de 6 de junho
À margem das soluções de fiscalização contabilística previstas noutros diplomas legais, nomeadamente no Código das Sociedades Comerciais, o Código do Mercado dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei 486/99, de 13 de novembro, instituiu um sistema de revisão de contas por um auditor externo, registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
Assim, ao revisor oficial de contas, enquanto órgão social regulado no Código das Sociedades Comerciais, passou a somar-se o auditor externo, hoje regulado no Código dos Valores Mobiliários, sem prejuízo de se admitir que as duas funções possam ser exercidas pela mesma pessoa, e que a certificação legal de contas e o relatório do auditor externo sejam apresentados num documento único.
O regime atualmente consagrado no artigo 9.º do Código dos Valores Mobiliários, desenvolvido e concretizado pelo Regulamento da CMVM n.º 6/2000, de 8 de fevereiro, deve ser revisto não só perante a experiência adquirida durante mais de uma década de aplicação prática, mas também perante as importantes alterações entretanto verificadas no mais vasto quadro normativo no qual se insere, tanto a nível internacional, como a nível nacional.
A partir de 2000, um conjunto de acontecimentos demonstraram a necessidade de reforçar os sistemas de fiscalização societária existentes, levando a Comissão Europeia a reconhecer, na sua Comunicação de 21 de maio de 2003, relativa ao futuro da revisão oficial de contas na União Europeia, a insuficiência do plano de ação traçado em 1998, e refletido nas suas Recomendações n.os 2001/256/CEE , da Comissão, de 15 de novembro de 2000, relativa ao controlo de qualidade da revisão oficial de contas, e 2002/590/CEE , da Comissão, de 16 de maio de 2002, relativa à independência dos revisores oficiais de contas. Entendeu então a Comissão Europeia que se impunham novas iniciativas para reforçar a confiança dos investidores nos mercados de capitais e para fomentar a confiança do público nos auditores da União Europeia. Nesse sentido abandonou a sua posição segundo a qual cabia aos auditores assegurar a sua própria independência, reconhecendo as insuficiências reveladas nos sistemas de autorregulação, bem como a sua preferência por instrumentos legislativos não vinculativos. Este novo impulso culminou na Diretiva n.º 2006/43/CE , do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas.
Esta Diretiva começou a ser transposta em Portugal, ainda antes da sua publicação, pelo Decreto-Lei 76-A/2006, de 29 de março, alterado pelos Decretos-Leis 8/2007, de 17 de janeiro, 318/2007, de 26 de setembro, 90/2011, de 25 de julho, 209/2012, de 19 de setembro e 250/2012, de 23 de novembro, que reforçou a fiscalização das sociedades anónimas, redefinindo o papel do órgão de fiscalização da administração e, em particular, a sua relação com o revisor oficial de contas. Quanto a este último ponto, passou a exigir-se que o órgão de fiscalização da administração operasse como fórum de discussão com o revisor oficial de contas, sobre todos os assuntos considerados relevantes na revisão das contas da sociedade e sobre possíveis ilícitos de que suspeitasse ou tivesse conhecimento. Na transposição daquela Diretiva, seguiram-se o Decreto-Lei 224/2008, de 20 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei 71/2010, de 18 de junho, e o Decreto-Lei 225/2008, de 20 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei 71/2010, de 18 de junho. O primeiro introduziu significativas alterações no Decreto-Lei 487/99, de 16 de novembro, que aprova os Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, com vista, sobretudo, ao reforço da independência dos revisores, da qualidade do seu serviço e da responsabilidade do revisor da sociedade-mãe nos grupos de sociedades, bem como à regulação dos termos em que revisores de outros países podem ser registados em Portugal. O segundo criou um sistema de supervisão pública, sob responsabilidade do Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria, cujos estatutos aprovou. O propósito foi reforçar a confiança e a credibilidade na atividade de revisão de contas exercida em Portugal. Assente na transparência, este sistema deve assegurar a aprovação e o registo de revisores oficiais de contas; a adoção de normas em matéria de deontologia profissional, de controlo interno de qualidade e de procedimentos de revisão de contas; bem como a formação contínua e o adequado funcionamento dos sistemas de controlo de qualidade, inspeção e disciplina.
Entretanto, o processo legislativo europeu continuou, por iniciativa da Comissão Europeia, destacando-se a publicação em 2010 do "Livro verde sobre política de auditoria: as lições da crise», e em 2011, a apresentação da proposta de diretiva que altera a Diretiva n.º 2006/43/CE , do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas, e da proposta de regulamento relativa aos requisitos específicos para a revisão legal de contas das entidades de interesse público.
Neste contexto, o presente diploma altera e adita o Código dos Valores Mobiliários em matéria de registo dos auditores junto da CMVM e seus deveres. Quanto ao primeiro aspeto, as alterações centram-se, sobretudo, na clarificação dos requisitos aplicáveis aos auditores de Estados-Membros da União Europeia e de países terceiros. Quanto ao segundo, traduzem-se na clarificação da sujeição do auditor às normas que regulam o exercício da atividade do revisor oficial de contas, na revisão do dever de comunicação de irregularidades à CMVM, e na especificação das consequências da violação de deveres. À CMVM caberá o desenvolvimento e concretização regulamentar destas normas, no cumprimento das suas incumbências.
Foram ouvidos a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria e a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
Assim
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente diploma revê o regime jurídico aplicável aos auditores sujeitos a registo na CMVM, nomeadamente quanto ao procedimento de registo e quanto aos deveres a que os mesmos estão sujeitos, e delimita as competências da CMVM no que respeita a auditores de outros Estados-Membros e de países terceiros, alterando o Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei 486/99, de 13 de novembro, complementando o processo de transposição da Diretiva n.º 2006/43/CE , do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006.
Artigo 2.º
Alteração ao Código dos Valores Mobiliários
O artigo 9.º do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei 486/99, de 13 de novembro, passa a ter a seguinte redação:
"Artigo 9.º
[...]
1 - Só podem ser registados como auditores na CMVM os revisores oficiais de contas, as sociedades de revisores oficiais de contas e outras pessoas singulares ou coletivas habilitadas a exercer atividade de auditoria em Portugal que sejam dotados dos meios humanos, materiais e financeiros adequados ao desempenho das suas funções, assegurando a sua idoneidade, independência e competência técnica, nos termos fixados por regulamento da CMVM.
2 - Os auditores habilitados para o exercício da atividade de auditoria em outro Estado-Membro da União Europeia, que apresentem relatório de auditoria de contas individuais ou consolidadas de uma sociedade com sede num outro Estado-Membro da União Europeia, emitente de valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado em Portugal, não estão sujeitos a registo junto da CMVM, mas esta pode exigir à sociedade emitente que demonstre a habilitação da pessoa em causa para o exercício da atividade de auditoria no Estado-Membro de origem.
3 - O registo de auditores ou entidades de auditoria de países terceiros que, nos termos dos Estatutos do Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria, aprovados pelo Decreto-Lei 225/2008, de 20 de novembro, e do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei 487/99, de 16 de novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 224/2008, de 20 de novembro, 185/2009, de 12 de agosto, estão sujeitos a registo na CMVM, depende da verificação cumulativa dos requisitos fixados nos referidos diplomas e dos requisitos de registo aplicáveis aos auditores nos termos do disposto no n.º 1, com as necessárias adaptações.
4 - O registo das pessoas indicadas no número anterior é regulado por regulamento da CMVM, a qual pode, com base na reciprocidade, dispensar a aplicação de um ou mais requisitos de registo se a pessoa em causa estiver sujeita a um adequado sistema de supervisão pública, de controlo de qualidade, de inspeção e de sanções, equivalente ao exigido para o desenvolvimento da atividade de auditoria na União Europeia.
5 - Para efeitos do disposto no número anterior, a CMVM deve atender às decisões da Comissão Europeia sobre a equivalência de sistemas de supervisão pública, de controlo de qualidade, de inspeção e de sanções.
6 - Na falta de decisão da Comissão Europeia, a CMVM pode atender às decisões de autoridades competentes de outros Estados-Membros.»
Artigo 3.º
Aditamento ao Código dos Valores Mobiliários
É aditado ao Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei 486/99, de 13 de novembro, o artigo 9.º-A, com a seguinte redação:
"Artigo 9.º-A
Deveres dos auditores
1 - Na prestação de serviços previstos no Código dos Valores Mobiliários, legislação complementar e Regulamentos da CMVM, o auditor deve cumprir as normas que regulam o exercício da atividade de revisor oficial de contas.
2 - O auditor deve cumprir, e fazer cumprir por todos os seus sócios, no caso das sociedades de revisores oficiais de contas, e por todas as pessoas que utilize na prestação dos serviços de auditoria, o dever de independência, nos termos previstos em regulamento da CMVM.
3 - Sem prejuízo dos demais deveres de informação e de comunicação a que esteja sujeito, o auditor deve comunicar imediatamente à CMVM os factos de que tome conhecimento, no exercício das suas funções, respeitantes à entidade a que preste serviços e a outras incluídas no respetivo perímetro de consolidação de contas, que sejam suscetíveis de:
a) Constituir crime ou contraordenação muito grave previstos em norma legal ou regulamentar cujo cumprimento esteja sujeito a supervisão da CMVM;
b) Afetar a continuidade do exercício da atividade da entidade em causa; ou
c) Justificar a emissão de reservas, escusa de opinião, opinião adversa ou impossibilidade de emissão de relatório.
4 - Deve também comunicar imediatamente à CMVM os factos de que tome conhecimento, no exercício das suas funções, respeitantes a outras pessoas, que pela sua gravidade, sejam suscetíveis de afetar o regular funcionamento dos mercados de instrumentos financeiros.
5 - Os deveres de comunicação impostos pelo presente artigo prevalecem sobre quaisquer restrições à divulgação de informações, legal ou contratualmente previstas, e o seu cumprimento de boa-fé não envolve qualquer responsabilidade para os respetivos sujeitos.
6 - A violação de deveres a que o auditor registado está sujeito previstos no presente Código, legislação complementar ou regulamentos da CMVM pode determinar o cancelamento ou suspensão do registo do auditor na CMVM, nos termos previstos em regulamento da CMVM.
7 - Os auditores e entidades de auditoria de países terceiros registados na CMVM ficam sujeitos aos deveres aplicáveis aos auditores, podendo o seu registo ser cancelado ou suspenso nos termos referidos no número anterior.»
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 29 de maio de 2014. - Pedro Passos Coelho - Maria Luís Casanova Morgado Dias de Albuquerque - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Promulgado em 3 de junho de 2014.
Publique-se.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 5 de junho de 2014.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.