar-se sobre se haveria ou não provas de sabotagem, e não apenas de rebentamento por explosivo a bordo. Naquela documentação, como, aliás, em informação publicamente divulgada, aquele perito pronunciou-se pela negativa, tanto no respeitante à hipótese de rebentamento explosivo como ainda quanto à alternativa do engenho incendiário, por inexistência de quaisquer indícios que sugerissem a ocorrência de incêndio a bordo do avião antes dos impactes deste nos edifícios.

14 - No mesmo capítulo III do seu relatório, sob a epígrafe «Questões relacionadas com a reconstituição do sinistro», a Comissão da Assembleia da República, mercê da análise dos relatórios que leu, como da investigação a que procedeu, considera ter de apontar «algumas divergências, lacunas e contradições». Comentam-se a seguir e pela ordem em que surgem naquele relatório as que respeitam ou referem a CI da DGAC. Assim:

a) A fl. 21, sob o n.º 3.1, lê-se:
A CI da DGAC, quanto à ausência do combustível, considera pouco provável que o piloto tivesse aterrado na madrugada do próprio dia 4 com tão pouco combustível numa asa, já que isso provocaria um certo desequilíbrio na aterragem, o que dificilmente teria passado despercebido quer aos pilotos quer aos passageiros.

Acresce que essa ausência de combustível teria resultado de uma gestão de combustível dos vários depósitos em voos anteriores muito pouco usual (fls. 2980 e seguintes).

A CI da DGAC não teve acesso aos autos e, por isso, não conseguiu identificar, pela referência fornecida, a fonte documental que habilitou a Comissão da Assembleia da República a formular o juízo expresso pelo texto que acima se transcreveu. Parece-lhe, contudo, quase certo que esta Comissão se não terá inspirado no relatório daquela CI, mas antes em notas técnicas do processo incluídas no volume relativo à investigação operacional. Com efeito, a fl. 85 deste volume, sob o n.º 25, afirma-se que «é muito difícil de aceitar a ideia de que ele [o piloto] tenha aterrado com uma assimetria da ordem dos 2401 (na realidade seria superior, porque [...]), e se propunha deslocar nas mesmas condições, sem averiguar as causas e corrigi-las».

Não há, pois, no que vem de citar-se qualquer juízo probalístico e muito menos algo que possa fundamentar a asserção de que um desequilíbrio na aterragem, motivado pela assimetria de pesos de combustível nas asas, só muito dificilmente teria passado despercebido aos passageiros. Tecnicamente, uma vez que o piloto dispõe de comandos para compensar essa situação, o difícil seria que os passageiros se apercebessem disso. A interrogação posta a um passageiro do avião sobre a eventual existência de um tal desequilíbrio aquando da aterragem daquele em Lisboa na madrugada do dia do acidente devem-se ao facto de ele possuir grande experiência de voo em plurimatores ligeiros e ter revelado atenção e sensibilidade ao incidente da queda de rotações do motor esquerdo ocorrida no voo (cf. o n.º 115, a fl. 61, do relatório da CI da DGAC).

Ainda a fl. 21 do relatório da Comissão da Assembleia da República, na parte final do mesmo n.º 3.1, contrapõe-se ao que já atrás foi transcrito o seguinte:

Para o NTSB (fl. 2003), mais relevante do que descobrir as razões dessa inexistência de combustível é o facto de o piloto não ter procedido à inspecção prévia dos tanques.

Esta citação refere, quase certamente, o que o autor do relatório do NTSB nele escreveu a fl. 20, quarto parágrafo, sob a epígrafe «Analysis», e se transcreve:

The investigation made no attempt to determine why the left main tank was virtualy empty, since many different pilot fuel management options were available which could have theoretically caused this condition. We only note that in all circumstances it is the duty of the pilot to (1) determine there is sufficient fuel for lhe intended flight and (2) to cheek the operation of the fuel system during lhe preflight run-up (ver nota 1).

A este propósito importa ainda transcrever da fonte documental que, pelo já exposto, parece ter sido preferida pela Comissão da Assembleia da República para esta mesma matéria, ou seja, das notas técnicas do processo investigativo da DGAC, reunidas no volume sobre investigação operacional, o que a fl. 84, sob o n.º 22, se afirma:

É completamente impossível determinar o modo como o piloto Jorge Albuquerque controlou e usou a gasolina dos vários depósitos.

e a fl. 88, sob o n.º 32, se escreve:
De qualquer modo, independentemente das causas que motivaram essa situação (inexistência de combustível nos depósitos da asa esquerda e quantidade apreciável nos da asa direita), tivesse o piloto cumprido com as normas correntes de verificação antes do voo, este nem sequer se teria iniciado. Neste caso, é forçoso salientar ainda que, em virtude da pouca confiança dada pelos indicadores de quantidade de combustível, uma inspecção visual aos depósitos de gasolina era absolutamente imperativa.

(nota 1) «A investigação não tentou determinar porque estava o depósito principal esquerdo praticamente vazio, uma vez que muitas e diversas opções de gestão do combustível se ofereciam ao piloto e poderiam ter provocado esta situação.

Notamos apenas que, em quaisquer circunstâncias, é dever do piloto (1) verificar se existe combustível suficiente para o voo planeado e (2) verificar o funcionamento do sistema do combustível durante o aquecimento do voo.»

Foi utilizada, na presente nota, bem como nas seguintes, a tradução do Centro de Documentação da PJ.

Assim, confrontados os textos transcritos do relatório do NTSB e das notas técnicas sobre investigação operacional processo da DGAC, forçoso é concluir que, primeiro, nada fundamenta o juízo de valor atribuído ao NTSB pela Comissão da Assembleia da República no seu relatório e, segundo, não existem divergências ou contradições de fundo entre as posições do NTSB e da CI da DGAC sobre a matéria em apreço. Por estas mesmas razões se não consegue entender qual o lícito objectivo da Comissão da Assembleia da República quando faz a contraposição contida no n.º 3.1, a fl. 21, do seu relatório.

b) A fl. 22, sob o n.º 3.2.1, do relatório em apreço da Comissão da Assembleia da República, esta contrapõe as opiniões da CI da DGAC e do NTSB quanto à fase do voo em que os flaps teriam sido utilizados (isto é, operados pelo piloto).

Cabe, neste passo, fazer um esclarecimento prévio.
O meio aeronáutico norte-americano, quando comparado com o português (neste se incluindo, historicamente, os seus prolongamentos nos anteriores territórios africanos), evidencia óbvias e profundas diferenças. Estas enraízam, entre outras razões, na perfeita banalização do emprego de meios aéreos nos Estados Unidos da América do Norte, designadamente no sector habitualmente designado por «aviação geral». Efectivamente, contra as cerca de 500 aeronaves desta classe simplesmente registadas em Portugal (e seus anteriores territórios africanos) agigantam-se as cerca de 285000 operadas naquele país, onde, em consequência, a formação e o exercício de pilotos profissionais são regulados, praticados e considerados, no plano técnico como no social, conformemente ao estatuto de múltiplas outras profissões correntes. Assim, não apenas pela dimensão dos números, mas especialmente pelas imposições de padronização, com objectivos de eficácia económica e segurança operacional, os métodos e processos de ensino, treinamento e operação aeronáuticos obedecem a estritos princípios que, na aviação geral, são convertidos em regras tão simples e pouco numerosas quanto o exigido para serem eficientemente cumpridas. Uma delas é a obediência absoluta às instruções e recomendações contidas no manual de operação das aeronaves e a subsequente inadmissibilidade de «pessoalismos» susceptíveis de as controverter. Ao investigar um acidente, os técnicos do NTSB pesquisam e tentam identificar, sendo caso disso, as omissões e ou os erros cometidos por referência aos padrões oficinais e recusam, por atavismo compreensível, a consideração de procedimentos e práticas alternativos, remetendo-os para o campo das considerações subjectivas.

Não é assim no meio aeronáutico português, no âmbito da aviação geral, igualmente por atavismos próprios e assaz conhecidos. Com efeito, a fidelidade às instruções e recomendações dos manuais autorizados cede perante o espírito de improvisação e a emulação individual, sendo frequentes a formulação e generalização de procedimentos e técnicas à revelia do normativo oficial e daqueles manuais. E esta anomalia é tanto mais vulgarizada quanto no plano social os profissionais seus intérpretes e executores mais pacificamente façam valer prerrogativas de destaque. Tal era o caso nos territórios africanos, designadamente, e as autoridades aeronáuticas nacionais disso têm consciência, razão por que, ao invés dos técnicos norte-americanos (sejam do NTSB ou de outro organismo aeronáutico), ao encararem o acidente, os investigadores portugueses, não podendo ignorar a realidade nacional, também não podem rejeitar a ponderação de alternativas não escritas, antes as devendo explorar para tentar encontrar a explicação, mesmo perante comportamentos e ocorrências regulamentarmente anómalos. Por isso, não podem quedar-se onde o investigador norte-americano, por razão do sistema em que está inserido, estanca.

Voltando à divergência de opiniões evidenciada na contraposição feita pela Comissão da Assembleia da República no ponto do seu relatório em consideração, o NTSB, a fl. 23 do original do seu relatório, no último parágrafo, escreve o que se transcreve:

The investigation was unable to explain the 5.6 degree flap setting. It has been suggested the pilot used flaps during the take-off roll. This cannot be substantiated, and is contrary to proper «C-421A» procedures [o sublinhado é do signatário da presente informação]. It is possible the pilot put flaps down in the final seconds of flight to «pop» over the upcoming bullding. The introduction of flaps will cause an immediate increase in altitude. In a sense this increase in altitude is reported by one witness. However, the actual presence of the flap setting cannot be explained (ver nota 1).

(nota 1) «A investigação não pôde explicar a posição dos flaps a 5,6º. Tem sido sugerido que o piloto utilizou flaps durante a fase de rolagem para descolar. Isto não pode ser consubstanciado e é contrário aos procedimentos normais com um C-421A. É possível que o piloto tenha posto os flaps para baixo dos últimos segundos de voo para 'saltar' por cima da casa de que se aproximava. O uso dos flaps causa um imediato aumento de altitude. De certo modo, esta subida foi relatada por uma testemunha. Contudo, não pode ser explicada a verdadeira existência da posição dos flaps.»

O texto transcrito evidencia o que atrás foi exposto quanto à atitude mental do investigador norte-americano face a uma constatação (os 5,6º dos flaps) que, conformemente ao manual do avião, só é explicável, em voo normal de transporte, na fase que antecede a aterragem e durante esta.

Em contrapartida, a CI da DGAC defende a hipótese da utilização de flaps na sua primeira posição na fase final da corrida de descolagem, como descreve no n.º 141, a fl. 70, do seu relatório, pelas razões aí mesmo invocadas, as quais configuram o quadro típico da adopção e rotinização de técnicas não oficiais e não autorizadas, situação frequente nos anteriores territórios africanos e amplamente substanciada em testemunhos recolhidos. Importa ainda anotar que o tempo de descida dos flaps até à posição em que foram encontrados é da ordem do segundo após a actuação do respectivo comando por um piloto. Sendo de cerca de 100 m a distância que medeia entre o traçado eléctrico da estrada de acesso ao Bairro de São Francisco e a Vivenda Paulos, onde o avião teve o primeiro impacte, e atenta a velocidade provável deste nesse troço do voo (da ordem dos 40/50 m por segundo), a actuação dos flaps deveria ter ocorrido já após o corte pela asa daquele traçado, exigindo, por um lado, uma positiva capacidade de coordenação psico-física do piloto e, por outro, o correcto funcionamento do sistema de alimentação de energia eléctrica de bordo.

Face ao exposto e para concluir este ponto, importa confirmar a validade da contraposição feita, uma vez que existe divergência de opiniões tal como expressas nos relatórios elaborados pelas entidades envolvidas. Contudo, crê-se que, independentemente dos condicionamentos de atitude que motivam ambas as partes, a hipótese defendida pela CI da DGAC é a que está mais substanciada.

c) No prosseguimento da sua análise, a Comissão da Assembleia da República, a fl. 22 do seu relatório, sob o n.º 3.2.2, escreve:

O piloto, nos pressupostos e circunstâncias admitidos, teria até procedido correctamente, procurando evitar o acidente, ao optar pela alimentação do motor esquerdo com recurso à selecção de combustível a partir do depósito principal da asa direita. Esta última operação teria sido, porém, mal executada.

No parágrafo seguinte, porém, lê-se:
Para o NTSB (fl. 2005) admite-se que o acidente tivesse sido evitado caso o piloto, nos primeiros três a sete segundos após a falha do motor, o tivesse colocado «em bandeira», ou seja, sem a hélice oferecer resistência ao avanço do avião.

Propondo-se a Comissão da Assembleia da República, nesta parte do seu relatório, evidenciar divergências, lacunas e contradições, quer dos relatórios que conhece, quer da sua própria investigação, forçoso é identificar aqui, uma vez mais, uma contraposição intencional entre afirmações escritas pela CI da DGAC e pelo NTSB. Neste contexto, haverá que, no entanto, desde já se acentuar que ao longo do relatório em inglês da equipa enviada por aquela entidade norte-americana não foi possível encontrar qualquer expressão susceptível de ser interpretada no sentido atribuído pela Comissão da Assembleia da República ao NTSB. Com efeito, o texto que atrás se transcreve e referido a fl. 2005 dos autos daquela Comissão é extraído do relatório do NTSB, a fl. 22, primeiro parágrafo, onde se lê:

At 50 m above the ground the aircraft should have had air speed of about 120 m. p. h. if the proper procedures were followed. The investigation did not attempt to determine what personal techniques the pilot used since this area is entirely subjective. At this air speed and altitude he had probably 3 to 7 seconds to completely configure the aircraft for single engine flight. After 7 seconds (using an accepted value of air speed decay of about minus 3 m. p. h. per second with the inoperative propeller not feathered) the aircraft would have decelerated below the air speed required to climb on with an engine out. Additionally it would soon be at or below 107 m. p. h., the minimum control speed. Below 107 m. p. h. there is not sufficient rudder available for the pilot to maintain directional control (ver nota 1).

(nota 1) «A 50 m do solo, o avião devia ter tido uma velocidade de cerca de 120 m. p. h. se se tivessem seguido os procedimentos adequados. A investigação não tentou divisar quais as técnicas pessoais que foram utilizadas pelo piloto, dado que esta área é inteiramente subjectiva. A esta velocidade e altitude, ele teve provavelmente 3 a 7 segundos para orientar o avião para um voo com um único motor.

Após sete segundos (usando um valor aceite de perda de velocidade de cerca de - 3 m. p. h. por segundo, com a hélice que não funciona sem estar embandeirada), a aeronave teria reduzido a velocidade a um nível de velocidade aérea inferior ao necessário para continuar a subir com um motor parado. Para mais, em breve estaria a 107 m. p. h. ou menos, o que é a velocidade mínima de controle. Abaixo de 107 m. p. h. o leme não é suficiente para o piloto manter o controle da direcção.»

A transcrição do relatório do NTSB que vem de fazer-se ilustra uma vez mais a tipicidade da atitude dos investigadores norte-americanos, referida no esclarecimento prévio incluído na antecedente alínea b), ao recusarem a consideração de técnicas não oficialmente aprovadas; mas não autoriza o sentido dado pela Comissão da Assembleia da República no seu texto atrás transcrito. Com efeito, o investigador do NTSB traça um quadro explicativo da cronologia dos acontecimentos com um avião Cessna-421A, partindo do momento em que este tenha atingido a altura de 50 m acima do solo e a velocidade normal correspondente a este ponto da sua trajectória de voo, ocorrendo então a perda de potência do motor esquerdo. Define, neste quadro teórico, o tempo de que o piloto disporia para, utilizando a técnica aprovada, configurar o avião na atitude correcta para o voo com um único motor, estabelece o limite de tempo a partir do qual a desaceleração experimentada pelo avião não permitiria assegurar uma linha de subida e refere o limite de velocidade abaixo do qual se torna impossível manter o seu controle direccional.

Por referir-se a esta mesma matéria, transcreve-se, da fl. 71, n.º 114 do relatório da CI da DGAC, o seguinte:

No caso de se optar pela continuação do voo com um só motor, a par com o controle do avião, urge conseguir uma configuração e uma velocidade que permitam aquele voo. No caso do Cessna-421A, a manutenção da altitude de voo não pode ser mantida se não estiverem simultaneamente satisfeitas as condições de flaps e trem de aterragem recolhidos, de hélice do motor inoperativo em passo de «bandeira» e de velocidade não inferior à da melhor razão de subida com um só motor (120 m. p. h. para a carga máxima).

Mais adiante, no texto do relatório do NTSB, a fl. 22, último parágrafo, continuando a fl. 23, lê-se:

It is not known why the pilot did not immediately feather the left propeller when it began to surge. The most likely sequence of events was that when the left engine surged the pilot or co-pilot immediately reached down to switch the left fuel selector to the rigt main position. This would have fed the left engine from the right tank. In fact the selection of a different tank had been made on a previous flight when one tank ran dry. Since the left fuel selector was found in the off position it is concluded one of the pilots unadvertently, while at night and during a critical phase of flight, shut off fuel to the left engine in an attempt to place the selector on a tank which contined fuel.

The pilot would not have immediately feathered the left propeller since he was expecting the engine to begin operating again. As the air speed decreased aircraft control became increasingly more difficult, and the pilot woul be completely occupied with the flight controls. The co-pilot, who was not qualified in the aircraft, obviously was not able to reposition the fuel selector (ver nota 1).

(nota 1)«Não se sabe por que é que o piloto não 'embandeirou' imediatamente a hélice esquerda quando esta começou a funcionar com descontinuidade ('engasgar'). A sequência de actos mais provável foi a seguinte: quando o motor esquerdo falhou, o piloto ou o co-piloto imediatamente se baixou para ligar o selector de combustível do lado esquerdo para a posição central do lado direito. Isto teria fornecido combustível do depósito do lado direito ao motor esquerdo. Na verdade, tinha sido feita a selecção de um depósito diferente num voo anterior, quando um depósito se esvaziou. Dado que o selector de combustível do lado esquerdo foi encontrado desligado (off), conclui-se que, inadvertidamente, e uma vez que era noite e esta era uma fase crítica do voo, um dos pilotos cortou o combustível do motor esquerdo ao tentar colocar o selector num depósito que contivesse combustível.

O piloto não terá 'embandeirado' imediatamente a hélice esquerda uma vez que esperava que o motor recomeçasse a funcionar. À medida que decrescia a velocidade mais difícil se tornava controlar a aeronave, e o piloto estaria completamente ocupado com os controles do voo. O co-piloto, que não tinha qualificações para este avião, obviamente não foi capaz de mudar o selector de combustível.»

Sobre esta mesma fase da reconstituição do voo refere-se no relatório da CI da DGAC, a fl. 72, n.º 147, o seguinte:

Atenta a impossibilidade de aterragem em frente, por já não dispor de comprimento remanescente de pista, ser de noite e estar a baixa altura e com pouca velocidade, tudo leva a crer que o piloto, tendo identificado a causa da perda de potência, haja optado pela selecção para outro depósito de combustível, com vista a conseguir a retoma de potência do motor. Consideradas as circunstâncias prevalecentes, esta manobra teria sido, no parecer da Comissão, a única susceptível de evitar o acidente. Tendo, contudo, em atenção o trabalho intenso que, no momento, impendia sobre o piloto, a manobra de selecção foi muito provavelmente solicitada ao segundo tripulante, que a teria tentado executar. Sentando-se à direita, o segundo tripulante poderia ter accionado o manípulo da selectora esquerda, mas em sentido contrário ao correcto [...]

A confrontação dos textos transcritos dos relatórios do NTSB e da CI da DGAC mostra, primeiro, que apenas esta última entidade emitiu juízo de valor quanto à manobra que, no quadro dos pressupostos e circunstâncias admitido, teria podido evitar, em última instância, o acidente e, seguidamente, que não existem divergências ou contradições de posição e atitudes das duas entidades no tocante à matéria envolvida.

Uma vez mais, pelas razões invocadas, se não consegue entender qual o lícito objectivo da Comissão da Assembleia da República quando faz a contraposição contida no n.º 3.2.2, a fl. 22, do seu relatório.

d) Ainda dentro do grupo das questões que a Comissão da Assembleia da República liga à explicação da trajectória do avião a partir da falha do motor esquerdo, a fl. 22 do seu relatório, sob o n.º 3.2.3, lê-se:

Para outros depoentes (n.os 4 e 7, fl. 685) poderia ter ocorrido, no momento do voo correspondente à falha do motor esquerdo, o accionamento de um dispositivo de sabotagem, pelo que a fase final do voo se teria processado, pelo menos, já com o piloto em estado de inconsciência.

A CI da DGAC, pelas razões invocadas a fl. 8 do relatório da Comissão da Assembleia da República («[...] as referências a depoentes são feitas por números, cuja identidade consta do glossário, que permanece, como todo o processo em segredo de justiça»), não teve acesso aos dois depoimentos que terão levado aquela Comissão a dar, no seu relatório, relevância à hipótese de sabotagem por accionamento de qualquer dispositivo colocado a bordo do avião. Não estando, embora, em condições de emitir juízo objectivo sobre a validade da fundamentação certamente apresentada pelas depoentes, a CI da DGAC não pode, porém, deixar de reafirmar que a hipótese de sabotagem não encontrou, até ao momento e na extensão do seu conhecimento, nenhum suporte material ou sequer circunstancial. A exploração da ideia de uma eventual incapacitação do piloto, suficiente para inibir a tomada de oportunas e correctas decisões durante o voo, não é, por outro lado, sustentável no estado actual dos conhecimentos ligados à ocorrência do acidente. Com efeito, enquanto não for produzida cabal prova em contrário, a hipótese de incapacitação terá de ser eliminada: primeira e fundamentalmente, devido à lógica trajectória do avião ao longo de todo o voo, já que, na configuração de propulsão assimétrica e com o centro de gravidade traseiro e fora do limite de operação normal, ele se teria despenhado em qualquer ponto ulterior do percurso, logo que o esforço coordenado do piloto deixasse de actuar os comandos de voo; seguidamente, por razão da ligeira subida do avião, testemunhalmente referenciada logo após o corte pela asa esquerda do traçado eléctrico da iluminação da estrada, uma vez que essa subida só poderia resultar de uma reacção consciente do piloto sobre os comandos.

e) A fl. 22, sob o n.º 3.3, do seu relatório, a Comissão da Assembleia da República refere a transcrição que fez a fl. 20, n.º 2.7, dos textos do relatório da CI da DGAC onde esta descreve os procedimentos que, havendo sido cumpridos, teriam evitado a ocorrência do acidente e indica os factores julgados contribuintes para o quadro das acções e omissões que configuraram a actuação do piloto. Estes textos, que foram já objecto de menção na parte final do n.º 8 da presente informação, são de novo citados para se lhes contraporem afirmações constantes do relatório do NTSB. Assim:

e') Afirma a Comissão da Assembleia da República que «o NTSB considera que não é indicativo de um piloto preocupado e nervoso ou um 'acto inseguro' o facto de o piloto requisitar à torre de controle uma 'descolagem imediata'» (fl. 2003).

Com efeito, a fl. 20, quinto parágrafo, do relatório em inglês do NTSB, lê-se:
When the pilot first contacted Lisbon tower his transmission contained standard air traffic control terminology with one exception. This was his request for an immediate take-off while still in the aircraft parking area. While unusual, we cannot conclude it was indicative of a worried, nervous pilot and certainly it was not an unsafe act. Possibly he was giving fair warning to the tower operator that he was in a hurry. However, being in a hurry does not mean sloppy pilot performance (ver nota 1).

(nota 1) «Quando o piloto contactou a torre de Lisboa pela primeira vez, a sua transmissão continha a terminologia habitual de controle de tráfego aéreo, com uma excepção, que foi o seu pedido de descolagem imediata, enquanto se encontrava ainda na zona de estacionamento. Se bem que seja pouco habitual, não podemos concluir através disto que o piloto estava preocupado, nervoso e, por certo, não constituiu um acto pouco seguro. Possivelmente, ele esta estava a avisar devidamente o operador da torre de que estava com pressa. Contudo, estar com pressa não significa que o piloto aja descuidadamente.»

A CI da DGAC não discorda, antes aceita as considerações do relator do NTSB que vêm de ser reproduzidas. Não encontra, porém, no texto do do seu relatório algo que justifique a contraposição feita pela Comissão da Assembleia da República, a menos que esta pretenda pôr em causa o que está afirmado a fl. 82, n.º 177, desse relatório e a seguir se transcreve:

Foram factores contribuintes a tensão psíquica vivida pelo piloto, a precipitação da partida e a fadiga física.

Cabe, pois, esclarecer, ainda que brevemente, as razões que fundamentaram a inclusão no relatório desta afirmação.

Foram ouvidos depoimentos de declarantes e testemunhas, bem como recolhida documentação idónea, de que o piloto não tinha, nesta qualidade, ocupação permanente e procurava emprego estável na TAP, encarando a oportunidade da prestação de um serviço às altas entidades que pereceram no acidente como favorável à concretização de tal pretensão. Esta havia, com efeito, sido recusada em processo normal de admissão, devido aos resultados negativos dos testes psicotécnicos a que fora submetido naquela empresa pública. A responsabilidade da condução em voo de personalidades da mais elevada importância política e nacional e a imperiosa necessidade de o fazer por forma a produzir nelas a mais favorável impressão configuram, por via de regra, uma situação não negligenciável de tensão psíquica, tanto mais provável quanto no quadro do comportamento anterior do piloto hajam sido assinalados incidentes de rendimento profissional. Por fim, parece incontroverso que as alongadas dificuldades do arranque do motor esquerdo, sob a pressão de um atraso que aumentava, impacientando as altas entidades, já instaladas a bordo, como amplamente documentado e testemunhado, não deixariam de contribuir para o adensamento de um estado de tensão.

Quanto à precipitação da partida, também amplamente reconhecida, não poderia ela deixar de reflectir-se numa apressada execução das verificações obrigatórias da descolagem. Não havendo, embora, sido provado que esta ocorrência haja afectado o normal funcionamento dos motores durante a descolagem, poderão, contudo, invocar-se duas consequências não alheias ao acidente: a opção, de noite, por uma descolagem a partir de metade da pista; o momento do esgotamento do combustível no tanque principal esquerdo, que poderia ter sido antecipado e, eventualmente, ocorrer antes da descolagem se, na execução das verificações e do aquecimento do motor esquerdo, este tivesse consumido no solo maior quantidade de combustível. Finalmente, reproduz-se o que consta a fl. 23, sob o n.º 37, do relatório da CI da DGAC quanto à ocupação do piloto:

No período de 48 horas imediatamente anterior ao início do voo que terminou no acidente: tempo de serviço de voo - 21 horas e 58 minutos; tempo de voo - 2 horas e 38 minutos;

No período de 24 horas imediatamente anterior ao início do voo que terminou no acidente: tempo de serviço de voo - 9 horas e 12 minutos; tempo de voo - 54 minutos.

A salvaguarda da segurança do voo contra os efeitos da fadiga das tripulações é objecto de normas e padrões internacionais aplicáveis ao transporte aéreo. No nosso país, tal matéria é acolhida em regulamentação aprovada pelo Decreto 31/74, de 1 de Fevereiro, cujas disposições, contudo, são unicamente aplicáveis aos tripulantes empenhados em operações relativas a transporte aéreo regular e não regular. Embora o transporte de pessoas em aeronaves privadas não caia sob o rigor da regulamentação vigente, a ocorrência da fadiga e dos seus efeitos persiste nas outras classes de operação e, em termos objectivos, as razões técnicas que fundamentam a necessidade do competente normativo legal preventivo não são essencialmente diferentes. Por isso se remetem os críticos à asserção da fadiga física, como factor contribuinte para o acidente, para o citado diploma legal.

e") A fl. 23, e ainda sob o n.º 3.3 do seu relatório, assinala a Comissão da Assembleia da República que o NTSB considera ainda «[...] que teria sido possível ao piloto dispor de tempo suficiente para efectuar o checklist e verificação dos magnetos antes da descolagem e que pela evidência física dos destroços existentes se prova que ambos os motores e seus acessórios, bem como outras partes vitais do avião, teriam podido operar normalmente até ao momento do impacte (fls. 2003 e segs.)».

O NTSB, a fl. 20, último parágrafo, continuado a fl. 21, do seu relatório em inglês, afirma:

Although the aircraft did not stop to run up the engines or to complete the before take-off checklist, it is possible (and often done) that the checklist was completed in the three minutes as the aircraft taxied to the runway. Finally, the magnets could have been checked just as the power was brought up while on the runway. Although ideally those checks are made before entering the runway, the fact the aircraft did not stop does not mean the checklist was not completed properly. Therefore, we make no conclusions concerning this portion of the flight except that it was possible for the pilot to complete the necessary checklist items [o sublinhado é do signatário da presente informação] (ver nota 1).

(nota 1) «Embora o avião não tenha parado para aquecer os motores ou para acabar a verificação (checklist) antes de descolar, é possível (e muitas vezes sucede) que a verificação tenha sido feita nos três minutos em que o avião foi conduzido para a pista de descolagem. Por fim, os magnetos podiam ter sido verificados logo que se aumentou a potência, quando se encontrava na pista. Embora, de preferência, estas verificações sejam feitas antes de entrar na pista, o facto de a aeronave não ter parado não significa que a verificação (checklist) não tenha sido devidamente levada a cabo.

Portanto, não tiramos conclusões em relação a esta parte do voo, excepto que era possível que o piloto tivesse completado as verificações necessárias.»

Este texto do relatório do NTSB confirma a primeira parte do texto do relatório da Comissão da Assembleia da República atrás transcrito e dele não discorda a CI da DGAC. Esta, no seu relatório, tal como o NTSB, não tira conclusões que possam ter-se por contraditadas pelos norte-americanos. Com efeito, sobre a matéria em questão escreveu a fl. 69, sob o número 138:

[...] A Comissão, com base em testemunhos presenciais, concluiu que o tempo que medeou entre o arranque do motor esquerdo e o início da corrida de descolagem foi manifestamente inferior ao que normalmente é necessário.

Não é lícito daqui concluir que não teria sido possível ao piloto efectuar o checklist antes da descolagem.

No tocante à segunda parte do texto transcrito do relatório da Comissão da Assembleia da República, onde «pela evidência física dos destroços existentes se prova que ambos os motores e seus acessórios, bem como outras partes vitais do avião, teriam podido operar normalmente até ao momento do impacte», não se conseguiu referenciá-la no texto invocado do relatório em inglês do NTSB, ou seja, sob a rubrica «Analysis», a fls. 20 e seguintes até à 23, a menos que, como tal, haja sido interpretada a primeira parte do terceiro parágrafo a fl. 21, que se transcreve:

The aircraft would fly well with the weight and balance configuration that existed on aircraft YV-314P. However, would only do so with both engines operating properly (ver nota 1).

(nota 1) «O avião teria voado bem com a configuração de peso e equilíbrio que existia na aeronave YV-314P. Contudo, só o podia ter feito com ambos os motores a funcionarem bem»

f) A fl. 23, sob o número 3.4, do seu relatório a Comissão da Assembleia da República, mercê da análise que fez dos depoimentos das testemunhas constantes nos autos dos relatórios oficiais, bem como das declarações perante ela mesma prestadas, identifica cinco aspectos da reconstituição oficial do acidente que considera «pouco claros». Não obstante a atipicidade da expressão nos parágrafos subsequentes, à excepção de um, que inviabiliza a identificação de quais os depoimentos e declarações relacionados com aqueles aspectos em que a Comissão julga dever apontar divergências, lacunas e contradições, tomar-se-ão por referências, no que a seguir se irá expor, os relatórios da CI da DGAC e do NTSB, bem como a documentação do processo investigativo que conduziu a cada um deles, e ainda o relatório de 4 de Maio de 1982 subscrito pelo perito britânico Eric Newton.

g) O primeiro dos aspectos que a Comissão da Assembleia da República considera pouco claros é descrito a fl. 23, sob o n.º 3.4.1, do seu relatório, como se transcreve:

Se o piloto terá feito ou não uma visita prévia de inspecção ao avião antes da partida final.

Sobre esta matéria, no relatório da CI da DGAC escreveu-se:
A fl. 13, n.º 4:
Para este voo, o piloto chegou ao Aeroporto da Portela próximo das 18.30 horas, acompanhado pelo segundo tripulante. Elaborou e depositou o plano de voo, satisfez as formalidades e os encargos do despacho no serviço de operações aeroportuárias e ficou a aguardar, junto do serviço de tráfego e movimento do Aeroporto, a chegada dos passageiros.

A fl. 13, n.º 7:
Cerca das 19.15 horas chegaram três passageiros, que, depois de apresentados ao piloto e ao segundo tripulante, foram encaminhados para a sala grande de VIP. O piloto fez-se transportar para o avião cerca das 19.30 horas.

A fl. 14, n.º 8:
Os dois outros passageiros esperados chegaram ao Aeroporto pouco depois. Reunidos os cinco passageiros, foram conduzidos ao avião, onde chegaram cerca de 19.35 horas, tendo ocupado apressadamente os respectivos lugares.

A fl. 14, n.º 9:
Entre as 19.35 horas e as 19.45 horas, o piloto, utilizando a bateria de acumuladores de energia eléctrica de bordo, executou, sem êxito, uma série de tentativas de arranque dos motores [...]

A fl. 14, n.º 10:
Cerca das 19.45 horas e por solicitação do piloto, a TAP fez deslocar um gerador para junto do YV-314P, a fim de fornecer-lhe energia eléctrica para o arranque dos motores. Falhadas três tentativas no motor esquerdo, o piloto conseguiu pôr em marcha o motor direito pelas 19.52 horas estimadas. Prosseguiu seguidamente as tentativas de arranque do motor esquerdo.

A fl. 68, n.º 137:
No dia do acidente, o piloto dirigiu-se para o avião cerca das 19.30 horas e fez embarcar os passageiros cerca de cinco minutos depois. Em conformidade com as normas correntes da segurança operacional e os procedimentos expressos no manual do avião, o piloto deveria ter executado, ou feito executar, a inspecção de antes de voo. Esta inspecção inclui, entre muitas outras, a verificação visual, directamente nos depósitos, da quantidade de combustível nestes existente. A Comissão concluiu, porém, que essa inspecção, a ter sido realizada, não foi extensiva àquela verificação de primordial importância. Com esta omissão, deu o piloto início ao processo que conduziu ao acidente.

A fl. 80, n.º 164:
O piloto não executou, nem fez executar, a inspecção obrigatória antes do voo.
As transcrições feitas formam o encadeamento de informação que habilitou a CI da DGAC a tirar a conclusão expressa na última delas. Com efeito, o piloto não teria disposto senão de cerca de cinco minutos para fazer, de noite, a indispensável inspecção antes de voo. Por inspecção entende-se a totalidade das 76 alíneas descritas a pp. 1 e 2, 1-3 e 1-4 do manual de operação do Cessna, modelo 421A. A omissão da verificação visual da quantidade de gasolina existente no depósito principal esquerdo, que estaria quase vazio, impõe, por si só, a conclusão alcançada.

Neste contexto, se a Comissão da Assembleia da República considera ainda pouco claro este aspecto da reconstituição oficial, tal será, quase certamente, devido à contestação daquela conclusão feita por um dos declarantes com quem, nas audições sob juramento decorridas em 5 e 6 de Abril do ano corrente, a mesma Comissão entendeu por bem confrontar os quatro membros da CI da DGAC para elas convocados. Em síntese e com base na folha modelo n.º 498-ALMS, de 4 de Dezembro de 1980, referente à coordenação de transportes do Aeroporto de Lisboa, cujo envio a Comissão solicitou directamente do conselho de gerência da ANA, E. P., e em declarações colhidas pretensamente de um dos motoristas nessa folha identificados, esse declarante assegurava que o piloto se havia deslocado até ao avião duas vezes antes do voo, tendo a primeira decorrido entre as 19.00 e as 19.15 horas. Teria, assim, sido possível ao piloto fazer a inspecção obrigatória antes de voo neste intervalo de tempo.

A CI da DGAC possui prova documental e depoimento testemunhal comprovativos de que a tripulação transportada para a plataforma Delta às 19 horas de 4 de Dezembro de 1980 destinou-se ao avião de marcas de nacionalidade e matrícula EC CCR, propriedade da EUROCOMMANDER; o motorista que fez o transporte nunca foi entrevistado ou interrogado pelo declarante. Ficou, por esta forma, formalmente desmentido o citado declarante e, consequentemente, esclarecida a dúvida por ele levantada na Comissão da Assembleia da República.

h) O segundo aspecto considerado pouco claro no relatório em apreço vem referido a fl. 23, n.º 3.4.2, nos termos seguintes:

Se existia ou não qualquer foco de incêndio na aeronave, antes ou depois de ter cortado os fios eléctricos na estrada de acesso ao Bairro de São Francisco, antes ou depois de ter embatido na Vivenda Paulos ou antes do último embate registado na Vivenda Zeca, em função de depoimentos contraditórios constantes a fls. 84, 170, 179, 192, 231, 338, 346, 349, 352, 354, 357, 358, 359, 362, 363, 365, 366, 367, 370, 372, 373, 374, 376, 378, 380, 387, 3233, 3266, 3280, 3284, 3285, 3286, 3287, 3288, 3290, 3294, 3296, 3297, 3300.

Como já atrás sublinhado e pela razão aí mesmo apontada [cf. a alínea d) do n.º 14 da presente informação], a CI da DGAC não teve acesso aos depoimentos referenciados no relatório da Comissão da Assembleia da República e que, por contraditórios, levaram esta Comissão a concluir pela dúvida. Não está, pois, em condições de emitir juízo objectivo sobre a validade e importância que tais depoimentos representam para o esclarecimento da questão posta, mas julga poder e dever reafirmar a posição que expressou no seu relatório, com base na prova testemunhal que oportunamente recolheu, na total ausência de indícios materiais susceptíveis de substanciarem uma hipótese de incêndio a bordo antes dos embates nos edifícios e, ainda, nas implicações lógicas decorrentes do processo de ignição observado após a imobilização final da aeronave.

Ao ponderar os termos da expressão de dúvida da Comissão da Assembleia da República atrás transcritos, anota-se a intencional precisão das sucessivas fases do voo e, mesmo, da sequência dos impactes nos edifícios, bem como a extensão dos depoimentos recolhidos. A ênfase subjacente a esta atitude parece configurar uma preocupação lícita no âmbito genérico dos deveres de diligência na procura exaustiva de explicações para todas as dúvidas e interrogações que, com melhor ou pior fundamento, tenham vindo a ser ligadas à sequência dos acontecimentos, bem como para todas as interpretações que, objectiva e subjectivamente, destas hajam sido feitas. A CI da DGAC, sem rejeitar a legitimidade do esforço empreendido e muito menos negar o interesse aos objectivos para que propende, entende, porém, que, no quadro factual já definido, os resultados que podessem ser alcançados careceriam de relevante nexo causal com o acidente.

Efectivamente, é incontroverso, que: pelo exame dos destroços da asa esquerda, do motor do mesmo lado e do estabilizador horizontal, não existiu, pelo menos nestas partes do avião, qualquer foco de incêndio, nem antes nem após os impactes no traçado eléctrico junto à estrada, nos edifícios e no solo; pelo exame da hélice do motor esquerdo, conjugado com os testemunhos colhidos e o exame dos instrumentos indicadores da pressão do óleo de lubrificação dos motores, se comprova que aquele motor não desenvolvia potência no momento dos impactes; pelo exame deste mesmo motor, depois de completamente desmontado, bem como dos acessórios e comandos da respectiva instalação, se constata a inexistência de qualquer anomalia mecânica que pudesse ter originado aquela perda de potência; pelos exames do sistema de combustível da asa esquerda, não afectada por qualquer foco de incêndio, que alimentava o motor esquerdo, bem como dos acessórios e linhas de alimentação e da unidade de regulação da quantidade de combustível injectado neste motor, igualmente não afectado por qualquer foco de incêndio, se revelou a inexistência de gasolina neles no momento dos impactes; a pesquisa de indícios deste combustível na área não afectada por qualquer incêndio em que ficaram imobilizados os destroços da asa esquerda após o embate no telhado do primeiro edifício foi negativa; finalmente, pelo exame da hélice do motor direito, conjugado com os testemunhos colhidos e o exame dos instrumentos indicadores da pressão do óleo de lubrificação dos motores, se comprova que aquele motor desenvolvia elevada potência no momento dos impactes.

É esta a cadeia factual que prova ter ocorrido uma queda total de potência no motor esquerdo, devida ao esgotamento do combustível no depósito da asa do mesmo lado, que o alimentava, e que igualmente prova ter-se o motor direito mantido em funcionamento, com elevada potência, até ao seu embate no edifício. Qualquer destas situações, como resulta óbvio, é independente da eventual ocorrência de algum foco de incêndio a bordo do avião.

Os embates nos edifícios foram a consequência da perda de velocidade que sobreveio à queda de potência do motor esquerdo, uma vez que o avião não foi configurado para o voo com um único motor logo após esta ocorrência. A manobra indispensável para conduzir o avião à configuração necessária teria sido a colocação da hélice esquerda em passo de «bandeira»; a opção pelo recurso à alimentação cruzada de combustível a partir do depósito direito poderia, não obstante, ter evitado o acidente se a respectiva manobra tivesse sido bem executada.

A ter existido qualquer foco de incêndio a bordo, ele teria de localizar-se forçosamente ou na instalação de potência e asa direitas, ou na fuselagem, ou na secção central das asas.

Nesta última zona, para que um incêndio danificasse qualquer componente do sistema de comando do passo da hélice esquerda, que é totalmente mecânico (cabos de aço, roldanas, órgãos de ligação de aço), ao ponto de impossibilitar a execução da manobra de colocação dessa hélice em passo de «bandeira», tal incêndio teria de desenvolver uma temperatura e produzir estragos estruturais tão importantes que os sinais da sua ocorrência seriam iniludíveis. Mas a observação pericial da secção central das asas, repetidamente feita pelos técnicos nacionais e estrangeiros, não mostra qualquer indício de tal tipo de incêndio. E idêntica conclusão é extensiva aos componentes do sistema de comando da torneira selectora de combustível para o motor esquerdo, o qual é, construtivamente, mais resistente aos efeitos de um eventual incêndio.

Por outro lado, qualquer eventual incêndio na fuselagem, localizado na área do posto de pilotagem, antes que atingisse a intensidade bastante para produzir na parte aí localizada dos sistemas de comando, seja do passo da hélice esquerda, seja da torneira selectora de combustível para o motor esquerdo, danos que inviabilizassem a manobra da colocação dessa hélice em passo de «bandeira», teria incapacitado o próprio piloto para qualquer outra acção de comando do avião. Esta hipótese, porém, não é sustentável, pelas razões já atrás aduzidas [cf. o n.º 14, alínea d), da presente informação].

Finalmente, a alternativa da eventual ocorrência de um foco de incêndio em qualquer outra zona da fuselagem, na instalação de potência direita ou na asa do mesmo lado teria sido pouco relevante na sucessão dos acontecimentos que determinaram o acidente, porque, designadamente, não afectou visivelmente a potência de propulsão à direita, nem degradou sensivelmente a capacidade de controle da atitude do avião, face à lógica trajectória deste até ao embate no primeiro edifício.

Antes de dar por findo este comentário, julga-se dever recordar o que na reconstituição do voo, tal como feita no relatório da CI da DGAC, se regista a fl. 18, n.º 28, e se transcreve:

Segundo testemunhas oculares, durante segundos, após a imobilização do YV-314P, as únicas manifestações visíveis de fogo foram um pequeno foco localizado junto da estrutura do nariz, que se esmagara sobre a viatura, e, na extremidade da fuselagem, à altura do segundo piso da Vivenda Zeca, o faiscar dos condutores eléctricos cortados. Uma das testemunhas estima em vários segundos o tempo decorrido entre a imobilização do avião e o momento da grande deflagração do incêndio [...]

Mais adiante, no mesmo relatório e em consequência dos depoimentos das testemunhas presenciais que fundamentam a reconstituição atrás feita, escreve-se a fl. 46, n.º 80:

O desencadeamento do incêndio sobreveio à imobilização do avião depois de este se ter despenhado de nariz para baixo e numa atitude próxima da vertical sobre a viatura estacionada no arruamento de acesso ao Bairro. Não houve explosão. O foco iniciador do incêndio localizou-se muito provavelmente na área que compreendia os destroços do nariz e do fuso do motor direito do avião, sendo, contudo, de considerar como outro ponto possível de ignição a área do embate do depósito principal e asa direitos no edifício [...] O incêndio circunscreveu-se à área abrangida pelos destroços do avião caídos no arruamento [...] As projecções de materiais incandescentes foram pouco assinaláveis [...]

As hipóteses da existência de um foco de incêndio nas zonas do avião em que tal seria possível (secção central das asas, fuselagem e instalação de potência e asa direitas), durante o voo e antes de qualquer embate, ou mesmo após o corte do traçado eléctrico pela asa esquerda, ou a seguir ao embate no primeiro edifício, resultam extremamente improváveis, face aos relatos das testemunhas que substanciaram a reconstituição feita. Com efeito, a existir a bordo um incêndio suficientemente extenso e intenso para que como tal pudesse ser facilmente referenciável por observadores no solo, as consequências dos embates sofridos pelo avião nos edifícios, com os danos estruturais resultantes, teriam conduzido a uma deflagração ou explosão praticamente instantânea, acompanhada quase certamente de projecções de matérias incandescentes e do subsequente aumento da área atingida pelas chamas. A imagem registada pelas testemunhas presenciais, na escuridão resultante do corte do traçado aéreo da distribuição de energia eléctrica, ao referenciarem a forma esbranquiçada do que restava do avião imobilizado, o pequeno foco de ignição no solo e na zona de queda do motor direito, as faíscas das pontas dos condutores eléctricos pendentes, o tempo antes da deflagração e desenvolvimento vertical das chamas, só com extrema dificuldade configuraria o caso de um avião que, com fogo a bordo, se despenhasse no solo depois de uma sucessão de impactes em edifícios.

i) Um terceiro aspecto, entendido como pouco claro pela Comissão da Assembleia da República no seu relatório, vem aí referido a fl. 23, n.º 3.4.3, nos termos que se transcrevem:

A disposição final das diversas partes do avião durante o incêndio e a ele sujeitas.

A questão levantada não pode ser dissociada do curso dos acontecimentos logo após a ocorrência do acidente, designadamente do modo como se processou a prestação de socorros, como, aliás, a própria Comissão da Assembleia da República reconhece mais à frente no seu relatório (cf. fl. 31, n.º 2.3). A CI da DGAC disso dá conta no seu próprio relatório a fl. 33, n.º 61, como se transcreve:

[...] O acesso às áreas onde se encontravam os destroços do avião foi inviabilizado pela grande multidão que aí se juntou. As autoridades presentes foram impotentes para isolarem convenientemente a zona e facilitarem a movimentação das entidades oficiais. A circulação de viaturas de socorros apenas se tronava possível através de corredores abertos por batedores da GNR e PSP. O corte pelo avião dos traçados aéreos de distribuição pública de energia eléctrica mergulhou todo o Bairro na escuridão, agravando as dificuldades de movimentação, intervenção e controle da situação.

E mais adiante, a fl. 34, n.º 62:
Os primeiros socorros foram prestados pelo destacamento de bombeiros do Aeroporto da Portela, que, uma vez extinto o incêndio, regressaram à sua base, tendo sido substituídos nas operações de rescaldo e remoção dos corpos das vítimas pelos Bombeiros Municipais de Lisboa e pelos Voluntários de Camarate. Aquelas operações foram executadas com a incontrolável participação de elementos da população, não tendo sido observados os cuidados decorrentes da necessidade de preservação dos indícios susceptíveis de possibilitarem e ou facilitarem o êxito do trabalho de investigação subsequente a desastres com aeronaves. De igual modo se constatou ter sido impossível resguardar os restos do avião e do que nele estaria contido para prevenir o seu descaminho ou a alteração do seu estado. A guarda montada aos destroços foi iludida pela intervenção de pessoas não autorizadas, que conseguiram assim acesso aos mesmos. O rigor das observações e exames periciais levados a cabo pela Comissão de Inquérito foi, em consequência, inevitavelmente prejudicado [...]

Independentemente, porém, deste factor reconhecidamente desfavorável a qualquer investigação pericial, perante a caracterização do acidente feita na alínea h) antecedente a propósito da irrelevância das hipóteses de incêndio a bordo em termos de nexo causal, há que entender-se que a reconstituição da disposição final das partes do avião que arderam é necessária e foi objecto de aturada análise por dever geral de toda a investigação técnica, mas principalmente porque assim é estabelecido no objectivo aeronáutico do inquérito. Este visa (e cita-se de fl. 5 do relatório da CI da DGAC):

A determinação dos factos, condições e circunstâncias relacionados com a sobrevivência ou não sobrevivência dos ocupantes e a capacidade de resistência da aeronave aos acidentes (crashworthiness). A investigação de aspectos de segurança que, revelando-se, embora, totalmente desligados das circunstâncias ou cadeia de acontecimentos que conduziram ao acidente, possam, no entendimento do investigador, resultar benéficos em termos de efectiva prevenção de acidentes.

Este objectivo foi alcançado, ainda que com o recurso a algumas hipóteses aceitáveis e não obstante os nefastos efeitos da caótica prestação de socorros sobrevinda ao acidente. Assim:

i') A reconstituição feita pela CI da DGAC da trajectória das diversas partes do avião após o primeiro embate nos edifícios e até à sua imobilização antes da deflagração do incêndio, descrita a fl. 17, n.os 26 e 27, e a fl. 38, n.os 67, 68 e 69, foi confirmada pela análise da equipa norte-americana do NTSB. Destacam-se do relatório em inglês desta equipa os passos que se transcrevem de fl. 4, segundo parágrafo:

[...] the fuselage came to rest in a nearly vertical nose down position between two houses on a narrow street. The fuselage tipped forward so that the top of the empennage rested against a house, or in a partially inverted position. The cabin was not broken open during the impact sequence. Fire erupted within a short time and totally engulfed the fuselage within seconds after the final impact (ver nota 1).

(nota 1) «A fuselagem imobilizou-se quase verticalmente, com o nariz para baixo, entre duas casas, numa rua estreita. A fuselagem inclinou-se para a frente, ficando a parte superior da cauda encostada a uma casa, ou seja, numa posição parcialmente invertida. A cabina não se quebrou durante a sequência de embates. Em pouco tempo se desencadeou um incêndio que envolveu toda a fuselagem segundos após a última colisão.»

E, ainda do mesmo relatório do NTSB, a fls. 9 e 10, n.º 1.12:
[...] The left wing sheared off, absorbing much of the impact forces. It was likely the left engine, which failed in an upward motion, was separated from the engine mount at this time. The aircraft begain a pivot and roll to the left. The right wing struck the Vivenda Zeca roof and wall [...], probably followed by the fuselage striking a portion of the same building. The fuselage continued the downward, turning trajectory. The right wing and nacelle absorbed much of the second impact, which accounted for the continued integrity of the fuselage and the absence of indications of compression damage to the front of the fuselage. The right wing separated as the fuselage continued the turn to the left. The fuselage came to rest inverted in the street [...] The separation of the right wing ruptured the fuel tanks. As the wing came down with the wreckage to the street the fuel became the source of the fire. The ignition was either the right engine or the cut electrical wires. The horizontal stabilizer was torn from the fuselage attach points by tearing out from the fuselage frame and skin. It separated to the right, probably as the right wing struck Vivenda Zeca (ver nota 1).

(nota 1) «A asa esquerda foi arrancada, absorvendo muito das forças de embate. É provável que o motor esquerdo, que falhou em ascensão, se tenha separado do suporte para o motor nesta altura. A aeronave começou a descrever um pivot e a rolar para a esquerda. A asa direita embateu contra o telhado e a parede da Vivenda Zeca [junto do n.º 7, no anexo A], provavelmente embatendo a fuselagem contra uma parte da mesma casa. A fuselagem prosseguiu a sua trajectória descendente e em curva. A asa direita e a nacela absorveram grande parte do segundo embate, o que explicou o facto de a fuselagem permanecer intacta e não haver indícios de danos causados por compressão na parte da frente da fuselagem. A asa direita separou-se, enquanto a fuselagem continuava a curvar para a esquerda. A fuselagem deteve-se, invertida, na rua assinalada junto do ponto 3. A separação da asa direita provocou uma ruptura nos depósitos de combustível. Uma vez que a asa se despenhou na rua, junto com os destroços, o combustível veio a ser a fonte de incêndio. A ignição foi provocada ou pelo motor direito ou pelos cabos eléctricos cortados.

O estabilizador horizontal encontrava-se separado das ligações que o prendiam à fuselagem por se ter desprendido da estrutura e da superfície da fuselagem. Soltou-se para o lado direito, provavelmente quando a asa direita atingiu a Vivenda Zeca.»

i") A análise das diversas partes do avião sujeitas ao incêndio possibilitou as conclusões que, do ponto de vista dos factos, condições e circunstâncias relacionados com a sobrevivência ou não sobrevivência dos ocupantes e a capacidade de resistência da aeronave e sistemas próprios de segurança, estão sintetizadas a fls. 47 e 48, n.º 82, do relatório da CI da DGAC e são confirmadas pela equipa do NTSB no relatório respectivo. Destacam-se deste os pontos que se transcrevem a fl. 15, sob a epígrafe «Aircraft wreckage»:

The entire cockpit cabin area was burned completely. Only the small metal frame to which the seat fore/aft adjustment mechanism was attached was found, and this was undamaged (ver nota 2a). The seats showed no indications of strong impact forces in horizontal, vertical forward or aft planes. The absence of any significant deformation indicates a low velocity crash (ver nota 1) [...] This factual conclusion is supported by the fuselage/cabin integrity and the absence of significant fractures to the victims (ver nota 2b).

(nota 2a)«Destroços da aeronave. - Toda a área da carlinga/cabina estava completamente queimada. Apenas se encontrou a pequena armação metálica a que estava preso o mecanismo de regular o assento para a frente ou para trás e que se encontrava intacta.»

(nota 1) «Os assentos não mostravam sinais de elevadas forças de impacte nos planos horizontal, vertical para a frente ou vertical para trás. A ausência de qualquer deformação significativa denota uma colisão a baixa velocidade [...]»

(nota 2b) «Esta conclusão factual encontra-se corroborada pela integridade da fuselagem-cabina e pela ausência de fracturas significativas nas vítimas.»

Mais adiante, a fl. 16, sob a epígrafe «Aircraft crashworthiness», escreve-se:
The kinematics of the aircraft indicate that the occupants were never subjected to high longitudinal impact loads (ver nota 3) [...] The low airspeed of the aircraft (estimated at about 100-105 m. p. h. before the further dissipation of airspeed when the first wires were hit) was the first reason for low impact forces (ver nota 4).

(nota 3) «Avaliação do embate da aeronave. - A cinética da aeronave indica que os ocupantes nunca estiveram sujeitos a elevadas forças longitudinais de impacte [...]»

(nota 4) «A baixa velocidade do avião (calculada em cerca de 100 m. p. h. 105 m. p. h., antes da nova redução da velocidade, ao atingir os primeiros cabos electricos) constitui a primeira causa de forças de impacte baixas.»

E, ainda, a fls. 16 e 17, sob a epígrafe «Survival aspects», lê-se:
The accepted aviation definition of a survivable accident is as follows: (1) Integrity of cabin/cockpit areas is maintained; (2) Low impact/g forces; (3) Maintenance of the restraint system (seats and seat belts) (ver nota 5).

The subject accident met all the conditions and was therefore considered a survivable accident.

The second judgement of crash survivability concerns post crash survival conditions. The rapid development of the post crash fire resulted in an unsurvival condition. It is common that when intense fires start within seconds after impact the chances of survival are slim (ver nota 6).

(nota 5) «Condições de sobrevivência. - A definição aeronáutica aceite de um acidente passível de se sobreviver é a seguinte:

1) Mantêm-se inteiras as áreas da cabina e da carlinga;
2) Forças g (gravidade) de baixo impacte;
3) Conservação do 'sistema de restrição' (assentos e cintos de segurança).»
(nota 6) «O acidente em questão satisfez todos estes requisitos e, portanto, foi considerado como passível de ser sobrevivido.

A segunda avaliação das possibilidades de sobrevivência está relacionada com as condições de sobrevivência após o acidente. É habitual que sejam poucas as chances de sobrevivência quando se desencadeiam incêndios violentos segundos após o embate.»

Face ao exposto e para concluir este ponto, afigura-se à CI da DGAC que, para os objectivos da investigação, conhecido, como é, o quadro dos factores causais do acidente, as imprecisões menores relativas ao levantamento das posições finais das diversas partes do avião durante o incêndio e a eles sujeitas, por razão do modo como se processaram as acções da prestação de socorros, não têm relevância para motivar a preocupação para que propende a expressão de dúvida empregada pela Comissão da Assembleia da República no seu relatório.

j) Prosseguindo a citação dos aspectos pouco claros da reconstituição oficial do acidente, tal como definidos pela Comissão da Assembleia da República no respectivo relatório, transcreve-se, a fl. 23, n.º 3.4.4, o seguinte:

A probabilidade apontada pela CI da DGAC para a não existência de energia a bordo durante a emergência.

Não obstante a atipicidade da expressão usada, desta feita no tocante ao objecto mesmo da questão, julga-se que, ao referir-se à energia de bordo, a Comissão da Assembleia da República pretenda levantar a questão das dúvidas surgidas e reportadas sobre o estado de funcionamento do alternador direito do avião e das consequências para o voo, na eventualidade de tal alternador se encontrar inoperativo.

Nesta área de análise, o relatório da CI da DGAC aponta explicitamente o que a seguir se transcreve:

A fl. 16, n.º 22:
Uma testemunha ocular [...] observou ainda que as luzes do YV-314P se apagaram logo depois de terem começado as falhas do motor esquerdo.

A fl. 28, n.º 48, alínea c):
Sistema de geração eléctrica: haviam sido observadas ocorrências de falhas do amperímetro de carga do alternador direito, mas não fora executada qualquer pesquisa de identificação das causas da anomalia ou acção correctiva.

A fl. 67, n.º 132:
Quanto ao estado do sistema direito de geração eléctrica, a Comissão não conseguiu esclarecer a natureza da deficiência referida no testemunho dos mesmos pilotos, designadamente se ela era devida a avaria do alternador ou simplesmente do indicador da corrente de carga. Contudo, a posição em que foi encontrado o motor eléctrico de accionamento dos flaps, correlacionado com o uso destes na fase final da descolagem, leva a crer que a hipótese de avaria do alternador é a mais provável. Esta situação, a ter-se verificado, seria absolutamente impeditiva do voo.

A fls. 73 e 74, n.º 148:
No exame dos destroços [...] o motor eléctrico de accionamento dos flaps [foi] parado em posição correspondente a 7º [...] A posição dos flaps, por seu turno, dentro da hipótese já formulada de muito provável inoperatividade do alternador direito, teria resultado da paragem do respectivo motor de accionamento, devida à cessação do funcionamento do alternador esquerdo, em resultado da falha de potência, e ao estado de descarga da bateria de acumuladores eléctricos de bordo, insuficiente para assegurar a tensão de 18 V mínima necessária para a operação daquele motor.

A fl. 74, n.º 149:
Não obstante o trem de aterragem ter, entretanto, recolhido e bloqueado [...]
A fls. 76 e 77, n.º 154:
[...] se o piloto tivesse, primeiramente, respeitado o impedimento de voo da aeronave determinado pelas condições deficientes de manutenção, estando ou suspeitando-se estar o alternador direito fora de serviço [...]

Das citações feitas e, bem assim, das declarações prestadas pelos membros da CI da DGAC à Comissão da Assembleia da República não pode esta deduzir de nenhum modo que aquela haja avançado uma qualquer probabilidade apontada «para a não existência de energia (subentenda-se 'eléctrica') a bordo durante a emergência». Antes pelo contrário, visto que, já após a queda de potência do motor esquerdo e muito provavelmente após a consequente interrupção da geração de potência eléctrica a bordo, a bateria de acumuladores despendeu ainda energia bastante para completar-se a recolha do trem de aterragem. E isto mau-grado o seu estado de descarga por razão da drenagem a que fora sujeita durante as seis tentativas de arranque dos motores, realizadas antes do recurso ao gerador de apoio da TAP, e não obstante o escassíssimo tempo de recarga que teve durante os pouco mais de três minutos de funcionamento do motor esquerdo. Com efeito, tecnicamente, não seria lícito levantar a questão da inexistência de energia a bordo, em sentido literal, mas sim a da grande probabilidade de uma situação em que a reserva de energia remanescente na bateria fosse absolutamente escassa para o consumo total dos circuitos de bordo, tendo em conta a circunstância de tratar-se de um voo nocturno. Numa emergência como a ocorrida, a menos que o piloto rapidamente seleccione os circuitos que entenda por essenciais, reduzindo ao mínimo indispensável o consumo de energia eléctrica, a consequência será a de uma drástica queda da tensão (no sentido corrente de queda de «voltagem») nos órgãos consumidores, conduzindo a uma situação vizinha, em termos práticos, da inexistência de qualquer fonte de alimentação. Contudo, a bateria, não tendo ficado destruída na decorrência do acidente, uma vez regressada a um estado de repouso, revelará, algum tempo depois, a existência de uma carga remanescente, como foi, aliás, o caso.

l) O último dos cinco aspectos da reconstituição oficial do acidente considerados pouco claros pela Comissão da Assembleia da República é o referido no seu relatório a fls. 23 e 24, n.º 3.4.5, como se transcreve:

A situação de durante, pelo menos, os últimos quinze segundos do voo os pilotos não terem posto a hélice em passo de «bandeira», contrariamente às indicações do manual de voo e independentemente da colocação da selectora de combustível do motor esquerdo em off, por eventual erro de pilotagem, aliás não corrigido durante igual período de tempo.

A dúvida, nos termos em que está expressa, subjaz a ideia de uma eventual incapacitação dos pilotos, questão esta já discutida antecedentemente nesta mesma informação e, enquanto outra prova não for produzida, reiteradamente dita insustentável. A propensão da Comissão da Assembleia da República para repetidamente fazer avançar aquela ideia conduziu-a, aliás, neste caso, a inferir uma lógica operacional errada.

A precisão do espaço temporal usada (os últimos quinze segundos de voo) leva a crer que a Comissão da Assembleia da República radique a sua própria análise técnica mais em elementos que colheu do relatório do NTSB do que em afirmações contidas no relatório da CI da DGAC. Com efeito, e como já atrás referido [cf. o n.º 14, alínea c), da presente informação], as precisões em segundos avançadas pelo relator do NTSB ilustram um quadro teórico explicativo da cronologia mais provável dos acontecimentos no caso de um avião Cessna-421A que, tendo atingido a altura de 50 m à velocidade correspondente à técnica de descolagem recomendada no manual, sofra uma queda súbita da potência de propulsão de um dos motores. Aí se estabelece que, em tais condições, o piloto terá de três a sete segundos para configurar o avião para o voo com um só motor, uma vez que, passado este intervalo de tempo, a perda de velocidade impossibilita a continuação do voo. Importa, neste passo, adicionar à transcrição já aí feita o que se lê a fl. 22, último parágrafo, continuado a fl. 23, do relatório do NTSB:

It is not known why the pilot did not immediately feather the left propeller when it began to surge. The most likely sequence of events was that when the left engine surged the pilot or co-pilot immediately reached down to switch the left fuel selector to the right main position. This would have fed the left engine from the right tank. In fact the selection of a different tank had been made on a previous flight when tank ran dry. Since the left fuel selector was found in the off position it is concluded one of the pilots inadvertently, while at night and during a critical phase of flight, shut off fuel to the left engine in an attempt to place the selector on a tank which contained fuel.

The pilot would not have immediately feathered the left propeller since he was expecting the engine to begin operating again [o itálico é do signatário da presente informação]. As the air speed decreased aircraft control became increasingly more difficult, and the pilot would be completely occupied with the flight controls. The co-pilot, who was not qualified in the aircraft, obviously was not able to reposition the fuel selector (ver nota 1).

(nota 1) «Não se sabe por que é que o piloto não 'embandeirou' imediatamente a hélice esquerda quando esta começou a funcionar com descontinuidade ('engasgar'). A sequência de actos mais provável foi a seguinte: quando o motor esquerdo falhou, o piloto ou o co-piloto imediatamente se baixou para ligar o selector do combustível do lado esquerdo para a posição central do lado direito. Isto teria fornecido combustível do depósito do lado direito ao motor esquerdo. Na verdade, tinha sido feita a selecção de um depósito diferente num voo anterior, quando um depósito se esvaziou. Dado que o selector de combustível do lado esquerdo foi encontrado desligado (off), conclui-se que, inadvertidamente, e uma vez que era noite e era uma fase crítica do voo, um dos pilotos cortou o combustível do motor esquerdo, ao tentar colocar o selector num depósito que contivesse combustível.

O piloto não terá 'embandeirado' imediatamente a hélice esquerda, uma vez que esperava que o motor recomeçasse a funcionar. À medida que decrescia a velocidade, mais difícil se tornava controlar a aeronave, e o piloto estaria completamente ocupado com os controles do voo. O co-piloto, que não tinha qualificações para este avião, obviamente não foi capaz de mudar o selector de combustível.»

Esta posição, que confirma, aliás, o que a CI da DGAC expõe no seu relatório (cf. fls. 71 a 74, n.os 144 a 149), mostra que: primeiramente, a razão que teria levado o piloto à não execução imediata da manobra de colocação da hélice esquerda em passo de «bandeira» foi a expectativa de conseguir a retoma do motor pela via de uma alimentação de combustível a partir do depósito direito; seguidamente, a perda continuada da velocidade do avião ao longo desse tempo de expectativa obrigou ao empenhamento integral do piloto nos comandos de voo para assegurar o controle do avião, crescentemente dificultado pela progressiva queda da sua velocidade, não tendo o co-piloto, por carenciado de experiência no avião, reagido a tempo de corrigir o errado posicionamento da selectora de combustível.

O facto de, contrariamente às instruções do manual de voo, os pilotos não terem posto a hélice esquerda em passo de «bandeira» logo que o respectivo motor deu indicação e entrou em perda de potência, ou mesmo em qualquer momento posterior do voo até aos embates nos edifícios, não é independente da manobra de colocação da selectora de combustível do mesmo motor, qualquer que ela seja. Com efeito, decidida a opção pela procura de combustível a partir do depósito direito, a única hipótese de conseguir a retoma do motor esquerdo era mantê-lo em rotação até que o combustível o alimentasse. Ora, o motor em causa não mais rodaria a partir do instante em que a respectiva hélice fosse colocada em passo de «bandeira» e o piloto não podia ignorar esta verdade elementar, uma vez que o arranque a partir do sistema eléctrico de bordo, além de implicar maior perda de tempo com o procedimento próprio e exigir uma acção do piloto (apenas possível no caso de ele não estar ainda totalmente empenhado nos comandos de voo), estaria impossibilitado pela falha total do sistema de geração eléctrica de bordo.

15 - Ainda no âmbito do n.º 3 do seu relatório, sob a epígrafe «Questões relacionadas com a reconstituição do sinistro», a fl. 24, n.º 3.5, a Comissão da Assembleia da República constata «que a aeronave não estaria nas melhores condições de segurança para operar em transporte de passageiros». E aponta como justificativa, entre outras, a existência de «deficiências no sistema de transmissões».

Anota-se que neste ponto repete uma afirmação que pode ler-se no despacho de 12 de Outubro de 1981 da Procuradoria-Geral da República, ao referir-se aí o estado do avião e cita-se:

d) Havia dificuldades e interrupções nas transmissões.
A frase, no contexto em que está inserida, leva a supor que qualquer das entidades se refira às comunicações por via radioeléctrica entre o avião e as estações no solo do serviço móvel aeronáutico. Sendo assim, importa anotar que tal afirmação não é substanciada nem pelo relatório da CI da DGAC, nem pelo relatório do NTSB. Neste último, a fl. 9, n.º 1.9, sob a epígrafe «Communications», escreve-se:

There were no indications of communications difficulties which would have affected the accident sequence.

No relatório da CI da DGAC, em nenhuma parte se faz referência à eventualidade de quaisquer dificuldades conhecidas ou reportadas das comunicações e em particular a fl. 31, n.º 56, sob a epígrafe «Telecomunicações», afirma-se:

O registo das comunicações entre o YV-314P e a torre de controle do Aeroporto da Portela é o constante da transcrição anexa ao presente relatório. Os tempos horários nela assinalados foram extraídos da pista horária única gravada sobre o suporte magnético que regista as comunicações entre os serviços de controle do tráfego aéreo e as aeronaves.

O sistema de telecomunicações no solo funcionou normalmente.
16 - No capítulo IV, dedicado às conclusões, sob o n.º 2 e a epígrafe «Quanto à actuação da CI da DGAC», a fls. 33 e 34, fez a Comissão da Assembleia da República as referências que a seguir se comentam.

a) No n.º 2.1, afirma:
Poderiam ter contribuído para um apuramento mais exacto dos factos as seguintes diligências:

a) Pesquisa da existência de gasolina derramada em toda a zona de terreno nas proximidades da Vivenda Paulos;

b) Inquirição de dois pilotos de um cargueiro francês DC-3 que se encontrava no Parque Delta e que terão assistido junto ao avião sinistrado aos preparativos para a partida.

Quanto à primeira das diligências tidas por omissas, interessa começar por transcrever da fl. 41 do relatório da CI da DGAC todo o texto correspondente ao n.º 72:

Na noite do acidente e nas horas a este imediatamente subsequentes, a Comissão de Inquérito apenas conseguiu acesso ao local onde o avião colidira com a vedação de rede e os primeiros edifícios do Bairro das Fontainhas. Esta zona estava intensamente iluminada por uma torre de projectores autotransportada dos bombeiros municipais e protegida por agentes da autoridade. A investigação imediatamente empreendida permitiu constatar que os destroços da asa esquerda e do respectivo depósito principal de combustível haviam sido anteriormente removidos por bombeiros do local em que tinham caído - o sótão da Vivenda Paulos - e colocados no solo para obviar ao receio de que, vencendo a resistência do sobrado, tombassem no interior da residência.

Conformemente ao texto atrás citado e às declarações já prestadas à Comissão da Assembleia da República aquando das audições para que foram convocados os membros da CI da DGAC, os destroços da asa esquerda e o depósito principal do mesmo lado do avião foram objecto de imediato exame técnico, bem como o terreno circundante da posição em que eles foram encontrados pelos técnicos daquela CI aí chegados. As boas condições de iluminação encontradas e o isolamento daquela zona possibilitaram observações visuais pormenorizadas e demoradas, inclusive da superfície do terreno e postes e rede da vedação. Estas observações visaram, no imediato, e como seria óbvio, a pesquisa de quaisquer vestígios do combustível eventualmente derramado, face à insólita constatação inicial da inexistência de restos líquidos no interior do depósito principal e das células flexíveis do depósito auxiliar.

Os exames assim empreendidos foram negativos em toda a extensão dos destroços do avião aí encontrados, bem como do terreno a eles circundante. Para ulterior confirmação, se necessária, foram inclusivamente recolhidas amostras da camada superficial do terreno em vários locais.

A informação seguidamente alcançada de que todo o conjunto daqueles destroços havia sido inicialmente encontrado no sótão da Vivenda Paulos fez transitar para esta nova localização todo o esforço de pesquisa, uma vez que fora desde logo tido por certo que a quantidade de combustível transportada nos depósitos nunca poderia ter sido muito significativa no momento do embate no telhado, face à inexistência de restos líquidos e à convergência dos testemunhos recolhidos, que confirmaram essa constatação.

O conhecimento posteriormente obtido do esvaziamento do depósito auxiliar esquerdo no voo que antecedeu o acidente, conjugado com o exame do estado do depósito principal do mesmo lado, que, não obstante as deformações evidenciadas, apresentava um único rasgão com a extensão de cerca de 12,5 cm junto a um dos elementos da sua fixação à ponta da asa, fez centrar a pesquisa da eventual presença de vestígios de gasolina no sótão atrás referido. Com efeito, o combustível que existisse na asa esquerda do avião teria de estar contido no seu depósito principal, cujo estado de relativa integridade não tornava admissível a hipótese de derramamentos noutra área que não aquela em que ficou após o primeiro embate no telhado. A gasolina que contivesse só teria podido escoar-se através do rasgão já referido ou, menos provavelmente, através da tubagem fracturada que ligava o depósito à restante parte do sistema de combustível instalado na asa. Acresce a estes factos a circunstância de apenas na área do sótão em causa haverem sido visualmente encontrados sinais, sob a forma de manchas de dimensão muito variável, susceptíveis de poderem ter sido produzidos por derrames ou projecções de líquidos.

Por tudo o que vem de ser aduzido, a CI da DGAC entendeu não se justificar o prosseguimento de quaisquer pesquisas de vestígios de derrames de gasolina nos terrenos próximos da Vivenda Paulos.

A segunda das diligências tidas por omissas pela Comissão da Assembleia da República, ou seja, a inquirição não feita de dois pilotos do cargueiro francês DC-3 que se encontrava na plataforma Delta e teriam assistido junto do avião sinistrado aos preparativos para a partida, apenas teria interesse na averiguação de factos ligados a esses preparativos. No entanto, a reconstituição deles feita no relatório da CI da DGAC, de fl. 12 a fl. 15, n.os 1 a 18, com base em testemunhos precisos e bastantes e em documentação idónea e suficiente, é exaustiva, factual e incontroversa. A razão que, portanto, poderá ter assistido à Comissão da Assembleia da República para avançar a necessidade ou conveniência de tal inquirição haverá que a ligar à dúvida que expressou a fl. 23, n.º 3.4.1, do seu relatório. (Cita-se: «Se o piloto terá feito ou não uma visita prévia de inspecção ao avião antes da partida final.») Ora, esta dúvida, como atrás já ampla e incontroversamente provado [cf. o n.º 14, alínea g), da presente informação], é ilícita porque fundada em declarações inexactas prestadas à mesma Comissão. Extinta a dúvida, carece de utilidade a inquirição. A CI da DGAC, que nunca teve dúvidas em tal assunto, havia-a considerado desnecessária desde praticamente o início do inquérito.

b) No n.º 2.2, a fl. 33, do seu relatório a Comissão da Assembleia da República imputa ao trabalho da CI da DGAC determinadas influências que identifica. Transcrevem-se:

A constatação, por ordem cronológica, da existência de poucos vestígios de combustível em todos os depósitos da asa esquerda, a declaração de um informador da Comissão Política do PSD divulgada no dia 5 pela comunicação social (v. resenha da imprensa), os maus antecedentes históricos do avião e o conhecimento do estado em que o mesmo se encontrava, algumas anomalias observadas em voos imediatamente anteriores ao do sinistro, a demora em pôr os motores em marcha antes do voo fatídico, a ausência de informações em contrário por parte da PJ e a divulgação de uma prematura «nota oficiosa» poderão ter influenciado o trabalho da CI da DGCA.

O insólito no texto que vem de transcrever-se não está simplesmente na desconexa mistura de factos material e documentalmente estabelecidos com asserções de pura ordem subjectiva, mas antes na meta que, pelas estrutura e expressão do discurso, nele subjaz. A referência feita à declaração do informador do PSD no dia imediato ao do acidente, ligada à divulgação prematura de uma «nota oficiosa» (provavelmente a de 13 de Dezembro de 1980), e, designadamente, a afirmação de «ausência de informações em contrário [o sublinhado é do signatário da presente informação] por parte da PJ» antolham a propensão para a tese oposta à do acidente e, mercê da carência de factos que a substanciem, alimentam-na com a dúvida subjectivamente reafirmada.

A CI da DGAC, relativamente ao texto atrás transcrito, não pode deixar de confirmar que os factos relacionados com o avião e a sua operação, sem constituírem de nenhum modo o essencial da fundamentação da causa provável que objectivou no seu relatório, foram nela tidos na devida conta, como teriam de ser; rejeita, contudo, formalmente, por totalmente infundadas, as alegações de influenciação por quaisquer factores de natureza externa, objectivos ou subjectivos. E tanto assim é que nenhum dos membros da CI da DGAC tem hoje a mais leve recordação da mencionada declaração do informador da Comissão Política do PSD divulgada no dia 5 de Dezembro de 1980.

c) Para terminar a parte em apreço do relatório da Comissão da Assembleia da República, importa fazer referência ao n.º 2.3, a fl. 34. Transcreve-se:

Não podem ser imputadas à CI da DGAC responsabilidades por omissões negligenciais, sobretudo se se tiver em consideração a urgência pedida pelo Governo na elaboração do relatório e a delapidação dos destroços no local do acidente na noite do sinistro, embora o relatório técnico contenha algumas imprecisões e afirmações não cabalmente justificadas quanto a todos os vestígios dos impactes que o avião sofreu ou provocou.

A conclusão a que a Comissão chegou quanto à actuação da CI da DGAC não poderia, em consciência, ser outra. O facto de, em processo tão complexo e conturbado, ter sido possível àquela Comissão afirmá-lo denota que o seu trabalho foi, neste aspecto particular, muito positivo. Contudo, as afirmações que mitigam essa conclusão, face ao que na presente informação houve oportunidade de esclarecer, desmentir e justificar, são hoje, na sua prática totalidade, infundadas. Há, pois, que reafirmá-lo. Assim:

c') A urgência pedida pelo Governo na elaboração do relatório não afectou em nada a natureza do que, no essencial como no complementar, vem expresso no relatório da CI da DGAC.

A aceleração dos trabalhos de investigação, análise e conclusão foi alcançada mercê da dedicação praticamente exclusiva de todos os seus membros ao inquérito, inconsiderando feriados e dias de descanso semanal. Esta posição foi expressa e reiteradamente declarada perante a subcomissão executiva da Comissão Eventual de Inquérito da Assembleia da República no decorrer das audições para que os membros da CI da DGAC foram convocados, sendo, portanto, inespecificada a ressalva ora feita no relatório daquela Comissão.

c") A chamada «delapidação dos destroços» no local do acidente na noite em que este ocorreu, sendo incontroversa e havendo importado em dificuldades de reconstituição e análise de certos aspectos obrigatórios do processo de inquérito a acidente aeronáutico, não implicou qualquer situação de dúvida na indiciação que fundamentou a causa provável determinada [cf. o n.º 14, alínea h), da presente informação, designadamente].

c"') A CI da DGAC rejeita liminarmente a expressão usada pela Comissão da Assembleia da República na referência a «algumas imprecisões e afirmações não cabalmente justificadas» pretensamente constantes do relatório de Março de 1981. Efectivamente, imprecisões no sentido de falta de exactidão ou de rigor não as conhece aquela CI no relatório que produziu, excepção feita dos erros dactilográficos, praticamente inevitáveis em textos longos. Afirmações não cabalmente justificadas, no sentido que se crê ter sido o dado pela Comissão da Assembleia da República à imprópria expressão que utilizou, poderiam ser as hipóteses avançadas pela CI da DGAC no seu relatório ao tratar questões que, por comprovação material, documental ou testemunhal julgada insuficiente, encontram explicação em lógica dedutiva substanciada, ainda assim, pelo quadro factual estabelecido. Não pode, pois, deixar de apontar-se a oportunidade que a Comissão da Assembleia da República entendeu não dever aproveitar, no seu próprio relatório, para claramente identificar as «imprecisões e afirmações não cabalmente justificadas quanto a todos [o sublinhado é do signatário da presente informação] os vestígios dos impactes que o avião sofreu ou provocou» e, assim, possibilitar o seu conveniente esclarecimento. Assinala-se, aliás, que, por via de regra, em processo de investigação complexo como o determinado pelas características do acidente ocorrido, a precisa e cabal explicação da totalidade das fracturas, deformações, cortes, arrancamentos e outros vestígios observáveis nos restos de um avião, bem como das marcas por ele deixadas nos obstáculos em que colidiu, é humanamente inatingível.

17 - Restam as «Conclusões gerais», com que a Comissão da Assembleia da República finaliza o seu relatório, a fls. 35 e 36.

Atento o facto de que, competentemente, a CI da DGAC não deverá reter daquele relatório mais que uma visão parcelar, os comentários a fazer haveriam de ser limitados a uma referência obrigatória a afirmações que ponham em causa ou mencionem o trabalho por ela feito. Mercê, contudo, de certos aspectos peculiares já atrás objecto de oportuno comentário, não poderá nesta informação deixar de sobre o mesmo relatório se concluir com uma observação genérica. Assim:

a) Afirma a Comissão, sob o n.º 4.2 das suas «Conclusões gerais», que se lhe «tornou evidente que na condução das investigações técnicas [...] levadas a cabo pela Administração Pública se colhem deficiências, irregularidades, omissões e contradições, outrossim de relevante importância para o apuramento de conclusões de significado inequívoco e categórico». Afigura-se à CI da DGAC que, se tais defeitos são, na área técnica, os que a Comissão houve por bem mencionar e que atrás foram objecto de pertinente e cabal comentário, aquela conclusão carece doravante de validade. Com excepção do ponto que foi objecto do esclarecimento constante do n.º 5 da presente informação, em tudo o restante se constatou ou o infundado das asserções, ou a impropriedade dos juízos, ou o erro de interpretação, ou a irrelevância das questões.

b) Relativamente ao parecer expresso no n.º 4.4, pelo qual a Comissão entende que «os órgãos da Administração Pública competentes para as averiguações técnicas [...] do chamado 'caso de Camarate' podem e devem aprofundar, no futuro, a análise do processo, face ao aparecimento de elementos novos e suplementares susceptíveis de conduzirem à mais completa verdade material», cabe à CI da DGAC reafirmar a sua disponibilidade para tal efeito, se e quando, por razão de idónea evidência, for o caso.

c) Finalmente, e não obstante, por um lado, a definição precisa do âmbito de trabalho da Comissão da Assembleia da República e, por outro, a sua afirmação de estrito enquadramento no requerimento do inquérito parlamentar e no disposto na lei (cf. o n.º 4 da presente informação), crê-se que, na estrutura e na forma, como, designadamente, nalgumas expressões oportunamente assinaladas [cf. os n.os 12 e 16, alínea b), da presente informação], o relatório daquela Comissão propende para o levantamento de suspeições e dúvidas, sem que delas faça lícita fundamentação. Neste aspecto, o relatório contradiz, no que a antecede, a conclusão expressa pela Comissão a fl. 35, n.º 4.1.

5 - Constituição e actividades da II CEIAC
Em 1984, na sequência de proposta de resolução apresentada pelo Governo (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 157, de 27 de Julho de 1984), a Assembleia da República deliberou constituir nova Comissão de Inquérito ao Acidente de Camarate.

Em reunião plenária da Assembleia da República de 30 de Novembro de 1984 procedeu-se à apreciação da referida proposta de resolução, tendo a mesma sido aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global e tendo sido substituída, na sua parte resolutiva, pelo projecto de resolução 40/III, apresentado pelo PS e pelo PSD (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 22, de 3 de Dezembro de 1984), tendo sido publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 24, de 3 de Dezembro de 1984, o citado projecto de resolução 40/III.

A Assembleia da República, pela Resolução 25/84, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 30, de 14 de Dezembro de 1984, e no Diário da República, 1.ª série, n.º 298, de 27 de Dezembro de 1984, deliberou constituir a CEIAC, em cujos trabalhos participassem, querendo, representantes dos familiares das vítimas, nos termos das leis de processo e segundo o estatuto a estabelecer pela Comissão, para averiguar, por forma cabal, as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro de 1980, em Camarate, o Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Ministro da Defesa, engenheiro Adelino Amaro da Costa, e acompanhantes.

A Comissão tomou posse em 11 de Janeiro de 1985.
Dissolvida a Assembleia da República em 12 de Julho de 1985, a Comissão decidiu continuar os seus trabalhos, o que o Plenário confirmou, tendo deliberado fazê-lo até 31 de Julho de 1985, reiniciando-os a 3 de Setembro de 1985 e até ao fim do seu mandato

Em 31 de Outubro de 1985 apresentou o seu relatório final (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 1, de 7 de Novembro de 1985), tendo concluído não terem sido, de forma alguma, contrariadas as conclusões da anterior comissão parlamentar de inquérito, tendo evidenciado a necessidade de criação imediata de um organismo vocacionado para a investigação de acidentes, nos diferentes modos de transporte, e exprimido a sua preocupação pelo facto de continuar por elaborar legislação específica em matéria de segurança de altas personalidades do Estado, acabou por sugerir que a nova Assembleia da República, por resolução própria, constituísse uma nova comissão de inquérito que prosseguisse os trabalhos das comissões anteriores, dada a progressiva deterioração dos eventuais indícios ainda existentes, a insuficiência de meios de preservação dos mesmos e a urgência de levar a cabo todo um conjunto de diligências investigatórias ainda possíveis.

6 - Organização e descrição dos volumes e processos dos autos
Tendo sido constituída na sequência do que se acaba de descrever, a III CEIAC não só dispôs da documentação que requisitou aos diversos serviços públicos, como da requisitada e obtida pelas comissões que a antecederam, a qual foi toda analisada e devidamente discutida, distribuindo-se os correspondentes volumes e processos, consoante a comissão com cuja acção directamente se relacionam, pela forma seguinte:

6.1 - III Comissão
Volumes 1 a 30:
Actas e depoimentos.
Volume 31:
Constituição e composição da Comissão.
Regimento da Comissão.
Representantes dos familiares das vítimas.
Pessoal de apoio.
Convocatórias para audição de pessoas.
Recortes de imprensa e publicações.
Volume 32:
PJ:
Documentação expedida e recebida.
Volume 33:
Processo de Victor Manuel Lopes Pereira (agente da PJ).
Volume 34:
DGAC:
Documentação expedida e recebida.
Volume 35:
ANA, E. P.:
Documentação expedida e recebida.
Volume 36:
RTP:
Documentação expedida e recebida.
Volume 37:
IST:
Documentação expedida e recebida.
Volume 38:
Expediente diverso.
Volume 39:
Relatório final.
6.2 - II Comissão
Volumes 1 a 20:
Actas da Comissão (v. anexo VII).
Volume 21:
Constituição da Comissão.
Regimento da Comissão.
Representantes dos familiares das vítimas.
Propostas e requerimentos.
Pessoal afecto à Comissão.
Recortes da imprensa.
Convocatórias para audição de pessoas.
Volume 22:
Correspondência recebida e expedida.
Volume 23:
Expediente (solicitação de elementos pedidos a várias entidades, que ainda não foram obtidos ou o foram de forma deficiente).

Volume 24:
Correspondência recebida e expedida.
Relatório da Comissão e declarações de voto.
Volumes 25 a 27:
Manual de Investigação de Acidentes de Aviação.
Volume 28:
Normas e métodos recomendados internacionalmente.
Volume 29:
Livro Camarate, editado pelo Ministério da Justiça.
Volume 30:
Manual do avião Cessna, modelo 421A.
6.3 - I Comissão
1 - Processo A - processo da Comissão - sete volumes.
Processo B1 - inquérito preliminar da PJ - catorze volumes.
Processo B2 - processo criminal - um volume.
Processo B3 - processo remetido pelo Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes - quatro volumes.

Processo B4 - processo do Ministério dos Negócios Estrangeiros - um volume.
Processo B5 - processo remetido pelo Comando-Geral da Guarda Fiscal e pela Direcção-Geral das Alfândegas - um volume.

Processo B6 - processo remetido pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil - um volume.

Processos C1 a C5 - documentação entregue pelos depoentes - um volume.
2.1 - A Comissão procedeu à inquirição directa de 30 depoentes.
2.2 - A Comissão procedeu à compilação de recortes de imprensa produzidos desde 4 de Dezembro de 1980, que constituem o volume D.

2.3 - Os comunicados e notas oficiosas dos órgãos de soberania e partidos políticos foram processados no volume E.

2.4 - No volume F foi processada a correspondência expedida e recebida pela Comissão.

CAPÍTULO III
Diligências executadas
1 - Ponderação geral
A Comissão procedeu à reanálise de todos os aspectos das investigações realizadas, centrando os seus esforços naqueles cuja apreciação ou reexame se afiguram susceptíveis de facultarem novos elementos para fundar o juízo de cuja emissão a Comissão foi incumbida pela Assembleia da República, isto é, «averiguar, por forma cabal, as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro de 1980, em Camarate, os então Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa e seus acompanhantes».

2 - Diligências empreendidas pela II CEIAC
Nesse sentido, a Comissão procedeu à ponderação das diligências cuja realização não ocorrera sob a vigência das comissões anteriormente constituídas no âmbito da Assembleia da República, em particular as da Comissão constituída pela Resolução 25/84, de 27 de Dezembro, cujos trabalhos, por unanimidade, se entendeu deverem ser prosseguidos e concluídos na presente legislatura. No âmbito dos trabalhos desta Comissão haviam sido desencadeadas as diligências cuja natureza e resultados constam dos quadros I, II e III.

Descrição geral das diligências solicitadas pela II Comissão
QUADRO I
Diligências satisfeitas
(ver documento original)
QUADRO II
Diligências não satisfeitas
(ver documento original)
QUADRO III
Diligências não concretizadas adequadamente
(ver documento original)
3 - Diligências empreendidas pela III CEIAC
A Comissão desenvolveu, por um lado, esforços para levar a bom termo as diligências pendentes. Adoptou-se, porém, como critério geral definir e assegurar a execução de todas as que, tendo cabimento legal e regimental, fossem requeridas por qualquer membro da Comissão ou, a título individual ou colectivo, pelos representantes dos familiares das vítimas, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Regimento. A natureza e resultado de tais diligências pode resumir-se nos termos seguintes:

Descrição geral das diligências solicitadas pela III CEIAC
QUADRO I
Diligências satisfeitas
(ver documento original)
QUADRO II
Diligências não satisfeitas
(ver documento original)
QUADRO III
Diligências parcialmente satisfeitas
(ver documento original)
QUADRO IV
Diligências não concretizadas adequadamente
(ver documento original)
A Comissão teve rigorosa consciência de que o mero decurso dos anos veio tornando inviável a realização de certas diligências cuja oportuna execução poderia ter tido inegável utilidade. Entendendo que não se encontrava esgotado o quadro das iniciativas susceptíveis de contribuírem para o esclarecimento da verdade, a Comissão não viu entretanto justificada a utilidade de que pudesse ainda revestir-se a realização de algumas diligências, desde logo a execução de novas exumações.

Importa sublinhar que se pretendeu que os elementos disponíveis e em apreciação pudessem ser sempre objecto do maior número de pareceres especializados de peritos qualificados nacionais e estrangeiros.

4 - Colaboração do NTSB e de peritos britânicos
A Comissão não pode, porém, deixar de lamentar que não tenha sido concretizada em tempo a deslocação a Portugal de técnicos do NTSB e dos peritos britânicos J. K. Mason, professor do Departamento de Medicina Forense da Universidade de Edimburgo, e Eric Newton, investigador especialista e consultor da Aircraft Accident Investigations - Hostings, GB, cuja contribuição para o processo foi unanimemente considerada de grande utilidade desde o início dos trabalhos da Comissão.

Nesse sentido, em 19 de Fevereiro de 1986, a Comissão solicitou a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro para as diligências necessárias, através dos competentes canais diplomáticos, na esteira, aliás, de pedidos formulados na vigência da anterior comissão pelos senhores representantes dos familiares das vítimas, que na altura sublinhavam ser o NTSB uma entidade mundialmente reconhecida como a melhor habilitada a fornecer peritagens neste domínio (II CEIAC, 3.º vol., expediente, fl. 555). Tendo o Sr. Primeiro-Ministro julgado conveniente a adequada justificação do pedido, foi remetida em 20 de Novembro de 1986 justificação elaborada pelo Sr. Presidente da Comissão. Em 22 de Abril de 1986, o Sr. Primeiro-Ministro informou a Comissão de que já haviam sido solicitadas aos respectivos governos as necessárias facilidades para a audição dos peritos indicados, referindo ainda ter conhecimento de que o Governo Britânico estaria já a considerar o assunto. Em 19 de Junho, o chefe do Gabinete do Primeiro-Ministro informou a Comissão de que o Sr. Embaixador dos Estados Unidos da América havia comunicado que o NTSB examinara o sumário de provas fornecido e concluíra que o envio de outra equipa para Lisboa não seria útil, estando, no entanto, disponível para cooperar com a Comissão e, designadamente, para examinar cuidadosamente qualquer outra prova, incluindo documentos ou radiografias médicas, consultando para tal efeito os peritos apropriados.

Neste quadro, o Sr. Presidente da Comissão tomou diversas iniciativas junto do Embaixador dos Estados Unidos da América em Lisboa, com vista a viabilizar a vinda a Portugal de técnicos do NTSB. No dia 6 de Janeiro de 1987, através de ofício da representação diplomática norte-americana em Lisboa, a Comissão tomou conhecimento do conteúdo de uma carta remetida pelo Sr. Ronald Schleede, chefe da Divisão de Acidente de Aviação do NTSB, ao director dos Assuntos da Europa Ocidental do Departamento de Estado, Marten van Heuven, na qual se afirma terem sido passadas em revista pela equipa técnica do Safety Board todas as provas relacionadas com o acidente (incluindo o documento remetido pelo Sr. Presidente da Comissão Parlamentar contendo dados adicionais relacionados com o acidente), havendo concluído o NTSB serem esmagadoras as provas materiais que apontam para que a queda do avião tenha sido um acidente, provocado pela perda de potência do motor esquerdo por esgotamento de combustível. Mais se sublinha que o avião ficou fora de controle e despenhou-se quando a sua velocidade desceu abaixo da velocidade mínima de controle em voo com um único motor e que vários outros factores contribuíram para o acidente, claramente descritos no relatório da investigação do Safety Board assinada pelo Sr. David Thomas em 26 de Junho de 1982.

Considerando a utilidade do contacto directo com os peritos norte-americanos e britânicos, a Comissão dirigiu-se de novo ao Sr. Primeiro-Ministro, em 13 de Janeiro de 1987, com vista à urgente adopção das medidas para tal efeito ainda possíveis.

5 - Critérios adoptados
A Comissão envidou um vasto conjunto de esforços com vista a colher e analisar elementos que pudessem ser considerados bastantes, suficientes ou adequados para facultar, nos termos legais, qualquer nova abordagem dos factos que deram origem ao inquérito. A Comissão teve particularmente presentes as declarações de voto produzidas pelos deputados do PSD e do CDS no relatório da anterior comissão, bem como a declaração sobre este emitida pelos representantes dos familiares das vítimas.

Foram objecto de especial atenção e múltiplas diligências os seguintes aspectos:

As condições de preparação e execução da descolagem do avião;
A distribuição de combustíveis na aeronave;
As características do voo (especialmente a duração, altitude, rumo e comportamento dos pilotos);

A sequência das colisões;
As condições e características do incêndio do avião;
A natureza, configuração, distribuição e agregação dos vestígios encontrados no terreno;

Os aspectos médico-legais (v. g., os relacionados com os fragmentos alojados nos pés do piloto, as fracturas das vítimas e a posição relativa dos corpos);

A apreciação do comportamento do Governo e da Administração Pública em todo o processo, particularmente quanto aos aspectos antecedentes.

CAPÍTULO IV
Avaliação das diligências relativas aos vestígios encontrados na área do acidente

1 - Estudo das questões da aerodinâmica e combustão
A Comissão considerou que, face a dúvidas suscitadas sobre a natureza, configuração, distribuição e agregação dos vestígios encontrados no terreno, tinha plena justificação solicitar parecer de técnicos em aerodinâmica e em turbulência.

1.1 - Em 26 de Novembro de 1986, a Comissão teve uma primeira reunião de trabalho com o Prof. Vasco Brederode, que, para o efeito, foi indicado pelo conselho científico do IST. Nessa circunstância foram postas à disposição daquele perito diversas peças do processo.

1.2 - Em 7 de Abril de 1986, após análise de toda a informação transmitida, o Prof. Brederode sublinhou, através do ofício referência S-83/86, a necessidade de comprovação da fiabilidade dos dados fornecidos antes de se empreender qualquer exercício de raciocínio sobre os possíveis mecanismos de produção do fenómeno a estudar. Solicitou ainda que fosse precisado «o entendimento da Comissão quanto à extensão, localização, configuração e natureza do rasto de fragmentos a estudar», exemplificando diversas dúvidas:

Quanto à trajectória do voo: depois de fazer uma descrição a partir dos documentos fornecidos e das informações do Sr. Augusto Cid, o perito considerou que os dados eram em geral concordantes e lógicos, mas interrogou a Comissão sobre se todos eles seriam suficientemente fiáveis e sobre qual teria sido a evolução da altura da trajectória do avião em relação ao solo, solicitando elementos adicionais, para além do depoimento do controlador aéreo Gaspar Frade;

Quanto às condições atmosféricas: o Prof. Brederode assinalou que os elementos de que dispunha vão desde referências a que «vento não havia», a «quase não se fazia sentir» e a «fraca intensidade». O rumo do vento, segundo esses mesmos elementos, «era praticamente coincidente com o da faixa de resíduos da combustão no solo, estando esta orientada a 340º». Perguntou finalmente a que altura do solo deviam ser considerados a velocidade e rumo do vento, que eram respectivamente de 5/6 nós e de 340º, consoante assente na reunião de trabalho de 26 de Novembro de 1986;

Quanto aos fragmentos: após referir que se trata do «elemento menos preciso do processo» e «relativamente ao qual se registam indicações verdadeiramente contraditórias» nos documentos disponíveis, o perito cita o relatório da DGAC, um depoimento de um subinspector e outro de um agente, não codicentes.

Em conclusão, o Prof. Brederode interroga: «Em face destes dados, que não consigo compatibilizar, pergunto: qual a extensão e configuração do rasto de fragmentos que V. Ex.ª entende deva servir de base à análise solicitada ao IST?»

1.3 - Em 2 de Maio de 1986, através do ofício 19/CEIAC/86, o Sr. Presidente da Comissão, em resposta às dúvidas formuladas quanto à trajectória do voto, remete ao IST uma perspectiva extraída do processo da DGAC, sublinhando: «é tudo quanto temos»; em resposta às questões suscitadas sobre as condições atmosféricas, envia fotocópia dos elementos fornecidos pelo INMG; em resposta às interrogações relativas aos fragmentos, informa não dispor a Comissão de outros elementos que não os já entregues.

1.4 - Através do ofício S-134/86, de 16 de Maio, o Prof. Brederode comunicou que, tendo sido acordado com a Comissão que a base de trabalho quanto aos fragmentos seria a descrição constante do relatório de 22 de Outubro de 1980 do inspector Pedro Amaral, lhe haviam sido facultadas ainda declarações do mesmo inspector prestadas à CEIAC em 22 de Março de 1983, bem como informação sobre recente depoimento por este produzido. Termina solicitando «elementos quanto a uma descrição no tempo do incêndio verificado no ponto de impacte da aeronave, em particular sobre a altura em que irrompeu, duração e, se possível, volume de combustíveis».

1.5 - O Sr. Presidente da Comissão, pelo ofício n.º 32/CEIAC/86, de 16 de Junho, em resposta às solicitações relativas à altura em que irrompeu o incêndio e sua duração, transcreve informação constante do relatório da DGAC e do relatório dos Serviços de Incêndio do Aeroporto de Lisboa, acrescentando haver «inúmeras testemunhas que referem que o avião já vinha a arder no ar, consequentemente antes do embate», e que, «pelo que se diz em ambos os relatórios, parece poder concluir-se que o avião teria estado a arder, no solo, pelo menos cinco minutos»; quanto ao volume de combustível, foram transcritos extractos dos relatórios da DGAC e do NTSB, acrescentando-se que «há, todavia, inúmeras testemunhas que afirmam que o avião foi devidamente vistoriado pela tripulação antes de levantar voo e, por isso, não admitem a inexistência de combustível na asa esquerda», levantando as mesmas e outras testemunhas «o problema de que, inexistindo combustível na asa esquerda, o avião, ao começar a rolar na pista e ao iniciar a subida, não podia deixar de patentear um desequilíbrio, de que o piloto se daria imediatamente conta», e que «seria incompreensível que, tendo o avião viajado na noite anterior do Porto para Lisboa, não tivesse combustível na asa esquerda em maior ou menor quantidade», sendo «de notar que a asa esquerda e o respectivo motor foram arrancados antes do embate final do avião e, consequentemente, poderiam ter dado origem ao esvaziamento dos depósitos dessa asa».

1.6 - Dados os diferentes aspectos envolvidos no estudo encomendado, o Prof. Brederode, especialista em aerodinâmica, entendeu conveniente associar ao trabalho o Prof. Mário Nina, especialista em combustão, não tendo chegado a efectivar-se a prevista colaboração do Prof. Margarido Ribeiro, especialista em turbulência.

2 - Conclusões do estudo encomendado ao IST
Com data de 12 de Agosto de 1986 foi concluído, para entrega à Assembleia da República, o estudo encomendado nos termos descritos, sob o título «Acidente de Camarate: mecanismos indutores do rasto de fragmentos» (IST, Agosto de 1986, 32 páginas), contendo: uma introdução, a fixação dos «dados de trabalho» (relativos à «configuração do rasto de fragmentos», à «trajectória de voo», às «características do incêndio» e às «condições atmosféricas») e uma parte referente aos «mecanismos indutores do rasto de fragmentos», abrangendo os «mecanismos considerados», a «dispersão pelo vento a partir do incêndio no local de impacte» e a «libertação em voo». O estudo formula, no n.º 4, as respectivas conclusões, cujo conteúdo se transcreve na integra:

O objectivo do estudo encomendado ao IST pela CEIAC, da Assembleia da República, consistiu na apreciação dos possíveis mecanismos capazes de produzirem o rasto de fragmentos detectado nos terrenos do Aeroporto da Portela, nos dois dias imediatamente a seguir ao do acidente, entre a cabeceira da pista 18/36, de que a aeronave acidentada descolou às 20 horas e 17 minutos do dia 4 de Dezembro de 1980, e a proximidade do seu ponto final de impacte e incêndio no Bairro das Fontainhas, em Camarate, a cerca de 500 m de distância.

O estudo aqui reportado foi elaborado por dois professores do IST, um deles especialista em aerodinâmica (V. B.) e o outro especialista em combustão (M. N.).

Para estabelecimento de dados de trabalho em que o estudo iria ser baseado foi efectuada uma reunião com a CEIAC, foram facultadas pela Comissão diversas peças do processo de inquérito, realizadas visitas aos terrenos do Aeroporto e à zona de impacte e incêndio e propiciada observação de uma aeronave análoga à sinistrada.

A análise de todos os elementos recolhidos, reportada no capítulo 2 do presente relatório, produziu os dados de trabalho que a seguir se sumarizam:

1 - Configuração do rasto de fragmentos. - O rasto de fragmentos detectado no solo pode, por uma questão de sistematização, considerar-se constituído por dois troços:

a) Um primeiro troço sensivelmente rectilíneo, para poente do eixo da pista 18/36 (orientação: 349º magnéticos), orientado a cerca de 340º magnéticos e estendendo-se desde uns 50 m após a cabeceira da pista até à zona dos cabos eléctricos seccionados pela aeronave na estrada Charneca-Camarate, numa extensão de cerca de 360 m e com uma largura aproximadamente constante, à volta de 8 m; neste troço do rasto foram encontrados fragmentos queimados de papel e de fibra de vidro pertencentes à aeronave sinistrada, com uma concentração e peso que diminuía com aumento da distância ao ponto de impacte: a concentração dos fragmentos variava de cerca de 8 m no início do rasto, perto da cabeceira da pista, até menos de 2 m junto ao poste de suporte dos cabos eléctricos;

b) Um segundo troço, entre o poste de suporte dos cabos eléctricos seccionados pela aeronave e um tanque/poço existente na região elevada do terreno em direcção à zona de impacte final, troço este onde foi apenas encontrado um ou outro fragmento de papel queimado; é, por conseguinte, um troço pouco definido, de cerca de 30 m de comprimento e de 4 m de largura e orientado mais a oeste que o primeiro troço, do que resulta uma aparente inflexão do rasto junto ao ponto de embate da aeronave nos cabos eléctricos.

2 - Trajectória de voo. - A aeronave descolou da pista 18/36. Na sua linha de subida, a cerca de 25 m do solo sobre a zona de intercepção das pistas 18/36 e 03/21 em frente à torre de controle, teria assumido uma atitude «anormal», nivelado e prosseguido o voo a uma altitude sensivelmente constante de uns 132 m até ao embate nos cabos eléctricos, ao que se seguiu embate na cobertura da Vivenda Paulos e impacte final e incêndio contra a Vivenda Zeca, na Rua das Fontainhas. A altura da trajectória em relação ao solo foi gradualmente diminuindo, devido ao facto de o terreno ser ligeiramente a subir segundo a direcção de voo.

3 - Características do incêndio. - O incêndio que se desenvolveu no ponto final de impacte da aeronave na Rua das Fontainhas foi extinto em cerca de 4-5 minutos, tendo abrangido uma área em planta ao nível do solo que não excedeu os 10 m2. Os elementos existentes sobre volume de combustível presumivelmente consumido no incêndio são extremamente imprecisos, quando não mesmo antagónicos. A altura de chama foi estimada em cerca de 11 m, desconhecendo-se a sua evolução no tempo.

4 - Condições atmosféricas. - Os valores médios de velocidade e rumo do vento registados pelo INMG à hora do acidente, num anemógrafo colocado a 6 m do solo, junto à intercepção das pistas 18/36 e 03/21, foram de, respectivamente, 2 m/s e 327º magnéticos. Atendendo à baixa velocidade do vento e às características de estabilidade da atmosfera nocturna, o valor estimado de intensidade da turbulência atmosférica é da ordem dos 10%. No dia e meio a seguir ao acidente (i. e., até ao princípio da tarde do dia 6 de Dezembro), a velocidade do vento manteve-se, em geral, em valores ainda inferiores àquele, tendo se registado diversos períodos de calma.

Desta súmula ressalta que a característica mais saliente do rasto de fragmentos, objecto da análise solicitada ao IST, é a sua regularidade; de facto, ao longo de um comprimento da ordem dos 360 m, embora a concentração e peso dos fragmentos encontrados não seja constante, o rasto mantém uma mesma configuração geométrica: rasto rectilíneo com cerca de 8 m de largura. Tal regularidade só pode ser conseguida por actuação de um mecanismo perfeitamente organizado.

Os mecanismos de produção do rasto de fragmentos que considerámos foram:
i) Dispersão pelo vento a partir do incêndio no local de impacte;
ii) Libertação em voo na sequência de incêndio a bordo; e
iii) Organização dos fragmentos depositados por escoamentos junto ao solo.
Sumarizam-se as principais conclusões deste estudo:
A) Dispersão pelo vento a partir do local do incêndio:
a) Os dados existentes para caracterização do incêndio apenas permitem afirmar que a pluma térmica gerada teria, em princípio, intensidade suficiente para poder efectuar o transporte de fragmentos de papel à altura necessária para, sob acção do vento, produzir um rasto no solo de extensão comparável ao encontrado.

b) Admitindo o necessário transporte pela pluma, o rumo registado do vento era, porém, tal que teria depositado os fragmentos de papel a cerca de 50 m para este da cabeceira da pista, enquanto o rasto no solo foi detectado apenas a oeste do eixo da mesma;

c) Mesmo o reduzido valor de intensidade da turbulência atmosférica teria dispersado os fragmentos de papel transportados pelo vento de tal modo que o rasto deveria alargar continuamente a partir do local de incêndio e exibir uma largura da ordem dos 120 m junto à cabeceira da pista, em vez de acusar uma largura sensivelmente constante de cerca de 8 m ao longo dos 360 m;

d) A variação de concentração e de peso dos fragmentos ao longo do rasto é consentânea com um mecanismo de dispersão deste tipo, mas já a elevada densidade aparente dos fragmentos de fibra, comparativamente aos de papel, não teria permitido o seu transporte pelo vento até às distâncias a que os mesmos foram detectados.

Em conclusão: a dispersão pelo vento a partir da pluma térmica resultante do incêndio desenvolvido no local de impacte não poderia, por si só, ser responsável pela produção do rasto de fragmentos considerado, embora pudesse ter originado o troço detectado na elevação do terreno entre os cabos eléctricos seccionados pela aeronave e o tanque perto das casas que sofreram os embates finais.

B) Libertação em voo:
a) A libertação de fragmentos durante a fase de voo da aeronave, na sequência de incêndio ocorrido a bordo, podia ter produzido um rasto com orientação e geometria próximas das do rasto detectado no solo;

b) A natureza mista dos fragmentos constituintes do rasto é ainda consentânea com este modo de produção;

c) A variação assinalada de peso e concentração dos fragmentos ao longo do rasto não é, porém, atribuível a este mecanismo, podendo ter sido originada por uma libertação não uniforme.

Em conclusão: a libertação de fragmentos durante a fase de voo da aeronave podia ter originado um rasto de geometria e natureza próximas da do rasto detectado.

C) Organização pelo vento junto ao solo:
a) As reduzidas velocidades do vento observadas durante e após o voo da aeronave acidentada e a configuração dos obstáculos no terreno não poderiam ter produzido escoamentos secundários, nas camadas da atmosfera junto ao solo, capazes de promoverem uma organização do rasto de fragmentos;

b) A vegetação rasteira que cobre o terreno teria, de qualquer modo, dificultado uma eventual reorganização do rasto por este processo.

Em conclusão: o rasto de fragmentos no solo não poderia ter sido perceptivelmente alterado pelo vento atmosférico.

Os dados de trabalho disponíveis, embora não completos, pouco precisos e nem sempre concordantes, permitem concluir que de entre os mecanismos considerados de indução do rasto de fragmentos o único capaz de produzir um rasto com uma configuração geral próxima da do assinalado no solo é o de libertação dos fragmentos durante a fase de voo da aeronave.

3 - Esclarecimentos complementares solicitados
Foi remetido os autores, em 19 de Novembro de 1986, um novo pedido de estudo segundo pressupostos constantes do requerimento da autoria do Sr. Deputado José Luís Ramos do seguinte teor:

1 - Considerando como comprovado que:
a) A aeronave entrou em emergência e interrompeu a sua linha de subida ainda sobre a zona de intercepção da pista 36 com a 03;

b) O aparelho pranchou acentuadamente sobre a asa direita no momento em que entrou em emergência;

c) O Cessna cortou com a extremidade da asa esquerda dois fios de baixa tensão situados a cerca de 100 m aquém das asas atingidas;

d) Na colisão com as traseiras da Vivenda Paulos (primeira colisão), a aeronave apresentava um pranchamento sobre a asa esquerda da ordem dos 45º;

Determinar, se possível, qual a trajectória de voo mais consentânea com estes dados e se a mesma é ou não coincidente com a orientação do rasto de materiais queimados pertencentes à aeronave.

2 - Face à possibilidade de a emergência e consequente queda da aeronave ter sido causada pela deflagração de um engenho incendiário colocado no seu bojo ou estrutura da cabina, explicar, se possível, o fenómeno de combustão que teria obrigado à expulsão desses resíduos queimados a partir do interior da aeronave e ainda na sua fase de voo, tendo em conta a velocidade da aeronave no momento em que tal facto se terá produzido.

3 - Informar esta Comissão se os cálculos dos mecanismos indutores do rasto de fragmentos de papéis queimados, constantes do relatório com data de 12 de Agosto de 1986, se aplicam igualmente às outras matérias recolhidas pelas autoridades ao longo do referido rasto, nomeadamente à lã de vidro de insonorização da cabina, encontrada em apreciável quantidade na zona de rasto compreendida entre a estrada de acesso interior ao portão 16 e as casas atingidas, como consta de inúmeros depoimentos e relatórios dos responsáveis da Polícia Judiciária que, no terreno, procederam ao levantamento desses fragmentos.

No caso de o referido estudo não abranger fragmentos de lã de vidro, fornecer, se possível uma estimativa da trajectória da sua dispersão no terreno a partir da pluma térmica gerada pelo incêndio da aeronave no solo, tendo em conta as condições atmosféricas que se faziam sentir nessa noite.

4 - Resposta complementar do IST
Em 24 de Novembro, através do ofício S-282/86, foi remetida à CEIAC a resposta ao solicitado, nos termos seguintes, sistematizados em três pontos:

Trajectória de voo
Logo na fase inicial de participação do IST nos vossos trabalhos e após apreciação dos primeiros elementos que me foram apresentados, solicitei-vos, pelo ofício referência S-83/86, de 7 de Abril de 1986, que me fossem transmitidas todas as informações fiáveis de que VV. Exas. dispusessem sobre trajectória de voo da aeronave acidentada; respondeu-me V. Ex.ª pelo ofício n.º 19/CEI/Camarate/86, de 2 de Maio, remetendo-me uma perspectiva da trajectória extraída do processo da DGAC e notando «que é tudo quanto temos». Devolve-me agora V. Ex.ª a questão que vos levantei, indagando:

i) Qual a trajectória de voo; e
ii) Sobre se essa trajectória é ou não coincidente com a orientação do rasto de fragmentos no solo.

Para esse fim faz V. Ex.ª o favor de nos enviar novos elementos - que junto devolvo com os nossos agradecimentos - e de nos chamar a atenção para o interesse de dados já em nosso poder.

Quanto ao primeiro aspecto da vossa questão, noto não dispor a universidade dos peritos aeronáuticos que, porventura, pudessem, com os dados de que temos conhecimento, definir qual a trajectória realizada pela aeronave, o que justifica o pedido de informação que anteriormente vos dirigi; no País, esses peritos encontrar-se-ão, muito provavelmente, na DGAC. O que estamos certamente em condições de vos explanar é a análise de compatibilidade de dados e o tipo de raciocínio que nos levou a extrair as conclusões apresentadas no nosso relatório.

Listemos então os dados bases interessantes e de fiabiildade comprovada:
1 - Trajectória de voo:
a) A aeronave descolou da pista 36;
b) Depois de passar em frente da torre de controle e a seguir à intercepção das pistas 18/36 e 03/21, quando se encontrava a vinte e poucos metros de altura em relação à pista, a aeronave pranchou sobre a direita;

c) Recuperando desta atitude, a aeronave prosseguiu uma trajectória não definida em planta que a conduziu ao ponto de impacte nos cabos eléctricos que ladeiam a estrada Charneca-Camarate;

d) O último troço da trajectória é determinado pela localização dos cabos eléctricos seccionados e das casas que sofreram os embates finais.

Pelo menos dois outros elementos resultam dos factos apresentados:
e) Em consequência do pranchamento assinalado a seguir à intercepção das pistas, a aeronave terá, em maior ou menor grau, voltado para a direita;

f) Em consequência do embate com a asa esquerda nos cabos eléctricos, a trajectória terá acusado uma inflexão abrupta sobre a esquerda.

Admitindo que o troço longo da trajectória até ao embate nos cabos eléctricos tenha sido executado a uma altura da ordem da dezena de metros, não é crível que o voo tenha registado alterações apreciáveis de rumo.

2 - Rasto de fragmentos:
a) O rasto de fragmentos exibe um troço longo, sensivelmente rectilíneo, de largura aproximadamente constante, que se estende desde uns 50 m a partir da cabeceira da pista 36 até aos cabos eléctricos seccionados;

b) Este troço longo é assinalado apenas a poente de um caminho de circulação interior com um espaço para estacionamento automóvel;

c) Um troço final, mais curto, do rasto está registado desde o ponto de embate nos cabos eléctricos e em direcção às casas que sofreram os últimos impactes;

d) Na vizinhança dos cabos eléctricos seccionados, o rasto apresenta uma clara inflexão para a esquerda (progredindo no sentido do voo da aeronave).

Não consideramos possível, analisando estes dois conjuntos de informação de per si, chegar a resultados absolutamente fidedignos que nos permitam responder inequivocamente à vossa questão sobre se a «trajectória (da aeronave) é ou não coincidente com a orientação do rasto dos materiais queimados». O que fizemos, por o entendermos já perfeitamente seguro, foi confrontar os dois conjuntos de informações, apreciando a compatibilidade ou não compatibilidade dos seus diversos aspectos, assim ampliando o conhecimento global do processo.

Por observação da planta que incluímos, em que assinalamos o prolongamento do troço de rasto levantado pela DGAC para o interior do Aeroporto, poderão VV. Exas. confirmar que os dois conjuntos de informações são perfeitamente compatíveis. Esta compatibilidade, assim referida por extrapolação a longa distância de um pequeno segmento do rasto, vem demonstrar a concordância, em aspectos fundamentais, até de diferentes elementos produzidos por diferentes fontes.

Mecanismo de ejecção dos fragmentos em voo
Pretendem VV. Exas. explorar a hipótese de o acidente ter sido causado pela deflagração de um engenho incendiário colocado a bordo da aeronave. Nessas circunstâncias, solicitam-nos informação sobre o fenómeno de combustão que teria obrigado à expulsão do interior da aeronave dos resíduos queimados encontrados no terreno.

Embora não disponha a universidade de peritos em explosivos, podemos avançar que, nesta hipótese, a expulsão de fragmentos através de qualquer comunicação estabelecida com o exterior seria controlada, entre outros factores, pela área e forma da perfuração e pelo diferencial de pressões instalado entre as regiões a montante e a jusante do corpo de objectos movimentados, isto é, não só pela sobrepressão criada no interior da aeronave em consequência da deflagração num domínio confinado - como é o caso da cabina de um Cessna pressurizado -, como pelo eventual efeito de sucção resultante de uma baixa pressão estática local reinante na zona da perfuração e associada ao escoamento em torno da aeronave como um todo.

Desenvolvendo o mecanismo de aumento de pressão no interior:
a) O habitáculo da aeronave pode considerar-se um sistema a volume constante;
b) A deflagração de um engenho incendiário liberta, em tempo muito curto, uma enorme quantidade de produtos gasosos;

c) Os produtos gasosos são libertados a elevada temperatura, como resultado da reacção fortemente exotérmica;

d) A libertação de gases e o aumento de temperatura do ar e gases contidos no habitáculo traduz-se num aumento de pressão estática.

Um enfraquecimento localizado seguido de perfuração da parede do habitáculo, associado ao diferencial de pressões acima referido, levaria à formação de um jacto (ou jactos) gasoso(s) com capacidade para arrastar objectos existentes na vizinhança da perfuração.

Dispersão de fragmentos de lã de vidro
Duas questões levantam VV. Exas. sobre a possível dispersão de fragmentos de lã de vidro, que «se diz» terem sido encontrados no rasto, a partir da pluma térmica gerada no ponto de impacte final e incêndio da aeronave:

a) São ou não aplicáveis a outros materiais os cálculos dos mecanismos indutores do rasto de fragmentos de papéis queimados constantes do nosso relatório?

b) Qual a estimativa da trajectória da dispersão de fragmentos de lã de vidro no terreno?

Consideremos separadamente estes dois aspectos:
a) O esquema de cálculo utilizado no nosso relatório para estimar o transporte pelo vento de fragmentos de papel elevados pela pluma térmica é perfeitamente aplicável ao transporte de quaisquer outros materiais, com o proviso de que diferentes resultados alcançados reflectirão directamente diferentes dados de entrada, exprimindo diferentes características de densidade aparente e aerodinâmicas dos materiais em jogo. Esta a razão por que explicitámos a p. 23, 1. 6/3, do nosso relatório que a estimativa numérica de transporte apresentada a título ilustrativo era «aplicável exclusivamente aos fragmentos de papel, e não a quaisquer dos outros objectos da esteira de fragmentos, pois estes possuem características de densidade aparente e aerodinâmicas muito diferentes daqueles».

b) No nosso relatório não considerámos transporte pelo vento, a partir da pluma térmica, de outros materiais que não fossem fragmentos de papel, e mesmo estes, como acabamos de referir, foram apreciados a título meramente demonstrativo, porquanto, como assinalado a pp. 23 e 24 do relatório, o rasto resultante exibiria características de direcção e largura que em nada concordariam com as do rasto assinalado no solo. Esta a razão por que não solicitámos amostras dos fragmentos de quaisquer dos materiais encontrados no rasto.

Dada a questão agora levantada, não queremos, porém, deixar de indicar que fragmentos de lã de vidro do tipo utilizado em aeronaves acusam uma velocidade de queda cerca de duas vezes superior à da dos fragmentos de papel, pelo que a sua capacidade de elevação pela pluma térmica teria sido reduzida e a distância de transporte pelo vento diminuída em relação aos correspondentes valores para os fragmentos de papel.

5 - Discussão e avaliação do estudo do IST
A Comissão pôde discutir extensa e aprofundadamente com os autores os pressupostos e conclusões transmitidos à Assembleia da República (cf. as actas das reuniões de 11 e 12 de Dezembro de 1986 e de 20 de Janeiro de 1987), tendo sido suscitadas aclarações, dúvidas, objecções e sinalizados omissões e aspectos contraditórios de base, bem como diversas expressões de concordância com aspectos constantes do relatório.

A Comissão procurou avaliar em toda a sua extensão os resultados das diligências que adoptou com vista ao aclaramento da natureza, configuração e demais aspectos relacionados com os vestígios encontrados na área do acidente.

5.1 - Parecer-informação do PGR
Tendo sido solicitado à Procuradoria-Geral da República um parecer-informação sobre o conteúdo e implicações do estudo a tal respeito encomendado ao IST, a Comissão recebeu em 15 de Janeiro de 1987 a seguinte informação:

Como é do conhecimento de V. Ex.ª, as atribuições do Ministério Público - de que a Procuradoria-Geral da República é órgão superior - têm por objecto a promoção e defesa da legalidade, o exercício da acção penal, a representação do Estado e das pessoas e entidades a quem o Estado deve protecção e o exercício de funções consultivas a solicitação do Governo ou em caso de consulta obrigatória (ainda aqui, em matéria de legalidade).

Pelas suas implicações técnico-científicas, um exame de conteúdo do referido estudo está fora das atribuições e dos meios conferidos à Procuradoria-Geral da República.

Admito, porém, que o que se pretende da Procuradoria-Geral da República é uma informação sobre o significado e valor do estudo em termos de esclarecimento e avaliação dos factos em investigação.

Encontrando-se os factos a ser concomitantemente investigados pelas autoridades judiciárias e pendendo, quanto a eles, instrução preparatória, um juízo definitivo sobre aquele estado só deve ser formulado, pelo Ministério Público ou pelo juiz de instrução, em sede própria - o processo.

A disponibilidade em que me encontro para cooperar com essa Comissão sugere-se, no entanto, uma breve nota sobre a natureza do estudo e sua relação com os critérios judiciais de apreciação da prova.

Assim:
1) Como os seus autores reconheceram, o estudo corresponde a uma investigação efectuada sobre elementos de índole quase exclusivamente documental, o que lhe retira características processuais de verdadeira perícia;

2) As hipóteses foram elaboradas, como igualmente se reconhece, a partir de elementos imprecisos e, em alguns pontos, contraditórios;

3) A hipótese de trabalho que sustenta o estudo foi «acordada» entre o Sr. Vice-Presidente da Comissão e os autores (fl. 20), sem que constem do documento ou anexos os critérios que motivaram a opção: de verosimilhança, indiciários, probatórios ou de mera eleição de uma das hipóteses plausíveis;

4) Num ou noutro ponto, a análise radica em estimativas ou em raciocínios de base conjectural.

Sendo estes os pressupostos e a metodologia utilizados, o valor processual do estudo há-de resultar, por um lado, da correcção dos respectivos enunciados técnicos e científicos (sempre passíveis de reexame por entidade cientificamente idónea) e, por outro lado, da maior ou menor consistência dos dados de facto que lhe serviram de base.

O estudo é, em qualquer caso, um documento que pode interessar à interpretação dos indícios e, nessa medida, à descoberta da verdade material, motivo por que me permito sugerir que, independentemente dos resultados do inquérito em curso, e quando V. Ex.ª entender oportuno, se digne determinar seja enviado, por cópia, ao Tribunal de Instrução Criminal de Loures.

5.2 - Informação-parecer da PJ
Tendo sido socilitada à PJ informação-parecer sobre o mesmo estudo, foi recebida no dia 20 de Janeiro de 1987 a seguinte resposta:

1 - Como é do conhecimento de V. Ex.ª, a Polícia Judiciária constitui um serviço de prevenção e investigação criminal, auxiliar da administração da justiça, com competências adequadas à satisfação desses objectivos, conforme resulta dos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º e 6.º do Decreto-Lei 458/82, de 24 de Novembro.

Assim, a emissão de informação-parecer não se coaduna com as atribuições que a lei lhe assinala, pois nestas não se configura matéria de carácter consultivo.

2 - A Polícia Judiciária - e a sua Directoria-Geral - tem o maior interesse em dar a sua colaboração ao prestigiado órgão de soberania que é a Assembleia da República.

Só que, no caso vertente, sente a dificuldade acrescida de se tratar de matéria de carácter eminentemente técnico - estudo do Instituto Superior Técnico -, a envolver conhecimentos científicos que nos escapam.

Acresce que os factos sobre os quais o estudo incide respeitam a processo crime em instrução preparatória pendente no Tribunal de Instrução Criminal de Loures.

3 - Com estas ressalvas e no sentido de prestar à Assembleia da República a colaboração solicitada, ofecece-se-nos comentar:

3.1 - Realçam os autores do estudo em apreço que alguns dos elementos em que se baseiam são imprecisos, alguns deles até de cariz contraditório;

3.2 - Em alguns aspectos, o estudo assume carácter conjuntural. Isto, desde logo, implica que este não reveste as características de uma perícia em termos processuais-penais.

4 - A investigação da Polícia Judiciária deu prevalência à perícia, realizada pela Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, elaborada por técnicos dotados dos conhecimentos científicos adequados à sua realização, nos termos dos artigos 180.º e 182.º do Código de Processo Penal, orientação sancionada pelo Ministério Público, através do Exmo. Procurador-Geral da República.

Note-se que aquela perícia incidiu sobre os detritos recolhidos pela Polícia Judiciária e pelos peritos da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil no local do embate e suas imediações.

Acentue-se ainda que a Polícia Judiciária não teve conhecimento da existência de outros detritos além dos que foram recolhidos e devidamente assinalados no processo crime.

5 - Reconhece-se que o estudo em análise pode revestir-se de interesse para as autoridades judiciárias que neste momento detêm o poder de investigação - o juiz de instrução e o magistrado do Ministério Público do Tribunal de Instrução Criminal de Loures - e, como tal, deve ser-lhes remetido para os efeitos que estes tiverem por convenientes.

À Polícia Judiciária caberá realizar as investigações concretas que estas autoridades judiciárias lhe solicitarem, com o costumado espírito de colaboração.

6 - Apreciação feita pala Comissão: questões gerais
A Comissão ponderou cuidadosamente os diversos critérios necessários à avaliação e interpretação da investigação encomendada, encontrando-se pormenorizadamente descritas nos autos as peças documentais que lhe serviram de base, inicial e sucessiva, atrás resumida.

A Comissão conhecia, como constitui evidência, as vastas dificuldades decorrentes das fragilidades da base de partida.

6.1 - Aclarações de pressupostos
Solicitada à Comissão, como ficou recordado, aclaração sobre qual a extensão e configuração do rasto de fragmentos que devia servir de suporte ao estudo que fora solicitado ao IST, foi inicialmente estabelecido que constituiria a base de trabalho a efectuar pelo IST «o rasto descrito pelo inspector da PJ, identificado em 8 de Maio de 1986, no seu relatório de 22 de Dezembro de 1980» (ofício de 16 de Maio de 1986). Só que o relatório de 22 de Dezembro de 1980 não veio a ser a base de estudo dos Profs. Vasco Brederode e Mário Nina, como o primeiro reconheceu expressamente, ao ser instado sobre o facto. Nem poderia outra coisa ser afirmada, porquanto se vê do estudo feito que o elemento de facto fundamental de que se serviu - a configuração do rasto e a sua possível largura - não consta do relatório daquele inspector, apelando a declarações deste emitidas posteriormente e com conteúdo sucessivamente diferente.

a) Com efeito, as declarações por este prestadas não são uniformes, do que tiveram percepção os autores do estudo (cf. a acta da reunião da CEIAC de 11 de Dezembro de 1986).

No seu relatório, dias após os acontecimentos, diz que conseguiu recolher um conjunto de papéis meio queimados, que não diz onde foram encontrados, mas que parece razoável presumir tenham sido os papéis queimados que foram encontrados no sítio onde o avião ardeu, como refere a fl. 998.

Diz mais, que no dia seguinte ao do acidente, dia 5 de Dezembro, no terreno que vai das traseiras das casas até à estrada que liga Charneca a Camarate, foram encontrados restos de papéis queimados, bem como outros objectos, no sentido dos postes de electricidade onde os fios se mostravam partidos e que, tendo ordenado à sua equipa que entrasse no terreno do Aeroporto e pesquisasse até à pista, esta recolheu mais objectos queimados, que terminavam a uns 50 m do fim da pista.

Diz também que no dia 6 de Dezembro foram recolhidos mais papéis queimados perto do fim da pista, numa distância que vai dos 50 m a 100 m.

Não estabelece qualquer configuração geométrica da disposição dos fragmentos encontrados.

Ouvido pela CEIAC em 22 de Março de 1983, continua a não definir geometricamente a disposição dos vestígios encontrados.

E, concretizando os locais onde haviam sido encontrados os vestígios, afirma:
Que no morro atrás das casas onde caiu o avião encontrou papéis queimados junto ao poço e junto ao poste, tendo também encontrado uma peça a que chamou «ninho de abelha» e «fibra», que se aventou ser do revestimento do «turbo-compressor»;

Que após a entrada no terreno, entre duas vedações, encontrou vestígios de lã de vidro; e

Que após a última vedação, já perto da pista, a uma distância que avalia entre 50 m e 60 m a contar do fim da pista, encontrou de novo papéis queimados.

Não há, portanto, nesta versão, um «rasto contínuo de vestígios», mas três sítios, perfeitamente diferenciados, onde foram encontrados vestígios.

Ouvido em 8 de Maio de 1986, o mesmo inspector tem duas posições diferenciadas. Principia por dizer que entre a traseira das casas onde caiu o avião e a estrada foi encontrado um papel queimado e depois diz que pensa que foi mais de um.

Diz que foi encontrado também um «ninho» em forma de «radiador de automóvel» e uma «fibrazita sintética» (pp. 37, 42 e 43).

Entrando no terreno do Aeroporto, afirma que continuaram a encontrar «lã de vidro» e «papéis queimados», dizendo agora que esses vestígios seguiam uma «linha recta» (pp. 48 e 49) com a largura de «mais ou menos 8 m» (p. 55).

b) Só que a brigada da PJ que andou na busca de vestígios fazia parte o subinspector identificado em 13 de Maio de 1986 e este, na sua informação de 17 de Dezembro de 1980, afirma que os vestígios se apresentavam a uma largura sensivelmente uniforme de 30 m a 40 m, que se estendia desde cerca de 50 m do topo da pista utilizada.

É evidente que uma faixa perfeitamente delimitada com 8 m de largura não é a mesma coisa que uma faixa com 30 m ou 40 m de largura.

Por outro lado, o inspector atrás referido, em 8 de Maio de 1986, vem dizer que, embora não se recorde bem, tem a sensação de que perto do sítio do embate nas casas a largura do rasto era muito menor que na cabeceira da pista (p. 134) e que perto das casas essa largura do rasto seria de mais ou menos 4 m (p. 135).

c) Por sua vez, um agente que fez parte da mesma brigada da PJ que andou na busca de vestígios veio dizer, em 13 de Março de 1986:

Que só no exterior do Aeroporto, a partir da estrada Charneca-Camarate - portanto numa extensão de cerca de 100 m -, é que havia restos de vestígios (pp. 13 e 37);

Que aí os rastos constituíam duas faixas paralelas, distanciadas cerca de 8 m uma da outra;

Que no interior do Aeroporto não havia faixas nenhumas, estava tudo disseminado.

Inquirido de novo em 8 de Janeiro de 1987, o mesmo agente veio afirmar que a «disseminação» que observara teria existido, sim, mas ao longo da faixa, mostrando-se, contudo, incapaz não só de descrever o método utilizado para a colheita dos vestígios, como os percursos utilizados, os locais de colheita e a natureza distinta dos vestígios em correlação com os locais onde se encontravam. Instado a representar através de desenho (ou a predefinir critérios sobre dispersão e agregação de vestígios que permitissem precisar em concreto o que vira), mostrou-se novamente incapaz de o fazer.

d) Inquirido em 8 de Janeiro de 1987, outro agente da PJ, igualmente membro da equipa de recolha, sugere uma disposição ainda diferente e longitudinalmente irregular, onde avulta a referência a que os papéis queimados mais próximos da pista se encontrariam a cerca de 50 m a 70 m do fim desta, mas no seu alinhamento, em contradição com os restantes elementos. Descreve à Comissão, de forma igualmente diferente, a técnica de pesquisa e recolha utilizada.

e) É de assinalar ainda que o inspector referido no n.º 6.1 acabou por reconhecer que, tendo estado na zona entre as traseiras das casas e a estrada, não cobriu pessoalmente a zona intermédia entre essa zona e o fim da pista, só sabendo dos detritos aí encontrados por informação do pessoal da sua brigada (pp. 160 e 161 da acta de 8 de Maio de 1986). Este facto é confirmado, designadamente, por um desenhador então ao serviço da PJ (pp. 88 e 89 das actas de 16 de Dezembro de 1986).

f) Finalmente, o inspector referido no n.º 6.1 diz, em 22 de Março de 1983, que «quanto mais longe do local do embate mais leves eram os materiais» encontrados.

O relatório do IST considera que a variação assinalada de peso e concentração dos fragmentos de materiais encontrados não é atribuível ao mecanismo da sua libertação em voo. Ou seja, esta verificação do referido inspector é incompatível com o mecanismo de libertação em voo e vai no sentido da dispersão destes materiais pelo vento a partir do local do incêndio.

7 - Apreciação feita pela Comissão: conclusões
A fixação dos dados de trabalho oferece, pois, as dificuldades a cujo sumário exame se procedeu, tanto quanto ao quadro inicialmente estabelecido, como quanto às sucessivas alterações de que se deu atrás nota.

Ora, como se reconhece no já citado ofício de 7 de Abril de 1986, do Prof. Vasco Brederode:

O rasto de fragmentos detectado no solo constitui o elemento fulcral da análise solicitada ao Instituto Superior Técnico. [Fl. 4.]

A seguir acrescenta-se, com razão:
Infelizmente, é este o elemento menos preciso do processo relativamente ao qual se registam indicações verdadeiramente contraditórias nos documentos que me foram entregues. Esta a razão por que, muito especialmente, vos solicito parecer sobre qual o rasto dos fragmentos que entendem devemos considerar na nossa análise. [Fl. 4.]

E, depois de enumerar diversas contradições, conclui:
Em face destes dados, que não consigo compatibilizar, pergunto: qual a extensão e configuração do rasto dos fragmentos que V. Ex.ª entende deva servir de base à análise solicitada ao Instituto Superior Técnico? [Fl. 6.]

A isto o Sr. Presidente da Comissão respondeu, como já se recordou, que, «quanto ao rasto de fragmentos, não dispõe esta Comissão de outros elementos que não sejam os já entregues a V. Ex.ª».

Deste modo, não se afigura possível dar por fundada a hipótese em que assenta o relatório dos ilustres técnicos do IST, não sendo legítimas nem profícuas para a investigação que cabe à CEIAC levar a cabo tentativas de «compatibilização» (por alteração e «correcção» não assentes em elementos probatórios devidamente estabelecidos) de dados de partida que conduzem a soluções divergentes.

A Comissão apreciou atentamente os quatro elementos que foram considerados também importantes para as conclusões que se extraíram do relatório: a quantidade de gasolina que ardeu, a duração do incêndio, a intensidade e a direcção do vento que soprava.

7.1 - Quanto à quantidade de gasolina que ardeu
O relatório diz que a quantidade total de combustível consumido foi de cerca de 240 l (p. 23). Esta quantidade não coincide, porém, com a que devia existir no avião, pelos cálculos de consumo feitos e que foram fornecidos ao IST. Nestes cálculos aponta-se para 254 l e o IST não tinha outros dados ao seu alcance.

A esse número haveria que adicionar a quantidade de combustível dos automóveis estacionados na Rua das Fontainhas, que também ardeu, como o próprio relatório reconhece (p. 16).

O estudo reconhece que a combustão de 240 l fez com que os fragmentos por ela aspirados devessem atingir 80 m de altura acima do solo (p. 23).

A quantidade de combustível é, evidentemente, importante para determinar uma menor ou maior pluma térmica.

Não se afigura explicável que se tenha diminuído aquele número de 254 l (mais os litros existentes nos automóveis) para 240 l ...

A única explicação foi a de que os bombeiros teriam apagado o incêndio e a gasolina não ardida teria ficado a constituir, possivelmente, uma lama na rua. Todavia, por um lado, não se sabe se quando o incêndio foi atacado havia muita gasolina por arder ou já não havia nenhuma, pois não há nos autos provas de que tenha aparecido depois. Por outro lado, não se sabe onde é que o relatório foi buscar a existência de tal lama e, finalmente, as fotografias tiradas no local, na noite do acidente, e constantes dos autos não mostram a existência de tal lama.

7.2 - Quanto à duração do incêndio
Foi considerada elemento fundamental para o estudo e por isso o Prof. Vasco Bredorede, no seu ofício de 16 de Maio de 1986, solicitou o Sr. Presidente da Comissão, a informação sobre o tempo do incêndio no ponto de impacte da aeronave.

Em resposta, o Sr. Presidente da Comissão informou que «o avião teria estado a arder no solo, pelo menos, cinco minutos» (ofício de 16 de Junho de 1986, fl. 3).

O relatório parte, porém, da base de que a duração do incêndio foi de quatro a cinco minutos e refere como elemento dessa informação o citado ofício de 16 de Junho, o que não é exacto, embora tenha sido objecto de contributo justificativo em debate com a Comissão (acta de 11 de Dezembro de 1986).

7.3 - Quanto à intensidade do vento
Foi considerada como base do cálculo a velocidade de 2 m/s (p. 19). Esta velocidade corresponde exactamente a 4 nós.

Só que, verificando-se o acidente às 20 horas e 18 minutos, o INMG informou, pelo seu ofício de 24 de Abril de 1986, que a velocidade do vento, medida de meia em meia hora, era às 20 horas de 7 nós e às 20 horas e 30 minutos de 5 nós. Afigura-se que não é possível um estudo rigoroso sobre as características do vento a partir dos registos de um só anemógrafo, sobretudo se distante cerca de 1000 m do local da combustão. Sabe-se, por outro lado, que haverá de ter em devida conta as características das diversas áreas do terreno.

Ainda que assim não fosse, os cálculos teriam sempre de partir, no caso em apreço, ou do valor médio (6 nós), valor apontado, por exemplo, pelo NTSB, ou dos dois valores encontrados (7 nós/5 nós), não invalidando nem um nem outro.

Não são perceptíveis nem foram justificados os critérios que motivaram a opção por uma velocidade de 4 nós, que não resulta da informação do INMG, oportunamente fornecida aos técnicos do IST.

Consta, aliás, dos autos que o piloto, quando pediu autorização para descolar, recebeu da torre de controle a informação de que a velocidade do vento era de 6 nós, parecendo razoável, em princípio, admitir que a torre não dê informações erradas aos pilotos ...

Depois, este Instituto forneceu também o gráfico de registo (pelo anemógrafo situado perto da torre do Aeroporto) da velocidade instantânea, da velocidade média e do rumo do vento.

A velocidade média, que o aparelho retira naturalmente das diversas velocidades instantâneas, foi registada de dez em dez minutos e no momento do acidente aponta para uma velocidade média de 6 nós, como os peritos do IST reconheceram.

A velocidade instantânea acusa velocidades equivalentes àquela média até às 20 horas e 20 minutos. Porém, nesse preciso momento, que corresponde também ao do acidente, regista uma queda abrupta para cerca de 2,5 nós, que se mantém durante cerca de duas horas.

Esta queda é, porém, enigmática, pois, por um lado, a velocidade média registada continua a ser da ordem dos 6 nós, o que é contraditório com aquele registo de 2,5 nós na velocidade contínua. Por outro lado, a linha de registo de velocidade instantânea pára às 20 horas e 20 minutos e outra linha recomeça mais abaixo a essa mesma hora.

Ora, o registo de velocidade instantânea é contínuo, feito no mesmo gráfico, numa única e contínua linha (v., por exemplo, o que, segundo o mesmo registo, sucedeu às 23 horas e 40 minutos, em que houve um aumento da velocidade do vento).

O gráfico do registo da velocidade instantânea não é, pois, fiável, como, aliás, os próprios técnicos do IST reconheceram. Só que esse reconhecimento não impediu que o relatório do IST tomasse por base a velocidade de 4 nós, inferior em 2 nós à veleidade média registada e indicada pelo INMG.

Finalmente, não se compreende que possa não ser tomada em consideração a velocidade do vento à altura de 80 m, uma vez que o próprio estudo admite que os fragmentos aspirados deviam ter atingido esta altura.

7.4 - Quanto ao rumo do vento
Foi considerada como base de cálculo a orientação de 327º magnéticos.
Só que esta base não respeita as informações do INMG constantes do seu ofício de 24 de Abril de 1986, que indicam o rumo do vento de meia em meia hora, como sendo de 340º às 20 horas e de 330º às 20 horas e 30 minutos.

Os cálculos também aqui teriam de partir ou do valor médio - 335º - ou daqueles dois números, 340º e 330º, não invalidando nem os 340º nem os 330º.

De resto, o gráfico do registo pelo anemógrafo mostra como o rumo do vento esteve instável no dia do acidente.

E mostra, por outro lado, que o registo a partir das 20 horas anda pelos 340º magnéticos.

Aliás, quando o piloto pede autorização à torre de controle para levantar voo, esta informa-o de que o vento tinha rumo de 340º.

Ora, a opção escolhida tem implicações.
A Comissão compreende que, quanto mais descoincidentes forem os valores apontados para o rumo do vento e a orientação dos vestígios, mais se justificaria a conclusão de que a dispersão pelo vento a partir da pluma térmica resultante do incêndio desenvolvido no local do impacte não poderia, por si só, ser responsável pela geometria dos vestígios relatada (legitimando-se a tese da «libertação em voo»).

Sucede, porém, que os dados disponíveis, quando tratados segundo as regras que atrás se explicitaram, não consentem tal opção.

7.5 - Esclarecimento do INMG
A Comissão solicitou e obteve informação sobre estes pontos de técnicos do INMG (acta de 20 de Janeiro de 1987), de cujos esclarecimentos avultam os seguintes aspectos:

a) A necessidade de ter em conta, na leitura de resultados registados, que os anemógrafos apenas facultam uma leitura precisa (e ainda aí com ligeiras variações) do rumo e velocidade do vento no próprio local (sendo recomendável, nas zonas sujeitas a variações intensas e a turbulências, como é o caso do Aeroporto de Lisboa, diversificar o número de anemógrafos, que em 1980 era de dois - um só operativo - e deverá brevemente passar a ser de quatro); ora Camarate situa-se fora da zona do Aeroporto, a cerca de 1 km;

b) Em velocidades baixas (até 5/6 nós) registam-se variações constantes no rumo do vento;

c) A velocidade é superior à medida que a altitude aumenta; ora Camarate situa-se numa zona mais elevada que a das pistas do Aeroporto, perto das quais se encontra o anemógrafo. Estes aspectos não foram devidamente tidos em conta pelo relatório do IST.

A Comissão teve, aliás, oportunidade de analisar comparativamente resultados de leitura dos dois anemógrafos ora existentes no Aeroporto, observando as respectivas diferenças, que são assinaláveis.

7.6 - Síntese das apreciações parcelares
Em síntese, a Comissão não pode deixar de assinalar que, apesar dos dados por que optaram, os autores do relatório em apreço reconhecem (pp. 28 e 32) que «os dados existentes para a caracterização do incêndio apenas permitem afirmar se a pluma térmica gerada teria, em princípio, intensidade suficiente para poder efectuar o transporte de fragmentos de papel à altura necessária para, sob a acção do vento, produzir um rasto no solo de extensão comparável ao encontrado».

Compreende-se que, quanto maior for um incêndio e mais intenso o vento, mais longe serão transportados outros materiais queimados de densidade superior à do papel e que, inversamente, quanto menores forem a quantidade de combustível consumido, a duração do incêndio e a intensidade do vento, mais perto haverão de quedar-se quaisquer fragmentos transportados por pluma térmica, particularmente de densidade superior à do papel.

Sabendo-se, contudo, no caso concreto, como decorre de elementos constantes dos autos, que o incêndio teve intensidade tal que provocou a fusão de alumínio da aeronave, não se vislumbra como possa afirmar-se que o incêndio provocou «baixos fluxos térmicos» (pp. 16 e 32 do relatório citado).

7.7 - Trajectórias do voo e do rasto
Quanto à trajectória do voo e do rasto utilizada no estudo do IST, é de acentuar que o dado de base fornecido foi o testemunho do controlador. Este refere que o avião, depois de levantar voo e atingir uma certa altura (que primeiramente calculou em cerca de 50 m e depois em cerca de 25 m, estacionou na sua subida, isto é, manteve-se durante algum tempo à altura que conseguiu atingir, iniciando logo de seguida uma curva descendente.

O controlador, que se encontrava na torre, afirma ter-se apercebido de que o avião adornou a sua asa direita para baixo, teria mudado de rumo para a sua direita e prosseguido com a atitude de naris para baixo (em 5 de Dezembro de 1980, fl. 113, em 16 de Fevereiro de 1981, fl. 3280, e em 25 de Junho de 1985, fls. 1619 e 1621).

Mas não se apercebeu de que o piloto tivesse feito qualquer tentativa no sentido de retornar à pista que tinha abandonado (em 25 de Junho de 1985, fl. 1621).

Um senhor deputado do PSD juntou um gráfico da provável trajectória do avião.
Para esta trajectória se aproximar da linha do rasto dos fragmentos que o inspector mencionado no n.º 6.1 referiu necessário foi que no gráfico se desenhasse uma curta inflexão para a direita e uma imediata inflexão para a esquerda, ainda mais acentuada que a primeira.

Só que o controlador de tráfego aéreo, que olhava para o avião, não se apercebeu dessa inflexão para a esquerda.

Compreende-se que o gráfico tinha a virtualidade de meter a linha de trajectória do avião na linha do rasto dos fragmentos descrita pelo inspector. Não corresponde, no entanto, ao testemunho do controlador de tráfego aéreo, em que se quis basear. O depoimento do controlador de tráfego vai no sentido de que a trajectória de voo representou um desvio bastante maior para a direita do que o representado no gráfico.

A linha de rasto dos fragmentos indicada pelo citado inspector da PJ e mesmo pelo subinspector referido no n.º 6.3 situa-se para a esquerda da pista 18/36, donde o avião levantou voo e no sentido desse levantamento.

A linha de voo que resulta da informação do controlador de tráfego aéreo situa-se para a direita daquela pista.

Uma e outra linha cruzam-se no ponto onde os fios eléctricos foram cortados pelo avião, mas divergem completamente do Aeroporto até aí.

A linha de voo que resulta da informação do controlador de tráfego aéreo não se adapta à tal linha do rasto de fragmentos. Apesar disso, foi esta última que serviu de base ao relatório do IST, que, todavia, possuía os depoimentos do controlador aéreo, transmitidos pelo presidente da Comissão através do ofício n.º 23/CEIAC/86, de 16 de Junho.

Certo é que o depoimento do controlador de tráfego aéreo é incompatível com a tese de que os fragmentos encontrados na linha indicada pelo inspector referido no n.º 6.1 tenham sido libertados em voo pelo avião.

8 - Outros aspectos relevantes
A Comissão debruçou-se com a necessária atenção sobre outros aspectos relevantes suscitados pelo relatório do IST.

a) Em primeiro lugar, foi apreciada a questão subjacente à alínea c) da alínea A) das conclusões do estudo dos técnicos do IST, que nele referem que (excluída a hipótese de os fragmentos terem sido largados em voo) faltaria explicação para o facto de o rasto não «largar continuamente a partir do local do incêndio» e «não» exibir uma largura «da ordem dos 120 m junto à cabeceira da pista».

Ora, a Comissão procurou aprofundar um aspecto crucial para o juízo rigoroso que nesta matéria importa, qual seja o de apurar que técnica foi utilizada para a pesquisa e recolha dos vestígios. No sequência, as informações contidas nos autos revelam que terá sido usado um conjunto de agentes (em número de oito, segundo o agente identificado na acta de 8 de Janeiro de 1987, e cerca de cinco, segundo o agente identificado na acta de 19 de Janeiro de 1987), dispostos em linha, cerca de 2 m a 3 m afastados uns dos outros, que se deslocaram através de uma linha que tinha como referências o topo da pista e o local do embate. Assim, terá sido coberta uma faixa com largura de cerca de 30 m (segundo os agentes supracitados). O subinspector mencionado no n.º 6.1, alínea b), referiu que os fragmentos estariam dispostos numa área cuja largura máxima se aproximaria dos 30 m a 40 m. De um e de outro lado dessa área não foi adoptada a técnica de pesquisa descrita, embora, pelo que consta dos autos, possa admitir-se que os agentes tenham podido procurar vestígios, ignorando-se em que termos e com que resultados.

Dado o quadro descrito, não se afigura à Comissão que seja possível concluir nos termos pressupostos pela citada alínea c) da alínea A) das conclusões do estudo.

b) Aspecto que mereceu aturado estudo da Comissão foi o da localização dos vestígios encontrados no terreno. Conforme se pode verificar pela leitura dos autos, a única planta organizada foi da responsabilidade da DGAC, que no dia seguinte ao do acidente fez deslocar ao local uma equipa de técnicos, que terão referenciado, através de estacas, cada um dos objectos encontrados.

A brigada da PJ terá trocado impressões com os funcionários da DGAC, segundo diversos agentes da PJ declararam. Segundo a planta depois elaborada, os vestígios encontrados estariam dispostos numa extensão de cerca de 110 m a partir das traseiras das casas (e não de 550 m, como resultaria das declarações de agentes da PJ).

c) Também quanto ao número e dimensão dos vestígios encontrados, a Comissão pôde detectar aspectos não coincidentes e mesmo contraditórios nos depoimentos dos agentes da PJ. Alguns afirmam que eram vários, dando a entender que seriam muitos, mas nunca indicando sequer o seu número aproximado. Um agente afirmou à Comissão, em 19 de Janeiro de 1987, que o número de papéis queimados encontrados «seria de uma dezena, ou talvez nem isso».

As análises efectuadas pelo LPC e respectivas fotografias que constam dos autos mostram um reduzido número de fragmentos examinados, constantes de três frascos de vidro e uma caixa de papelão, constando dos autos as seis fotografias respectivas.

CAPÍTULO V
Avaliação das diligências relativas a aspectos médico-legais
1 - A questão dos fragmentos metálicos
A Comissão, na continuidade da linha de investigação encetada na anterior legislatura, procurou colher e valorar o maior acervo informativo possível sobre a natureza e implicações dos fragmentos metálicos no cadáver do piloto Jorge Albuquerque e examinados pelos peritos Eric Newton e J. K. Mason, bem como pelo LNETI e pelo IML.

A Comissão teve em conta a exigência de ampla conjugação de dados de especialistas das várias matérias em apreço e, designadamente, a impossibilidade de alcançar resultados fiáveis unicamente por elementos radiológicos, que foram por diversas vezes objecto de apreciação e discussão com diversos peritos.

1.1 - O relatório do perito Newton sobre os fragmentos
A Comissão conhecia o quadro de apreciação constante do «exame de fragmentos metálicos presos aos corpos dos pilotos e reexame dos destroços do avião», elaborado pelo perito Eric Newton em Dezembro de 1982, o qual inclui no seu n.º 3.2 um «comentário sobre as radiografias, fragmentos e circunstâncias do incêndio aquando do despenhamento» (feito após leitura dos relatórios de autópsia e do exame das radiografias tiradas em 1982). Nesse comentário avultam os seguintes aspectos, sobre os quais veio a incidir extensamente a atenção da Comissão:

a) Por um lado, sublinha o engenheiro Newton que «há que ter em conta que o exame das radiografias e outros subsequentes teve lugar quase dois anos depois do acidente e a seguir à exumação. Já haviam sido feitas autópsias em 1980, pouco tempo após o acidente, e órgãos internos haviam sido retirados e recolocados»; «os relatórios de autópsia (1980) não mencionam, nessa altura, qualquer fragmento metálico profundamente enterrado ou encravado no corpo. Descreveu-se que os corpos tinham uns fragmentos de metal 'presos', ou seja, não enterrados».

«Considerando as circunstâncias em que este avião embateu com as casas e o subsequente incêndio de grandes proporções, bem como a acentuada calcinação dos corpos ainda nos destroços, não é surpreendente que alguns fragmentos metálicos, metal fundido, etc., se tenham prendido nos corpos.

Considera-se que isso sucedeu durante a desintegração do avião, em que o fogo derreteu a estrutura de alumínio, e o precesso subsequente de retirar os corpos dos destroços calcinados e desintegrados.

Notou-se ainda que vários fragmentos de metal fundido estavam aderentes ao vestuário queimado dos passageiros e do piloto. As radiografias tiradas uns dois anos mais tarde não dão, só por si, indícios suficientes da profundidade a que esses fragmentos se encontravam no corpo. Segundo descrição, alguns dos fragmentos foram 'raspados da área da pele'. Em resumo, há uma diferença importante, ao considerar se houve ou não detonação de um engenho explosivo, entre encontrar os fragmentos enterrados ou apenas 'presos' ao corpo.»

b) Por outro lado, informa-se:
A experiência passada mostrou que mesmo o mais pequeno fragmento pode ficar enterrado na estrutura, nas almofadas ou nos corpos, quando projectado pela onda de explosão de uma detonação de um engenho altamente explosivo, cuja velocidade é da ordem dos 8000 m/s. Além disso, não é o facto de poderem estar enterrados, mas, e ainda mais importante, se os próprios fragmentos revelam características topográficas exclusivas que a detonação de um alto explosivo, e apenas um alto explosivo, pode traduzir.

Por exemplo, a detonação de um alto explosivo, tal como RDX, C4 ou TNT, produzirá processos violentíssimos e rapidíssimos que resultam numa série de assinaturas imprimidas aos metais que podem ser identificados concretamente por meio do devido exame. Em geral, quanto mais elevada for a velocidade de detonação, mais pequenos serão os fragmentos encontrados. A experiência passada revelou muitos fragmentos desses, profundamente enterrados em equipamentos ou corpos e que quando recuperados e examinados mediante grande ampliação ou microscópio electrónico, podem muitas vezes revelar características à superfície ou de estrutura que podem provar, sem margem de dúvida, a existência de uma explosão. Resumidamente, em ligas de alumínio e vestígios superficiais de limpeza por gás incandescente, furos ou covas na superfície muitas vezes pequeníssimos e numerosos, arestas dobradas com distorção de fragmentos. No ferro ou aço, a deformação provocada por explosivos torna-se aparente na microestrutura conhecida como twining (macla). Este sinal inconfundível, comprovado e confirmado em experiências com explosivos e encontrado em aviões sabotados no passado, é uma assinatura comprovativa da passagem de uma onda de choque explosiva através do aço ou do ferro.

Os vestígios acima mencionados, quando surgem em destroços de aviões ou em corpos de vítimas, são considerados uma prova cabal da existência de uma explosão.

c) E declara-se, finalmente:
Tais vestígios não foram encontrados neste caso (Cessna-412A YV-314P).
1.2 - Relatório dos peritos Newton e Mason sobre o vestuário
A Comissão conhecia igualmente o n.º 3.3 do mesmo estudo, referente ao exame do vestuário da tripulação e dos passageiros, efectuado em 29 de Novembro de 1982 no IML, juntamente com o Prof. Mason, no qual se referia:

a) Sintetizando exames:
Todo o vestuário se apresentava grandemente queimado;
Não houve vestígios invulgares, como, por exemplo, desfibramento explosivo ou penetrações de tecido típicas, conforme seria de esperar se tivesse sido exposto a um rebentamento de explosivo;

Encontrou-se muito carvão, resíduos de produtos queimados e de metal fundido, tudo isso atribuível a um incêndio de avião;

O exame microscópio dos fragmentos metálicos revelou que todos os fragmentos haviam sido danificados pelo fogo, bem como a existência de metal fundido estático;

Mesmo o pequeno parafuso de aço tinha metal de alumínio fundido no fio da rosca;

O material dos fragmentos era semelhante às amostras de material tiradas dos destroços;

b) Em conclusão:
De todos estes exames e testes pode-se extrair uma conclusão importante: que os fragmentos tinham sido queimados ou fundidos pelo incêndio no impacte antes de ficarem presos ao corpo;

Os fragmentos não eram fragmentos de bomba, nem apresentavam qualquer vestígio de danos atribuíveis à detonação de um explosivo.

1.3 - Conclusões dos peritos
Sabia-se, por fim, que o estudo referido havia concluído que:
a) «Os fragmentos eram de material do avião, sendo produto e consequência do impacte produzido pelo despenhamento e do incêndio subsequente»;

b) «Não havia vestígios de mecanismos explosivos em qualquer dos fragmentos»;
c) «Não foram encontradas quaisquer peças estranhas ao avião»;
d) «Não foram encontradas peças de dispositivo detonador ou de relógio».
A Comissão tomou conhecimento e teve em devida conta os resultados publicados como anexos A e B ao relatório cujo conteúdo essencial e conclusões se citaram relativos aos exames dos fragmentos:

a) Exame óptico preliminar com pequeno grau de ampliação a todos os fragmentos retirados dos corpos após radiografia;

b) Exame pormenorizado ao microscópio estereoscópico, com apoio de microscópio electrónico, com identificação de material por espectro radiográfico, levado a cabo em 30 de Novembro de 1982 no LNETI.

1.4 - O relatório do Prof. Mason
A Comissão conhecia também o quadro de apreciação constante do relatório do Prof. J. K. Mason elaborado na sequência da sua deslocação a Lisboa (27 a 30 de Novembro de 1982), no qual se refere, quanto aos tecidos dos pés do piloto:

Novas radiografias dos pés amputados confirmaram a presença de partículas semelhantes a poeira e foi extraído mais tecido que as continha.

Os tecidos originais foram examinados pelo Sr. Newton, que extraiu espécimes para exame metalúrgico.

Emulsionei o tecido restante e confirmei a presença de partículas semelhantes a poeira no extracto. Considerei ser recomendável enviá-lo para análise metalúrgica, mas pareceu-me muito improvável que um tal exame fosse levado a cabo com êxito. Caso isso suceda, não considero que isso tenha importância. Em primeiro lugar, examinei o vestuário dos mortos, que continha muito material semelhante a poeira. Em segundo lugar, reconsiderei agora a imagem radiográfica típica do caso de detonação num avião de uma bomba de tipo plástico, que é o único tipo de bomba capaz de produzir resíduos metálicos tão pequenos: estou convencido de que as imagens são dissemelhantes.

Afirma-se ainda, quanto ao vestuário examinado:
O vestuário de cada uma das sete vítimas foi examinado e pode-se declarar que não havia danos indicativos de uma explosão. A aparência era a de um despenhamento, associado a um incêndio. Assinalou-se, em particular, que houve muita contaminação por pó de alumínio comparável àquele que tinha sido examinado nas radiografias.

1.5 - As conclusões do LNETI
Também não poderia a Comissão deixar de tomar como quadro de partida o exame dos fragmentos detectados no cadáver do piloto J. Albuquerque realizado pelo LNETI, em cujas conclusões se refere não ter sido «encontrado qualquer indício dos que são normalmente considerados como característicos dos efeitos de deflagração de engenhos explosivos», bem como as conclusões do relatório apresentado pelo IML de Lisboa, no qual se refere não haverem sido «identificadas estruturas estranhas às próprias da aeronave (à excepção do fragmento de tijolo e de matérias orgânicas), nem vestígios dos efeitos de deflagração de engenhos explosivos».

1.6 - As dúvidas quanto à natureza dos fragmentos
Na sequência das diligências encetadas no âmbito da II CEIAC, que debateu exaustivamente as condições em que foram realizados pelo LNETI e pelo IML os exames cujas conclusões se transcreveram e que constam integralmente dos autos, a Comissão procurou esclarecer múltiplas dúvidas suscitadas por deputados e representantes de familiares das vítimas, que entendiam:

Que os exames radiológicos teriam revelado «corpos estranhos»;
Que esses fragmentos radiografados, face aos resultados de experimentações realizadas por peritos da sua confiança, não poderiam ser considerados de alumíno, mas sim como elementos de número atómico superior ao do cálcio;

Que a importância desses fragmentos não se relacionaria sobretudo com a sua eventual proveniência de materiais estranhos ao avião, mas antes e principalmente, pelas suas reduzíssimas dimensões e arestas vivas, com a sua localização nas partes moles justaósseas, o que atestaria terem possuído grande energia cinética e com a sua multiplicidade e dispersão, pelo que seriam próprios de um rebentamento;

Que tinham sido parciais os exames realizados pelo LNETI em 23 de Dezembro de 1982 sobre o produto obtido por raspagem da superfície dos calcâneos do piloto Jorge Albuquerque (amostra H entregue pelo IML em 29 de Novembro de 1982). Os exames teriam incidido apenas sobre uma partícula da amostra, tendo desconhecido o Instituto «as restantes» cuja existência se sustentava;

Essa partícula, sendo em rigor metálica, teria sido qualificada como não metálica pelo LNETI;

Os exames radiológicos feitos por peritos da confiança dos autores após a devolução das amostras pelo LNETI já não revelariam imagens radiopacas, apesar de o LNETI asseverar não ter usado técnicas destrutivas, facto suscitador de perplexidade.

1.7 - A amostra H
Tendo a questão relativa à amostra H sido intensamente debatida no âmbito da anterior CEIAC, foi possível localizar nos autos e apreciar os elementos então apurados, designadamente os decorrentes dos depoimentos dos técnicos do LNETI M. Helena Carvalho e H. Carvalhinhos (15º vol./II CEIAC, pp. 7002 e segs.) e do engenheiro Oliveira Sampaio, responsáveis pelo exame, tendo este último, aludindo à amostra H, considerado, em complemento ao seu depoimento de 30 de Julho de 1985 (ofício de 10 de Setembro de 1985):

1 - A preparação e análise desta amostra encontram-se descritas na p. 12 do relatório STM/AT/36/82, de que fui co-autor, como a seguir se transcreve:

A amostra H é uma partícula negra que foi montada em plexiglás e ligeiramente desbastada, relevando a existência, no seu interior, de incrustações aparentemente metálicas. O espectro do material negro revelou a predominância de Si, Ca, Ti e Al e de outros elementos em menores quantidades (Mg, P, S, Sl, K, Cr e Fe) (fig. 9). As incrustações metálicas verificou-se serem constituídas por uma liga de Al com um espectro idêntico aos das amostras A, B, I e J.

A montagem em plexiglás é uma montagem corrente em exames metalográficos e, para além das vantagens referidas no segundo parágrafo do n.º 2.3 do mesmo relatório, é utilizada sempre que se torne necessário facilitar o manuseamento de amostras diminutas, como era o caso.

2 - Quando um feixe de radiação X, de intensidade I(índice 0), atravessa um material homogéneo de espessura e, a intensidade do feixe transmitido I é dada por

I = I(índice 0) exp.(- (mi)e)
em que (mi) é o chamado coeficiente de absorção linear.
Por outro lado, o coeficiente de absorção linear é proporcional ao cubo do número atómico Z do elemento absorvente e à densidade desse elemento no meio atravessado pela radiação X, isto é (mi) = K d Z(elevado a 3), em que K é um parâmetro dependente do comprimento de onda da radiação.

Daqui resulta que a intensidade da radiação que atinge a chapa fotográfica numa radiografia diminui exponencialmente com:

a) O aumento da espessura e do material atravessado;
b) O aumento da densidade d do material;
c) O aumento do número atómico Z.
Para uma mesma espessura de material atravessado, o escurecimento obtido sobre a chapa fotográfica (que é tanto maior quanto maior for a intensidade de radiação X transmitida) varia, portanto, substancialmente com d e Z(elevado a 3) pelo que a comparação entre o escurecimento correspondente a material «ósseo» e «não ósseo» terá de ter isso em consideração. Isto é dado que o material ósseo é bastante poroso (e, portanto, de baixa densidade) e é constituído, para além do cálcio, por elementos de número atómico bastante inferior (C, O, P, etc.), é incorrecto afirmar que qualquer mancha de uma radiografia mais clara que a correspondente a material ósseo terá de ser devida a um elemento de número atómico superior ao do cálcio; quer um aumento local de densidade quer um aumento local da média ponderada dos números atómicos podem dar origem a tais manchas.

2 - Resultados da reapreciação radiológica
Não foi solicitada, no âmbito da presente CEIAC, repetição do exame do LNETI a que se fez referência no ponto anterior, nem requerido exame às partículas encontradas nas roupas (incluindo comparação com as detectadas nos calcâneos), cuja realização fora desencadeada mas não efectivada em 10 de Outubro de 1985.

Foi requerido, porém, e despachado favoravelmente, o pedido de um parecer ao Doutor Luís Aires de Sousa, professor catedrático de Radiologia da Universidade Nova de Lisboa, sobre a análise das imagens radiológicas obtidas aquando da exumação.

2.1 - Questões colocadas
Pretendia-se indagar especificamente se, pela observação da imagem radiográfica, seria ou não possível concluir com absoluta certeza da natureza metálica dos fragmentos assinalados; se a opacidade radiográfica dos fragmentos possibilitaria admitir a hipótese de os mesmos pertencerem à liga de alumínio de que é construída a aeronave; se os fragmentos visíveis nas radiografias poderão ser imagens resultantes de metais previamente fundidos; se as imagens radiográficas permitem determinar a profundidade a que os fragmentos se encontravam nos calcâneos do piloto Jorge de Albuquerque; se os contornos, dimensão, dispersão e multiplicidade dos fragmentos indiciam, de alguma forma, a sua proveniência; qual a explicitação para a sua existência e localização; qual a razão por que estes fragmentos apenas foram detectados no piloto comandante e somente na zona dos pés do piloto; que resultados se extraem, segundo a experiência médica, da comparação com imagens radiográficas semelhantes às observadas; como ajuizar as fracturas dos ossos dos pés onde se encontraram alojados os fragmentos detectados aos raios X; qual a possibilidade de, através do exame da localização, dispersão dos fragmentos e previsível trajectória, determinar aproximadamente a zona, na aeronave, a partir da qual se produziu essa dispersão.

2.2 - O parecer do Prof. Aires de Sousa: resumo
O parecer elaborado na sequência, datado de 23 de Junho de 1986, e transmitido à Comissão assinala liminarmente que procurou extrair e conjugar todos os elementos passíveis de serem colhidos do material radiográfico facultado, que são, no seu entender, os seguintes:

a) «As partes moles mostram sinais de deterioração correspondente à decomposição do cadáver no tempo entretanto decorrido. Assinalam-se múltiplas imagens radiopacas de pequenas dimensões, de contorno e tamanho variável, dispersas nas partes moles. Muitas delas têm arestas vivas, não tendo características de pedaços de metal fundido.»

b) «Quanto à densidade radiológica, não há qualquer dúvida de se tratar de metal de elevado coeficiente de absorção. Não é possível determinar radiologicamente qual o metal ou liga, mas pode concluir-se não se tratar de fragmentos de liga de alumínio iguais aos que constam das radiografias também obtidas a pedaços da fuselagem do avião.»

Tal conclusão comporta, porém, ressalva de que não foram facultadas (e logo examinadas) radiografias de outras peças do avião ou seus fragmentos para comparação de densidade radiográfica.

c) «Não há fragmentos metálicos dentro dos ossos, todos se confinando às partes moles. Há alterações das relações anatómicas na articulação tíbio-társica direita e de algumas articulações metatarso-falângicas direitas. Estes aspectos sugerem relação com a decomposição do cadáver. Também a perda de algumas falanges pode ter o mesmo significado ou ter resultado de carbonização aquando do acidente.»

d) Salienta-se que «nas zonas dos calcâneos direito e esquerdo e ainda no terço distal de ambas as pernas, se projectam diversos fragmentos de densidade metálica. A imagem em anel julgamos ser da habitual etiqueta de identificação dos cadáveres. Estes fragmentos metálicos, com a localização que referimos, constam do relatório do IML de Lisboa, a p. 40.»

e) Verifica-se (no mesmo sentido do relatório do IML, p. 40, l. 12), numa outra incidência, a existência de «elementos contidos nas partes moles do lado peroneal da região tíbio-társica do pé direito», afirmando o perito, quanto à escassez de incidências disponíveis:

Acreditamos que o estado de decomposição do cadáver tenha dificultado a sua mobilização para obtenção de mais radiografias em outras incidências.

f) Quanto aos fragmentos metálicos encontrados nas partes moles e referidos na p. 56, l. 14, do relatório do IML, referem-se como observados com especial nitidez «os numerosos fragmentos metálicos no antepé direito, com arestas vivas, contornos irregulares e densidade radiológica elevada».

g) «A existência de pequenos fragmentos metálicos, com as características assinaladas, nas partes moles sugere que foram animados de energia cinética elevada para os fixar nas referidas partes moles.»

h) «Estes fragmentos metálicos poderiam já existir nos pés, ainda em vida, e terem sido provenientes por um qualquer acidente anterior; podem ter sido introduzidos nas partes moles aquando do acidente que causou a morte. A viúva da vítima diz, em carta, que não houve qualquer acidente anterior que justificasse estes fragmentos.»

i) «Quanto à não existência de fracturas ósseas, não haveria razão para que estes fragmentos as provocassem, mesmo que animados de grande energia cinética, de modo obrigatório.»

j) «No caso de as partículas metálicas terem sido projectadas para as partes moles na ocasião do acidente, a fonte de energia cinética não poderia ser muito distante dos pés. Ressalva o parecer, porém, que o seu autor não dispõe de conhecimentos para relacionar a fonte de energia cinética com as estruturas da aeronave», nem tem «conhecimentos para, pelas radiografias, identificar o tipo de fonte de energia cinética».

l) Quanto aos ensinamentos da experiência clínica e radiológica, declara-se:
Tive ocasião de observar inúmeros casos de corpos estranhos introduzidos nas partes moles e animados de energia cinética. Em casos de acidentes de trabalho é frequente encontrarem-se fragmentos de aço provenientes de pancadas entre instrumentos metálicos ou de instrumentos metálicos contra pedras [...] são, em geral, únicos, mas podem projectar-se a mais de 1 m, com energia cinética suficiente para penetrarem profundamente nas partes moles, com minúsculo sinal de ferimento.

Sublinha-se, por outro lado:
Da minha experiência militar recordo muitas imagens radiológicas de fragmentos de granadas, de armadilhas e de balas. As suas características não eram semelhantes às encontradas nestas radiografias.

m) Reflectindo sobre as causas das características que se considera terem sido encontradas na observação, afirma-se:

O Prof. Mason abordou a hipótese de fragmentos semelhantes serem produzidos por um determinado tipo de detonador (pp. 567 e 2051 do processo). Não tive, porém, ocasião de ver nunca radiografias de partes moles atingidas por estilhaços de bombas de plástico. De qualquer modo, a densidade metálica dos fragmentos registados nas radiografias permite excluir, com absoluta segurança, não se tratar da poalha de alumínio que o Prof. Mason refere ter encontrado nas roupas.

2.3 - Conclusões
Posto isto, extrai-se a seguinte conclusão:
Os pedaços metálicos contidos nas partes moles, nas zonas assinaladas, têm densidade elevada, arestas vivas e não são - na sua generalidade - seguramente provenientes de fusão de metal. Radiologicamente, é possível excluir que sejam de liga de alumínio igual à da fuselagem da aeronave, mas não é possível determinar qual o metal.

Por último, alerta-se a Comissão nos seguintes termos:
A explicação para a existência destes elementos metálicos exige uma ampla conjugação de dados de especialistas de várias matérias e não a consigo alcançar unicamente por elementos radiológicos.

Pela minha parte, não possuo mais dados nem me é possível ir mais longe dentro dos meus conhecimentos.

2.4 - Apreciação do parecer
O parecer referido e as conclusões foram objecto de debate com o autor (actas das reuniões de 10 e 22 de Julho de 1986). Afigura-se de sublinhar: a inexistência da invocada coincidência entre as apreciações feitas e o correspondente registo constante do relatório do IML citado no texto; as ressalvas que o texto contém; as remissões para outras especialidades das respostas e interrogações cruciais colocadas no pedido da Comissão; a não precisão do número de imagens radiopacas de pequena dimensão correspondentes à descrição como tendo «arestas vivas», bem como a sua localização, aferida pelas várias incidências disponíveis, e a sua proporção no contexto global do objecto do exame. Concluindo-se que as imagens radiopacas de pequenas dimensões (referidas agora como «pedaços metálicos») «não são - na generalidade - seguramente provenientes de fusão de metal», não se apurou em termos concludentes se os fragmentos examinados não serão de liga de alumínio pertencente ao avião, porquanto, como se reconhece, não foi feita comparação com outras peças ou fragmentos do avião, além da fuselagem, ignorando-se, quanto a esta, as condições técnicas da radiografia de fuselagem utilizada na comparação.

3 - Resultados de reapreciação médico-legal
A Comissão deliberou solicitar ao Prof. Doutor J. Pinto da Costa, director do IML do Porto, um parecer sobre o vasto conjunto de elementos constantes dos autos relativos aos aspectos médico-legais, cuja relação consta do respectivo auto de entrega, lavrado em 15 de Janeiro de 1987. Embora o prazo legal previsto para a conclusão dos trabalhos da Comissão não tenha facultado a elaboração de um relatório pormenorizado, como sublinha aquele perito, foi por este elaborado e remetido para ponderação, em tempo, um parecer de que resultam os seguintes aspectos:

a) «Da leitura da documentação que me foi presente (mais de 1100 páginas) transparece uma noção radicalmente discordante dos princípios médico-legais. As grandes catástrofes são, em qualquer parte do Mundo, um capítulo médico-legal frequentemente abordado nos congressos de medicina legal.

Com base em todos os elementos disponíveis, é ao médico legista que compete fazer o diagnóstico médico-legal entre suicídio, homicídio e acidente.»

b) «Com muita honestidade, o Sr. Prof. Gama Afonso confessa 'Eu sou apenas um radiologista que nem sequer tem conhecimento da radiologia forense', o que retira validade à qualidade da sua intervenção na discussão e conclusões sobre esta área de conhecimento.

Como referem (in Forensic Radiology, Oxford, 1981, p. 98) K. T. Evans e B. Knight, dos quais este é vice-presidente da Academia Internacional de Medicina Legal e de Medicina Social, a radiologia é essencial para que todos os artefactos encontrados no corpo e à sua volta possam ter valor na investigação. A radiografia, seguida de uma dissecção cuidadosa, pode ajudar a identificar os corpos estranhos e a reconstruir os factos.

Efectivamente, a radiologia é um meio complementar muito importante de uma autópsia médico-legal, designadamente como um primeiro passo fundamental para permitir localizar determinado fragmento, sobre o qual incidirão análises físicas, químicas, etc., que permitam determinar a sua natureza.

Por isto, não me parecem ter interesse as contradições a fl. 3267 relativas a um mesmo perito.

A diagnosticada densidade metálica radiológica de alguns fragmentos só poderá ser confirmada quanto à verdadeira constituição destes por outros exames que não a radiografia.

É desprovido de qualquer interesse médico-legal todo o tipo de argumentação envolvendo argumentos de natureza radiológica para inferir um diagnóstico médico-legal exclusivamente por meio da radiologia.»

c) «O Prof. Mason concluiu 'que não há indícios médicos de este acidente ter resultado de sabotagem. Estou convencido de que esta opinião não será afectada pelos resultados das investigações menores em curso [...]', opinião com a qual estou perfeitamente de acordo, discordando, contudo, que médicos não quer dizer médico-legais.

A medicina legal não pode basear-se em convencimentos, mas apenas em demonstração objectiva de factos.

Não deve aproveitar-se a medicina legal para camuflar um problema que se mantém: a morte dos ocupantes foi acidental ou criminosa?»

d) «Resposta aos quesitos do Sr. Deputado Correia Azevedo. - As vítimas encontravam-se vivas quando se deu o incêndio.

Há fracturas resultantes do embate e facturas resultantes da acção do fogo.
A discordância sobre os materiais e a sua capacidade de absorção dos raios X não é relevante, pois a sua importância deve confinar-se à indicação da sua localização para ulterior exame por processos adequados.

As autópsias médico-legais do Dr. Francisco Sá Carneiro e seus companheiros de infortúnio não permitem uma conclusão científica de que as suas mortes tenham resultado de acidente, em termos de diagnóstico diferencial entre suicídio, homicídio e acidente, que é a finalidade da autópsia em casos do género.

É que a autópsia médico-legal não é apenas o exame restrito do cadáver. Ela é constituída por várias partes, como disse, das quais a primeira é a análise científica da informação circunstancial do caso, a segunda é o exame do local metodicamente feito, a terceira é o exame do corpo e seu vestuário e outros objectos e a quarta é toda uma série de exames complementares laboratoriais de índole vária, designadamente microscópicos, físicos e químicos e de natureza biológica e toxicológica muitos deles.

Só pela análise crítica, multifactorial, de todas estas quatro partes se pode inferir uma conclusão que não se afaste da realidade ou que, pelo menos, não seja evidentemente infundamentada.»

e) «Apreciando conjuntamente a informação relativa ao caso, por vezes muito contraditória, o exame do local não coincidente em todas as versões, o exame cadavérico constante dos relatórios de autópsia e os múltiplos exames complementares efectuados, conclui-se, do ponto de vista médico-legal, que:

1) Tudo se conjuga no sentido de não ter havido qualquer rebentamento de bomba.

Se é facto que pode excluir-se a hipótese de ter havido uma deflagração de bomba explosiva, pela falta de repercussão de acções do género no cadáver, também é facto que as taxas de carboxi-hemoglobina encontradas em todas as vítimas permitem afastar a hipótese de bomba incendiária;

2) Não pode excluir-se a possibilidade de sabotagem sobre a funcionalidade da aeronave.»

CAPÍTULO VI
Síntese geral dos resultados das diligências
1 - Aspectos cuja aclaração foi visada
A Comissão não excluiu qualquer diligência ao seu alcance com vista à realização, como decorria do seu mandato, de tudo o que pudesse contribuir para esclarecer as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia de Camarate. Visou-se especialmente aclarar aspectos cujo insuficiente conhecimento motivou abundantes dúvidas em fases anteriores do processo. Com os seguintes resultados:

1.1 - A notícia de actividade criminosa de um indivíduo que usa, entre outros, o nome de Lee Rodrigues

Tendo em conta as advertências constantes do capítulo III, n.º 4.1, do relatório da I CEIAC, foram desencadeadas e constam dos autos, tendo podido ser apreciadas pela presente Comissão, diversas informações. Indagou-se se seria possível estabelecer nexo causal entre a respectiva actuação e conduta delituosa e os factos relativos ao acidente de Camarate. As diligências levadas a cabo, incluindo o interrogatório directo e a recolha de informações junto das companhias de aviação quanto às precisas datas das suas deslocações, não permitiram estabelecer o nexo aventado (cf. as actas das reuniões de 5 a 19 de Junho de 1985 da II CEIAC).

1.2 - A inquirição de dois pilotos de um cargueiro francês «DC-3»
Estes pilotos, que se encontravam no Parque Delta no dia do acidente, teriam assistido, junto ao avião sinistrado, aos preparativos para a partida: apesar de diversos esforços, descritos nos autos (ofícios n.os 36, 72 e 73, de, respectivamente, 19 de Junho de 1985 e 7 de Janeiro de 1987), foi possível localizá-los, mas não obter depoimentos dos pilotos em questão.

1.3 - Actuações de serviços de informações susceptíveis de contribuírem para esclarecer certas circunstâncias do acidente de Camarate.

Tendo sido dada à Comissão notícia da possível existência de conexões entre certos elementos de serviços de informações e entidades referidas nos autos, diligenciou-se por forma a esclarecer em que pudessem ter consistido tais conexões, quais os respectivos intervenientes, seus objectivos e actividades, bem como os correspondentes resultados. A Comissão colheu numerosos depoimentos, tendo solicitado para tal, nos termos da lei, autorização ao Sr. Primeiro-Ministro, prontamente concedida. Nada foi possível apurar com relevância perceptível para o processo.

1.4 - As «revelações» do ex-agente Victor Pereira
Tendo o ex-agente da PJ Victor Pereira manifestado à Comissão interesse em prestar informações que considerava de extrema relevância para o apuramento da verdade sobre Camarate, foi ouvido pela Comissão todas as vezes que o solicitou, tendo-se, para o efeito, deslocado do estabelecimento prisional onde se encontra a cumprir pena. A Comissão adoptou, por diversas vezes, providências tendentes a dar resposta às questões de segurança suscitadas pelo inquirido, não tendo, porém, sido possível extrair até ao momento contribuição útil para as finalidades da Comissão.

1.5 - As sequelas da «Grande Reportagem»
A Comissão pôde ouvir, com a necessária insistência e pormenor, informações de signo contraditório prestadas por responsáveis do programa televisivo Grande Reportagem sobre o acidente de Camarate (emitido em 1 de Fevereiro de 1983). Foram igualmente ouvidos outros elementos com responsabilidades na RTP nas áreas envolvidas. A Comissão não pôde apurar elementos com relevância para os objectivos do inquérito.

1.6 - O destino e verdadeira natureza de peças achadas ou desaparecidas
Foi possível esclarecer certos aspectos controversos relatados nos autos referentes a achados e que foi em certas alturas do processo atribuído relevo (v. g., o tubo entregue na DGAC e dado como pertencente ao sistema de óleo da aeronave; o pedaço da jante dado como pertencente ao Cessna sinistrado), bem como certos desaparecimentos (v. g., destino da pasta transportada na aeronave). Não foi possível apurar o destino de certos elementos pertencentes ao processo (cf. as conclusões relativas à PJ).

1.7 - «Le Complot de Lisbonne»
A Comissão não retomou diligências encetadas pela II CEIAC com vista a solicitar o testemunho do jornalista Philippe Bernert, cuja colaboração foi sugerida à omissão, face à informação, prestada por representantes dos familiares das vítimas, de que em 18 de Novembro de 1982 o jornal Vendredi-samedi-dimanche, que se publica em Paris (Rue Paul Baudri, 75383 Paris, Cedex 08; telefone 2961654; telex VSO 641369 F), publicou um artigo do seu conselheiro de redacção, Philippe Bernert, com o título «Le complot de Lisbonne», em que se concluia que o Dr. Sá Carneiro e o engenheiro Amaro da Costa tinham sido mortos «para manter o actual statu quo de África».

Nesse artigo, o seu autor afirma, designadamente, que, «segundo os serviços especiais americanos, que seguiram este caso singular desde o princípio, Sá Carneiro e o seu Ministro da Defesa eram ambos «homens a abater» e que, «bizarramente, depois desta tragédia aérea (da qual os serviços americanos souberam muito depressa que se tratava de um acto criminoso), a administração Reagan renunciou a qualquer novo projecto nesta região do Mundo» (Angola).

Junto aos autos o artigo e solicitada a colaboração requerida, não foi a mesma obtida.

2 - Aspectos não clarificados
Apesar de terem sido objecto de particular atenção e numerosas diligências, incluindo, quando possíveis acareações, certos aspectos debatidos no quadro das investigações realizadas logo após 4 de Dezembro de 1980 e ulteriormente não puderam ser objecto de clarificação satisfatória.

2.1 - Condições da decisão da deslocação ao Porto no «Cesna-421A», YV-314P
Constam dos autos informações que não foram objecto de acareação, afigurando-se distinto o círculo das entidades e pessoas que conheciam a realização de um comício no Porto com a presença do Primeiro-Ministro e o daqueles que foram informados da opção de transporte e respectivo horário.

2.2 - Condições de preparação do voo
As informações constantes dos autos, excluídas certas presunções de normal actuação e comparações com actuações anteriores do piloto, não permitem dilucidar, com carácter seguro e rigoroso, a realização de toda a gama das inspecções necessárias.

2.3 - Ausência de comunicações com a torre durante o voo
Dadas as características do voo e as dificuldades experimentais, afigura-se plausível, segundo peritos, incluindo o controlador de voo, que a questão central e prioritária não tenha sido para o piloto comunicar a dificuldade, mas procurar superá-la. O controlador, na mesma circunstância, considerou prioritário dar o alarme.

2.4 - «Performance» do avião
Não foi apurada de forma indubitável a distância percorrida em pista, sendo divergentes as indicações fixadas pelas entidades constantes dos autos. Outro tanto ocorre quanto ao regime de uso de flaps e à específica forma de gestão de combustível, apesar de os elementos disponíveis terem sido objecto de larga apreciação. A relevância dos elementos de indefinição subsistentes deve, porém, segundo os peritos nacionais e internacionais referidos nos autos, ser ponderada levando em linha de conta a perda de potência do motor esquerdo (para que apontam as provas periciais resultantes do exame das hélices).

2.5 - Disposição relativa dos corpos das vítimas
Os elementos constantes dos autos a respeito deste aspecto não são suficientes para estabelecer a disposição relativa dos corpos após a extinção do incêndio.

3 - Hipóteses explicativas que implicariam revisão de anteriores conclusões
Tendo encarado frontalmente todas as possíveis hipóteses explicativas da tragédia de Camarate, a Comissão debateu exaustivamente e atribuiu a devida relevância aos elementos susceptíveis de implicarem, se apurados, uma revisão das conclusões fundamentais tornadas públicas pelas entidades inicialmente encarregadas de levar a cabo as investigações e não infirmadas por outras, nacionais e estrangeiras, que posteriormente tiveram intervenção no processo. Foram consideradas as mais diversas articulações explicativas, ponderada a sua susceptibilidade de fundamentação em factos estabelecidos, estudada a própria coerência intrínseca e a compatibilidade com as versões dos factos adiantadas.

3.1 - A questão do «incêndio a bordo»
A Comissão não pode deixar de assinalar que não há nos autos elementos que permitam corroborar informações, aliás não coincidentes, de certos testemunhos trazidos ao processo por altura da II CEIAC ou mesmo da presente Comissão, segundo os quais teria existido «incêndio a bordo», envolvendo a aeronave numa «bola de fogo» após «explosão no ar» (fls. 2429 a 2501, V vol., e 2571 a 2719 e 293 a 3117, VI vol., II CEIAC), ou um «clarão de explosão» no ar (fls. 7317 a 7379 e 8606 a 8662, XVI vol., II CEIAC), ou o «avião em chamas» antes de colidir (fls. 3770 a 3832 e 3032 a 3942, III vol., II CEIAC, e 7243 a 7316, XVI vol., II CEIAC), ou um «rasto de fumo cinzento na cauda do avião» e «chamas no nariz» (fls. 986 a 994, V vol., I CEIAC, e 6545 a 6617, XIV vol., II CEIAC). É relevante para a apreciação destes testemunhos a leitura integral das respectivas inquirições e a aferição da sua compatibilidade com o que resulta das demais informações.

É de relevar, por outro lado, que várias testemunhas oculares afirmam ter acompanhado a trajectória do avião sem que tivessem visto o mesmo em fogo ou incendiado (fls. 3945 a 4037, VIII vol., II CEIAC, 4187 a 4293, IX vol., II CEIAC, 238, vol. «Investigação operacional», DGAC, e 4308 a 4359, IX vol., II CEIAC).

3.2 - Exame das implicações
A terem-se verificado os fenómenos referidos nos termos que ficaram descritos, seria normal que eles acarretassem, pelo menos, a destruição da fuselagem, sendo lógico que os destroços se espalhassem por uma área compreendida entre a pista e o ponto do impacte final. Estes detritos não apareceram, segundo os elementos de que dispõe a Comissão.

Por outro lado, a ter havido, como é sugerido, aliás com discrepâncias, incêndio no ar, ele não se verificaria somente no interior, mas também no exterior, com óbvias repercussões na fuselagem, o que não está confirmado por qualquer dos respectivos exames.

Nem se vislumbra como tais informações possam ser compatibilizadas com a interpretação segundo a qual se teria verificado durante o voo a acção de uma pequena e muito intensa fonte térmica situada sob a cadeira do piloto, a qual, se tivera existido, não poderia, por certo, produzir a citada «bola de fogo», «envolvimento em chamas» e um «rasto» como o descrito.

3.3 - O «engenho sob o lugar do piloto»
A Comissão não apurou dados de base que lhe permitissem concluir que possa ter sido colocado sob a estrutra onde assenta o lugar do comandante do avião «um engenho tipo granada de fumos, com predominância de fósforo ou outro componente incendiário, que desenvolve temperaturas da ordem dos 300º a 500º, accionado por mecanismos da aeronave ou à distância», como foi sugerido, em relatório apresentado à CI, pelo Tc Oliveira Marques. Além da carência de vestígios, não se encontra sequer logicamente argumentado o modo como um engenho com as características atrás descritas tivesse condições para abrir «rombo na fuselagem» (cuja existência foi, aliás, excluída por todos os peritos que até à data examinaram o avião). Careceria de explicação, ademais, segundo os peritos, em que circunstâncias poderia ter ocorrido a fusão de uma liga de alumínio, como é o caso da fuselagem do avião (que funde a temperaturas da ordem dos 660ºC e volatiliza a cerca de 1800ºC), a partir de engenhos como os hipotetizados, os quais produzem - como é advertido - temperaturas bastante inferiores.

Por outro lado, se se partisse, ainda assim, da hipótese de que tal «rombo na fuselagem» se poderia ter verificado, seria ainda necessário demonstrar - alertam ainda peritos - como teria sido possível que através desse rombo tivessem sido libertados fragmentos de papel queimado e outras substâncias leves, sem que tal se tivesse de igual modo verificado em relação a fragmentos da liga metálica de que é composta a fuselagem da aeronave.

4 - Síntese final
A Comissão, ao fixar o amplo quadro de diligências que ficou referenciado e avaliado nos pontos e capítulos anteriores, não ignorou, como oportunamente se deixou sublinhado, a inviabilidade superveniente de certos exames e outros elementos cuja adopção, em tempo, poderia ter permitido dissipar dúvidas de outra forma subsistentes e de que se fez enunciado. Por unanimidade, algumas diligências foram mesmo excluídas, por não se vislumbrar que ainda pudessem ser úteis à descoberta da verdade (por essa razão não se determinaram, por exemplo, quaisquer novas exumações).

É, todavia, importante que os elementos colhidos possam ser apreciados pelo povo português e abertamente examinados, nos termos consentidos pela lei. Para que todos possam avaliar aquilo que à Comissão foi facultado conhecer no preciso momento e quadro histórico em que actuou.

Certo é, por outro lado, que, representando o esgotamento dos meios ao dispor da Assembleia da República, a apresentação do presente relatório adita elementos por certo relevantes para o conhecimento da tragédia de Camarate, cuja investigação prossegue a cargo das autoridades judiciárias.

Tendo ponderado os aspectos a que se acaba de fazer referência, a Comissão deliberou propor ao Plenário da Assembleia da República, nos termos e para os efeitos do artigo 6.º da Lei 43/77, de 18 de Junho, as medidas enunciadas no capítulo VIII do presente relatório.

CAPÍTULO VII
Conclusões
1 - Quanto às actuações governamentais
1.1 - O inquérito veio comprovar e reforçar a informação conhecida sobre as graves deficiências da segurança que às altas figuras do Estado deveria ser garantida, traduzida, designadamente, na inexistência, em certas áreas, de disposições precisas de valor geral e permanente, na inadequação ou incumprimento de disposições legais em vigor (como as referentes ao tipo de transporte utilizado pelo Primeiro-Ministro e seus acompanhantes em 4 de Dezembro) e ainda nas insuficiências detectadas (e a posteriori, crê-se, em certa medida corrigidas) quanto às condições de segurança das deslocações oficiais e privadas das autoridades oficiais.

1.2 - Apurou-se que, concretamente no que dizia respeito à segurança do Primeiro-Ministro, não foram ultrapassadas dificuldades específicas bem conhecidas e reiteradamente apreciadas. A deslocação ao Porto, nos termos e condições em que teve lugar, não foi objecto de medidas próprias, nem comunicada ao MAI, avultando dos autos as dificuldades de definição do regime de segurança aplicável às deslocações sem carácter oficial de entidades oficiais.

1.3 - A Comissão pôde apreciar pormenorizadamente o processo de organização dos membros do Governo após o conhecimento da tragédia, incluindo a organização colegial dos ministros e do Primeiro-Ministro em exercício, a distribuição de tarefas e a sua execução, particularmente no tocante às áreas da justiça e da administração interna.

Sendo reconhecidas as dificuldades da situação criada na área do acidente, dadas as suas características e as circunstâncias, é facto que não foram determinadas pelo Governo ou pelos ministros cujas competências mais o justificariam medidas especiais de segurança que permitissem a coordenação eficaz dos corpos policiais envolvidos, por forma a acautelar, na máxima medida possível, a protecção de vestígios, a eventual detecção e detenção e quaisquer elementos suspeitos, a multiplicação de fenómenos de furto ou de perturbação da disposição originária de vestígios, o registo rigoroso do quadro do acidente. Tendo sido sentida a necessidade de reforçar efectivos e assegurar comando eficaz (fl. 1376, III vol., II CEIAC), não foram adoptadas na extensão adequada as providências susceptíveis de terem impedido o quadro que se encontra descrito nos autos e é unanimemente reconhecido como tendo dificultado as investigações. Os elementos disponíveis apontam para que foram privilegiados os factores relacionados com a garantia da segurança pública e a prevenção de perturbações, tendo sido determinada ao Comando-Geral da PSP a colocação daquela polícia em estado de prevenção, bem como o posicionamento do respectivo corpo de intervenção.

1.4 - O Governo agiu na presunção de que as medidas a adoptar se encontravam reguladas nos procedimentos habituais de actuação das autoridades policiais. Não foram igualmente tomadas quaisquer medidas especiais tendentes a apurar se efectivamente tinham sido adoptadas e estavam em boa execução as medidas que se presumiu que seriam aplicadas.

Não havendo procedimentos clássicos e bem rotinados das autoridades policiais em casos do tipo do ocorrido, verificaram-se no terreno múltiplas formas de descoordenação, de que o Governo só mais tarde veio a ter informação (fl. 6966, XV vol., II CEIAC), para o que poderão ter contribuído as indefinições quanto à repartição de competências no tocante às polícias (fl. 1385, III vol., II CEIAC).

1.5 - Não foram adoptadas igualmente medidas especiais que contribuíssem para um particular regime no tocante aos exames médico-legais necessários. Não se apurou a existência de qualquer pressão do Governo ou de qualquer dos seus membros sobre o normal curso dos exames legalmente obrigatórios. No termo de múltiplas diligências empreendidas foi possível apurar que, na circunstância, a opção não foi entre a garantia de uma autópsia com regime de particular exigência e a aceitação de um regime normal: foi ponderada, sim, a eventual dispensa de autópsia por razões humanitárias, solução afastada por razões de relevante interesse público. Nem nesse momento nem nos 30 dias posteriores foi ponderada a utilidade de providenciar, pelos canais institucionais próprios, para adopção de procedimentos de preservação de elementos que permitissem um alargamento dos conhecimentos médico-legais disponíveis.

1.6 - A Comissão não pôde apurar com rigor a forma como se processou o relacionamento entre o Governo e a entidade responsável pelas investigações policiais e, designadamente, a forma como foi exercido o direito e o dever de obtenção de informações sobre a marcha das investigações (que não se confunde com o poder de intervenção e ingerência na sua orientação), nos termos da lei.

1.7 - Foram apreciadas as circunstâncias que conduziram à elaboração e publicação da primeira nota oficiosa sobre as causas e circunstâncias que conduziram à tragédia de Camarate (11 de Dezembro de 1980), considerada necessária, correcta e oportuna pelos seus autores. Ponderado o seu teor e o que se conhece do estado das investigações então em curso, avulta o facto de que a publicação, nos termos em que foi efectuada, gerou dúvidas sobre o seu carácter prematuro e precipitado, que dificultaram a credibilidade dos resultados da investigação.

1.8 - Embora sentida, a necessidade institucional de reforçar os meios de investigação nacional com especialistas estrangeiros numa fase precoce dos respectivos trabalhos foi excluída, embora tenha sido sugerida e ponderada pelos ministros competentes (fl. 1386, III vol., II CEIAC), pelo desejo de evitar derrogação ou alienação da autoridade própria do Estado Português.

1.9 - No âmbito da PSP, a quem cabia a segurança do Primeiro-Ministro, não foi determinado qualquer inquérito, nem determinadas, no âmbito das competências da respectiva tutela, medidas que pudessem contribuir para os objectivos referidos na nota oficiosa citada.

1.10 - A apreciação das actuações governamentais ulteriores revela insuficiência e deficiências na superintendência das investigações em curso, designadamente no tocante à garantia de eficaz articulação entre os inquéritos da responsabilidade, respectivamente, da DGAC e da PJ, o que suscitou um conhecido processo de polémica pública e alimentou dúvidas sobre a credibilidade das investigações.

1.11 - As diferenças de opinião entre membros do Governo sobre a fiabilidade dos resultados das investigações e as diferentes interpretações existentes, designadamente quanto à interpretação das obrigações decorrentes do segredo de justiça e às correspondentes limitações das possibilidades de informação da opinião pública, contribuíram para o clima de dúvida gerado após a divulgação (25 de Março de 1981) do relatório da CI da DGAC e acrescido antes e depois de 9 de Outubro de 1981 (relatório da PJ).

1.12 - A ponderação das formas adequadas de alargar a participação pública no esclarecimento da verdade, nos termos e condições em que decorreu, com os resultados a que chegou, não eliminou dificuldades de acesso aos autos no interesse público, que motivaram elementos de polémica susceptíveis de porem em causa a credibilidade das investigações e provocar dúvidas sobre o relacionamento entre o Governo e as entidades responsáveis pelas investigações.

1.13 - Por outro lado, a transformação de dúvidas suscitadas pelo relatório técnico (designadamente quanto ao primeiro local de embate do avião, a existência ou não de gasolina na asa esquerda, a exacta disposição dos vestígios no solo, o comportamento do piloto, a intervenção aventada de Lee Rodrigues, a natureza das partículas metálicas nos calcanhares do piloto detectadas aquando das suas autópsias) em elemento de polémica política, acompanhada da tardia remessa do processo para os juízos de instrução criminal (a qual poderia ser, todavia, elemento evidente de garantia acrescida da independência das investigações) - factores a que se juntaram ainda as reacções governamentais ao anúncio e realização do primeiro inquérito parlamentar e os eventos conflituais subsequentes, incluindo a recusa de envio, ou tardio envio, à comissão parlamentar de elementos imprescindíveis para o apuramento rigoroso do comportamento da Administração Pública -, tudo contribuiu para suscitar e manter sem resposta cabal interrogações e dúvidas que, de outra forma, não teriam ocorrido ou careceriam de legitimidade.

1.14 - Ficou apurado ainda que, tendo sido controversa, no âmbito da PJ, a correcção da fase (atípica) de «inquérito público» determinado pelo Sr. Procurador-Geral da República não foram adoptadas em tempo pelo Governo as providências legalmente possíveis no sentido de que, sem ingerência na actividade própria daquela Polícia, fossem eficazmente ultrapassadas previsíveis dificuldades (designadamente na consulta pelo público de autos formalmente ainda em segredo de justiça), o que contribuiu para que se multiplicassem suspeições, atritos e querelas com expressão pública e prolongamentos em processos crimes.

1.15 - Considera-se que contribuiu ainda decisivamente para o adensamento das dúvidas públicas a tomada de posição governamental posterior ao conhecimento do relatório elaborado pela I CEIAC (emitida através de nota oficiosa de 30 de Abril de 1983) e a publicação pelo Ministério da Justiça de um volume que, ao contrário do anunciado em 30 de Abril de 1983, veio a não conter «integralmente os relatórios periciais produzidos e algumas peças do processo consideradas relevantes ou significativas para esclarecimento público», o qual veio a ser ulteriormente retirado.

2 - Quanto à actuação do CI da DGAC
Por tudo o que se encontra apurado nos autos é possível afirmar com inteira segurança que o processo de investigação, análise e conclusão a cargo da DGAC foi, além de extremamente complexo, conturbado, facto, aliás, a partir de certo momento reconhecido pela própria CI (cf. a informação de 10 de Maio de 1983 do presidente da CI da DGAC ao acidente de Camarate, p. 49).

A CI da DGAC estabeleceu, como era imprescindível, um determinado quadro factual (cuja descrição e implicações se encontram abundantemente discutidas nos autos). Certas hipóteses que adiantou não assentam apenas em comprovações materiais, documentais ou testemunhais, mas sobretudo em deduções que procurou substanciar no quadro factual e comportam, como todas as deduções, certa margem de dúvida. Ao examinar a conduta da DGAC, nunca a presente CEIAC partiu do princípio de que fosse exigível àquela CI ter encontrado precisa e cabal explicação da totalidade das fracturas, deformações, cortes, arrancamentos e outros vestígios observáveis nos restos do avião, bem como de todas as marcas por este deixadas nos obstáculos em que se registou a colisão, tarefa que se sabe não ser exigível nem humanamente possível. Houve, sim, a preocupação de apurar quais as precisas consequências para a fiabilidade da investigação decorrentes do facto de ter ocorrido, incontroversamente, uma falha do dispositivo de segurança, por força da qual não se acautelou a rigorosa vedação da área relevante, a integral preservação de vestígios, a inalteração da sua localização primitiva, o registo fotográfico sucessivo de todos os elementos relevantes, etc.

Sendo absolutamente certo que este quadro foi desfavorável à investigação, prejudicando o rigor dos exames e observações periciais e o cumprimento, nos termos mais desejáveis, dos objectivos do inquérito (nacional e internacionalmente obrigatório), o que a CEIAC procurou determinar com o máximo rigor foi em que medida poderia ter sido induzida por esses factores distorção de análises e conclusões. Procurou-se igualmente, e até à exaustão, saber se a «revisão» fundada de certos aspectos do quadro factual de base estabelecido pela CI ou de certas das suas hipóteses explicativas (cuja aceitabilidade originou acesas discussões) seria susceptível de conduzir a outras conclusões ou a uma nova leitura que pusesse em dúvida de forma decisiva alguma conclusão central do inquérito levado a cabo. Afigura-se que as diligências levadas a cabo pela presente CEIAC, bem como pela que a antecedeu, permitiram lançar luz sobre muitos dos aspectos que tinham suscitado pública polémica, em especial os relacionados com o aventado «extravio» (posterior à recolha e depósito à guarda da DGAC) de peças e outros vestígios relevantes para a descoberta da verdade ou de «adulteração de material útil à investigação». Apurou-se, por outro lado, com mais precisão a real utilidade de que poderiam revestir-se certas diligências cuja falta originou críticas em momentos anteriores e conheceu-se, com extensão sem precedentes, o quadro das concretas diligências levadas a cabo pela CI da DGAC.

Foram aspectos especialmente passados em revista pela Comissão:
A reconstituição feita pela CI da DGAC da trajectória das diversas partes do avião após o primeiro embate nos edifícios e até à sua imobilização;

A reconstituição dos aspectos relacionados com a deflagração do incêndio;
As conclusões relativas ao comportamento do piloto;
As conclusões relativas aos ocupantes do avião e aos factores que impediram a sua sobrevivência.

A Comissão considera muito negativas e desprovidas de justificação as imprecisões registadas quanto à extensão, configuração, agregação e natureza dos vestígios encontrados na área relevante para as investigações.

Os elementos apurados após muitas diligências, incluindo acareações, legitimam, por outro lado, um juízo crítico em relação à forma como se processou a articulação entre a CI da DGAC e a PJ, a qual, sendo, pelo menos, deficiente, tornou ainda acrescidas as dificuldades com que à partida a investigação se deparava. A CI teve acesso aos autos da PJ; foi por esta solicitada a prestar informações; vários dos respectivos agentes desenvolveram contactos cruciais, de que em casos relevantes não há vestígios. Não pode deixar de crer-se particularmente negativo o facto de não terem sido encontradas adequadas rotinas de comunicação de informação que celeremente facultassem à DGAC cópias de exames laboratoriais e outras informações na posse da PJ relevantes para as finalidades comuns de investigação. Não pôde a Comissão apurar que tal tivesse afectado os resultados essenciais apresentados, mas que contribuiu para muitas das reticências e dos equívocos ou aspectos inexplicados inspiradores de objecções à credibilidade do trabalho realizado, não sobram dúvidas e é lamentável.

É de afirmar ainda que a utilização pública, antes da divulgação do relatório, de informações à data só parcialmente apuradas, bem como a posterior não divulgação de elementos cruciais para a discussão pública do relatório publicado em 25 de Março de 1981, conduziram, sem dúvida, a que a CI da DGAC não pudesse contribuir na medida desejável para clarificar em toda a dimensão possível, e como teria sido benéfico, aspectos que assim se transformaram em factores de polémica, dúvida e até mistério, sem justificação real.

3 - Quanto à actuação da PJ
A Comissão pôde ver legalmente ampliados os elementos imprescindíveis ao conhecimento rigoroso da investigação levada a cabo pela PJ. Ao apreciar a respectiva actuação, não se partiu, a qualquer título, do princípio de que, num caso de extraordinária complexidade, com evidentes implicações, que desde cedo abundantemente se manifestaram, fosse de aferir o comportamento da PJ por padrões dos quais estivessem excluídas manifestações de insuficiência humana. A Comissão pôde inteirar-se, aliás, com cópia de pormenores, sobre as estruturas, meios (incluindo as carências) e métodos de organização da PJ à data da tragédia de Camarate e até sobre as concretas características do relacionamento entre os seus responsáveis e outros membros à data dos eventos, com a preocupação de apurar em que medida condicionaram as investigações. Efectivamente, foram colhidos indícios de que nelas se projectaram as já referidas deficiências de coordenação entre as autoridades encarregadas dos inquéritos, tendo havido igualmente reflexos internos da evolução e contradição já assinalada na apreciação a nível governamental das conclusões divulgadas, num caso em que aquela Polícia estava ciente de que tudo seria «visto à lupa» (fl. 6826, XV vol., II CEIAC). Não foram esclarecidos aspectos relevantes sobre o concreto relacionamento, antes e depois de 4 de Janeiro de 1981, entre a PJ e as instâncias governamentais competentes, sobre cuja actuação, no tocante à PJ, se ajuizou no n.º 1.

No apuramento de tais aspectos, do ângulo da PJ, deparou-se a Comissão com omissões, contradições e discrepâncias que não foram ultrapassáveis. Também no exame das questões de relacionamento interno susceptíveis de projecção nas investigações foram encontradas contradições inultrapassáveis, mesmo através de acareação (actas de 13 de Maio de 1986 e de 15 de Janeiro de 1987), o que profundamente se lamenta e assinala.

Considera-se abundantemente provado nos autos que a recolha de vestígios nas áreas relevantes não se processou nas condições mais adequadas, o que, por maioria de razão, se aplica aos vestígios encontrados em terrenos situados entre o termo da pista e o Bairro de Camarate. Não se encontrou justificação para a não obtenção, em tempo, de registos fotográficos das áreas referidas. Não foi cabalmente explicada a forma como se procedeu às sucessivas reconstituições gráficas do acidente, bem como o critério adoptado para sua junção (ou não junção) aos autos. Afigura-se tardio e já envolto em perniciosa polémica o recurso aos meios propiciados pela cooperação internacional e à cooperação dos cidadãos, num quadro, todavia, determinado pelos factores apontados no n.º 1. Foram igualmente deixadas sem resposta pública atempada graves acusações de contradições, lacunas e omissões de diligências investigatórias importantes, cujo alcance pôde ser agora vigorosamente avaliado.

A forma como o aprofundamento de certas diligências, especialmente médico-legais, foi encarado, o facto de a iniciativa da respectiva realização ter partido de familiares das vítimas ou de órgãos de comunicação social, a atitude geral face a apontados elementos novos ou a sugestões de diligências (cujo cunho era indiciariamente considerado apenas confirmativo pela PJ), tudo contribuiu para a persistência injustificada de dúvidas susceptíveis de retirarem cerdibilidade às conclusões ou a aspectos cruciais das investigações.

4 - Conclusões gerais
A CEIAC, tendo colhido, nos termos e para os efeitos do artigo 181.º da Constituição da República e da Lei 43/77, de 18 de Junho, um vasto conjunto de elementos sobre as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro de 1980, o Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa, engenheiro Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes, após ponderação cuidadosa da natureza e conteúdo dos depoimentos, perícias, estudos e demais documentos constantes dos autos, com a fiabilidade que deles ressalta, e tendo procurado, em especial, elementos que pudessem ser considerados bastantes e adequados para facultar, nos termos legais, quaisquer novas conclusões com base nos factos que deram origem ao inquérito:

a) Apreciou o comportamento do Governo e da Administração Pública em todo o processo, com vista a avaliar a sua conformidade com o que em tal domínio decorre da Constituição e da lei, tendo apurado os aspectos criticáveis descritos;

b) Não encontrou, tendo investigado as possíveis causas do acidente e esgotado os meios ao seu alcance, elementos que lhe permitam concluir pela existência de provas de que necessariamente decorra a revisão das conclusões fundamentais tornadas públicas pelas entidades inicialmente encarregadas de levar a cabo as investigações, bem como pelas entidades nacionais e estrangeiras que tiveram posterior intervenção no processo.

CAPÍTULO VIII
Propostas e recomendações
1 - Medidas a propor ao Plenário
Nos termos e com os fundamentos expostos no capítulo VI, a Comissão deliberou propor ao Plenário que, nos termos do artigo 6.º da Lei 43/77, de 18 de Junho, e das pertinentes disposições regimentais, a Assembleia da República:

a) Dê publicidade, na maior extensão possível, aos autos, nos termos decorrentes das disposições legais aplicáveis, solicitando-se, designadamente, aos depoentes as autorizações necessárias;

b) Faculte de imediato e integralmente os autos à Procuradoria-Geral da República, para que possa examiná-los, avaliar os elementos deles constantes e proceder consoante as conclusões da apreciação que leve a cabo;

c) Recomendar ao Governo que adopte ainda as providências necessárias e adequadas para que os elementos juntos aos autos na sequência das averiguações da Comissão possam ser examinados por peritos aeronáuticos estrangeiros, cuja intervenção foi solicitada e não pôde ser obtida até ao prazo de conclusão do presente inquérito.

2 - Recomendações
Consideram-se, por último, de sublinhar dois aspectos cuja importância ressalta dos trabalhos de averiguiação das causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia de Camarate, já evidenciados (sem prejuízo das características de que se revestem os inquéritos parlamentares) nos relatórios das I e II CEIACs:

a) A necessidade de não adiar por mais tempo a criação de um organismo vocacionado para investigação de acidentes nos diversos modos de transporte;

b) A preocupação legítima pelo facto de continuar por elaborar legislação específica em matéria de segurança de altas personalidades do Estado.

Palácio de São Bento, 22 de Janeiro de 1987. - O Presidente da Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate, Mário Júlio Montalvão Machado.


Declaração de voto do PSD
I - Introdução
1 - Os deputados do PSD votaram os capítulos que identificam os deputados e representantes das vítimas, bem como aqueles que descrevem os antecedentes e todas as diligências efectuadas.

Quanto ao aspecto causal determinante da tragédia, a nossa posição, que não obteve vencimento, foi a seguinte:

II - Balanço dos inquéritos parlamentares
2 - Passando em revista a intervenção da Assembleia da República neste processo, através das três comissões parlamentares que reuniram a este respeito, pode sintetizar-se do seguinte modo o fundamental do trabalho e dos resultados de cada uma:

2.1 - A primeira (Novembro de 1982 a Abril de 1983), que tinha por objecto a análise dos inquéritos anteriores, nomeadamente os conduzidos no âmbito da DGAC e da PJ, pôde verificar e concluir que aqueles estavam eivados de «deficiências, irregularidades, omissões e contradições outrossim de relevante importância para o apuramento e conclusões de significado inequívoco e categórico», recomendando, em coerência com esta falta de crédito que mereciam as investigações iniciais e as conclusões do acidente, entretanto oficialmente publicadas, que «os órgãos da Administração Pública competentes para as averiguações técnicas e investigação criminal podem e devem aprofundar, no futuro, a análise do processo, face ao aparecimento de elementos novos e suplementares susceptíveis de conduzirem à mais completa verdade material» (v. p. 845, n.os 4.2 e 4.4, do relatório da CEIAC, in Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 60, de 28 de Abril de 1983); aqui se remete para a totalidade das suas conclusões;

2.2 - A reabertura das investigações viria, afinal, a competir ainda, face à inoperância da Administração Pública, às II e III Comissões Parlamentares de Inquérito, que incluíram, com estatuto especial, representantes dos familiares das vítimas e que, relativamente à primeira, assumiram já um objecto diverso e um âmbito mais vasto: o apuramento directo e cabal da verdade material, isto é, das causas e circunstâncias da tragédia (Resoluções da Assembleia da República n.os 25/84 e 1/86). Destas duas últimas Comissões, e de todo o conjunto das investigações efectuadas, pode destacar-se, essencialmente:

2.2.1 - A segunda (Dezembro de 1983 a Outubro de 1985) pôde reunir a quase totalidade da prova testemunhal;

2.2.2 - A terceira (Dezembro de 1985 a Janeiro de 1987), que prosseguiu os trabalhos da anterior, pôde reunir e verificar o fundamental da prova material e pericial sobre aqueles registos materiais do evento ainda disponíveis e analisáveis ao fim de seis anos. Lamenta-se que tenham ocorrido descaminhos de elementos de prova desde 4 de Dezembro de 1980.

III - Revisão do processo
3 - Para a revisão de um processo é sempre relevante a conjugação de dois aspectos: a verificação de dados novos decisivos e a verificação de inconsistência absoluta ou relativa dos dados considerados em conclusões precedentes, neste caso os inquéritos iniciais que estabeleceram a versão de acidentes por paragem do motor esquerdo da aeronave na fase inicial da descolagem, paragem esta devida a esgotamento do combustível.

4 - No entender do PSD, a Comissão estava em posição de conjugar estes dois aspectos:

4.1 - Por um lado - ouvindo numerosas testemunhas, efectuando interrogatórios detalhados, esclarecendo quaisquer dúvidas que se suscitassem na compreensão dos testemunhos, procedendo a acareações sempre que surgiram contradições aparentes entre testemunhas dos mesmos factos, ouvindo todos os que espontaneamente se apresentaram a depor, convocando a depor todos aqueles de que, por vias diversas, havia notícia de que tinham algo de relevante a declarar ou a esclarecer, reanalisando várias vezes o processo, estudando e confrontando criticamente as suas múltiplas peças, ouvindo técnicos, solicitando pareceres a peritos qualificados sobre matérias que reclamavam análise e estudo rigoroso e procedendo a observações directas do Aerooprto (pista 18/36), das zonas que o avião sobrevoou, dos locais de embate e dos destroços remanescentes -, a Comissão pôde reunir e verificar uma série de dados novos e decisivos, ainda que muitos deles constassem já, nos seus indícios, do processo e houvessem sido apenas insuficientemente investigados;

4.2 - Por outro lado - ouvindo técnicos e convocando a depor e a esclarecer numerosas dúvidas quase todos aqueles que participaram ou tiveram a responsabilidade das averiguações iniciais a cargo da DGAC e da PJ -, a Comissão pôde também (como já a I CEIAC havia feito em 28 de Abril de 1983 e a II CEIAC confirmara, por remissão, nas suas conclusões de 30 de Outubro de 1985) verificar e concluir pela inconsistência absoluta ou relativa dos dados considerados para a versão de acidente, com a concordância, em muitos casos, de alguns dos seus autores, manifestada no decurso das diligências dirigidas à respectiva análise crítica, quer comparando entre si dados que já eram conhecidos, mas contraditórios ou insuficientes, quer confrontando os dados conhecidos com os novos dados que foi reunindo e apurando.

A) Análise crítica das conclusões publicadas pelos órgãos oficiais
6 - As precedentes conclusões consideraram que a causa provável do evento (fls. 81 e 82, relatório da DGAC) fora «a perda de potência de propulsão do motor esquerdo, devida a um esgotamento inesperado do combustível dos depósitos da asa do mesmo lado na fase crítica de subida após descolagem, com a consequente perda de velocidade, agravada pelos efeitos de resistência aerodinâmica produzidos, cumulativamente, pela rotação passiva da hélice do mesmo lado, pela incompleta recolha dos flaps e pela desfavorável distribuição de pesos [...]; o acidente poderia ter sido evitado se tivessem sido cumpridos os procedimentos correntes da preparação do voo, da inspecção da aeronave antes do voo, da lista de verificações antes da descolagem [...] ou eventualmente diminuídas as suas consequências se houvesse sido utilizado todo o comprimento disponível da pista para a manobra de descolagem».

7 - Teria contribuído ainda para o desastre «a tensão psíquica vivida pelo piloto, a precipitação da partida e a fadiga psíquica» (fl. 82 ibid.).

8 - No mesmo sentido, remetendo para a DGAC, concluiu a PJ (fl. 23 do respectivo relatório de 9 de Outubro de 1981).

9 - O PGR, no seu despacho de 12 de Outubro de 1981, concluindo no mesmo sentido, refere ainda «avarias» detectadas no aparelho e considera que «o piloto Jorge Manuel Moutinho de Albuquerque [...] seria seguramente objecto de acusação por homicídio cometido por negligência se a sua responsabilidade criminal não tivesse ficado extinta com o seu próprio decesso [...]», imputando-lhe «a violação dos deveres gerais e especiais de diligência».

1 - Aspectos técnicos e aeronáuticos
1.1 - Combustível
10 - Todos os cálculos quanto às quantidades de combustível existentes no avião são altamente falíveis e destituídos de valor probatório, porquanto, como consta do processo, «é completamente impossível determinar o modo como o piloto Jorge Albuquerque controlou e usou a gasolina dos vários depósitos» (fl. 86, vol. «Investigação operacional», DGAC).

11 - Por outro lado, os cálculos efectuados pela DGAC, com aquela reserva, alcançam dois valores limites de quantidade possível de combustível: 254 l e 331,6 l (fl. 82, ibid.). Mas a mesma DGAC, para efeitos de cálculo do peso da aeronave, considera outro valor (80 galões = 302,8 l) e a PJ, por seu turno, refere 307 l (fl. 16, relatório da PJ de 9 de Outubro de 1981). Constam assim do processo quatro valores diversos quanto ao combustível que existia eventualmente no aparelho à partida para o voo fatídico.

12 - Todavia, para atingir a conclusão de que os depósitos da asa esquerda não teriam, no início das operações para o voo, mais de 10 l a 15 l de combustível, por forma a figurar o seu esgotamento na fase crítica de subida à descolagem, passou a ponderar-se sempre, no processo, o valor de 254 l no total.

13 - Ainda assim, o facto se afigura inverosímil.
14 - Desde logo, mesmo nesta situação extrema (254 l), a presença de apenas 10 l a 15 l nos depósitos da asa esquerda e de cerca de 240 l nos depósitos da asa direita acarretaria uma muito significativa «assimetria de pesos» (fls. 85 e 87, vol. «Investigação operacional», DGAC), necessariamente detectável nas manobras de aterragem e descolagem. Ora, nada disso se verificou quer na aterragem do voo anterior do avião {fl. 286, ibid., depoimento da testemunha n.º 1: «a aterragem [...] fora de tal modo suave que o general Soares Carneiro, que vinha a dormitar, nem deu por isso»; «Especificamente perguntado se durante a aproximação ou aterragem sentira a asa direita inclinada ou com tendência para inclinar, declarou que não.»}, quer na descolagem para o voo fatídico, que foi perfeitamente normal até à produção da emergência (testemunho do controlador da torre, testemunha n.º 2, fl. 1615, IV vol., II CEIAC; testemunha n.º 3, fl. 2633, VI vol., II CEIAC). A percepção de tal assimetria teria de ser mesmo imediata nos «primeiros segundos» da corrida de descolagem, antes ainda de o avião tirar as rodas do chão e a tempo de a interromper [depoimento do piloto-mecânico (depoimento n.º 9), fls. 4858 a 4861, X vol., II CEIAC].

15 - A DGAC termina por aventar a hipótese de furto de 80 l a 90 l de gasolina dos depósitos da asa esquerda: «muitas outras hipóteses foram formuladas e poderiam ser mencionadas, mas nenhuma delas, face aos dados existentes, explica de modo lógico a situação verificada após o acidente: inexistência de combustível nos depósitos da asa esquerda e quantidade apreciável nos da asa direita» (fl. 86, vol. «Investigação operacional», DGAC); «a CI da DGAC vem a concluir pela possibilidade do desaparecimento do combustível existente nos depósitos da asa esquerda do avião. A quantidade em falta seria da ordem dos 80 l a 90 l e corresponderia à quase totalidade do combustível que deveria existir naqueles depósitos antes dos preparativos do voo frustrado» (fl. 13, relatório da PJ de 9 de Outubro de 1981).

16 - Saliente-se, desde logo, a considerar-se qualquer das outras quantidades estimadas de combustível, que teria de ser ainda superior o volume de gasolina, a haver sido furtado:

a) 80 l a 90 l, na hipótese 254 l;
b) 128 l a 138 l, na hipótese 302 l;
c) 133 l a 143 l, na hipótese 307 l; e
d) 157 l a 167 l, na hipótese 331 l.
17 - Porém, a PJ é clara quanto a não ter havido furto de gasolina - «não obstante os esforços desenvolvidos, não se lograram detectar indícios mínimos que comprovassem a existência daquela infracção» (fl. 13 v.º, ibid.) -, o que repõe, por conseguinte, a dificuldade (assimetria significativa de pesos) que se pretendia resolver.

18 - Também está provado que a teoria do escapamento do combustível para o wing-locker direito, inoperativo, avançada no relatório da PJ (fls. 13 v.º a 18 v.º), é completamente inconsistente (testemunha n.º 4, depoimento à III CEIAC de 13 de Janeiro de 1987).

Além de que, é óbvio, semelhante tese da PJ manteria a «assimetria de pesos» e, reportando-se apenas a depósitos na asa direita, jamais poderia explicar um esvaziamento dos depósitos da asa esquerda.

19 - São ainda de reduzida consistência os testemunhos e as análises em que a DGAC se fundou para estabelecer a inexistência de combustível na asa esquerda. Há testemunhos que referem a existência de gasolina {bombeiro, testemunha n.º 5, depoimento, fls. 5364 a 5366, XI vol., II CEIAC: «A asa [esquerda] tinha gasolina, que ela sentia-se, mas não tinha muita.»; «o depósito estava roto»}; é claro o rompimento abundante (fl. 16, vol. «Factores materiais», DGAC) e imediato dos tanques, devido aos embates, sendo de admitir que apreciável quantidade de gasolina ficasse espalhada logo no terreno, e nenhum exame aqui foi efectuado (fl. 8176, XVIII vol., II CEIAC, depoimento da testemunha n.º 6: «As amostras de terreno que recolhi nunca foram submetidas a análise.»); há notícia de escorrimentos a partir do tecto da Vivenda Paulos, em cujo forro do telhado ficou a asa esquerda, os quais foram insuficientemente investigados e esclarecidos {fl. 8175, XVIII vol., II CEIAC, mesmo depoimento: «Ao líquido derramado não [foi feita análise].»}.

20 - Nada autoriza também, antes pelo contrário, a concluir, como se referirá adiante, que o piloto não tenha feito, antes do voo, as inspecções habituais, nomeadamente ao combustível, assim se certificando da sua existência.

21 - Por último, é de assinalar que os indicadores de combustível referentes aos depósitos da asa esquerda só não dariam indicação na «faixa de medida entre três quartos e cheio» (fls. 56, relatório da DGAC, e 21, vol. «Factores materiais», DGAC), o que, situando-se os indicadores à frente do piloto no painel de bordo, torna completamente inverosímil que este efectuasse o voo se os observasse na posição de «vazio».

22 - Por tudo, não há base conclusiva de que se tivesse esgotado o combustível nos tanques da asa esquerda, tudo levando a pensar, pelo contrário, que tal situação não se verificou.

2 - «Performance» do avião
23 - Ficou demonstrado que o avião fez uma rolagem em pista suficiente para atingir a velocidade de segurança (120 m. p. h.), que lhe permitia enfrentar a situação de eventual paragem de um motor, por forma a manter uma razão de subida positiva e poder regressar à pista em segurança [v. acareação da testemunha n.º 6 com a testemunha n.º 2, conjugada com o depoimento do piloto, testemunha n.º 7 (fl. 4855, X vol., II CEIAC), o depoimento do comandante Teixeira Lobo (fls. 47 a 49, 8 de Julho de 1986, III CEIAC) e o depoimento do piloto, testemunha n.º 8 (fl. 279, vol. «Investigação operacional», DGAC)]; acresce que:

24 - Não ficou provado que o piloto tivesse feito recurso a flaps para a descolagem. Por exemplo, o NTSB apresenta uma sugestão diferente a este respeito, e vários depoentes ouvidos pelas comissões parlamentares de inquérito foram unânimes em afastar a eventualidade de o piloto Jorge Albuquerque haver recorrido aos flaps para descolar. Nomeadamente, ao contrário do que consta a fl. 70 do relatório da DGAC, ficou claro que o piloto não «estava bastante rotinado na sua execução» {fl. 282, vol. «Investigação operacional», DGAC, depoimento da testemunha n.º 8: «Em resumo, a resposta é não. O Jorge não usava normalmente flaps para efectuar a descolagem.», e depoimento n.º 9 (fls. 4931 e 4932, X vol., II CEIAC): «Aqui em Portugal, nas pistas que temos utilizado, não é necessário [usar flaps], nem nunca o [Albuquerque] vi utilizar.»}.

25 - Estes pontos são decisivos, porquanto a DGAC fundara a circunstância de o Cessna haver entrado em perda na explicação de ter efectuado uma rolagem muito curta (375 m), com aceleração apenas até às 108 m. p. h.-110 m. p. h. e uso de flaps a 15º (fls. 124, vol. «Investigação operacional», DGAC, e 64 e 70, relatório da DGAC), «reduzindo a sua controlabilidade» (fl. 80, ibid.). Todos e estes pontos ou se prova não corresponderem à realidade ou, quanto ao uso das flaps, não terem fundamento consistente, ficando, assim, por explicar neste ponto a queda da aeronave.

26 - Relativamente ao peso e descentragem, é de salientar desde logo que «esta circunstância [...] não introduz alterações à performance do avião, excepção feita à tendência para cabrar a baixas velocidades» (fl. 63, relatório da DGAC). Ora, já atrás ficou dito que não tem fundamento a tese de que o avião operava a baixas velocidades.

27 - Resulta ainda do processo de acareação da testemunha n.º 7 com a testemunha n.º 6 que o avião estava abaixo do seu peso máximo, com um número de passageiros dentro da lotação normal (conforme resulta de consulta ao Manual de Serviço do avião Cessna-421A, p. 3-IOB) e, portanto, com uma correcta distribuição de pesos.

28 - Não ficou provado, por seu turno, que a situação do motor esquerdo fosse, no momento das colisões, a de parado. O facto de o motor não estar embandeirado pode significar que, embora em perda de potência devida a qualquer outra causa, o motor estivesse, todavia, em funcionamento a baixo regime [relatório de Eric Newton: «the LH propeller, which was not feathered, although rotating, suggested from its condition of the blades that was loss of power» (p. 294 do livro Camarate, ed. do Ministério da Justiça)]. Por outro lado {depoimento da testemunha n.º 7 (fl. 4849, X vol., II CEIAC): «Fiz isso [paragem de um dos motores à descolagem] muitas vezes ao Jorge de Albuquerque e ele a mim [...] Quando tinha de fazer isso, o Albuquerque era rápido e eficiente e nem sequer hesitava [...] É das situações de emergência que podemos tomar como mais fáceis de resolver.»; e depoimento da testemunha n.º 8 (fl. 268, vol. «Investigação operacional», DGAC): «Foi tudo muito rápido. Pouco depois, o motor perdeu toda a potência, o Albuquerque reagiu muito bem, bastante rápido. Fez todos os procedimentos, embandeirou o motor, etc. Foi o motor direito.» (descrição de um incidente durante o voo ferry de Sonderstraum para Quejavik)}. É nítido que o piloto Jorge Albuquerque estava rotinado nos procedimentos de emergência para paragem de motor, o que leva a supor que o motor não terá parado.

29 - Por último, técnicos aeronáuticos ouvidos pelas comissões parlamentares de inquérito confirmaram, de modo unânime e inequívoco, que não só a extensão da pista utilizada para a descolagem era mais do que suficiente e estava dentro das normas de segurança como era procedimento comum em aviões desse tipo [testemunho n.º 9 (fl. 2331, V vol., II CEIAC), testemunho n.º 7 (fls. 4833 e 4922, X vol., II CEIAC) e testemunho n.º 10 (fls. 4558, X vol., II CEIAC, e 224, vol. «Investigação operacional», DGAC)]. De resto, a observação resulta patente das plantas constantes do processo da DGAC (fl. 127, vol. «Investigação operacional», DGAC) no sentido de que o avião, ao executar uma corrida de descolagem de cerca de 500 m, ainda lhe restam, como recurso, mais cerca de 800 m de pista, ou seja, o avião dispunha, à partida, de 1200 m a 1300 m de comprimento da pista 18/36.

30 - Saliente-se ainda que este tipo de avião, como todos os aviões multimotores, é constituído com características técnicas que lhe permitem, embora com uma quebra na sua razão de subida, manter uma razão de subida positiva com um motor parado. E saliente-se também que, como consta dos autos, o piloto Jorge de Albuquerque tinha longa experiência em operações com aviões multimotores [mais de 50 horas de voo (fl. 4, nota, vol. «Informação operacional», DGAC)] e que uma situação de emergência como a figurada pela DGCA (paragem de um motor à descolagem) é das que constam concretamente na instrução comum dos pilotos de multimotores, é justamente uma das que o piloto Jorge Albuquerque mais facilmente dominava (fl. 4849, X vol., II CEIAC, e ainda fl. 197, vol. «Informação operacional», DGAC).

31 - Aliás, conforme igualmente se transcreve do processo, seria impossível, a menos que incapacitado, que o piloto fosse surpreendido por qualquer efeito gravemente crítico decorrente de uma eventual emergência daquele tipo, porquanto (depoimento da testemunha n.º 9, fl. 2280, V vol., II CEIAC) esse tipo de avião dispõe de um sistema automático de avisamento sonoro (stall warning) que «começa a tocar 5 a 10 milhas (m. p. h.) antes de o avião atingir velocidade de perda.

32 - Em conclusão, da análise atenta dos autos não se colhem fundamentos para os alegados factores limitativos da normal performance do avião sinistrado, isto é, um avião (um bimotor) voaria, ainda que se produzisse uma eventual paragem de motor, a qual tão-pouco é certa.

3 - Avarias
33 - No tocante às alegadas avarias inicialmente salientadas nos relatórios e em algumas das suas conclusões, resulta saliente que as únicas referenciadas não têm qualquer nexo causal com o sinistro e carecem de melhor explicação.

34 - Com efeito, o depósito de combustível do fuso do motor direito (wing-locker), não operativo, consta do equipamento opcional do avião e transcorre dos autos que a sua utilização não era necessária, porquanto o avião não efectuava voos de longo curso, a que se destina este tipo de depósito suplementar (testemunha n.º 7, fls. 4928 a 4934, X vol., II CEIAC).

Há unanimidade dos técnicos aeronáuticos nesse ponto.
35 - Quanto à verificação de imprecisões de um dos indicadores de combustível (asa esquerda), é claro que não provoca a queda de qualquer aparelho, além de que, consistindo a anomalia reportada em não fornecer indicações precisas entre «três quartos» e «cheio», é manifesto que, a estar o depósito «vazio» (ou a qualquer nível inferior a três quartos), não deixaria de o assinalar com precisão, como referido anteriormente.

36 - Quanto ao alternador do lado direito, o PGR, no seu despacho de 12 de Outubro de 1981, não refere mais do que «dúvidas de funcionamento». E «dúvidas de funcionamento» significa dúvidas da própria existência de avaria. Com efeito, desde o início do processo que resulta claro que a avaria não estaria no alternador, mas tão-só, eventualmente, no sistema de indicação de carga {depoimento de Georgino Silva (fl. 210, vol. «Investigação operacional», DGAC): «julgo que o alternador funcionava. O problema era na indicação [...] Uma vez, em Braga, estive a trabalhar com o avião só no motor direito, durante a noite [...]» e, se «não trabalhasse, notava-se logo um abaixamento nas luzes, o que não sucedeu»}. Enfim, este alternador era relativamente novo, havendo sido substituído pela empresa Clark Aviation recentemente, apenas dois meses antes do desastre (v. depoimentos de Georgino Silva, Eurico Taxa e Vilfredo Fernandes à CI da DGAC, fl. ..., vol. «Investigação operacional»).

37 - O aludido despacho do PGR refere ainda «dificuldades e interrupções nas transmissões», o que não corresponde ao que consta do relatório técnico da DGAC. Por outro lado, reportando-se ao controlador da torre, testemunha n.º 2, é claro ao acentuar que «as comunicações foram fortes e claras, bastante nítidas» (fl. 236, vol. «Investigação operacional», DGAC).

38 - Não se colheu fundamento para concluir que o motor do lado esquerdo «babava óleo». Os motores não apresentavam qualquer anomalia [por exemplo, depoimento da testemunha n.º 8 (fl. 264, vol. «Investigação operacional», DGAC): «Os motores estavam como novos, pois tinham sido adquiridos na América depois de uma revisão geral.»]. Para o dia seguinte ao do sinistro já estava marcada, para a SOFINARE, a primeira inspecção de rotina das primeiras 50 horas depois daquela revisão geral (fl. 28, vol. «Factores materiais», DGAC). Enfim, o depoente Inácio Passos é peremptório ao declarar que, tendo inspeccionado na manhã seguinte ao desastre, cuidadosamente, o local onde o Cessna YV-314P estivera estacionado, não encontrou o mínimo vestígio quer de gasolina, quer de óleo (fls. 224, vol. «Investigação operacional», DGAC, e 4575 e 4673, X vol., II CEIAC).

39 - Por último, quanto à alegada «bateria fraca», há que destacar que, além de não ter qualquer nexo causal com o sinistro, o facto não deve sequer corresponder à realidade, porquanto fora colocada uma bateria no próprio dia 3 de Dezembro (fl. 215, vol. «Investigação operacional», DGAC), e, segundo depoimento da testemunha n.º 7, piloto-mecânico (fl. 4858, X vol., II CEIAC), e da testemunha n.º 11, membro da CI da DGAC, a bateria ainda apresentava carga três ou quatro dias após o desastre.

40 - Ficou esclarecido que o recurso ao gerador é procedimento corrente e recomendável, segundo o manual de bordo, nomeadamente sempre que se verifiquem temperaturas baixas, como era o caso da noite de 4 de Dezembro de 1980 [testemunha n.º 7 (fl. 4970, X vol., II CEIAC), testemunha n.º 12 e testemunha n.º 13 (fls. 149 e 150, 8 de Julho de 1986, III CEIAC) e testemunha n.º 9 (fl. 2359, V vol., II CEIAC), funcionários da placa]. Por outro lado, constam do processo (fls. 73 e 74, vol. «Investigação operacional», DGAC) dois documentos da ANA, E. P., um de 2 de Dezembro de 1980 e outro de 3 de Dezembro de 1980, antevéspera e véspera do sinistro, que expressamente declaram o seguinte:

Durante a assistência prestada pelo serviço de controle deste Aeroporto não foi notada nenhuma anomalia na aeronave YV-314P, nem a mesma reportou qualquer problema técnico.

41 - Não havia, portanto, quaisquer deficiências impeditivas do voo ou que o não aconselhassem.

4 - Inspecção prévia do avião
42 - Não há fundamento sólido no processo de que o piloto não tenha cumprido «os procedimentos correntes de preparação do voo, a inspecçõo da aeronave antes do voo e a lista de verificações antes da descolagem».

43 - Esta asserção inconsistente assentava numa mera presunção estabelecida com base na convicção errada de que o piloto só se deslocara para o avião às 19 horas e 30 minutos, fazendo embarcar os passageiros cerca de cinco minutos depois (fls. 13, 14, 68 e 69, relatório da DGAC), considerando-se, nessa base, esse tempo intermédio como insuficiente para aquelas operações.

44 - Resulta, ao contrário, claro do processo que o piloto Jorge Albuquerque já estava junto ao Cessna desde cerca das 19 horas [cf. depoimento n.º 14 (fl. 189, vol. «Investigação operacional», DGAC) e mapa de coordenação de transportes (fl. 289, ibid.), viatura HL-78-76, 19 horas: «levar uma tripulação Delta»].

45 - Não há, assim, qualquer fundamento para a presunção precipitadamente estabelecida naquele sentido e, pelo contrário, é de presumir que essas verificações se tenham feito, quer em função do tempo (cerca de meia hora) que o piloto Jorge Albuquerque esteve sozinho junto do aparelho, quer por virtude de estar provado que tanto o piloto como o co-piloto eram portadores de lanternas de voo nocturno, indispensáveis às inspecções prévias aquando de voos nocturnos [quanto ao co-piloto, depoimento n.º 10 (fls. 224, vol. «Investigação operacional», DGAC, e 4658, 4673 e 4675, X vol., II CEIAC); quanto ao piloto, o depoimento n.º 16 refere: «tanto que a Sr.ª Abecassis, para subir para o avião, teve de ser ajudada pelo comandante, porque tropeçou num degrau, e ele iluminou-o com a lanterna» (fl. 5067, XI vol., II CEIAC)].

5 - Competência e condição do piloto
46 - Ficou estabelecida de modo inequívoco, com base em testemunhos de diversos técnicos e profissionais profundamente conhecedores das capacidades do piloto, nomeadamente do seu instrutor de multimotores, a competência aeronáutica do piloto Jorge Albuquerque [depoimentos n.os 12, 8, 7 e 10 (vol. «Investigação operacional», DGAC)], que era muito boa; refere-se a dado passo:

[...] E posso-lhe garantir que o Jorge Albuquerque foi muito apertado, não só por mim, mas até por outros. Não foi por ser o Albuquerque, mas porque era o sistema usado em Moçambique, devido a os pilotos terem de ser treinados para trabalhar no mato, em campos curtíssimos, com muitas dificuldades. [Fl. 1866, IV vol., II CEIAC.]

47 - Não se encontrou qualquer fundamento nos autos para afirmar, como o foi (fl. 4, vol. «Investigação operacional», DGAC), que o piloto «nos últimos tempos demonstrava fadiga». Pelo contrário, depoimentos de pessoas que contactaram com o piloto no momento do embarque ou pouco antes atestam o ser ar repousado e boa disposição (depoimento n.º 16).

48 - A Comissão teve também possibilidade de ouvir a gravação do diálogo entre o piloto e a torre de controle, podendo ajuizar que o tom de voz utilizado não é, de modo nenhum, indicador de qualquer nervosismo, como chegou a ser alegado no mesmo sentido [depoimento n.º 10 (fl. 8609, XIX vol., II CEIAC)]. Por outro lado, as expressões técnicas que constam dessa comunicação (v. fls. 89 e 90, relatório da DGAC), e que foram consideradas como indiciando precipitações ou pressa excessiva, foram esclarecidas por técnicos aeronáuticos ouvidos pela Comissão, pelo controlador da torre e pelo relatório do NTSB (p. 20) como tratando-se, afinal, de linguagem comum e corrente da gíria aeronáutica nas suas comunicações rádio, insusceptíveis de qualquer ilação especial. Quanto ao alegado episódio da «movimentação» do avião com o gerador ainda ligado, apenas o desconhecimento da prática dos aeroportos e uma leitura e interpretação menos atentas do depoimento em que se fundara pode ter permitido ao PGR, no seu despacho de 12 de Outubro de 1980, o estabelecimento dessa confusão - ficou esclarecido que o avião, por não estar calçado, se limitou a descair ligeiramente com o arranque do motor direito [depoimento n.º 17 (fl. 220, vol. «Investigação operacional», DGAC)], sendo óbvio também que ninguém arrancaria com o gerador ligado e o motor esquerdo ainda parado. Decorre, aliás, claramente do referido depoimento (fl. 220, ibid.) que, após estarem a funcionar os dois motores, «o piloto fez sinal para tirar a ficha», o operador deitou-se «para tirar a ficha», o operador deu ao piloto «o sinal de OK» e só depois é que «ele [o avião] arrancou».

6 - Trajectória de voo e sequência de embates
49 - Segundo reiterados testemunhos do controlador da torre à DGAC, à PJ e às Comissões e com base nas precisas referências visuais que cita e nas cotas que são calculadas, foi possível estabelecer rigorosamente que o avião não ultrapassou, na sua máxima altura, os 20 m a 25 m acima do nível da pista, fazendo, consequentemente, uma trajectório nivelada e horizontal até ao local dos embates finais, no Bairro das Fontainhas. É a elevação do terreno e do casario neste Bairro - cerca de 20 m - relativamente ao nível da pista que explica o embate da aeronave nesses pontos, e não uma trajectória descendente de que o avião viesse animado. Este facto indesmentível confirma que o avião se deslocava acima da velocidade mínima de controle (cf. n.º 23, supra) e que em condições normais seria controlável pelo piloto.

50 - Os mesmos reiterados testemunhos à DGAC, à PJ e às comissões parlamentares do controlador da torre permitem estabelecer de modo rigoroso que o avião, na altura da emergência e sua máxima altura, começou por «pranchar» nitidamente sobre a direita, só depois se desviando sobre a sua esquerda até ao local dos embates e sua imobilização final, atitude inicial aquela que é inteiramente anormal se se tivesse verificado uma eventual paragem do motor esquerdo (depoimentos n.os 2 e 12, de 8 de Julho de 1986, III CEIAC).

51 - Este pranchamento nítido sobre a direita não está representado na planta a fl. 94 do relatório da DGAC («Trajectória e perfil estimado do Cessna-421A, YV-314P»), sendo que tem consequências importantes nesta trajectória e na sua representação.

52 - Por observações directas e sucessivas de comissões parlamentares, pela documentação fotográfica, junta ao processo, das habitações atingidas, pela observação dos destroços e dos registos dos embates que na asa esquerda e na cauda (estabilizador esquerdo) se verificaram e pelo debate com técnicos aeronáuticos pode dar-se por concluído que:

a) A seguir ao corte do traçado eléctrico deu-se o primeiro embate e o da asa esquerda com dois pequenos pilares de cimento armado nas traseiras da Vivenda Paulos, que seccionaram e arrancaram a asa esquerda, rasgando e fracturando em diversos pontos os respectivos depósitos de combustível, projectando, por inércia, aquela secção da asa, que ficou depositada no forro do telhado da mesma Vivenda Paulos;

b) O avião imobilizou-se contra o 1.º andar da Vivenda Zeca, em posição de ponte, com a traseira apoiada no beiral do telhado da habitação fronteira e o nariz, no sentido da trajectória, dentro do 1.º andar e forro do telhado da referida Vivenda Zeca;

c) Conforme testemunhos oculares, além dos registos fotográficos, o avião manteve-se em posição de ponte durante algum tempo, até que, cedendo o beiral do telhado, que ficou danificado, caiu de cauda para o solo e, consumindo-se apoiado primeiro contra a frontaria da Vivenda Zeca e partindo-se e ardendo, foi resvalando progressivamente para o solo.

53 - Relativamente à trajectória e sequência de embates resulta também claro que a CI da DGAC não fez qualquer estudo de sequência de embates (depoimentos n.os ...) e, bem assim, que as únicas avaliações feitas foram-no com base numa maqueta das habitações atingidas e em modelo do avião, mas construídos em escalas bem diferentes.

7 - Aspectos médico-legais: autópsias e exumações
54 - Relativamente às autópsias ficou apurado que foram mandadas executar com grande urgência e que os seus relatórios, ainda que assinados por dois médicos, foram apenas elaborados por um deles, assim como as próprias autópsias [depoimentos n.os 20 (8 de Abril de 1986, III CEIAC) e 21 (17 de Abril de 1986, III CEIAC)].

55 - O médico legista responsável reconheceu ainda que desconhecia que tipo de exames é que especificamente deviam ser feitos em casos de vítimas de desastres aéreos (v. g., recolha de tecidos, exame aos tímpanos), não tendo, por isso, procedido ao que de mais profundo devia ter sido feito [depoimento n.º 20: «na altura, não nos ocorreu o problema dos tímpanos» (8 de Abril de 1986, fl. 158, III CEIAC)].

56 - Ambos os referidos médicos legistas do IML, postos perante as radiografias dos pés do piloto efectuadas aquando da exumação deste em Novembro de 1982, foram explícitos em declarar a gravidade do que aí se regista, afirmando mesmo estarmos perante a imagem de «estilhaços» [depoimentos n.os 20 (8 de Abril de 1986, III CEIAC) e 21 (17 de Abril de 1986, III CEIAC, fl. 66)].

57 - Está verificada no relatório das autópsias a ausência de lesões de órgãos internos e de fracturas decorrentes dos embates na maioria das vítimas. Sendo certo que apenas duas destas apresentam fracturas de algumas costelas nos arcos posteriores do lado direito - duas costelas fracturadas em cada uma das duas referidas vítimas (fls. 6 e 7, vol. «Aspectos de inv. med. dos factores humanos», DGAC).

8 - Outros aspectos - possibilidade de preparação e execução de sabotagem
58 - No despacho do PGR de 12 de Outubro de 1981 afirma-se que o «concurso de eventuais actos de sabotagem ou de ataque directo exigiriam curialmente preparação adequada, que se não compadece, em termos de probabilidade, com a circunstância de a utilização do aparelho sinistrado para transporte do Primeiro-Ministro, do Ministro da Defesa e das demais individualidades ter apenas sido aceite cerca das 12 horas e 20 minutos do próprio dia do sinistro, ter sido comunicada depois das 16 horas e, ao que parece, não ter ultrapassado o conhecimento de um número restrito e insuspeito de pessoas».

59 - Este pré-juízo de improbabilidade de preparação de sabotagem por falta de tempo consta também de outras conclusões anteriores, nomeadamente da DGAC (fls. 158 e segs., vol. «Investigação operacional»).

60 - Esta tese da improbabilidade por falta de tempo, independentemente da questão, por vezes agitada, de a quem se dirigiria um atentado, resulta desmentida no processo. Desde logo, já no processo inicial da DGAC consta que a confirmação do voo, entre os Gabinetes do Primeiro-Ministro e do Ministro da Defesa e deste último Gabinete com o piloto, foi feita «cerca da hora do almoço» (e não pelas 16 horas), comunicações ambas que decorreram abertamente pelo telefone (cerca de seis horas antes do embarque) (fl. 287, vol. «Investigação operacional», DGAC).

Por seu turno, em artigo publicado num jornal regional (A Guarda, de 10 de Dezembro de 1982), o antigo governador civil do distrito da Guarda, Adriano Vasco Rodrigues, evocando a última vez que estivera com Adelino Amaro da Costa, recorda que tal aconteceu no princípio da noite do dia 3 de Dezembro de 1980, durante um voo TAP de Lisboa para o Porto, em que Adelino Amaro da Costa o informou e a outros circunstantes de que teria de regressar a Lisboa nessa mesma noite, «a fim de acompanhar no dia seguinte, ao Porto, Francisco de Sá Carneiro».

61 - Saliente-se, enfim, que do processo consta inequivocamente que o Cessna YV-314P esteve estacionado no exterior (Parque Delta), sem qualquer vigilância especial, entre cerca das 3 horas e 30 minutos e as 19 horas do dia 4 de Dezembro, não tendo sido «solicitados ao Aeroporto de Lisboa quaisquer serviços de assistência ou vigilância para a aeronave» (fl. 162, vol. «Investigação operacional», DGAC).

9 - Análise do NTSB
62 - Não pode deixar de lastimar-se que, apesar de reiteradas insistências por parte da Assembleia da República, o NTSB não se tenha prestado a colaborar, deslocando uma sua equipa a Portugal, a fim de conhecer, analisar e estudar os dados novos, esclarecer dúvidas que se suscitam relativamente à sua análise de 26 de Junho de 1982 e, eventualmente, sendo o caso, a rever ou actualizar.

63 - Do processo constam ainda elementos, designadamente o próprio estudo, em si, do NTSB, que, diversamente do que inicialmente foi publicado, o qualificam apenas como uma «análise» (como efectivamente termina, pp. 20 a 23), e não propriamente como «relatório», sendo que a diferença entre estes tipos de documentos consiste em que a primeira não tem carácter conclusivo e o segundo se elabora quando os dados são de molde a poder concluir-se.

63 - Resulta também do processo o reconhecimento expresso pelo NTSB, em 18 de Janeiro de 1983, de que o peso excessivo e a descentragem de que o avião estaria possuído, e que a referida análise considera como decisivo factor causal para o sinistro, não tinham sido correctamente calculados, por haver sido tida em conta informação errada, e que, portanto, não se verificava.

64 - Por último, está claro e verificado que em 1982 o NTSB não efectuou nem produziu investigação original em Camarate, antes se limitou, na curta semana em que a sua equipa esteve em Portugal, a produzir uma análise sobre os únicos dados que eram ao tempo do conhecimento das autoridades portuguesas e lhes foram transmitidos (fl. 1 da análise do NTSB).

65 - Relativamente a uma última carta do Sr. Ronald Schhede recebida em Dezembro de 1986 pela Comissão, a mesma não merece qualquer relevância, porquanto:

a) Em matéria de eventual revisão da análise anterior, constam do processo cartas dos responsáveis do NTSB datadas de 18 de Janeiro e de 29 de Março de 1983, nas quais se afirma que nessa data o NTSB já não dispunha de qualquer registo ou arquivo referente ao assunto de Camarate; e

b) No tocante aos novos dados, é notório que não procedeu a qualquer seu estudo ou ponderação, uma vez que, exactamente ao contrário do requerido, não desejou deslocar qualquer equipa sua a Portugal para esse efeito.

10 - Conclusão - inconsistência probatória do «acidente»
66 - Por tudo o que precede, ficou clara:
a) A inconsistência e insuficiência da tese de acidente inicialmente descrita;
b) A ausência de elementos probatórios atendíveis nesse sentido;
c) A existência de sólidos dados em sentido bem diverso;
d) Não haver qualquer fundamento no processo para acusar o piloto de «homicídio por negligência», sendo nessa medida grave a incriminação a seu respeito declarada pelo PGR, em despacho de 12 de Outubro de 1981.

B) Dados novos
1 - Testemunhos oculares
Visualização do incêndio e de deflagração em voo
67 - As comissões parlamentares puderam ouvir e confirmar de modo exaustivo, ao longo de interrogatórios demorados, detalhados e esclarecedores, que diversas testemunhas oculares observaram, algumas destas, o clarão correspondente à deflagração inicial do incêndio em pleno voo da aeronave e, todas estas, que o avião embateu nas casas do Bairro das Fontainhas transportando já um incêndio a bordo.

Assim:
68 - O depoente n.º 22, guarda da PSP e à data do sinistro elemento da segurança do Primeiro-Ministro, que se encontrava na placa do Aeroporto junto ao edifício do movimento, afirma ter acompanhado a descolagem do avião e ter observado um súbito clarão («explosão») no ar, no fim da pista (fls. 4044 e segs., IX vol., II CEIAC).

69 - A depoente n.º 23, que se encontrava junto a um pequeno chafariz perto de sua casa, em Camarate, declarou ter visto um clarão de chamas no ar, não tendo observado quaisquer luzes de presença da aeronave e ouvindo momentos depois o estrondo de um embate, vindo mais tarde, ao saber da queda do avião, a relacionar o que viu no ar com o avião sinistrado (fls. 4703 a 4781, X vol., II CEIAC).

70 - O depoente n.º 24, professor universitário e antigo oficial de artilharia, que na altura chegava de automóvel a Lisboa, pela Auto-Estrada do Norte, e se encontrava na elevação de terreno antes da portagem, afirmou ter visto o súbito clarão de uma explosão no ar, sobre o Aeroporto de Lisboa, que assemelhou ao «efeito luminoso de uma granada antiaérea», vindo mais tarde, já em Lisboa, ao ter conhecimento da tragédia e da hora a que ocorreu, a relacionar a explosão que vira no ar com a possível causa do sinistro (fls. 5808 a 5942, XIII vol., II CEIAC).

71 - O depoente n.º 2, controlador de tráfego aéreo, em serviço na altura do sinistro, afirmou ter visto claramente o avião interromper a sua subida por altura da intercepção das pistas 18/36 e 03/21, pranchar nitidamente sobre a direita e seguir-se uma explosão. Foi ainda peremptório, quando chamado a esclarecê-lo (fls. 7338 e 7339), a distinguir, quer no tempo, quer no espaço, o primeiro clarão da «explosão» e o clarão do incêndio no local da colisão (fls. 7317 a 7379 e 8606 a 8662, XVI vol., II CEIAC).

72 - O depoente n.º 3, chefe da PSP e à altura chefe da segurança do Primeiro-Ministro, que se encontrava na placa do Aeroporto, observou toda a sequência de descolagem do aparelho, tendo visto distintamente uma explosão no ar, que comparou a uma «bola de fogo», continuando a acompanhar visualmente o avião em chamas até o mesmo desaparecer no seu horizonte, já que do local onde estava não tinha visibilidade para o Bairro, onde se produziu o embate final. Resulta também provado, em conformidade com o depoimento de Maria José Rato (fls. 1 a 37, 29 de Abril de 1986, III CEIAC), que o aludido depoente apresentou sempre esta descrição do sinistro desde o dia em que se verificou e o observou (fls. 2429 a 2561, V vol., 2571 a 2719 e 2983 a 3117, VI vol., II CEIAC).

73 - A depoente n.º 25, que se encontrava dentro de um carro num largo que dista cerca de 100 m do local de colisão em Camarate, tendo sido alertada por «um ruído muito estranho de motores de avião», observou distintamente, ao sair do carro para verificar o que se tratava, o avião a passar à sua frente, envolto em chamas, antes de colidir no Bairro das Fontainhas, colisão que identificou pelo estrondo do embate, já que não via o seu local (fls. 3770 a 3832, VIII vol., II CEIAC).

74 - O depoente n.º 26, irmão da precedente, encontrava-se perto da mesma referida viatura e viu a aeronave aproximar-se em chamas - «bola de fogo» - e progredir na direcção das casas onde viria a embater (fls. 3832 a 3942, VIII vol., II CEIAC).

75 - O depoente n.º 27, que circulava na direcção de Lisboa, na via rápida a seguir já à portagem da Auto-Estrada do Norte, declarou ter visto o avião envolto subitamente em chamas, localizando o fogo na frente do avião, tendo-o visto ainda progredir em chamas até que desapareceu do seu horizonte. Declarou ainda ter verificado que o avião ficou sem luzes de posição depois da deflagração (fls. 7243 a 7316, XVI vol., II CEIAC).

76 - O depoente n.º 28, que se encontrava à porta de sua casa, no Bairro das Fontainhas, na rua onde o avião se imobilizou, declara ter distinguido chamas no nariz do avião, quando o mesmo cruzou a rua, antes de colidir contra a Vivenda Zeca, referindo também um rasto de fumo cinzento na cauda do avião (fls. 986 a 994, V vol., I CEIAC, e 6545 a 6627, XIV vol., II CEIAC).

77 - A depoente n.º 28, que se encontrava junto à porta de sua casa, no Bairro de Camarate, declarou que, tendo a sua atenção sido atraída por um trabalhar estranho de motores de avião em voo, observou a seguir o avião a passar em direcção ao Bairro das Fontainhas, vindo a arder claramente, e ouvindo, de seguida, o estrondo do embate nas casas (fls. 4762 a 4815, X vol., II CEIAC).

Outros testemunhos oculares
78 - A depoente n.º 30, que se encontrava a cerca de 100 m do local da colisão, só se apercebeu da aeronave na sua trajectória final, depois de cortar o traçado eléctrico, e, embora tendo visto que não trazia luzes de presença, observou-a e descreveu-a como vindo «muito iluminada», ainda que não se recorde se a mesma voava em chamas ou não (fls. 3945 a 4037, VIII vol., II CEIAC).

79 - O depoente n.º 31, guarda do portão 16 do Aeroporto de Lisboa, junto ao qual se encontrava, que também só visionou a fase final do voo, dada a sua explosão no terreno, afirma ter ouvido explosões que partiam da aeronave já em pleno voo e ter observado chamas que iluminavam a parte da cauda do avião, tendo-as interpretado como ratés produzidos pelo escape do avião (fls. 4187 a 4293, IX vol., II CEIAC).

80 - Duas únicas testemunhas oculares do voo [depoentes n.os 32 (fl. 238, vol. «Investigação operacional», DGAC), entretanto falecido, e 33 (fls. 4308 a 4359, IX vol., II CEIAC)] declararam ter seguido a trajectória da aeronave sem observarem incêndio em voo. A primeira afirma que o avião ficou sem luzes de posição após a produção da emergência, tendo acompanhado visualmente todo o voo subsequente, o «bater de asas» e a sua progressão até ao embate final, sem se aperceber de qualquer fogo a bordo. A segunda declarou que o aparelho terá mantido as suas luzes de presença até ao momento da colisão, mas que se apercebeu, a certa altura, de que o avião ia cair, tendo disso prevenido um colega seu que se encontrava próximo e que já nada pôde observar (fls. 4308 a 4859, IX vol., II CEIAC).

Prova testemunhal
81 - Face aos testemunhos oculares, ao seu número e à valorização relativa entre si e em conjugação com outros elementos do processo, conclui-se existir prova testemunhal bastante sólida de que o avião se incendiou em pleno voo.

82 - Relevam neste sentido:
a) O número de testemunhos oculares, dez num total de catorze, que distintamente o observaram e o descrevem de forma essencialmente coerente entre si;

b) A especial consistência dos depoimentos dos depoentes n.os 2, controlador da torre em serviço, e 3, que, sendo chefe da segurança do Primeiro-Ministro e tendo-o acompanhado ao embarque, expressamente voltou à placa do Aeroporto quando, estranhando a demora na descolagem, quis averiguar o que se passava, verificando nesse momento que o avião já se encontrava a entrar na pista 18/36 e tendo seguido a sua trajectória como a descreveu para os autos;

c) A diversa formação dos referidos dez testemunhos e o facto de todos descreverem os acontecimentos do mesmo modo substancial;

d) O facto de estes mesmos dez testemunhos se situarem em pontos de observação distintos, os quais, significativamente, se situam em círculo relativamente à trajectória descrita pelo Cessna, isto é, à sua esquerda, à sua direita, atrás e à frente;

e) O que a seguir se acrescenta.
83 - Além destes dez testemunhos oculares, são coerentes no mesmo sentido outros dois testemunhos menos precisos. Assim, o depoente n.º 30, que, tendo observado a ausência de luzes de presença no avião e acompanhado apenas os últimos momentos do voo, refere, todavia, que viu o avião «muito iluminado». E assim também o depoente n.º 32. Com efeito, este depoente, que construiu e mantém para si a interpretação dos eventuais ratés (para os ruídos que ouviu e para as chamas que observou), não soube, todavia, identificar os tubos de escape de um avião Cessna quando, no seu depoimento, foi convidado a fazê-lo perante um modelo. Ao mesmo tempo, a Comissão, em ensaios técnicos efectuados no Aeroporto noutro avião Cessna, pôde verificar que, em várias circunstâncias que lhe foram provocadas e repetidas, os motores não produzem quaisquer ratés. Enfim, nos exames efectuados aos motores do avião sinistrado (fls. 8 a 11, vol. «Factores materiais», DGAC) não foi encontrado qualquer tipo de anomalia, real ou eventual, capaz de produzir ratés na respectiva operação. Por último, a p. 20 da análise do NTSB consta expressamente que a única anomalia detectada num dos motores - algumas das velas «falhavam a uma pressão bastante baixa» (motor esquerdo) - não produzia qualquer efeito negativo no seu funcionamento («the spare plug conditions noticed on the left engine did not cause an engine malfunction») e, no mesmo sentido, qualquer eventual excesso de presença de combustível teria sido eliminado no percurso inicial no solo («the excessive fuel should have been eliminated during the first part of the take-off roll»). Assim, a Comissão, quanto a estes pontos, considera que o facto de o avião estar visivelmente «muito iluminado», embora sem luzes de presença, é coerente com o incêndio que os outros dez testemunhos observaram em voo; e que, quanto à interpretação dos ratés, esta é errónea, mas é de reter e visualização de chamas em voo, coerente no mesmo sentido.

84 - Relativamente aos outros dois testemunhos oculares, os únicos em catorze que observaram o voo e que apresentam descrição diferente, a importar ter em conta: quanto ao depoente n.º 32, o seu depoimento à DGAC é pouco esclarecedor e não pôde ser esclarecido em virtude do seu falecimento, sendo, todavia, de reter que, confirmando a ausência de luzes de posição a partir da emergência, a testemunha pôde continuar a observar e a descrever a trajectória da aeronave, o que só pode ter decorrido de outra fonte de iluminação a bordo; quanto ao depoente n.º 33, é claramente desconforme com os factos, uma vez que refere que o avião manteve sempre as suas luzes de presença, quando está provado nos autos, quer por abundante e coincidente prova testemunhal, quer por verificação técnica sobre as lâmpadas do Cessna sinistrado, que as luzes de presença se apagaram em voo (cf., nomeadamente, além de numerosos testemunhos, o apendix E da análise do NTSB).

85 - É de realçar também que muitos testemunhos constam já desde o início dos autos, mas não foram devidamente esclarecidos, nem investigados na altura, no sentido de se clarificar aquilo que havia sido observado e que pode estabelecer-se.

2 - Registos materiais e pareceres periciais
2.1 - Rasto de fragmentos provenientes da aeronave
2.1.1 - Matéria de facto
86 - Desde o início do processo em sede da PJ consta o achado e levantamento do solo, em 5 e 6 de Dezembro de 1980, de um rasto de fragmentos vários provenientes da aeronave (ofício de remessa n.º 63579, a 9 de Dezembro de 1980, da 3.ª Secção da Directoria de Lisboa da PJ para o LPC, exame n.º 3486/80, de 16 de Dezembro, do LPC e relatório do inspector da referida 3.ª Secção a 22 de Dezembro de 1980).

87 - Pôde ainda confirmar e esclarecer, de uma forma que resulta provada e inequívoca, a existência e as características essenciais desse rasto, através de numerosos depoimentos do inspector responsável pela brigada que pesquisou os terrenos do Aeroporto entre o topo da pista 18/36 e o local de embate do avião e de agentes vários que integraram esta brigada e procederam ao levantamento dos fragmentos, bem como por acareação, sempre que se suscitaram dúvidas.

88 - Quanto a este rasto, são importantes três aspectos: a sua extensão e orientação, a sua largura e outros aspectos e a sua geometria e o seu conteúdo.

89 - No tocante à sua extensão, está estabelecido que o rasto se estendia desde cerca de 50 m do topo da pista 18/36 até às cercanias do local do embate final da aeronave, numa extensão contínua de cerca de 400 m, medidos entre cerca de 50 m do topo da pista e 45 m do primeiro embate do avião nas traseiras da Vivenda Paulos. Está também estabelecido que a DGAC apenas teve conhecimento, por virtude de comprovada descoordenação DGAC/PJ, do troço desse rasto compreendido entre os 45 m contados do ponto do aludido primeiro embate aos 155 m do mesmo ponto. Está provado que os fragmentos recolhidos no troço restante (de cerca de 280 m) até aos 50 m do topo da pista (designadamente os papéis queimados, que constam da análise do LPC) provinham inequivocamente da aeronave e do seu interior. O rasto estende-se, portanto, em toda esta extensão.

90 - Quanto à largura deste rasto e a outros aspectos da sua geometria, resultou provado:

a) Que o rasto denota uma inflexão que é nítida em determinado ponto do seu traçado, muito próximo do local onde o avião primitivamente cortou uns fios eléctricos na sua rota de embate (verificação coincidente quer em fontes da PJ quer em fontes da DGAC);

b) Que o rasto, em toda a sua extensão, consiste numa faixa de largura relativamente estreita e sensivelmente uniforme (verificação coincidente quer em fontes da PJ quer em fontes da DGAC, no troço que foi do seu conhecimento).

91 - Refira-se ainda que, quanto a este ponto, embora os membros da brigada da PJ que procederam ao levantamento no terreno tenham produzido, quando interrogados quanto à estimativa da sua largura, avaliações diferentes (6 m, 8 m, 10 m, 15 m e 20 m), todos são unânimes em confirmar, ao longo da respectiva extensão, a sua largura constante. Também do auto de diligência efectuada em Dezembro de 1982, expressamente sobre esse ponto, a largura foi confirmada e medida no terreno como sendo de 11 m.

A DGAC, relativamente ao troço de que teve conhecimento, representou-o em planta, que consta do processo, também com largura uniforme e estreita (medida à escala, revelou 8 m).

92 - Quanto ao conteúdo do rasto, este consistia em:
a) Papéis queimados, pedaços de tecido, material sintético e outros materiais leves, encontrados em toda a sua extensão;

b) Pedaços maiores de lã de vidro, achados próximo do poste do traçado eléctrico cortado pelo avião (o pedaço maior destes consta dos autos como tendo as dimensões de 10 cm x 15 cm);

c) Outros pedaços de lã de vidro, encontrados «entre as duas cercas», isto é, no troço compreendido entre 100 m a cerca de 260 m do primeiro embate na traseira da Vivenda Paulos;

d) Peças achadas junto do poste do referido traçado eléctrico e referidas como «ninho de abelhas», de que foram encontradas três e apenas uma pôde ser recolhida. Esta peça foi desencaminhada, mas dos autos consta ainda a sua fotografia. O inspector da brigada da PJ que procedeu à sua recolha do solo pôde identificar o seu aspecto, em confronto com o manual do avião, como correspondendo ao material que tecnicamente é designado de honeycomb; segundo o manual, este tipo de material integra o painel de estanquidade do sistema de pressurização e era, no avião sinistrado, de alumínio;

e) Uma outra peça achada também junto do referido poste do traçado eléctrico e referenciada inicialmente como podendo consistir em «revestimento de um turbo-compressor», peça esta que desapareceu e de que não resta sequer qualquer registo fotográfico. Está apurado que não podia consistir no aludido revestimento de turbo-compressor, mas não ficou apurado em que consistiria, visto que desapareceu.

93 - Pôde também verificar-se e concluir-se, com base em reiterados testemunhos dos elementos da referida brigada da PJ, que os materiais acima referidos se encontravam distribuídos no solo por forma relativamente regular e uniforme.

2.1.2 - Exame pericial
94 - A dúvida sobre os registos materiais anteriores incidia unicamente em saber se o descrito rasto seria proveniente do avião em pleno voo ou da acção do vento que, sendo muito moderado (5-6 nós), se verificava na noite do sinistro.

95 - Está provado e foi expressamente afirmado pela DGAC que, tendo a CI da DGAC concluído pela explicação da «acção do vento», conjugada com a pluma térmica do incêndio final, o fez com base em pura dedução pessoal, sem haver efectuado qualquer teste, simulação ou estudo científico.

96 - É também claro de uma acareação efectuada que, estivesse a CI da DGAC no pleno conhecimento da extensão do rasto de fragmentos, a sua dedução teria sido completamente diferente.

97 - Está também provado que a PJ apresentou semelhante conclusão - «acção do vento» - pelo simples motivo de que a DGAC assim concluíra, mas sem, todavia, ponderar ou analisar o conhecimento mais completo que tinha da matéria de facto.

98 - Para esclarecer a questão foi solicitado estudo científico a peritos qualificados, Profs. Mário Nina e Vasco Brederode, do IST, que foi entregue em 12 de Agosto de 1986 à III CEIAC.

99 - O estudo efectuado, que foi confirmado e reforçado em documentos posteriores sobre novas questões apresentadas aos peritos e nas detalhadas audiências perante a Comissão (de 11 de Dezembro de 1986 da III CEIAC), conclui peremptoriamente do seguinte modo:

De entre os mecanismos considerados de indução do rasto de fragmentos [a) dispersão pelo vento a partir do local de incêndio; b) libertação em voo; c) organização pelo vento junto ao solo], o único capaz de produzir um rasto com uma configuração geral próxima do assinalado no solo é o da libertação dos fragmentos durante a fase de voo da aeronave.

100 - Esta conclusão, apresentada logo em 12 de Agosto de 1986, apesar de clara e solidamente fundamentada, foi objecto, dentro da Comissão e fora dela, de tentativas de desvalorização com base na eventual imprecisão de dados oficiais fornecidos aos especialistas do IST, nomeadamente os referentes à orientação magnética da pista 18/36. Neste domínio não podem deixar de merecer o mais vivo repúdio os ofícios do PGR (n.º 17/87, de 15 de Janeiro de 1987) e da PJ (n.º 0034/SEC/DG, de 19 de Janeiro de 1987), que constituíram uma clara tentativa de influenciar as conclusões, produzida, além do mais, por entidades totalmente incompetentes na matéria e ambas responsáveis pela inconsistência dos inquéritos iniciais.

101 - A CEIAC teve ainda ocasião de ouvir os referidos peritos para o esclarecimento em definitivo desta questão, resultando claro que, perante os novos dados, a discrepância entre o rumo do vento e a orientação da pista resulta ainda mais acentuada que no estudo anterior (v. depoimentos de 20 de Janeiro de 1987, ofício do IST (n.º S/13/87, de 21 de Janeiro de 1987), pelo que a conclusão inicial dos peritos do IST vai reforçada.

102 - Os mesmos sectores, no sentido de continuarem a levantar dúvidas, pretenderam ainda, com recurso a registos do INMG, pôr em causa a representatividade dos dados referentes a vento que sopraria do local do incêndio no momento do sinistro, com base nas variações que se presume existirem entre o local do anemómetro e o local do embate. Acontece, no entanto, que este aspecto, além de não ter sido devidamente esclarecido, por haver sido suscitado apenas na véspera do fecho dos trabalhos e por os dados de comparação não haverem sido analisados com referência a dias de características climatéricas idênticas às de 4 de Dezembro e 1980, é de salientar pela sua relativa irrelevância, já que se trata de um aspecto complementar. Com efeito, conforme resulta do estudo do IST, a pluma térmica do incêndio final jamais poderia ter induzido o rasto de fragmentos observado independentemente destes últimos pormenores (ofício n.º S/13/87, de 21 de Janeiro de 1987), uma vez que «a dispersão pelo vento a partir do incêndio no local de impacte final [...] implicaria, no que respeita à geometria do rasto:

a) Que o eixo médio do rasto fosse, todo ele, sensivelmente rectilíneo;
b) Que o eixo médio estivesse alinhado com a direcção média do vento a partir do ponto de impacte;

c) Que o rasto exibisse uma largura continuamente crescente, atingindo uma largura de 120 m junto à cabeceira da pista.

Ora:
a) O rasto detectado não é inteiramente rectilíneo, mas apresenta uma inflexão que, embora ténue, é agora claramente definida;

b) O troço mais longo do rasto, se bem que sensivelmente rectilíneo, não provém do local de incêndio nem está orientado com a direcção do vento; e

c) A largura do troço longo do rasto é aproximadamente constante, com um valor de cerca de 8 m.

103 - Por outras palavras, é de atentar que:
a) O vento e qualquer sua variação possível jamais daria origem à nítida inflexão do rasto em determinado ponto do seu traçado, conforme fontes quer da DGAC, quer da PJ;

b) O vento teria dispersado os resíduos leves provenientes do incêndio final por uma faixa de largura crescente, que teria de ser na zona terminal muitíssimo superior à da faixa estreita, de largura constante, em que foram detectados; este facto é independente da direcção do vento;

c) É impossível, como se crê da representação gráfica constante do processo, traçar qualquer linha recta com início no local do incêndio e que possa sobrepor-se ao rasto de fragmentos ao longo de sua extensão, pelo que, no pressuposto anterior, qualquer que fosse a orientação do vento, este jamais estaria na sua origem;

d) Finalmente, e não menos importante, o rasto não era constituído exclusivamente por materiais leves referenciados como papéis queimados ou fragmentos de tecidos, mas sim também provavelmente por materiais muito mais pesados, como fragmentos de lã ou de vidro, ninho de abelhas e o que é referido como «revestimento de um turbo-compressor». Para esses últimos, com características aerodinâmicas muito distintas, a hipótese de dispersão pelo vento a partir do local de incêndio nem sequer se põe.

104 - Daqui, em conformidade, pode estabelecer-se, acrescendo à prova testemunhal, que o avião sinistrado foi objecto de uma deflagração e ardia em voo. De facto: a proveniência dos fragmentos do interior da aeronave evidencia rompimento da fuselagem; e a verificação de que os fragmentos se encontravam queimados, tendo sido largados em voo, confirma que voava com um incêndio a bordo.

2.2 - Fragmentos nos pés do piloto
2.2.1 - Matéria de facto
105 - Aquando da exumação dos corpos dos pilotos em Novembro de 1982, foram radiografados, permitindo a sua detecção, minúsculos e numerosos corpos estranhos nos pés do piloto e só neste. Permanecem os registos radiológicos.

106 - Requeridos exames rigorosos às amostras por raspagem dos pés do piloto, foi verificado, perante documentos radiográficos inequívocos e constantes dos autos, que aquilo que foi extraído dos pés do piloto desapareceu.

107 - Chamados a depor, responsáveis de entidades oficiais que manusearam estas amostras ou a cuja guarda estiveram confiadas confirmaram a manifesta discrepância com a realidade e não souberam produzir qualquer explicação para o descaminho das amostras autênticas.

108 - Conquanto não possa eventualmente considerar-se a evidência radiológica como prova completa, não pode deixar de atentar-se nos seguintes aspectos:

a) A Comissão Parlamentar de Inquérito (neste caso, a II CEIAC) reconheceu como insatisfatórios os exames efectuados a partículas indeterminadas na sequência da exumação: nomeadamente tendo em conta o modo como terão sido elaborados e a manifesta discrepância entre partículas analisadas e a evidência radiológica das amostras;

b) Aquando da tentativa de realização dos novos exames, rigorosos, determinados nessa altura, pôde constatar-se o desaparecimento das partículas radiologicamente identificadas como metálicas e que haviam de analisar-se com precisão;

c) Todos os peritos radiologistas ouvidos pelas II e III CEIACs, bem como os técnicos de organismos oficiais que manusearam as amostras recolhidas aquando da exumação, foram unânimes em reconhecer e declarar a manifesta discrepância entre os respectivos registos radiológicos e a ausência de explicação plausível para o aludido desaparecimento;

d) Resta, portanto, face ao descaminho das partículas, o registo radiográfico quer dos pés do piloto antes de qualquer extracção de amostras, quer das próprias amostras depois de extraídas, sendo em todos os documentos dos autos evidente a natureza metálica das partículas, nos termos acima referidos e exactamente descritos na leitura radiológica directa.

2.2.2 - Estudo pericial
109 - Perante os registos radiológicos que permanecem nos autos, quer dos pés do piloto antes da remoção das amostras, quer das próprias amostras extraídas, a Comissão fez elaborar estudo por qualificado perito radiologista - Prof. Doutor Luís Aires de Sousa (em 22 de Julho de 1986).

110 - A conclusão do perito, que foi também ouvido pela Comissão, é clara:
Os pedaços metálicos contidos nas partes moles, nas zonas assinaladas, têm densidade elevada, arestas vivas e não são - na sua generalidade - seguramente provenientes de fusão de metal. Radiologicamente é possível excluir que sejam de liga de alumínio igual à da fuselagem da aeronave, mas não é possível determinar qual o metal.

Pelo mesmo estudo se verificou que «a existência de pequenos fragmentos metálicos, com as características assinaladas (arestas vivas, contornos irregulares e densidade radiológica elevada), nas partes moles sugere que foram animados de energia cinética elevada para os fixar nas referidas partes moles» e que a fonte desta energia «não poderia ser muito distante dos pés».

111 - Em conformidade com os dados já referidos anteriormente, pode concluir estar-se na presença de estilhaços decorrentes de uma deflagração em zona não muito distante dos pés do piloto Jorge Albuquerque.

2.3 - Ausência de fracturas nos corpos das vítimas
112 - Está esclarecida no processo a ausência de fracturas na generalidade das vítimas e sobre este aspecto a Comissão pôde ouvir peritos médicos qualificados. O depoimento n.º 38 refere: «O Dr. Sá Carneiro tinha condição predisponente para ter lesões de coluna» (p. 8); «[...] sempre que alguém tiver um acidente e não esteja consciente, a probabilidade de haver fracturas dos membros é mínima ou nula [...]» (p. 11); «[...] se me perguntar por que é que nenhum tinha fracturas dir-lhe-ei que se deve ao facto de nenhum deles estar consciente. Aliás, é um assunto que não tem sequer discussão» (24 de Abril de 1986, III CEIAC).

113 - No mesmo sentido os depoimentos n.os 21 (11 de Novembro de 1986, fls. 3 a 107) e 20 (8 de Abril de 1986, fls. 113 e 114, III CEIAC).

114 - No mesmo sentido apontam as análises do Armed Forces Institut of Pathology em Março de 1982 (fls. 366 e seg., processo da PJ), que, na sua tradução oficial (p. 290 livro Camarate, ed. do Ministério da Justiça), referem:

Quando não há sinais de fracturas e de injúrias viscerais evidentes na autópsia, os exames radiológicos do corpo inteiro e dissecação da parte posterior do pescoço são úteis na determinação de outras causas de incapacitação física.

115 - Conclui-se assim que na altura de colisão da aeronave as vítimas já se encontravam inanimadas. Carecem de interesse ulteriores observações de outros peritos no sentido de que as vítimas se encontravam ainda vivas no momento do embate, o que já era claro, porquanto o que aqui tem relevância é o seu estado de inconsciência.

2.4 - Outros aspectos
2.4.1 - Incêndio autónomo do interior do forro do telhado da Vivenda Zeca
116 - O avião imobilizou-se, como visto, contra o 1.º andar da Vivenda Zeca, por onde penetrou.

117 - Está claro do processo que na rua onde o avião acabou por cair e foi consumido pelo fogo se verificaram dois incêndios distintos: um, o maior, consistente na combustão do avião; outro, mais restrito e confinado, no madeiramento do forro do telhado da Vivenda Zeca. Nesse sentido existe documentação fotográfica inequívoca e planta da DGAC (fl. 92) e é explícito o trecho a fl. 136, vol. «Investigação operacional», DGAC, n.º 5:

O foco principal [o avião] foi extinto em cerca de vinte segundos com espuma, e um pequeno incêndio no prédio que suportou a colisão principal da fuselagem foi extinto com mangueiras de nevoeiro actuadas do prédio em frente.

Veja-se também o bombeiro, depoimento n.º 5 (fl. 185, vol. «Investigação operacional»).

118 - Sempre em coerência com os dados anteriores e considerando quer a sequência dos embates, quer a profundidade do ponto onde se registou o referido «pequeno incêndio» autónomo, pode ser reforçada a conclusão de que o avião ardia já em voo, uma vez que a combustão final da aeronave no solo jamais poderia explicar aquele facto ou havê-lo provocado.

2.4.2 - Ausência de comunicações com a torre
119 - A última comunicação entre o avião e a torre de controle do Aeroporto verificou-se às 20 horas, 16 minutos e 25 segundos, consistindo na autorização para a descolagem e sua resposta (fl. 90, relatório da DGAC).

120 - No tempo que durou o voo, entre o início da descolagem e o embate final, nenhuma comunicação existe entre o avião e a torre ou vice-versa.

121 - O facto é estranho, tendo em conta a rapidez com que, em comunicação rádio estabelecida, qualquer emergência pode ser comunicada de bordo de um avião para uma torre de controle.

122 - Ouvidos técnicos aeronáuticos e o controlador, estabeleceu-se que o facto, além de estranho, só pode colher explicação ou no corte anormal da possibilidade de comunicação rádio ou na incapacitação da tripulação.

2.4.3 - Sobrevivência
123 - Existem testemunhos claros de que, ainda quando imobilizado, momentaneamente, em posição de ponte, não se registavam sinais de vida a bordo do avião {depoimento n.º 9 (fls. 252 a 254, DGAC): «vejo o avião pendurado [...] comecei logo a dizer à minha mulher: 'coitados dos homens que ali estão, quase vinte minutos, pensaram que o avião saiu sem ninguém'»}.

Aliás, confirmam este depoimento os depoimentos n.os 39, 40 e 41 (DGAC, vol. «Investigação operacional», e II CEIAC).

124 - O facto é coerente com a existência de um incêndio a bordo e com o estado de inanimação das vítimas.

2.4.4 - Disposição relativa dos corpos das vítimas
125 - Resulta dos autos e em particular do depoimento do médico legista, que não só efectuou as autópsias como acompanhou a própria remoção dos corpos das vítimas do local do sinistro, que estas, conquanto parcialmente queimadas, «quem as conhecesse era capaz de as identificar relativamente» (fls. 55, 181 e 186, III CEIAC, depoimento n.º 20).

126 - Pela observação directa constante dos autos relativamente a este aspecto (fl. 4091, vol. D, I CEIAC), decorre que, ao remover os corpos das vítimas do solo após a combustão do aparelho e a extinção do incêndio, o corpo de um dos pilotos se encontrava em posição suprajacente, os passageiros a seguir e o outro piloto em posição subjacente.

127 - Pela análise comparativa dos outros documentos dos autos, não resultam quaisquer dúvidas sobre qual dos pilotos se encontrava em posição suprajacente (comandante Jorge Albuquerque) e qual dos pilotos se encontrava em posição subjacente relativamente à totalidade dos passageiros da aeronave (co-piloto Alfredo de Sousa).

128 - No mesmo sentido salienta-se, por exemplo, que o perito médico-legal (depoimento n.º 21) declara (fl. 121, 15 de Abril de 1986) que «com respeito à proximidade ou afastamento do foco [...] se [uma vítima] está mais perto, morre mais depressa e terá menos monóxido de carbono».

Isto é, do ponto de vista médico-legal, é possível determinar o momento relativo de ocorrência da morte de cada uma das vítimas, sendo que o diferente grau de inalação de fumos é suficientemente indiciário a este respeito, por virtude da paragem de respiração aquando da morte, e estes graus relativos podem extrair-se com suficiência da percentagem de carboxi-hemoglobina detectada em cada uma das vítimas - o piloto Jorge Albuquerque tem a mais baixa destas taxas de carboxi-hemoglobina (40%) e o co-piloto Alfredo de Sousa uma das mais altas (58%).

129 - Pelo modo como o avião resvalou para o solo, o facto é indiciário de que o piloto e o co-piloto, a bordo, a seguir a produzir-se a emergência, deixaram de estar no mesmo local da aeronave - cockpit - e o co-piloto se encontraria na traseira da cabina no momento dos embates.

130 - O manípulo da porta da aeronave apresentava, segundo o processo e as observações feitas imediatamente após o sinistro, indícios de haver sido mexido durante o voo {NTSB, appendix D, fl. 4, parágrafo 5: «the lower main door was found with its [...]»}.

131 - Técnicos aeronáuticos chamados a depor esclareceram, quanto a este ponto, que semelhante situação apenas poderia ser resultante de emergência muito grave, designadamente incêndio a bordo [depoimentos n.os 5 (fls. 4871 e 4872, X vol. II CEIAC) 13 (8 de Agosto de 1986, III CEIAC) e 12 (27 de Junho de 1985, III CEIAC)].

132 - Verifica-se que esta presunção é coerente com o que está provado, nos termos do anteriormente referido.

2.4.5 - Outros
133 - É transparente dos autos que, apesar de ser muito inclinada a rua onde se deu a colisão do avião, não se registou qualquer escorrimento de gasolina no decurso do incêndio até ser extinto pelos bombeiros. Este facto é indício bastante de que o incêndio não terá consistido tanto na combustão da gasolina contida nos depósitos da asa direita, mas sobretudo na cabina do Cessna.

134 - O já referido perito médico-legal Fernando Fonseca foi explícito em considerar perante a III CEIAC (fl. 75, 17 de Abril de 1986) que, em sua opinião, o incêndio «deu-se antes» da colisão, fundamentando-se em que as vítimas não teriam atingido as percentagens de monóxido de carbono encontradas no respectivo sangue se o incêndio tivesse consistido apenas num braseiro de gasolina (fls. 25 e 26, 17 de Abril de 1986, III CEIAC).

135 - No último dia dos seus trabalhos a Comissão foi surpreendida por um «parecer» de um médico legista, requerido uma semana antes, o qual, por certo, por decorrer de uma «leitura apressada de larga documentação», não conter «a elaboração de um relatório pormenorizado e não dispor de fundamentação bastante», não tem o rigor suficiente, não merece relevância. Além do mais já referido, é, todavia, particularmente grave a violação a afirmação de que «as taxas de carboxi-hemoglobina encontradas em todas as vítimas permitem afastar a hipótese de bomba incendiária». Semelhante afirmação é grosseiramente errada, uma vez que, como é sabido e outros peritos médico-legais já citados confirmaram (designadamente os responsáveis pelas autópsias), as taxas de monóxido de carbono podem dizer-nos, em função das diferenças de vítima para vítima, algo sobre o momento relativo da morte de cada uma ou da proximidade de cada uma relativamente ao foco de incêndio, mas, obviamente, nada podem dizer-nos sobre a fonte produtora do incêndio.

3 - Investigação de sabotagem
136 - Não podendo assegurar-se, antes pelo contrário, de que a realização do voo em questão tivesse sido apenas conhecida de um número reduzido e insuspeito de pessoas e muito menos, como já visto, que houvesse sido decidida num espaço de tempo muito curto, a Comissão ponderou, nomeadamente perante as evidências que antecedem, a eventualidade de se haver verificado uma acção de sabotagem e, portanto, um atentado.

137 - Técnicos aeronáuticos ouvidos depuseram que os factos ocorridos e comprovados não se verificam por quaisquer causas estritamente técnicas e acidentais [depoimentos n.os 5 (fls. 4874 a 4876, 4901 e 4903, X vol.), 13 (8 de Julho de 1986, III CEIAC) e 12 (13 de Dezembro de 1986, III CEIAC)].

138 - A Comissão ouviu ainda, nomeadamente, o depoimento n.º 42, de um especialista em acção anti-terrorista, que esclareceu poder produzir-se naquele tipo de avião a instalação de um engenho em tempo muito curto («cinco minutos»), haver no mesmo tipo de avião múltiplos pontos de acesso fácil e de dissimulação e poderem admitir-se vários mecanismos de deflagração (designadamente mecânico e controle remoto).

139 - Resulta ainda claro que não foi produzida qualquer explicação de natureza acidental, se a pudesse haver, para a verificação de uma ruptura na fuselagem do avião, início de incêndio em voo e produção de registo de materiais nos pés do piloto.

140 - Com efeito, além do que consta dos autos e anteriormente já se referiu, é inequívoco que, apesar de todos os estudos e ensaios feitos ao longo dos últimos seis anos, nenhuma explicação coerente e consistente com todos os factos apurados foi produzida para a verificação meramente acidental do sinistro. Ao mesmo tempo, conjugam-se abundantes indícios e factos já comprovados que apontam no sentido de se ter verificado uma acção deliberadamente provocada.

141 - O perito há pouco mencionado, depois de ouvido pela Comissão e em estudo que apresentou, refere: «Concluo que existem os mais fortes indícios de o aparelho ter sido sabotado», tendo havido «uma manifesta preocupação em simular um desastre aéreo à descolagem».

Conclusão: prova de sabotagem
142 - A prova testemunhal obtida, o rasto de fragmentos provenientes do avião, os estilhaços achados nos pés do piloto, o estado de inanimação das vítimas na altura dos embates, o pequeno incêndio autónomo no forro do telhado da habitação que suportou a colisão final do Cessna e a ausência de comunicações após a descolagem, em conjugação e coerência ainda com os outros aspectos referidos e não existindo qualquer explicação estritamente técnica para a produção acidental do sinistro tal como ocorreu, constituem prova bastante e segura de que:

a) Verificou-se uma deflagração no avião, no momento da sua descolagem e voo ascendente;

b) Esta deflagração produziu uma ruptura na estrutura da aeronave e desencadeou um incêndio a bordo, libertando múltiplos fragmentos queimados, que se escoaram por aquela abertura;

c) A deflagração só pode ter resultado de uma acção provocada e de sabotagem dirigida a produzi-la;

d) Uma acção provocada de sabotagem consiste em atentado;
e) A sabotagem é a causa única do desastre que terminou em Camarate, tendo-se consumado assim aquele atentado.

IV - Descaminho de peças do processo e outras anomalias
143 - Além do já conhecido e desorganizado acesso ao local do sinistro, com relevantes consequências eventuais para a recolha imediata de vestígios e a análise do desastre e das suas causas, a Comissão pôde verificar existirem factos mais graves, que consistem no desaparecimento e implícito descaminho de peças processuais e elementos de prova que estavam confiados a autoridades e à sua guarda.

144 - Assim, desapareceram:
a) As amostras extraídas dos pés do piloto;
b) A peça, de material sintético, incialmente referida como podendo consistir em «revestimento de turbo-compressor», achada nas proximidades do traçado eléctrico que o avião cortou na sua rota de colisão, peça cuja natureza, não sendo a inicialmente presumida, não pôde, todavia, apurar-se;

c) A peça, encontrada na mesma zona, referenciada como «ninho de abelhas», de que permanece apenas registo fotográfico;

d) A totalidade dos fragmentos levantados do solo e que integravam o resto deixado pelo avião em voo;

e) Desenhos efectuados por um desenhador da PJ que expressamente foi designado para acompanhar a brigada que procedeu à busca no solo, sendo que aqueles desenhos representavam, nos dias imediatamente após o sinistro, a localização do rasto encontrado e que apenas seis anos depois se conseguiu recuperar, por esforço da Comissão, os respectivos esboços prévios, que, em qualquer caso, não constavam dos autos;

f) As pastas dos passageiros existentes a bordo (depoimentos n.os 43 e 44 e pp. 85 e 86 do livro Camarate, ed. do Ministério da Justiça), o que evidencia que aqueles documentos estavam contidos em pastas.

V - Desarticulações entre a DGAC e a PJ directamente responsáveis por erros essenciais de análise e conclusão

145 - A Comissão pôde comprovar, pelo estudo dos autos, por depoimentos ouvidos e acareações realizadas, a existência de manifesta descoordenação entre a DGAC e a PJ na condução dos inquéritos iniciais e de recíproca falta de informação quanto a aspectos essenciais dos factos conhecidos e das respectivas conclusões. Assim:

146 - No tocante ao rasto, a DGAC, em 25 de Março de 1981, presumiu dever-se à acção do vento, sem conhecer a totalidade da sua extensão. A PJ, que conhecia a totalidade da sua extensão, mas não disporia de capacidade técnica para avaliar o seu significado, concluiu, em 9 de Outubro de 1981, com base na DGAC, que o rasto se deveria à acção do vento. Ambas concluíram erradamente: a DGAC, por ter feito deduções a partir de um conhecimento limitado e erróneo dos factos; a PJ, que conhecia a totalidade dos factos, por ter confiado no juízo técnico de quem os não conhecia.

147 - No tocante à alegada falta de gasolina nos depósitos da asa esquerda do avião, verificou-se o seguinte: incapaz de explicar a alegada ausência de combustível nos depósitos da asa esquerda do avião, a DGAC aventou a hipótese de ter sido furtada uma quantidade equivalente, no mínimo, a 80 l/90 l, para o que solicitou a investigação da PJ. A PJ desenvolveu estas investigações entre 10 de Março de 1981 e meados de Julho do mesmo ano (fls. 13 v.º, relatório da PJ, 9 de Outubro de 1981), havendo nesta data, Julho, concluído que não existira qualquer furto de combustível. Todavia, antes disto, a DGAC, em 25 de Março de 1981, publicara já a conclusão de que o Cessna caíra por falta de gasolina na asa esquerda. Para cúmulo, em Outubro de 1981, a PJ, com base na DGAC, repete a conclusão de que a queda do avião se deveu a falta de gasolina na asa esquerda.

VI - Aspectos por investigar para o apuramento total da verdade material
1 - Características do engenho sabotador
148 - Tratando-se de um atentado, com a maior probalidade, através de um engenho incendiário, está por esclarecer em definitivo qual o engenho que deflagrou a bordo e, bem assim, o seu mecanismo de accionamento e outros detalhes. Do estudo do perito coronel António Oliveira Marques constam indicações úteis nesse sentido e a recomendação de exames que deviam ter sido originalmente fectuados e que, não o tendo sido, ainda hoje poderão eventualmente conduzir a resultados objectivos. Estas análises, na consciência embora de que, dado o tempo decorrido, só excepcionalmente poderão produzir resultados úteis para a investigação, foram, todavia, requeridas pela Comissão, por um imperativo de rigor.

2 - Outros agentes
149 - Ainda que insuficientemente investigadas, existem no processo denúncias expressas de eventuais agentes sabotadores. Estas denúncias, assim como outros dados, não puderam ser devidamente investigadas e esclarecidas, por virtude talvez até da tese acidental que inicialmente foi produzida insistentemente se manteve, sem correspondências com os factos verificados. Importa agora esclarecê-las cabalmente (v. depoimentos n.os 43, 44 e 45).

150 - A Comissão tomou também conhecimento e analisou a morte, em circunstâncias estranhas, do engenheiro José Manuel da Silva Moreira e da sua companheira, Elizabete Piedade da Silva, ocorrida em 5 de Janeiro de 1983, em Carnaxide. A Comissão analisou a questão, uma vez que é certo que o engenheiro José Moreira desenvolvia uma investigação particular sobre Camarate, tendo intervindo repetidamente na imprensa e junto de dirigentes políticos sobre esta questão, e iria depor perante a I CEIAC escassos dias depois da sua morte. José Moreira era irmão de Nuno Moreira, ambos proprietários do avião Cessna inicialmente utilizado na campanha eleitoral do general Soares Carneiro e que escassos dias antes do sinistro havia sido apreendido e substituído pela aeronave sinistrada, em circunstâncias e por razões não esclarecidas. A Comissão pôde verificar que a PJ estabeleceu logo, precipitadamente, no dia seguinte (6 de Janeiro de 1983), que a morte de José Moreira e Elizabete Silva nada teria a ver com o caso de Camarate, acrescentando não existir qualquer ligação de interesse com este caso. A investigação sobre as causas da sua morte, ainda hoje, quatro anos volvidos, não conduziu a resultados concludentes e satisfatórios. A explicação para a sua morte - inalação de gás, produto de má queima de um deficiente esquentador colocado na cozinha do apartamento - resulta manifestadamente inconsistente, nos próprios termos dos autos e dos documentos que deles constam. Perito médico ouvido pela Comissão (depoimento n.º 21) afirmou:

Poderia ter sido provocado pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, exactamente como se fosse uma máscara para anestesia, tendo sido uma pressão maior que entrou e que rompeu os alvéolos. Por isso, e que não sei explicar [...], há monóxido de carbono a mais nas vítimas. [P. 48, III CEIAC.]

e foi claro em manifestar estranheza pela desconformidade entre os factos estabelecidos e as conclusões extraídas. Pode verificar-se existirem os mais fortes indícios de que José Moreira e Elizabete Silva terão sido assassinados, pelas evidências que constam do respectivo processo e foram esclarecidas, embora, em sede judiciária, este caso esteja também por decidir desde há quatro anos.

151 - A Comissão teve conhecimento ainda, pela análise do processo e por depoimentos por si recolhidos, da existência de avisos e notícias, prévios a 4 de Dezembro de 1980, porventura relacionados com a ocorrência do sinistro, o que queda por investigar mais rigorosamente, nomeadamente as declarações prestadas à III CEIAC por militares responsáveis dos Serviços de Informação do Exército da Região Militar do Norte e do Estado-Maior-General das Forças Armadas (depoimentos n.os 46, 47 e 48).

152 - Há a reter a denúncia de dissimulações, nomeadamente o que consta do testemunho do depoente n.º 49, de 3 de Julho de 1985, III CEIAC, que observou:

Quando cheguei ao local, a essa zona do lado da maqueta, havia uma asa do avião aqui à frente destes dois pilares, onde está esta chaminé, e aqui na zona do lado direito, numa espécie de clareira, por onde se via a pista do Aeroporto, havia um grande número de pessoas que apanhavam os destroços do avião e que os traziam para um monte guardado por um polícia que estava aqui ao pé da asa. [P. 17, 6 de Março de 1986.] As pessoas estavam a apanhar coisas que depois traziam para um monte. Era uma zona que ficava entre os candeeiros que estavam aqui atrás - esta na maqueta - e uma segunda rede que limitava a zona do Aeroporto que as pessoas estavam a apanhar coisas que depois traziam para um monte.

153 - Está por esclarecer o motivo por que o avião inicialmente usado para voos de campanha eleitoral na campanha do general Soares Carneiro foi substituído, dias antes do sinistro, por outro, como resultado de apreensão pelas autoridades (fl. 97, vol. «Investigação operacional», OGAC), sendo certo que o facto concorreu para a alteração significativa das condições de segurança da guarda do avião utilizado no serviço da campanha e que a nova aeronave, que passou a ser utilizada, incorreria, por sinal, na violação eventual das mesmas normas aduaneiras que era imputada à anterior.

154 - Consta ainda do processo a observação, à hora do sinistro, do movimento estranho de viaturas que, transitando em alta velocidade, se postaram estacionadas em estrada lateral ao Aeroporto e com acesso visual directo às respectivas pistas.

155 - Resta também, por último, analisar, o que a Comissão não pôde fazer por limitação de tempo, se todas as obstruções documentadas à investigação, os descaminhos comprovados de peças do processo e as ameaças constantes do processo sobre membros da Comissão ou outras pessoas investigando ou reportando sobre o caso de Camarate decorreram de mero acaso ou poderão ser reveladoras de razões mais profundas.

156 - É conhecido também que o magistrado judicial do Tribunal de Instrução Criminal da Comarca de Loures, Dr. Fonseca Ferrão, já exprimiu, em 11 de Maio de 1984, objecções ao aforamento do processo, alegando incompetência territorial, com base, designadamente, nas circunstâncias de, havendo crime, este haver sido cometido em Lisboa, devendo, nessa conformidade, o processo transitar para a comarca de Lisboa. O referido magistrado cita ainda outras disposições do Código de Processo Penal no mesmo sentido. Não pode tolerar-se que matéria desta importância esteja estagnada na sua construção ou embaraçada de meros formalismos de ordem processual. Neste sentido, urge que o Ministério Público promova o esclarecimento urgente da questão e se retome, com base também já em tudo o que conste dos inquéritos parlamentares, a instrução parlamentar.

157 - O que se refere não exclui, obviamente, o que, no quadro da Administração Pública e entidades dependentes do Governo, deve ser feito, averiguado e revisto.

VII - Conclusões
158 - A Comissão, cumprindo o seu objecto - «averiguar, por forma cabal, as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que vitimou, em 4 de Dezembro de 1980, o Sr. Primeiro-Ministro [...] e o Sr. Ministro da Defesa [...] e acompanhantes» (Resolução da Assembleia da República n.º 1/86) -, deveria ter concluído, em conformidade com o relatado, que:

1.º São desconformes com os factos apurados as conclusões que inicialmente se fizeram publicar a este respeito de modo oficial;

2.º Conforme observação feita pela I CEIAC, a 22 de Abril de 1983, foram precárias e deficientes as investigações conduzidas no início e as suas conclusões, revelando, além do mais, erros essenciais de apreciação, em virtude de desarticulação DGAC/PJ quanto a aspectos decisórios e conclusivos dos inquéritos que efectuaram;

3.º O sinistro, nos termos dos factos conhecidos, verificados e comprovados, jamais se produziria por mera razão acidental;

4.º O avião Cessna-422 A, YV-314P, que se despenhou em Camarate a 4 de Dezembro de 1980, provocando a morte de todos os seus passageiros e tripulantes, caiu por virtude de sabotagem e, portanto, de um atentado, estando-se, assim, na presença de uma intervenção criminosa;

5.º Existem no processo elementos bastantes que, sendo devidamente averiguados, apurados e estabelecidos, pelo modo e nas instâncias competentes, poderão, além de outros que venham a revelar-se, concorrer no sentido do ainda mais completo apuramento da verdade e da descoberta do ou dos responsáveis;

6.º Impõe-se que as autoridades competentes para a investigação de actos criminosos retomem, sem perda de tempo, a instrução do processo, a ele dedicando toda a sua atenção e cuidado, por forma a poderem vir a concluir aquilo que não puderam fazer: espécie de engenho e autor da sabotagem.

Esta nossa posição não foi nem nunca poderia ter sido ditada por motivos partidários ou políticos, mas antes representou e representa a convicção segura da verdade dos factos que ocorreram na trágica noite de 4 de Dezembro de 1980.

Palácio de São Bento, 22 de Janeiro de 1987. - Os Deputados do PSD: Mário Júlio Montalvão Machado - Fernando Correia Afonso - José Luís Bonifácio Ramos - Cecília Pita Catarino - João Domingos de Abreu Salgado - Dinah Serrão Alhandra - Francisco Antunes da Silva.


Declaração de voto do PS
Entendem os signatários que a decisão final tem inteira justificação.
Decorridos mais de seis anos sobre a tragédia de Camarate e face a um processo onde escasseiam provas de factos importantes, porventura por incúria de quem, na devida altura, deveria ter sido mais cuidadoso, não só na recolha de dados, como na preservação dos existentes, cada vez mais difícil se mostra o apuramento da causa insofismável da tragédia.

Nessas condições, a Comissão não tinha outra alternativa do que a de propor a remessa dos autos à entidade competente para a indagação de factos que assumam natureza criminal.

Palácio de São Bento, 22 de Janeiro de 1987. - Os Deputados do PS: Armando Lopes - Ricardo Barros - Armando Vara - José Lello - Aloísio da Fonseca.


Declaração de voto do PRD
Os deputados do PRD na CEIAC votaram contra a proposta de relatório apresentada pelo Sr. Deputado do PSD José Luís Ramos e, consequentemente, a favor das restantes propostas pelas seguintes razões:

1.ª Porque aquela proposta se apoia em extractos, extremamente parciais, dos autos e na recusa de quaisquer critérios de objectividade técnico-científica para apreciação das evidências, testemunhas, perícias e documentos de fiabilidade suficiente;

2.ª Porque, nessa medida e só nessa, não se serviu aquela proposta dos autos para a cabal descoberta da verdade dos factos em apreço, mas para corporizar uma conclusão apriorística e manifestamente assumida desde há muito;

3.ª Porque a apresentação daquela proposta de relatório resulta da antidemocrática inviabilização do funcionamento da subcomissão de redacção pelo Sr. Deputado José Luís Ramos;

4.ª Porque, além do mais, a apresentação de propostas diferentes, ao invés de uma única, resulta da violação das deliberações unânimes do plenário da III CEIAC, que no dia 15 de Janeiro de 1987, sob proposta do seu presidente, aprovara:

a) Que se constituísse uma subcomissão de redacção do projecto de relatório final com os seguintes deputados: Armando Lopes (PS), vice-presidente da III CEIAC, Correia de Azevedo (PRD), secretário da III CEIAC, José Luís Ramos (PSD), José Magalhães (PCP) e Henrique Morais (CDS);

b) Que se aprovasse, em sede da subcomissão, um projecto de relatório (a pedido do Sr. Deputado José Luís Ramos, para que fosse definido o processo de resolução de propostas porventura controversas), utilizando, quando necessário, o recurso ao voto para que resultasse uma só proposta ao plenário da III CEIAC.

Palácio de São Bento, 27 de Janeiro de 1987. - Os Deputados do PRD: José Luís Correia de Azevedo - Jaime Coutinho - Barbosa da Costa - Paulo Guedes de Campos.


Declaração de voto do PCP
Os deputados do PCP contribuíram activamente para todo o trabalho desenvolvido pela CEIAC, que concluiu as investigações encetadas em anteriores legislaturas, esgotando os meios de que a Assembleia da República dispõe para aclarar as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia de Camarate.

Os deputados do PCP deram o seu acordo a todas as diligências propostas por outros membros da Comissão ou por representantes dos familiares das vítimas e tiveram a iniciativa de diversas das providências em tempo adoptadas com vista à realização do mandato de que a Comissão foi incumbida pelo Plenário. Atribuíram particular importância e consideraram atentamente todos os elementos qualificados como novos e todas as sugestões no sentido de requalificar dados já constantes do processo. Foram cuidadosamente examinados todos os aspectos susceptíveis de induzirem, com carácter necessário e seguro, uma revisão das conclusões fundamentais a que tinham chegado todas as entidades anteriormente encarregadas de se pronunciarem sobre a matéria. Tendo aderido à encomenda de estudos e pareceres sobre aspectos de cuja clarificação poderiam ser extraídos resultados úteis às investigações, os deputados do PCP examinaram e discutiram os pressupostos e conclusões dos documentos que, na sequência, foram transmitidos à Comissão e são objecto de larga análise no relatório, com as implicações e juízos de valor que deste ressaltam.

Tendo discutido exaustivamente os elementos constantes dos autos, não atingiram os deputados signatários outra conclusão que não a expressa no relatório. O juízo que dele consta é extraído nas circunstâncias, com os meios e as características próprios do quadro decorrente da Lei 43/77.

Por isso, os deputados do PCP propuseram e congratulam-se com o facto de ter sido objecto de votação favorável a recomendação feita ao Plenário no sentido de que possam ser examinados, na máxima extensão legalmente consentida, os milhares de páginas dos autos por quem quiser conhecer e avaliar, por seus olhos, os elementos de que a Comissão pôde dispor para emitir o juízo que lhe era exigível, o qual não substitui, evidentemente, aquele que às autoridades judiciárias cumpre emitir. Contributo para um aprofundamento do conhecimento disponível sobre as causas e circunstâncias que conduziram ao acidente de Camarate, o relatório agora aprovado constitui, sem dúvida, qualquer que seja a óptica adoptada, um documento esclarecedor quanto a um período da história portuguesa sobre o qual têm abundado dúvidas, lacunas e suspeições. As medidas recomendadas ao Plenário, designadamente o ulterior exame de todos os documentos constantes dos autos pela Procuradoria-Geral da República e por peritos aeronáuticos estrangeiros (designadamente do NTSB e da Grã-Bretanha), garantirão, quando adoptadas, que o trabalho agora concluído no âmbito da Assembleia da República possa ser julgado de acordo com critérios que, por certo, farão avultar a real natureza da contribuição dada pela Comissão à imprescindível tarefa de descoberta da verdade, em que profundamente se empenharam os signatários.

Assembleia da República, 22 de Janeiro de 1987. - Os Deputados do PCP: José Magalhães - Jorge Lemos - António Mota.


Declaração de voto do CDS
Votámos favoravelmente as partes do relatório da III CEIAC em que se conclui com a hipótese de ter havido sabotagem do avião que transportava, no dia 4 de Dezembro de 1980, o Primeiro-Ministro, Sá Carneiro, o Ministro Amaro da Costa e outros acompanhantes.

Com efeito, os depoimentos de várias testemunhas e os dados técnicos recolhidos no âmbito do trabalho da CEIAC são de molde a não se poder excluir a possibilidade de sabotagem na aeronave.

A favor desta tese referiremos unicamente os seguintes factos:
1) Inúmeras testemunhas referem que o avião já vinha a arder antes do embate e outras afirmam peremptoriamente que viram uma «bola de fogo» antes de o avião colidir;

2) Testemunhas afirmaram ter ouvido um rebentamento no avião antes de ele chocar;

3) Libertação de fragmentos durante a fase de voo, que foram encontrados no solo segundo o trajecto do avião e de acordo com a incidência e velocidade do vento;

4) O posicionamento dos cadáveres no avião, em que se constata que o co-piloto foi encontrado por baixo dos restantes, o que só se justifica pelo facto de no início do voo o piloto ter detectado alguma anormalidade e ter dado ordem ao seu colega para vir atrás, motivo pelo qual aí se encontrava aquando da queda;

5) A existência de fragmentos metálicos que impregnavam os membros inferiores de um piloto;

6) Não existência de fracturas nos corpos das vítimas, o que nos leva a concluir que no momento do embate já os ocupantes não estavam conscientes.

Conclusões
Pelos motivos atrás expostos e por muitos outros que constam do processo deste volumoso inquérito, ficou-nos a convicção íntima de que se tratou de uma sabotagem, e não de um mero acidente.

Se Deus não nos ajudou a descobrir toda a verdade, submetemo-nos. Se, como julgamos, trouxe a verdade ao de cima, a Ele o devemos.

Agora, as entidades oficiais especializadas e competentes que se debrucem sobre este caso até à exaustão, pois é do nosso entendimento que no âmbito parlamentar se esgotaram as capacidades da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 22 de Janeiro de 1987. - Os Deputados do CDS: Horácio Alves Marçal - Henrique Pereira de Moraes.

O Presidente da Assembleia da República, Fernando Monteiro do Amaral.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/40610.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1947-02-17 - Decreto-Lei 36158 - Ministério dos Negócios Estrangeiros - Direcção Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna

    Aprova, para ratificação, a Convenção sobre Aviação Civil internacional, assinada em Chicago (Convenção de Chicago), pela Delegação Portuguesa a Conferência da Aviação Civil Internacional, em 7 de Dezembro de 1944, cujo texto em Inglês e em tradução Portuguesa e publicado em anexo ao presente Decreto Lei. define os princípios gerais e o campo de aplicação da Convenção. Estabelece os Serviços Internacionais de Transportes Aéreos e cria a Organização Internacional da Aviação Civil.

  • Tem documento Em vigor 1974-02-01 - Decreto 31/74 - Ministérios das Comunicações e das Corporações e Segurança Social

    Aprova o Regulamento sobre Tempos de Voo e Repouso do Pessoal Navegante dos Transportes Aéreos Comerciais.

  • Tem documento Em vigor 1977-06-18 - Lei 43/77 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico das comissões parlamentares de inquérito previstas no artigo 181º da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1979-07-25 - Decreto-Lei 242/79 - Ministérios das Finanças e do Plano e dos Transportes e Comunicações

    Cria a Direcção-Geral da Aviação Civil.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-24 - Decreto-Lei 458/82 - Ministério da Justiça

    Reformula as carreiras e normas estatutárias da Polícia Judiciária.

  • Tem documento Em vigor 1982-12-14 - Resolução 214/82 - Assembleia da República

    Constitui a Comissão Eventual de Inquérito sobre o Acidente de Camarate.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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