de 1 de Outubro
Alta Autoridade contra a Corrupção
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea (d) do artigo 164.º e do n.º 2 do artigo 169.º da Constituição, o seguinte:
ARTIGO 1.º (Definição)
Junto da Assembleia da República funciona a Alta Autoridade contra a Corrupção, tendo por incumbência desenvolver as acções de prevenção, de averiguação e de denúncia à entidade competente para a acção penal ou disciplinar dos actos de corrupção e de fraudes e cometidos no exercício de funções administrativas, nomeadamente no âmbito da actividade dos serviços da administração pública central, regional e local, das Forças Armadas, dos institutos públicos, das empresas públicas e de capitais públicos, participadas pelo Estado ou concessionárias de serviços públicos, de exploração de bens do domínio público, incluindo os praticados por titulares dos órgãos de soberania.
ARTIGO 2.º
(Natureza do cargo; forma designação)
1 - A Alta Autoridade tem como titular o alto-Comissário contra a Corrupção, eleito pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, por proposta de qualquer grupo parlamentar, de entre cidadãos no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, de reconhecido mérito, probidade e independência.
2 - As candidaturas devem ser devidamente instruídas com os elementos de prova da elegibilidade dos candidatos e as respectivas declarações de aceitação.
ARTIGO 3.º
(Âmbito territorial de actuação)
A Alta Autoridade exerce as suas atribuições em todo o território nacional.
ARTIGO 4.º
(Independência)
1 - A Alta Autoridade goza de total independência no exercício das suas funções e deve pautar-se pelo mais rigoroso respeito da Constituição e da lei, bem como pela defesa do interesse público e da dignidade nacional.2 - A Alta Autoridade exerce a sua actividade sem prejuízo do uso dos meios graciosos e contenciosos previstos na lei e sem suspender ou interromper prazos de qualquer natureza.
ARTIGO 5.º
(Dever geral de cooperação)
No exercício das suas funções a Alta Autoridade tem direito à adequada cooperação da generalidade dos cidadãos e pessoas colectivas, com salvaguarda dos respectivos direitos e interesses legítimos, desde que colidentes com o cumprimento daquele dever.
ARTIGO 6.º
(Dever especial de cooperação)
1 - No exercício das suas funções a Alta Autoridade tem direito à adequada cooperação das entidades públicas, designadamente das dotadas de poderes de investigação judiciária, policial, de inquérito, de inspecção ou de fiscalização, e, na esfera da sua competência, deve coadjuvar o Ministério Público, bem como os tribunais, nos termos do artigo 209.º da Constituição.2 - A Alta Autoridade pode requisitar às entidades públicas para o efeito competentes quaisquer investigações, inquéritos, sindicâncias, peritagens, análises, exames ou diligências técnicas necessários à averiguação de factos, no âmbito das suas atribuições.
3 - As entidades referidas na primeira parte do n.º 1 são obrigadas a prestar e a fornecer à Alta Autoridade os esclarecimentos e elementos ao seu dispor, bem como atender às solicitações por ela formuladas no âmbito das suas atribuições.
4 - Incorrem nas penas correspondentes ao crime de desobediência qualificada, bem como na responsabilidade disciplinar que no caso caiba, os responsáveis pelo não cumprimento do disposto no número anterior.
ARTIGO 7.º
(Dever de sigilo)
1 - A Alta Autoridade e todos os seus agentes ou auxiliares estão vinculados ao dever de absoluto sigilo relativamente aos factos de que tenham tido conhecimento no exercício ou por causa do exercício das suas funções, em especial o segredo de justiça.2 - O dever de sigilo não expressamente protegido pela Constituição e pela lei de quaisquer cidadãos ou entidades e o sigilo bancário cedem perante o dever de cooperação com a Alta Autoridade, no âmbito da competência desta.
3 - Do exercício do direito de acesso a esclarecimentos e elementos em poder das entidades referidas no n.º 3 do artigo 6.º são ressalvados os que constituam segredos de Estado.
ARTIGO 8.º
(Autoridade pública)
1 - A Alta Autoridade e os seus agentes, no âmbito da respectiva competência, gozam do estatuto de autoridade pública.2 - Aqueles que, não sendo os visados, por qualquer forma dificultarem ou se opuserem intencionalmente ao desempenho das funções da Alta Autoridade e seus agentes, quando devidamente credenciados ou identificados, incorrem nas penas correspondentes ao crime de desobediência qualificada, para além de eventual responsabilização civil ou disciplinar.
ARTIGO 9.º
(Competência)
À Alta Autoridade compete:a) Averiguar, a solicitação do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, de qualquer outro membro do Governo, dos Ministros da República para as Regiões Autónomas, do Provedor de Justiça, de quinze deputados ou de qualquer grupo parlamentar ou, ainda, por iniciativa própria, indícios ou notícias de factos que justifiquem fundadas suspeitas de acto de corrupção ou de fraude, de delito contra o património público, do exercício abusivo de funções públicas ou de quaisquer outros lesivos do interesse público ou da moralidade da Administração;
b) Promover a realização de inquéritos, sindicâncias, diligências de investigação ou outras tendentes a averiguar da legalidade de determinados actos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações entre a Administração Pública e as entidades privadas;
c) Fiscalizar, se necessário por amostragem, a licitude e a correcção administrativa de actos que envolvam interesses patrimoniais, nomeadamente de adjudicação de empreitadas de obras públicas ou de fornecimento de bens ou serviços, de aquisição e de alienação de de bens patrimoniais ou de pagamento de indemnizações, de importação ou exportação de bens e serviços, de outorga ou recusa de créditos ou de perdão de dívidas;
d) Acompanhar, sempre que as circunstâncias o aconselhem, o andamento de quaisquer processos nas entidades competentes para procedimento criminal ou disciplinar;
e) Dar conhecimento do resultado das suas averiguações ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro, no caso de actividades exercidas no âmbito da administração pública central, e às entidades competentes para o exercício da acção penal ou disciplinar ou, quando for caso disso, às entidades competentes para actos complementares de investigação ou inquérito;
f) Comunicar ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro os factos praticados por titulares de órgãos de soberania apurados nas suas averiguações e que se enquadrem no âmbito das suas atribuições;
g) Propor à Assembleia da República e ao Governo a adopção de medidas legislativas tendentes a melhorar o funcionamento dos serviços e o respeito pela legalidade administrativa, designadamente no sentido da eliminação de factores que favoreçam ou facilitem práticas ilícitas ou eticamente reprováveis;
h) Propor ao Governo a adopção de medidas administrativas com os objectivos a que se refere a alínea anterior;
i) Emitir os pareceres que lhe forem solicitados pela Assembleia da República e pelo Governo, no âmbito das suas atribuições;
j) Dar publicidade, com intuito preventivo, às condenações em processo penal ou disciplinar por infracção do âmbito da sua competência, depois do trânsito em julgado;
l) Emitir um relatório das suas actividades, a apresentar à Assembleia da República no termo de cada ano.
ARTIGO 10.º
(Processo)
1 - Os actos e diligências da Alta Autoridade praticados no cumprimento das suas atribuições não estão sujeitos a formalismos especiais, não podendo, todavia, aquela adoptar, em matéria de recolha de provas, procedimentos que ofendam os direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos.2 - Em qualquer momento e mediante despacho fundamentado do alto-comissário contra a Corrupção, pode ser determinado o arquivamento dos processos, abstendo-se de actuar no seu âmbito, designadamente quando se trate de factos excluídos da sua esfera de competência, quando as queixas não estejam devidamente fundamentadas ou no caso de insuficiência ou ausência de prova bastante para a instauração de procedimento criminal ou disciplinar.
3 - A audição dos visados nos processos instaurados na Alta Autoridade é obrigatória, salvo em caso de arquivamento dos processos ou quando aqueles possam vir a assumir a qualidade de arguidos em processo penal.
4 - No caso de arquivamento, a audição é obrigatória a pedido dos visados.
5 - Será sempre dado conhecimento do despacho final de cada processo às entidades que tiverem solicitado a intervenção da Alta Autoridade, bem como às pessoas visadas, se tiverem sido ouvidas e as circunstâncias o permitirem.
6 - Os actos da Alta Autoridade não são passíveis de recurso, mas podem ser sempre objecto de reclamação para o alto-comissário contra a Corrupção.
7 - Os actos e diligências da Alta Autoridade estão isentos de custas e de imposto do selo.
ARTIGO 11.º
(Privilégios; incompatibilidades; duração do mandato; exoneração;
substituição)
1 - O alto-comissário contra a Corrupção goza dos privilégios e está sujeito às incompatibilidades previstas na lei para os magistrados judiciais, e não pode desenvolver quaisquer actividades político-partidárias ou sindicais ou com elas relacionadas, nomeadamente em fundações, nem exercer funções ou cargos em órgãos de partidos ou associações de natureza política ou sindical.2 - É igualmente incompatível com o desempenho do cargo de alto-comissário contra a Corrupção o exercício de qualquer função de natureza pública ou privada.
3 - Ao alto-comissário contra a Corrupção é conferido estatuto equivalente ao de ministro, com as inerentes honras, regalias, categoria, remuneração e de mais direitos.
4 - O mandato tem a duração de quatro anos, mas o titular do cargo mantém-se em funções até à tomada de posse do sucessor.
5 - O alto-comissário contra a Corrupção só pode ser exonerado por impossibilidade física permanente ou incompatibilidade superveniente declaradas pelo Tribunal Constitucional, por renúncia comunicada ao Presidente da Assembleia da República ou demitido em resultado de processo disciplinar ou penal.
6 - Nas suas ausências ou impedimentos prolongados o alto-comissário contra a Corrupção é substituído pelo alto-comissário-adjunto que aquele designar, ou, na falta de designação, pelo mais idoso.
ARTIGO 12.º
(Pessoal)
1 - No exercício das suas funções, o alto-comissário contra a Corrupção é apoiado por:a) Até dois altos-comissários-adjuntos, com estatuto equivalente ao de director-geral, que o coadjuvarão, no uso de poderes delegados;
b) Até doze assessores, remunerados pelas letras B e C da tabela de vencimentos da função pública, que prestarão apoio técnico especializado;
c) O pessoal de apoio necessário ao cabal desempenho das suas funções;
d) Até quatro coordenadores com funções a definir pelo alto-comissário contra a Corrupção.
2 - O pessoal a que se refere o número anterior é livremente designado e exonerado pelo alto-comissário contra a Corrupção, podendo ser requisitado, destacado ou contratado, nos termos da lei aplicável, considerando-se para todos os efeitos, em exercício de funções a partir da data do despacho da sua designação, independentemente de quaisquer formalidades, incluindo o visto do Tribunal de Contas e a publicação no Diário da República.
3 - O pessoal da Alta Autoridade não pode ser prejudicado na estabilidade da sua carreira, no regime de segurança social e demais regalias de que beneficie, contando, designadamente, o tempo de serviço, para todos os efeitos legais, como prestado no lugar de origem.
4 - O pessoal contratado pela Alta Autoridade não adquire, só por esse facto, a qualidade de agente administrativo, e os respectivos contratos devem ser reduzidos a escrito, deles constando o prazo da sua duração e a remuneração a que tem direito.
5 - Sempre que se revele útil ou conveniente, pode o alto-comissário contra a Corrupção solicitar aos serviços públicos competentes a colocação temporária na Alta Autoridade dos funcionários necessários à execução das diligências e dos actos previstos no n.º 1 do artigo 6.º ou impostos pelo dever geral de cooperação previsto no artigo 5.º 6 - O alto-comissário contra a Corrupção pode, em caso excepcionais, celebrar contratos com outras entidades públicas ou privadas para a realização de estudos e trabalhos de natureza técnica e de carácter eventual, no respeito da legislação vigente.
7 - O alto-comissário contra a Corrupção e demais agentes da Alta Autoridade são devidamente credenciados para o efeito do desempenho das suas funções, mediante a emissão de cartão de identificação especial assinado pelo Presidente da Assembleia da República.
ARTIGO 13.º
(Disposições orçamentais; autonomia administrativa)
1 - As despesas com a Alta Autoridade são cobertas por verba inscrita em capítulo autónomo do orçamento da Assembleia da República.
2 - A Alta Autoridade goza de autonomia adminístrativa.
ARTIGO 14.º
(Disposições gerais e transitórias)
O Governo deve, no prazo de 60 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, publicar a sua adequada regulamentação, ouvido o alto-comissário contra a Corrupção.2 - Até à publicação da regulamentação referida no número anterior mantém-se em vigor, em tudo o que não for contrariado pela presente lei, o Decreto-Lei 369/83, de 6 de Outubro, o Decreto Regulamentar 3/84, de 12 de Janeiro, e o Decreto-Lei 327/84, de 12 de Outubro.
3 - A eleição do alto-comissário contra a Corrupção deve realizar-se no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, mantendo-se em funções o actual titular do cargo até à tomada de posse do seu sucessor.
Aprovada em 25 de Julho de 1986.
O Presidente da Assembleia da República, Fernando Monteiro do Amaral.
Promulgada em 16 de Agosto de 1986.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 31 de Agosto de 1986.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.