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Acórdão 565/2016, de 25 de Novembro

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Sumário

Não conhece do objeto do recurso por inutilidade

Texto do documento

Acórdão 565/2016

Processo 159/16

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório 1 - A Autoridade Nacional de Comunicações - ANACOM, recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Ministério Público, remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de prestação de serviços de seguro de saúde, celebrado em 29 de setembro de 2015, entre aquela Autoridade e a empresa Fidelidade - Companhia de Seguros, S. A., pelo valor global de € 935 733,21.

Por acórdão de 9 de novembro de 2015, a 1.ª Secção, em Subsecção, do Tribunal de Contas recusou o visto ao mencionado contrato, nos seguintes termos (cf. o Acórdão 15/2015 - 9.NOV-1.ªS/SS, disponível em http:

//www.tcontas.pt/pt/atos/acordaos/2015/1sss/ac015-2015-1sss.pdf):

«

Pelos fundamentos indicados, e nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.

»

Os fundamentos em causa reportam-se às seguintes ilegalidades, assim identificadas nesse acórdão:

«

104 - Concluiu-se que a contratação do seguro de saúde para os trabalhadores da ANACOM não é consentida pela lei aplicável, contrariando o estabelecido nos artigos 3.º, n.º 2 e 6.º do Decreto Lei 14/2003, que, nos termos do artigo 2.º deste diploma e da parte final do n.º 1 do artigo 3.º dos Estatutos da ANACOM, limita a autonomia regulamentar e contratual consagrada nos n.os 5 e 6 do artigo 42.º dos mesmos Estatutos.

105 - O contrato em apreciação foi, pois, celebrado contra disposição legal de caráter imperativo. Nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea a), dos Estatutos da ANACOM, que determina a aplicação a esta entidade do regime da contratação pública, e dos artigos 285.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos e 294.º do Código Civil, o contrato está ferido de nulidade.

106 - Por criar uma obrigação pecuniária não prevista na lei, e por ela ser mesmo expressamente proibida, o contrato é também nulo por aplicação do disposto no artigo 284.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos e no artigo 161.º, n.º 2, alínea k), do Código do Procedimento Administrativo.

107 - A nulidade é fundamento da recusa de visto, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC).

108 - A contratação e a consequente despesa violam ainda o estabelecido no artigo 156.º da Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro, de inegável natureza financeira.

109 - A violação direta de normas financeiras constitui igualmente motivo para a recusa do visto, conforme estabelece a alínea b) do n.º 3 do referido artigo 44.º da LOPTC.

110 - Acresce que a desconformidade do contrato com a lei aplicável implica a alteração do resultado financeiro, já que, a não ser celebrado como se impunha, não ocorreria a despesa pública envolvida.

111 - Ocorre, pois, também o fundamento de recusa de visto previsto no artigo 44.º, n.º 3, alínea c) da referida LOPTC.

»

Inconformada, a Autoridade Nacional de Comunicações - ANACOM recorreu desta decisão ao abrigo do disposto nos artigos 96.º, n.º 1, alínea b), e 97.º e ss. da Lei 98/97, de 9 de março (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, seguidamente referida como “LTdC”), pedindo, a final, a substituição do acórdão recorrido por outro que concedesse o visto ao mencionado contrato de prestação de serviços. Para o efeito, invocou a improcedência de todos os fundamentos justificativos da recusa de visto, imputando a tal decisão diversos erros de direito, que, a serem reconhecidos, determinariam a inaplicabilidade ao contrato de prestação de serviços em análise da norma do artigo 156.º da Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007) e das normas dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c), e 6.º, n.º 3, ambos do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro. Suscitou ainda a inconstitucionalidade destes dois últimos preceitos.

Por acórdão 26 de janeiro de 2016, o Tribunal de Contas negou provimento a esse recurso, mantendo, em consequência, a recusa de visto (cf. o Acórdão 1/2016-26.JAN-1.S/P, proferido pelo plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, de fls. 269 e ss., disponível igualmente em http:

// www.tcontas.pt/pt/atos/acordaos/2016/1spl/ac001-2016-1spl.pdf).

2 - É desta decisão que vem interposto o presente recurso, com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de novembro (“LTC”), para apreciação da constitucionalidade das normas extraídas dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c), e 6.º, n.º 3, do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro, segundo as quais é proibida a atribuição, o aumento ou a renovação, por via de instrumento de regulamentação coletiva do trabalho, de quaisquer regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, designadamente seguros dos ramos “Vida” e “Não Vida”, excetuados os obrigatórios por lei, aos trabalhadores de fundos e serviços autónomos, tal como definidos no artigo 2.º do mesmo diploma (cf. os n.os 113 a 127 do acórdão recorrido, fls. 305 a 309, e a resposta de fls. 337 e seguinte ao despacho convite).

Foi igualmente sobre tais normas - correspondentes ao objeto material do recurso - que incidiram a alegação da recorrente e a contra-alegação do Ministério Público (v., respetivamente, fls. 371 e ss., e fls. 388 e ss.). O primeiro defendendo a sua inconstitucionalidade e a consequente remessa dos autos ao tribunal a quo para efeitos de cumprimento do estatuído no artigo 80.º da LTC; o segundo, ao invés, pugnando pela negação de provimento ao recurso.

3 - Por despacho de 16 de setembro de 2016 (objeto de retificação material em 19 de setembro seguinte), foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a eventualidade de não conhecimento do objeto do recurso, dada a existência no acórdão recorrido de um fundamento de decisão alternativo, apto, por si só, a fundamentar e manter o seu sentido decisório. O fundamento alternativo em causa consubstancia-se no artigo 156.º da Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007).

Com efeito, considerou o relator que o acórdão do Tribunal de Contas n.º 1/2016-26.JAN-1.S/P negou provimento ao recurso interposto de decisão de recusa de visto tomada pela mesma Secção, em subsecção, referente ao contrato de prestação de serviços do ramo “Saúde” celebrado pela ora recorrente - mantendo, em consequência, tal recusa de visto -, não apenas com base nos normativos ora impugnados, como, também, por entender que o aludido contrato viola o artigo 156.º da Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), nos termos da qual

«

cessam, com efeitos a 1 de janeiro de 2007, quaisquer financiamentos públicos de sistemas particulares de proteção social ou de cuidados de saúde

»

. Nesse aresto, afirma-se o seguinte, a propósito de tal norma:

«

68 - Na decisão sub judice, para justificar a aplicação da norma ao caso, diz-se, em termos sintéticos que “a contratação de seguros de saúde é uma forma de providenciar esses cuidados [de saúde]. Por outro lado, o financiamento público aí referido não está limitado ao financiamento proveniente de verbas do orçamento do Estado. Afigura-se-nos que a formulação dada à norma se refere a qualquer tipo de financiamento público. O financiamento do contrato de seguro em apreciação é, portanto, um financiamento público, única razão, aliás, porque está submetido ao controlo e jurisdição deste Tribunal de Contas. A despesa em causa está, pois, ela própria, proibida por lei”.

[...] 88 - Da análise efetuada à razão de ser da norma em causa, o que se constata é que se trata efetivamente de uma norma financeira, na medida em que comporta efeitos financeiros inequívocos,

«

enxertada

» na Lei do Orçamento, que não se reconduz à vigência anual da referida Lei na medida que pretende eliminar uma forma de financiamento público de subsistemas de saúde para o futuro. E, nesse sentido, será uma norma
«

cavaleira

» em relação ao diploma onde se encontra.

89 - O legislador de 2006 não restringiu o seu âmbito ao ano económico e financeiro subsequente. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/2011, de 21 de setembro, “uma vez editado, este regime desprende-se do seu local de nascimento, ganha vida própria, sobrevive por si, sem dependência da lei que operou essa inserção. O que significará que basta a inércia do legislador para que os efeitos da redução agora operada, ainda que incidentes apenas sobre os montantes em vigor à data da emissão da norma, perdurem indefinidamente”.

90 - A partir da sua entrada em vigor, a menos que alguma norma de idêntico valor os venha permitir, os financiamentos públicos de subsistemas privados de saúde, ainda que estes, qua tale, se mantenham, não será possível.

91 - Por outro lado, nem a LQER nem os Estatutos da ANACOM, vieram excecionar a aplicação daquela norma, que por isso se mantém em vigor e vincula todas as entidades públicas ou quer sejam financiadas por verbas públicas.

92 - A ANACOM é uma pessoa coletiva pública, financiada por verbas provenientes de receitas, que embora próprias, são públicas, tanto as que se referem às taxas como as que resultem da venda dos seus serviços. A aplicação dessas receitas, qualquer que seja o regime a que se subordina, é de natureza pública, estando por isso vinculada a esse normativo.

93 - Assim sendo não tem qualquer razão a recorrente quanto [a] esta dimensão do recurso.

»

Mesmo admitindo que a nulidade resultante da

«

criação de obrigação pecuniária não prevista na lei, e por ela ser mesmo expressamente proi-bida

»

(cf. o n.º 106 do acórdão mantido pela decisão ora recorrida) e que a

«

desconformidade do contrato com a lei aplicável [que determina] a alteração do resultado financeiro

»

(cf. o n.º 110 do mesmo acórdão) sejam meramente consequenciais, subsistem como fundamentos principais e autónomos da recusa do visto decidida em primeira instância e mantida pela decisão ora recorrida, por um lado, as normas dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c), e 6.º, n.º 3, do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro, na interpretação já referida, e, por outro lado, a norma do artigo 156.º da Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), na interpretação acolhida pelo Tribunal de Contas. Significa isto que um eventual juízo positivo de inconstitucionalidade das normas impugnadas no presente recurso - apenas as dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c), e 6.º, n.º 3, do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro - não seria suscetível de determinar a reforma da decisão ora recorrida quanto à recusa de visto intencionada pela recorrente. Com efeito, tal recusa de visto fundada no artigo 156.º da Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro, subsistiria independentemente do que este Tribunal viesse a decidir quanto ao fundamento alternativo - as normas integradas no objeto material do presente recurso-, uma vez que o poder jurisdicional do tribunal a quo quanto à matéria da causa conexa com a interpretação e aplicação do citado artigo 156.º se encontra esgotado (cf. os artigos 71.º, n.º 1, e 80.º, n.º 2, ambos da LTC e os artigos 613.º, n.º 1, 666.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC).

Em tais situações, tem o Tribunal Constitucional entendido que a decisão objeto do recurso de constitucionalidade permanece inalterada independentemente do sentido da decisão do mesmo recurso:

a norma ou dimensão normativa impugnada junto do Tribunal Constitucional não configura a única ratio decidendi da pronúncia recorrida, uma vez que a mesma decisão subsiste com base noutro fundamento, fundamento esse que, por si só, é igualmente suficiente para sustentar aquela pronúncia. Como referido, por exemplo, no Acórdão 397/2008 (disponível, assim como os demais adiante referidos, em http:

//www.tribunalconstitucional. pt/tc/acordaos/),

«

constatada a existência de fundamentos alternativos, isto é, de pluralidade de fundamentos, um dos quais estranho ao objeto do recurso e por si só suficiente para assegurar o sentido da decisão recorrida ainda que esta viesse a ser revogada na parte respeitante à questão da inconstitucionalidade, não deve conhecer-se do objeto do recurso

»

. E, no Acórdão 824/2013, afirmou-se que surge

«

[u]ma situação em que se afasta a utilidade de uma pronúncia sobre o mérito do recurso de constitucionalidade [...] quando se constata a existência de um fundamento alternativo para a decisão recorrida. Nestes casos, a norma ou dimensão normativa objeto do recurso de constitucionalidade não configura, a única ratio decidendi da pronúncia recorrida, uma vez que a mesma decisão subsiste com base noutro fundamento, fundamento esse que, por si só é suficiente para sustentar aquela pronúncia

»

(no mesmo sentido, e a título de exemplo, v. também os Acórdãos n.os 53/2014, 160/2016 e 485/2016).

Assim, conclui-se no referido despacho de 16 de setembro de 2016 que a existência no acórdão do Tribunal de Contas n.º 1/2016-26.JAN-1.S/P, ora recorrido, de um fundamento de decisão alternativo, apto, por si só, a fundamentar e manter o respetivo sentido decisório - a negação de provimento do recurso jurisdicional da decisão proferida em primeira instância e a consequente confirmação ou manutenção da decisão que recusou o visto prévio ao contrato celebrado pela recorrente - constituiria razão suficiente para dar como verificada a inutilidade do presente recurso, visto que, e como mencionado, mesmo em caso de provimento, a decisão do recurso seria insuscetível de determinar a reforma da decisão recorrida quanto ao desfecho do processobase (cf. o artigo 80.º, n.º 2, da LTC).

4 - Ambas as partes vieram pronunciar-se sobre a possibilidade de conhecimento do mérito do recurso.

4.1 - No entender da recorrente, deve conhecer-se do objeto do recurso, fundamentalmente, por duas ordens de razões:

em primeiro lugar, porque o provimento do presente recurso determina a reforma da decisão recorrida quanto ao desfecho do processobase; em segundo lugar, e a título subsidiário, porque a apreciação do mesmo recurso não pode ser considerada inútil (fls. 495 e ss.).

Quanto ao primeiro argumento, refere a recorrente que:

«

5 - [O] artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (LOE 2007) foi fundamento meramente acessório e não principal da recusa de visto, pelo que, confrontado com uma declaração de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro, o Tribunal de Contas poderia modificar a decisão recorrida, não só quanto ao fundamento extraído das alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) - que resulta da aplicação daquelas disposições do Decreto Lei 14/2003 - mas também quanto ao fundamento extraído da alínea b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, uma vez que o caso julgado não abrange os fundamentos da decisão (cf. artigo 621.º do Novo CPC).

6 - Com efeito, o caso julgado refere-se apenas à parte dispositiva ou injuntiva da decisão, não cobrindo os respetivos motivos e fundamentos (cf. na doutrina, Castro Mendes, Direito Processual Civil, 2.º Vol., AAFDL, 1987, pp. 776-777 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 718) e, mesmo que se entenda, como faz alguma doutrina, que

«

toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito)

» e que
«

o caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fun-damentos

»

(Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Edição, Lex, 1997, pp. 578-579), a verdade é que a alegada violação do artigo 156.º da LOE 2007 foi fundamento meramente acessório e não principal da recusa de visto, como decorre claramente do Acórdão recorrido, porquanto este não se bastou com a verificação deste fundamento para confirmar a decisão recorrida que negara o visto e, desse modo, julgar prejudicada a apreciação dos demais vícios apontados à decisão recorrida.

7 - Com efeito, se tal fundamento bastasse para confirmar a decisão recorrida, com a consequente improcedência da pretensão da Recorrente, o Tribunal recorrido não apreciaria os demais vícios apontados à decisão recorrida, como se imporia face às normas aplicáveis do artigo 663.º, n.º 2 conjugado com o artigo 608.º, n.º 2 do Novo CPC, aplicáveis à decisão sob recurso ex vi do artigo 80.º da LOPTC.

8 - Ora, foi precisamente porque o Tribunal recorrido considerou que a questão de mérito essencial a apreciar para decidir sobre a eventual procedência do recurso residia na aplicação das normas constantes dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro, que se pronunciou sobre este fundamento do recurso, o qual entendeu, assim, não ser prejudicado pela apreciação do fundamento consistente na alegada violação do artigo 156.º da LOE 2007.

9 - Tal decorre, inequivocamente, do pressuposto assente na decisão recorrida de que o “seguro de saúde que se pretende contratar constitua um benefício complementar de natureza social que integra a remuneração. Essa não é matéria que tenha sido objeto de questiona-mento” - cf. ponto 106 da decisão recorrida;

10 - E decorre igualmente da ampliação da matéria de facto feita sob os n.os 16 e 17 do Acórdão recorrido, em que se afirma perentoriamente que

«

podem [tais factos] assumir relevância na apreciação do recurso, nomeadamente em função da argumentação desenvolvida pelo recorrente quanto à dimensão e às questões relacionadas com os eventuais direitos adquiridos que possam estar em causa e que, na argumentação alegada possam comportar alguma questão de (in) constitucionalidade

»

.

11 - Deste modo, a decisão recorrida deslocou o fundamento principal da decisão do mérito do recurso do âmbito da norma de natureza financeira contida no artigo 156.º da LOE 2007, para o âmbito das normas de natureza laboral contidas nos artigos 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro, apreciando os fundamentos do recurso atinentes a estas normas, designadamente, os vícios de inconstitucionalidade apontados pela Recorrente à interpretação e aplicação das mesmas acolhidas pela instância recorrida.

12 - Acresce que, se a apreciação das questões de constitucionalidade objeto do presente recurso concluir que as normas dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro, violam os princípios constitucionais da proteção da confiança e da igualdade de tratamento, quando interpretadas no sentido de postergarem direitos adquiridos dos trabalhadores, por via de um acordo de empresa validamente celebrado antes da sua entrada em vigor, e impedirem a contratação de seguro de saúde com o objetivo previsto em acordo de empresa, de uniformização do estatuto de todos os trabalhadores da mesma entidade empregadora, assegurando o tratamento igual do universo de todos os trabalhadores da Recorrente, como esta expressamente invocou na sua alegação de recurso, então impor-se-á concluir que o respeito pelos mesmos princípios constitucionais conduz, necessariamente, à desaplicação da norma do artigo 156.º da LOE 2007;

13 - Pois não poderá alcançar-se por via da norma do artigo 156.º da LOE um efeito jurídico que o Tribunal Constitucional haja julgado violador daqueles princípios constitucionais, ao apreciar as normas dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003;

14 - Com a consequente reforma da decisão sob recurso em sentido favorável à ora Recorrente, isto é, no sentido da substituição da recusa de visto pela concessão de visto ao contrato de prestação de serviços de seguros do ramo “Saúde”, celebrado em 29 de setembro de 2015, entre a ANACOM e a Fidelidade - Companhia de Seguros, S. A.

»

E, relativamente à utilidade do conhecimento do mérito do recurso é aduzido o seguinte:

«

16 - [S]em questionar a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de instrumentalidade e utilidade do recurso de constitucionalidade, enquanto pressuposto processual próprio e autónomo deste tipo de recurso e não apenas enquanto manifestação do interesse em agir como pressuposto processual inominado importa perguntar se a utilidade processual exigida para se conhecer das questões de constitucionalidade suscitadas terá necessariamente que se traduzir num desfecho do processo-base em termos favoráveis à ANACOM, ora Recorrente, de tal sorte que, em lugar da recusa de visto, o Tribunal a quo seja obrigado a reformar a decisão recorrida no sentido da concessão do visto.

17 - Por outras palavras, importa perguntar se o n.º 2 do artigo 80.º da [LTC], conjugado com o artigo 79.º-C do mesmo diploma, deve ser lido no sentido de que os requisitos da instrumentalidade e utilidade do recurso de constitucionalidade só se encontram preenchidos quando, em virtude da pronúncia do Tribunal Constitucional, a decisão recorrida tenha que ser reformada em termos integralmente favoráveis ao interesse processual do Recorrente.

18 - Noutros termos e no caso concreto, importa saber se a instrumentalidade e utilidade do recurso de constitucionalidade só existe caso a reforma do acórdão recorrido conduza à substituição da recusa de visto pela concessão de visto ao contrato de prestação de serviços de seguros do ramo “Saúde”, celebrado em 29 de setembro de 2015, entre a ANACOM e a Fidelidade - Companhia de Seguros, S. A.

19 - Ora, com o devido respeito, crê-se que o caráter limitado do juízo de (in)constitucionalidade (artigo 79.º-C da LTC), bem como a obrigação de reforma da decisão recorrida

«

em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade

»

(artigo 80.º, n.º 2 da LTC) não permitem que se julgue inútil a pronúncia sobre as questões de constitucionalidade, mesmo que a decisão recorrida subsista na ordem jurídica com outros fundamentos.

20 - Na verdade, e conforme deflui da jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf., entre muitos outros, os acórdão n.os 768/93, 272/94, 162/98, 227/98, 556/98, 358/99, 692/99, 687/2004, 144/2007, 510/2007, 74/2013 e 725/2013) a utilidade na procedência do recurso de constitucionalidade ocorre sempre que a respetiva apreciação se possa repercutir numa modificação da decisão recorrida, influenciando utilmente a decisão de mérito, em termos de obrigar o tribunal recorrido a reformar o seu julgamento.

21 - Situação bem diferente é aquela que poderá estar em causa nos presentes autos onde, sem conceder quanto aos argumentos em sentido contrário supra expostos, o impacto da apreciação das questões de constitucionalidade suscitadas apenas pudesse vir a repercutir-se numa modificação parcial da decisão recorrida (influenciando, portanto, utilmente a decisão de mérito em termos de obrigar o tribunal recorrido a reformar o seu julgamento) sem pôr em causa o sentido último dessa decisão, por esta poder subsistir autonomamente, com base noutros fundamentos, cuja conformidade constitucional não foi questionada.

22 - Neste tipo de casos e pese embora a jurisprudência citada direta e indiretamente no despacho a que se responde (cf. acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 397/2008, 824/2013, 53/2014 e 160/2016), importa de novo perguntar se o desfecho da causa - e já não o sentido da decisão recorrida, que pode e deve ser modificado por força de uma decisão de provimento do Tribunal Constitucional proferida nos presentes autos - deve interferir no juízo de instrumentalidade e utilidade do recurso de constitucionalidade.

23 - A este respeito, dir-se-á que que se deteta alguma oscilação na jurisprudência do Tribunal Constitucional, uma vez que nem sempre o desfecho da ação ou da causa tem sido considerado critério de admissibilidade do recurso de constitucionalidade. Por exemplo, no Acórdão 101/85 parece entender-se que o interesse na decisão de inconstitucionalidade deve ser aferido

«

em função da repercussão do problema da inconstitucionalidade sobre a decisão em apreço

»

, havendo

«

interesse no recurso de inconstitucionalidade quando a recusa de aplicação da norma tida por inconstitucional, ou a sua aplicação apesar de ter sido arguida a sua inconstitucionalidade, constituir fundamento determinante, ratio decidendi, do aresto sindicado

»

.

24 - No Acórdão 90/84 ponderou-se a necessidade de perspetivar a utilidade do recurso em torno de

«

outro ou outros efeitos, porventura secundários, mas de todo o modo juridicamente relevantes, e suscetíveis, por isso, de justificarem que se aprecie a correção jurídica (sub-specie da constitucionalidade) do despacho recorrido

»

.

25 - Nos acórdãos n.os 556/98 e 358/99 parece entender-se que a instrumentalidade do recurso de constitucionalidade diz respeito ao seu efeito útil sobre a decisão recorrida e já não sobre o desfecho da causa entendido no seu conjunto, como decisão integralmente favorável à pretensão do Recorrente.

26 - Em jurisprudência posterior, a questão do desfecho da causa parece ter passado a tomar primazia sobre os efeitos do juízo de inconstitucionalidade restritos à decisão recorrida, de tal sorte que no Acórdão 256/2004, proferido no âmbito de um recurso obrigatório com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o Tribunal Constitucional, para conhecer do recurso em caso de existência de pluralidade de fundamentos autónomos da decisão recorrida, considerou que

«

a utilidade processual é suscetível de ser aferida relativamente ao processo (à causa), não se reportando apenas à decisão recorrida

»

.

27 - No Acórdão 113/2006 o Tribunal afirma não excluir

«

a existência de situações em que tenha utilidade o conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC de decisões com fundamento alternativo, v. g. quando o sujeito processual disponha de opções processuais que lhe permitam atingir o resultado final sem necessidade de impugnar a decisão quanto ao fundamento deixado incólume, ou quando, devendo o processo prosseguir, o incidente de constitucionalidade se reporte a uma questão que condicione o desfecho da causa e cuja discussão fique precludida

»

(ênfase aditada), mas não deixa de afirmar que

«

é dominante na jurisprudência do Tribunal o entendimento de que, face à função instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, comportando a decisão recorrida pluralidade de fundamentos, não há que conhecer dos recursos de constitucionalidade em que apenas se questione um desses fundamentos. É certo que tais situações surgem, na grande maioria dos casos, em recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos quais, por força da regra da prévia exaustão dos recursos ordinários, a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional coincide com a decisão definitiva da causa, e, por isso, nessas hipóteses, o eventual provimento do recurso de constitucionalidade surge como insuscetível de afetar simultaneamente o sentido da decisão judicial recorrida e o desfecho da causa. Mas também assim se tem decidido em recursos interpostos, como o presente, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC [...].

»

(ênfase aditada).

28 - Aqui chegados importa perguntar se a atividade decisória do Tribunal Constitucional no presente recurso é desprovida de utilidade devido ao facto de a recusa de visto, em tese e sem prejuízo do alegado supra, se poder manter com base no fundamento retirado do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 - [...].

29 - Ora e contrariamente ao sentido provável de decisão que decorre do despacho a que se responde, o facto de uma eventual declaração de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro, na interpretação já referida, não ser alegadamente suscetível de determinar a reforma da decisão recorrida quanto à recusa de visto, não significa que dela não possam ser retirados, na linha do Acórdão 90/84

«

outro ou outros efeitos, porventura secundários, mas de todo o modo juridicamente relevantes, e suscetíveis, por isso, de justificarem que se aprecie a correção jurídica (sub-specie da constitucionalidade)

» do acórdão recorrido.

30 - Desde logo, estando em causa um diploma que tem vindo a motivar outras decisões de recusa de visto, exatamente com base nas disposições normativas ora sindicadas (cf. Acórdãos do Tribunal de Contas n.º 7/2016, 1.ªS/SS, de 19 de maio [Infraestruturas de Portugal, S. A.] e n.º 11/2016-.21JUL-1.ª S/SS [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE] [...], a apreciação da sua conformidade constitucional no presente caso e noutros que porventura se lhe sigam, poderá conduzir à declaração da sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º, n.º 3 da Constituição.

31 - Ora, ao não conhecer do objeto do presente recurso, o Tribunal Constitucional impede a verificação dos pressupostos de aplicação do artigo 281.º, n.º 3 da Constituição.

Isto é, ao confinar a utilidade do recurso ao impacto sobre o desfecho da ação - que não sobre a decisão recorrida, que teria necessariamente que ser modificada face a uma decisão de provimento do Tribunal Constitucional (artigo 80.º, n.º 2 da LTC) - fica prejudicada a possibilidade aberta pelo artigo 281.º, n.º 3 da Constituição, introduzindo-se um obstáculo ao universo de casos suscetíveis de fiscalização concreta e que podem conduzir a uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

32 - Neste sentido, o efeito útil do recurso e da sua decisão não deixa de existir, embora se projete no plano sistémico (do sistema de fiscalização da constitucionalidade), na transição da fiscalização concreta para a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

33 - Em segundo lugar, não podem olvidar-se outros efeitos sistémicos da pronúncia em sede de recurso quanto a uma eventual inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro, nomeadamente no plano de uma eventual alteração legislativa.

34 - É certo que estão em causa efeitos extrínsecos ao processo de fiscalização concreta e à sua natureza instrumental, mas não se poderá, a pretexto de uma interpretação restritiva do controlo incidental concentrado da constitucionalidade das leis, olvidar o impacto dessa decisão fora do processo, mesmo quando não se revista de força obrigatória geral.

35 - Neste sentido e na linha do Acórdão 90/84, retiram-se da pronúncia do Tribunal Constitucional, no caso em apreço,

«

outro ou outros efeitos, porventura secundários, mas de todo o modo juridicamente relevantes, e suscetíveis, por isso, de justificarem que se aprecie a correção jurídica (sub-specie da constitucionalidade)

» do acórdão recorrido, no segmento em que aplicou normas constantes dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro.
»

4.2 - O Ministério Público, pelo seu lado, reconhece que a

«

possi-bilidade de não conhecimento do objeto do recurso, com a argumentação agora aduzida [...] - existência de um fundamento alternativo que torna inútil a decisão sobre o problema de constitucionalidade invocado - afigura-se [...] justificada, face a reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria idêntica

»

(n.º 10). Reconhecendo que o acórdão recorrido

«

compreendeu perfeitamente as questões de constitucionalidade que a ora recorrente ANACOM pretendeu submeter à apreciação do Tribunal de Contas, relativas aos arts. 3.º, n.º 2, alínea c) e 6.º, n.º 3 do Decreto Lei 14/2003

»

(n.º 14) - e que foram as únicas aí analisadas - o Ministério Público também não deixa de sublinhar o seguinte:

«

15.º Por outro lado, e em sentido inverso, o mesmo Acórdão transcreve, das conclusões do recurso da Anacom, o seguinte excerto elucidativo (destaques do signatário) (cf. fls. 270 dos autos):

“3.ª - Tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, o acórdão recorrido é o primeiro na jurisprudência do Tribunal de Contas em que é apreciada a aplicação do Decreto Lei 14/2003 e do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 a uma Entidade Reguladora Independente, estando, por isso, em causa, no presente recurso, uma decisão de largo alcance, que afetará todas as entidades reguladoras cujo pessoal, contratado em regime de contrato individual de trabalho e sem acesso à ADSE, poderá ficar privado de qualquer sistema complementar de proteção na saúde, quer resulte de regulamento interno, quer resulte de IRCT.”

Ora, apesar do excerto acabado de fazer, nas conclusões relativas às questões de constitucionalidade (cf. fls. 275 dos autos), transcritas no Acórdão recorrido, a ANACOM não faz nenhuma referência ao art. 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007.

16.º O Acórdão recorrido analisa o problema do art. 156.º da Lei 53-A/2006 (Lei do Orçamento de Estado para 2007) a fls. 293-299 dos autos, concluindo, a este propósito (cf. fls. 298-299 dos autos):

“88. Da análise efetuada à razão de ser da norma em causa, o que se constata é que se trata efetivamente de uma norma financeira, na medida em que comporta efeitos financeiros inequívocos,

«

enxertada

» na Lei do Orçamento, que não se reconduz à vigência anual da referida Lei na medida que pretende eliminar uma forma de financiamento público de subsistemas de saúde para o futuro. E, nesse sentido, será uma norma
«

cavaleira

» em relação ao diploma onde se encontra.

89 - O legislador de 2006 não restringiu o seu âmbito ao ano económico e financeiro subsequente. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/2011, de 21 de setembro,

«

uma vez editado, este regime desprende-se do seu local de nascimento, ganha vida própria, sobrevive por si, sem dependência da lei que operou essa inserção. O que significará que basta a inércia do legislador para que os efeitos da redução agora operada, ainda que incidentes apenas sobre os momentos em vigor à data da emissão da norma perdurem indefinidamente

»

.

90 - A partir da sua entrada em vigor, a menos que alguma norma de idêntico valor o venha permitir, os financiamentos públicos de subsistemas privados de saúde, ainda que estes, qual tale, se mantenham, não será possível.

91 - Por outro lado, nem a LQER nem os Estatutos da ANACOM, vieram excecionar a aplicação daquela norma, que por isso se mantém em vigor e vincula todas as entidades públicas ou que que sejam financiadas por verbas públicas.

92 - A ANACOM é uma pessoa coletiva pública, financiada por verbas provenientes de receitas, que embora próprias, são públicas, tanto as que se referem às taxas como as que resultem da venda dos seus serviços. A aplicação dessas receitas, qualquer que seja o regime a que se subordina, é de natureza pública, estando por isso vinculada a esse normativo.

93 - Assim sendo não tem qualquer razão a recorrente quanto [a] esta dimensão do recurso.”

O Tribunal de Contas apreciou, posteriormente, do mesmo modo, na decisão recorrida, o art. 156.º da Lei do Orçamento de Estado para 2007, agora sob o ponto de vista da eventual violação do direito comunitário (cf. fls. 299-302 dos autos).

Tal como apreciou, porém, outras disposições legislativas, designadamente integrantes da LeiQuadro das Entidades Reguladoras (LQER) ou dos Estatutos da ANACOM, para definir a sua posição de rejeição do recurso desta entidade reguladora.

No entanto, as questões de constitucionalidade, sobre que se debruçou, tinham fundamentalmente a ver com disposições do Decreto Lei 14/2003, como definidas pela recorrente ANACOM no seu recurso para o mesmo Tribunal (cf. fls. 304-309 dos autos).

»

Daí a conclusão expressa pelo Ministério Público:

«

18.º Por todo o exposto, crê-se que as questões de constitucionalidade, relativas ao Decreto Lei 14/2003, submetidas à apreciação deste Tribunal Constitucional, estão claramente definidas no presente recurso de constitucionalidade e foram devida e previamente suscitadas perante a instância recorrida.

No entanto, e apesar disso, pelas razões invocadas pelo Ilustre Con-selheiro Relator, não se opõe o Ministério Público a que o objeto do presente recurso não seja conhecido, com fundamento na existência de um fundamento alternativo que impede a sua apreciação.

Seja como for, é muito provável que as mesmas questões, dado o facto de afetarem o pessoal de entidades reguladoras independentes, voltem a ser submetidas à apreciação deste Tribunal Constitucional, já sem o óbice que agora poderá impedir o seu conhecimento.

»

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação 5 - A matéria dos pressupostos processuais relativos à fiscalização da constitucionalidade releva de juízos sobre a legalidade do conhecimento de tais processos; não sobre a sua oportunidade ou conveniência. Em particular, estando em causa, como sucede no caso vertente, processos de fiscalização concreta da constitucionalidade, a competência específica do Tribunal Constitucional

«

para administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional

»

(artigo 221.º da Constituição) articula-se necessariamente com o poder constitucionalmente atribuído aos demais tribunais - e entre estes ao Tribunal de Contas - para apreciarem e decidirem questões de inconstitucionalidade (artigo 204.º da Consti-tuição). Assim, a intervenção do Tribunal Constitucional ocorre em via de recurso, e tal recurso é restrito à questão da inconstitucionalidade (artigo 280.º, n.os 1, 2 e 6).

Daqui decorre, desde logo, a necessidade de uma clara distinção entre a questão da inconstitucionalidade e a questão principal:

«

Esta [última] constitui o objeto do litígio ou do problema (de natureza civil, penal, administrativa, laboral) submetido à decisão dos tribunais; a questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade traduz-se em saber se uma norma a aplicar ao caso concreto (questão principal) é contrária à Constituição [...], em termos que o sentido da decisão a ser proferida no processo principal depende, da solução do juízo de conformidade ou desconformidade dessa norma com a Constituição [...], Esta questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) não é, pois, uma ação destinada a impugnar de modo direto e abstrato, a conformidade constitucional (ou legal) de uma norma, mas sim um instrumento concedido às partes no processo para defenderem os seus direitos e interesses (dimensão subje-tiva) e ao juiz e ao MP (dimensão objetiva) para obterem a conciliação da sua dupla sujeição aos atos normativos e à Constituição (cf. arts. 202.º e 204.º)

»

(v. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da Repú-blica Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, anot. XXIII ao art. 280.º, pp. 954-955).

Por isso mesmo,

«

os recursos de constitucionalidade (ou de legalidade) estão incindivelmente ligados aos processos que lhes deram origem. Eles são recursos instrumentais em relação à decisão da causa em que o incidente de constitucionalidade (ou de legalidade) surgiu. [...] Embora o recurso de constitucionalidade (ou de legalidade) se destaque da causa principal, essa autonomização é sempre relativa, pois o recurso não pode subsistir sem a permanência da causa principal (v. idem, ibidem, anot. XXXI, p. 959).

Mas a posição relativa do Tribunal Constitucional face aos demais tribunais - uma instância de recurso no tocante às questões de inconstitucionalidade - implica igualmente uma limitação dos poderes de cognição daquele Tribunal:

o mesmo não se substitui ao tribunal recorrido; limita-se a decidir em última instância a questão de inconstitucionalidade concretamente em causa. A projeção de tal decisão no processobase varia em função do respetivo objeto, nomeadamente consoante seja negado ou dado provimento ao recurso de constitucionalidade:

no primeiro caso, a decisão recorrida mantém-se inalterada; no segundo, a mesma decisão deve ser reformada pelo tribunal recorrido

«

em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade

»

(artigo 80.º, n.º 2, da LTC). Como refere BLANCO DE MORAIS:

«

[O Tribunal Constitucional n]ão opera, deste modo, como uma instância suprema de mérito, ou um tribunal de superrevisão, investido em poderes substitutivos, já que lhe não compete apreciar a justeza da decisão jurídica segundo o direito ordinário aplicado no processo principal.

[Q]uando julga a inconstitucionalidade de uma norma [o Tribunal Constitucional] limita-se a revogar a decisão recorrida e a determinar ao “tribunal a quo” que a reforme ou a mande reformar, fazendo caso julgado no processo quanto à questão de constitucionalidade ou legalidade suscitada.

Nestes termos, segundo um entendimento maioritário, acolher-se-ia na ordem jurídica portuguesa um sistema cassatório, ou um sistema de cassação mitigado

»

(v. Autor cit., Justiça Constitucional, tomo II, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, § 933, p. 619; no mesmo sentido, v. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XV ao art. 280.º, p. 787; e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição, cit., anot. XXIX ao art. 280.º, pp. 958-959).

Decorre do exposto que existe uma interdependência entre a questão de inconstitucionalidade cognoscível pelo Tribunal Constitucional e o sentido da decisão recorrida, em termos de apenas se justificar decidir a primeira, caso o sentido da segunda possa vir a ser alterado por aquela decisão, nomeadamente no caso de ser dado provimento ao recurso de constitucionalidade. Ou seja, se a concessão de provimento ao recurso de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional for, de todo, insuscetível de determinar a reforma da decisão recorrida, não há que conhecer de tal recurso; de contrário, o Tribunal Constitucional praticaria um ato inútil.

Na formulação do Acórdão 556/98 (também citado pela recorrente, mas que trata de matéria atinente à não aplicabilidade no caso da norma então sindicada):

«

[O] recurso de constitucionalidade está também sujeito às regras gerais do Código de Processo Civil que definem os pressupostos processuais, nomeadamente em matéria de interesse e utilidade dos recursos (cf. artigo 69.º da LTC).

Assim, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, sempre que a decisão do mesmo seja insuscetível de produzir qualquer efeito útil no processo, faltará o pressuposto da existência de interesse processual, como é entendimento constante e uniforme deste Tribunal, - cf., nomeadamente, os Acórdãos n.º 332/94 [...] e n.º 343/94 [...] e, mais recentemente, os Acórdãos n.º 477/97 e 227/98.

»

Ou segundo o Acórdão 286/91:

«

[A]tenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, haverá o Tribunal Constitucional de analisar se a decisão que possa vir a ser proferida sobre a questão de (in)constituciona1idade poderá ainda assumir qualquer relevância para o “desfecho do incidente” ou, se, pelo contrário, poderá ser uma “res inutilis”, “coisa vã” (formulações do Acórdão 250/86 [...].

De facto, como se escreveu no Acórdão 86/90 deste Tribunal “O julgamento da questão de constitucionalidade desempenha sempre, na verdade, uma função instrumental, só se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver utilidade para a decisão da questão de fundo. Ou seja:

o sentido do julgamento da questão de constitucionalidade há de ser suscetível de influir na decisão destoutra questão, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão académica.”

»

Com efeito, tal inutilidade pode revelar-se ab initio ou tãosó super-venientemente. No primeiro caso, o recurso é inadmissível por falta de interesse em agir; no segundo, ocorre uma caducidade do recurso já pendente (como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA,

«

[s]e porventura o julgamento da questão de constitucionalidade (ou de le-galidade) deixou de ter interesse para a decisão da causa, o recurso caduca por inutilidade superveniente (cf., por ex., AcTC n.º 234/91); v. Constituição, cit., anot. XXXI ao art. 280.º, p. 959).

Para a decisão do presente processo, cumpre analisar com mais detalhe [...]:

o interesse em agir.

6 - De todo o modo, as considerações que antecedem permitem, desde já, refutar os argumentos invocados pela recorrente quanto à utilidade do recurso mesmo naqueles casos em que a concessão de provimento ao mesmo determina a subsistência da decisão recorrida na ordem jurídica (cf. os n.os 16 a 35, em especial os n.os 21 e 22, da respetiva resposta ao despacho do relator de 16 de setembro de 2016). É essa a situação dos presentes autos, que não é confundível com os casos de eventual inutilidade superveniente (como a situação objeto do Acórdão 90/84 também referido pela recorrente) Em primeiro lugar, considerando o objeto formal do recurso de constitucionalidade, a utilidade do mesmo tem de ser aferida em função da própria decisão recorrida. O único “desfecho da causa” que importa ao recurso de constitucionalidade é aquele que se projeta na decisão recorrida, seja mantendo-a, seja determinando a sua reforma. E isto, independentemente, de, para além da projeção de efeitos sobre a decisão recorrida, poder a eficácia da decisão do Tribunal Constitucional proferida em sede de fiscalização concreta desenvolver-se noutras direções (v., por exemplo, o artigo 79.º-D, n.º 1, e 82.º, ambos da LTC).

Ora nada disto é desmentido pelos arestos invocados pela recorrente que tratam diretamente da questão recorribilidade constitucional de decisões com fundamentos alternativos:

os Acórdãos n.os 256/2004 e 113/2006, ambos proferidos - sublinhe-se - no âmbito de recursos de constitucionalidade interpostos de decisões de recusa de aplicação de norma julgada inconstitucional (cf. o artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC; quando o que está em causa no presente processo é um recurso de decisão de aplicação de norma considerada inconstitucional pelo recorrente, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da mesma Lei).

No primeiro dos citados Acórdãos, o Tribunal começou justamente por se interrogar se

«

ao imporem ao Ministério Público a obrigação de interpor recurso das decisões dos tribunais que hajam recusado a aplicação de norma constante, designadamente, de ato legislativo [...], com fundamento em inconstitucionalidade e ao estabelecerem a regra da subida imediata desses recursos, sem prévia exaustão dos recursos ordinários no caso cabíveis, a Constituição e a lei [não pretenderão] que o “conflito entre o poder judicial e o poder legislativo”, vislumbrável naquela recusa judicial de aplicação de norma legal, seja rapidamente dirimido pelo órgão constitucional competente para dizer a última palavra em questões de constitucionalidade - o Tribunal Constitucional-, impedindo a consolidação, na ordem jurídica, de decisões judiciais de inconstitucionalidade de normas legais sem que o Tribunal Constitucional possa controlar esses juízos[; e s]e esses interesses não deverão ceder a razões de economia e utilidade processuais em casos em que a decisão judicial estribada em pluralidade de fundamentos é simultaneamente a decisão final e definitiva do pleito.

»

Deixando em aberto a questão, o próprio Tribunal salientou logo de seguida:

«

Mas em situações - como a dos presentes autos - em que a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional não é a decisão definitiva da causa, por ser ainda suscetível de recurso ordinário (aliás, neste caso, já interposto), nem sequer se pode argumentar com a inutilidade da pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a questão de constitucionalidade perante ele suscitada. Na verdade, o interesse processual ora em apreço deve aferir-se face à suscetibilidade de a pronúncia do Tribunal Constitucional “se projetar utilmente sobre a decisão quanto ao mérito da causa” (para usar a formulação do citado Acórdão 159/93), isto é, sobre o desfecho da ação, e não restritamente sobre a concreta decisão judicial recorrida, quando esta não é a decisão definitiva. Isto é:

a utilidade processual é suscetível de ser aferida relativamente ao processo (à causa), não se reportando apenas à decisão recorrida.

No presente caso, o imediato conhecimento, pelo Tribunal Constitucional, da questão de constitucionalidade perante ele suscitada tem a óbvia utilidade de resolver definitivamente uma das duas questões que estão em discussão nos autos:

a da constitucionalidade da norma do artigo 36.º, n.º 2, da LTC. Se o Tribunal Constitucional, revogando nessa parte a sentença recorrida, não julgar inconstitucional tal norma, à Relação de Lisboa, vinculada por esse juízo de não inconstitucionalidade, apenas restará apreciar a outra questão suscitada nas alegações do recurso perante ela interposto:

a de saber se se mostra preenchida a condição prevista na alínea c) desse preceito (atribuição de uma retribuição durante o período de limitação da atividade do trabalhador). Se, ao invés, o Tribunal Constitucional, confirmando nessa parte a sentença recorrida, julgar inconstitucional a dita norma, então é a Relação de Lisboa que até se poderá considerar dispensada de conhecer do outro fundamento da sentença, pois, mesmo que considerasse preenchida a aludida condição, nunca a ação poderia proceder por força do juízo de inconstitucionalidade definitivamente emitido pelo Tribunal Constitucional.

»

Ou seja - e deixando de lado a discussão sobre se a relação entre os fundamentos da decisão recorrida considerada é de mera alternatividade ou, porventura, mais exatamente, de subsidiariedade, visto que, sob pena de contradição, os fundamentos não podem situar-se no mesmo plano -, mesmo nesse caso, o Tribunal verificou que o conhecimento do recurso se justificava em razão da possibilidade de a respetiva decisão se projetar sobre o sentido da decisão então recorrida:

a ser concedido provimento ao recurso de constitucionalidade - como na realidade sucedeu -, o Tribunal Constitucional tem de revogar a decisão recorrida, obrigando à sua reforma (a qual pode, então, consistir - como aconteceu no caso em análise - na aplicação da norma não julgada inconstitucional, mas igualmente em sentido desfavorável à recorrida).

A situação objeto do Acórdão 113/2006 é paralela:

o acórdão então recorrido decidiu julgar tempestiva a ação de investigação de paternidade intentada, quer porque desaplicou a norma do artigo 1817.º, n.º 4, do Código Civil (inconstitucionalidade da restrição da faculdade de intentar ação de investigação da paternidade no prazo de um ano após a morte do pretenso pai às situações em que o investigante é tratado como filho), que porque considerou a mesma norma aplicável no caso concreto (considerou provada a respetiva hipótese normativa). A única diferença respeitou ao entendimento do Tribunal Constitucional.

Primeiro reiterou o entendimento tradicional, igualmente sufragado pelo relator nos presentes autos:

«

[V]erificada a existência de fundamentos alternativos autónomos, isto é, de pluralidade de fundamentos, um dos quais estranho ao objeto do recurso e por si só suficiente para assegurar o sentido da decisão recorrida ainda que não viesse a ser revogada na parte respeitante à questão da inconstitucionalidade, coloca-se a questão de saber se o Tribunal deve conhecer do objeto do recurso.

É dominante na jurisprudência do Tribunal o entendimento de que, face à função instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, comportando a decisão recorrida pluralidade de fundamentos, não há que conhecer dos recursos de constitucionalidade em que apenas se questione um desses fundamentos. É certo que tais situações surgem, na grande maioria dos casos, em recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos quais, por força da regra da prévia exaustão dos recursos ordinários, a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional coincide com a decisão definitiva da causa, e, por isso, nessas hipóteses, o eventual provimento do recurso de constitucionalidade surge como insuscetível de afetar simultaneamente o sentido da decisão judicial recorrida e o desfecho da causa. Mas também assim se tem decidido em recursos interpostos, como o presente, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (Cf. a jurisprudência citada por Victor Calvete, “Interesse e Relevância da Questão de Constitucionalidade e Utilidade do Recurso de Constitucionalidade - Quatro Faces de uma mesma Moeda”, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 404).

A esta luz, mesmo que se considere que, tal como a fundamentação do acórdão se desenvolve, o juízo de inconstitucionalidade não constitui um mero obiter dictum, o presente recurso não teria utilidade, uma vez que, admitida a revogação do acórdão nessa parte, sempre improcederia a exceção de caducidade pelo fundamento alternativo. Ocorre até a singularidade de - na construção jurídica que fez vencimento e que não cumpre ao Tribunal apreciar no plano do direito ordinário - a norma que, pelo preenchimento da respetiva hipótese, conduz à improcedência da exceção ser a mesma cujo afastamento por inconstitucionalidade permite que igualmente se julgue não verificada a caducidade.

»

Depois, divergiu do entendimento seguido no anterior Acórdão 256/2004, considerando a possibilidade de o tribunal comum de recurso não reeditar o juízo positivo de inconstitucionalidade:

«

Não se excluiu a existência de situações em que tenha utilidade o conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC de decisões com fundamento alternativo, v. g. quando o sujeito processual disponha de opções processuais que lhe permitam atingir o resultado final sem necessidade de impugnar a decisão quanto ao fundamento deixado incólume, ou quando, devendo o processo prosseguir, o incidente de constitucionalidade se reporte a uma questão que condicione o desfecho da causa e cuja discussão fique precludida. Mas não estamos perante uma situação deste género. No caso, se não for impugnado ou se vier a ser confirmado o julgamento do tribunal a quo quanto à ocorrência dos pressupostos da norma do n.º 4 do artigo 1817.º do Código Civil mantém-se a decisão quanto à não caducidade da ação. E bem pode acontecer que o Supremo Tribunal de Justiça não reedite o juízo de inconstitucionalidade, mantendo a decisão apenas com base na verificação da previsão da norma em causa, ou que conceda provimento ao recurso. Em qualquer destas hipóteses, a atividade decisória do Tribunal Constitucional no presente recurso teria sido desprovida de utilidade.

»

Contudo, a aludida divergência em nada afeta a mencionada conexão necessária entre a utilidade do recurso de constitucionalidade - em especial, se interposto de uma decisão de aplicação de norma tida por inconstitucional - e a suscetibilidade de modificação da decisão recorrida em consequência de ser dado provimento ao mesmo recurso, isto é, a revogação e consequente reforma de tal decisão.

Por outro lado, e como já referido, os outros efeitos que uma decisão positiva de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional possa vir a produzir, seja enquanto pressuposto de um processo de generalização do juízo positivo de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 281.º, n.º 3, da Constituição e do artigo 82.º da LTC, seja enquanto eventual impulso políticolegislativo, não põem em causa a citada conexão. Desde logo, porque, conforme refere a própria recorrente, se trata de

«

efeitos extrínsecos

»

(v. o n.º 34 da sua resposta ao despacho do relator de 16 de setembro de 2016), que em nada contendem com a natureza instrumental dos processos de fiscalização concreta da constitucionalidade. Além disso, trata-se de efeitos que, embora pressupondo uma decisão de fundo proferida em sede de fiscalização concreta, não reclamam que essa decisão conceda provimento ao recurso de constitucionalidade e determine a modificação da decisão recorrida (por exemplo, a negação de provimento a recurso interposto de uma decisão de desaplicação pode relevar para efeitos de generalização; a negação de provimento de recurso interposto de uma decisão de aplicação pode desencadear impulsos político-legislativos).

Em conclusão:

os argumentos relacionados com

«

outros efeitos, porventura secundários, mas de todo o modo juridicamente relevantes

» com que a recorrente procura justificar o conhecimento do mérito de recursos de constitucionalidade no âmbito de processos de fiscalização concreta nos casos em que a respetiva decisão de provimento, à partida, é insuscetível de determinar a reforma da decisão recorrida não têm sustentação no plano jurídicoconstitucional, designadamente no respeitante à posição e função do Tribunal Constitucional no quadro do sistema judiciário, nem podem invocar apoio em qualquer corrente ou tendência jurisprudencial, presente ou passada.

7 - Mas a primeira - e principal - linha argumentativa da recorrente quanto à necessidade de conhecimento do mérito do presente recurso consiste na defesa de que o seu eventual provimento

«

determina a reforma da decisão recorrida quanto ao desfecho do processo-base

»

(cf. o n.º 4 da sua resposta ao despacho do relator de 16 de setembro de 2016 e o desenvolvimento posterior nos n.os 5 a 14). Ou seja, e por outras palavras, contrariamente ao entendimento afirmado pelo relator no seu despacho de 16 de setembro de 2016, a recorrente tem interesse em agir.

Mas, também aqui, a recorrente não tem razão. 8 - O interesse em agir ou interesse processual é um dos pressupostos processuais positivos:

«

elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa

»

(assim, v. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 104). Tal pressuposto consiste, em geral, na

«

neces-sidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação

»

(v. idem, ibidem, p. 179).

Porém, como nota MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, tratando-se de recursos jurisdicionais, o interesse processual exige a consideração de uma outra perspetiva, já que então a legitimidade ad recursum é reconhecida precisamente

«

a quem tiver sido prejudicado pela decisão proferida

»

, assentando, desse modo, não

«

numa relação da parte com o objeto da causa

»

, como sucede na legitimidade ad causam,

«

mas antes nas consequências que uma decisão pode produzir na esfera jurídica de um sujeito:

este sujeito pode recorrer se a decisão lhe for prejudicial e, portanto, se ele pretender afastar esse prejuízo através da revogação da decisão pelo tribunal de recurso

»

(v. Autor cit., “Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 947 e ss., p. 948). Daí que a legitimidade em sede recursória

«

não [seja] mais do que um aspeto do interesse processual (ou interesse em agir) [...]. Portanto, só possui legitimidade para recorrer quem puder retirar alguma utilidade da revogação da decisão impugnada pelo tribunal ad quem

»

(v. idem, ibidem, p. 949; em sentido convergente, v. BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, tomo II, cit., § 992, pp. 696-697; e § 1008, pp. 709-710). Daí a necessidade de clarificar o sentido autónomo do interesse processual na instância de recurso. Continuando a seguir MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, tal relevância autónoma existe e cifra-se na possibilidade de retirar uma qualquer vantagem prática da revogação da decisão recorrida pelo tribunal de recurso (cf. ibidem, p. 950):

«

[S]empre que o recorrente tenha interesse em impugnar uma decisão, porque ela lhe é desfavorável, mas não retire qualquer vantagem da sua revogação pelo tribunal ad quem, esse sujeito tem legitimidade para recorrer, mas não possui qualquer interesse no recurso. Isto demonstra, em suma, que pode haver legitimidade para recorrer da decisão, mas faltar o interesse processual que justifica o recurso:

a legitimidade para recorrer determina quem pode impugnar a decisão; o interesse no recurso define se a eventual revogação da decisão que é requerida pelo recorrente se reveste de alguma relevância prática

»

.

Por maioria de razão, dir-se-á inexistir interesse em agir naqueles casos em que, mesmo que viesse a ser reconhecida a razão da impugnação pelo recorrente da decisão do tribunal a quo, esta última não poderia ser revogada pelo tribunal ad quem, em virtude de se sustentar autonomamente num outro fundamento que não foi objeto de impugnação.

Foi precisamente isso que se sustentou - e que agora se reitera -, a propósito do recurso de constitucionalidade, no despacho do relator de 16 de setembro de 2016, citando-se em abono de tal entendimento diversos acórdãos do Tribunal Constitucional (v. os Acórdãos n.os 397/2008, 824/2013, 53/2014, 160/2016, e 485/2016):

«

Nestes casos a norma ou dimensão normativa impugnada junto do Tribunal Constitucional não configura a única ratio decidendi da pronúncia recorrida, uma vez que a mesma decisão subsiste com base noutro fundamento, fundamento esse que, por si só, é igualmente suficiente para sustentar aquela pronúncia.

»

(fls. 458)

No mesmo sentido, afirma MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (“Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade”, cit., pp. 958-959):

«

Para a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional não basta que a parte tenha sido vencida; é ainda necessário que ela tenha interesse em ver revogada a decisão proferida, ou seja, é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil. Como o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de referir, o recurso de constitucionalidade apresenta-se como um recurso instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se reveste de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercutir no julgamento daquela decisão (cf. TC 768/93, TC 769/93, TC 162/98;

TC 556/98;

TC 692/99). Expressando a mesma orientação noutras formulações, o Tribunal Constitucional afirmou que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, pelo que só devem ser conhecidas questões de constitucionalidade suscitadas durante o processo quando a decisão a proferir possa influir utilmente na decisão da questão de mérito em termos de o tribunal recorrido poder ser confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento (TC 60/97), e concluiu que o recurso de constitucionalidade possui uma natureza instrumental, traduzida no facto de ele visar sempre a satisfação de um interesse concreto, pelo que ele não pode traduzir-se na resolução de simples questões académicas (TC 234/91, [...] TC 167/92). [...] [O] Tribunal Constitucional negou o interesse no recurso quando, ainda que a norma aplicada venha a ser declarada inconstitucional, a decisão recorrida deva subsistir com base em outros fundamentos igualmente nela invocados (TC 77/92 [...] TC 692/99;

TC 317/2002;

TC 241/2003) [...]

»

Idêntico é o entendimento sufragado por BLANCO DE MORAIS, referindo, a propósito os Acórdãos n.os 241/2003, 320/2007 e 270/2008 (v. Autor cit., Justiça Constitucional, tomo II, cit., §§ 1010, p. 711, e 1014, p. 715):

se o tribunal a quo utilizar dois fundamentos normativos diversos e autónomos para decidir determinada questão, sendo a inconstitucionalidade invocada apenas em relação a um deles, não existe utilidade no conhecimento do recurso, uma vez que a decisão recorrida poderia subsistir sustentada no outro fundamento.

O mesmo Autor, por outro lado, justifica nestes termos a legitimidade da utilização pelo Tribunal do pressuposto processual em análise (v. ibidem, § 1012, p. 713):

«

Embora a falta de interesse processual não configure um dos pressupostos de indeferimento do recurso previstos no art. 76.º da LTC, o facto é que a jurisprudência constitucional considera que a enumeração feita neste preceito assume caráter exemplificativo, podendo a recusa de conhecimento decorrer da aplicação supletiva do Código de Processo Civil (art. 69.º da LTC).

Mas, pese a sua não explicitação na LTC, o interesse processual, como pressuposto de admissão do recurso e condição do seu julgamento, pode ser deduzido da alínea b), do n.º 1 do art. 72.º da LTC (nomeadamente do nexo de dependência entre o processo constitucional e o processo-pretexto) e da natureza instrumental do primeiro em face do segundo.

Trata-se, de todo o modo, de um requisito ínsito numa norma de revelação jurisprudencial que preenche uma lacuna na lei processual constitucional, mediante o auxílio de um instituto do Direito Processual Civil.

»

9 - A recorrente, mais do que contestar a relevância autónoma do pressuposto processual do interesse em agir, defende que in casu o mesmo pressuposto se encontra preenchido, já que a eventual procedência do presente recurso determinaria a reforma da decisão recorrida. Louva-se, para tanto, no que apelida de “caráter acessório e não princi-pal” do fundamento de recusa de visto consubstanciado no artigo 156.º da Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007) e na circunstância de os parâmetros constitucionais invocados como incompatíveis com as normas objeto do presente recurso serem igualmente incompatíveis com aquele preceito (v., respetivamente, os n.os 5 a 11 e 12 a 14, todos da resposta ao despacho do relator de 16 de setembro de 2016).

9.1 - Começando por este segundo aspeto, é evidente a sua irre-levância para decidir da admissibilidade do presente recurso:

ainda que, por hipótese, se pudesse aceitar o alegado caráter manifesto da incompatibilidade do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 com os princípios constitucionais da confiança e da igualdade de tratamento, certo é que tal incompatibilidade não poderia ser objeto de apreciação por parte do Tribunal Constitucional no âmbito deste processo, uma vez que tal preceito não foi integrado pela recorrente no objeto do recurso.

Com efeito, o objeto do recurso de constitucionalidade é definido, em primeiro lugar, pelos termos do requerimento de interposição de recurso. Tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que, ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção duma redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza. Esta é uma decorrência do princípio do pedido:

o Tribunal só pode apreciar as questões de inconstitucionalidade normativa que o recorrente lhe coloque (cf. os artigos 71.º, n.º 1, e 75.º-A, n.º 1, ambos da LTC; v. também os artigos 3.º, n.º 1, e 635.º, n.os 2, 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil). Aliás, se conhecer e decidir questões de inconstitucionalidade que não integrem o objeto do recurso, tal como configurado pelo recorrente nos termos referidos, o acórdão do Tribunal será nulo por excesso de pronúncia (cf. os artigos 608.º, n.º 2, 2.ª parte, e 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Civil, ambos aplicáveis ao recurso de constitucionalidade ex vi artigo 666.º, n.º 1, do mesmo Código e artigo 69.º da LTC).

9.2 - No que se refere à importância para o acórdão aqui recorrido da ilegalidade decorrente da violação da norma do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007, cumpre recordar que, segundo decidido pelo acórdão de 9 de novembro de 2015, a norma em causa - que reveste natureza financeira - foi violada e

«

a violação direta de normas financeiras constitui igualmente motivo para a recusa de visto, conforme estabelece a alínea b) do n.º 3 do [...] artigo 44.º da LOPTC [-a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas ou LTdC]

»

(realce aditado; cf. os respetivos n.os 108 e 109, transcritos supra no n.º 1). Coerentemente, a recusa de visto fundamentou-se também no aludido artigo 44.º, n.º 3, alínea b), da LTdC (cf. o dispositivo do citado acórdão, igualmente transcrito supra no n.º 1). Tal significa que a mencionada violação do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 constitui condição suficiente para a recusa de visto decidida em primeira instância. Com efeito, inexiste qualquer hierarquia entre os fundamentos de recusa de visto elencados no artigo 44.º, n.º 3, da LTdC.

Por outro lado, no caso vertente, e conforme referido no despacho do relator nos presentes autos, datado de 16 de setembro de 2016, os fundamentos de recusa de visto previstos no artigo 44.º, n.º 3, da LTdC, alíneas a) - nulidade, por aplicação dos artigos 285.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos e 294.º do Código Civil - e b) - violação direta de normas financeiras, como segundo a interpretação do Tribunal de Contas ocorre relativamente ao artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 - são autónomos um do outro:

qualquer um deles releva por si só, e não está dependente de qualquer juízo de legalidade ou de inconstitucionalidade relativamente ao outro. Inexiste, portanto, qualquer acessoriedade entre o fundamento de recusa de visto correspondente à nulidade derivada da violação das normas extraídas dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c), e 6.º, n.º 3, do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro - as quais integram o objeto do presente recurso - e o fundamento de recusa de visto correspondente à violação da norma do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007, entendida como norma financeira - a qual não integra o objeto do presente recurso.

Daí que o recurso interposto da recusa de visto decidida em primeira instância tenha incidido autonomamente sobre cada um desses dois fundamentos. Estes últimos constituem, por assim dizer, causas de pedir autónomas do recurso ou os erros ou causas autónomos invocados para alterar o decidido em primeira instância:

os factos jurídicos concretos determinantes do efeito jurídico pretendido, que se reconduz à revogação da decisão recorrida (cf. o artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil; neste sentido, poderá assimilar-se o recurso jurisdicional a uma ação impugnatória, de tipo constitutivo ou de anulação). Aliás, se a recorrente assim não tivesse procedido, o acórdão então objeto de recurso - o citado acórdão de 9 de novembro de 2015 - teria transitado em julgado e a recusa de visto com base no fundamento concreto não abrangido pelo recurso teria adquirido força de caso julgado (cf. a regra geral prevista no artigo 621.º do Código de Processo Civil:

«

a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga

»; e, outrossim, o disposto no artigo 635.º, n.º 5, do mesmo Código:
«

os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo

»

).

9.2.1 - A este propósito, vem a recorrente invocar que o caso julgado se refere apenas à

«

parte dispositiva ou injuntiva da decisão, não cobrindo os respetivos motivos e fundamentos

»

(cf. o n.º 6 da sua resposta ao despacho do relator de 16 de setembro de 2016).

Mas, em primeiro lugar, não é exato que exista uma divergência entre os Autores que refere. Com efeito, ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA afirmam expressamente que os

«

limites objetivos do caso julgado são dados pela identidade, não só do pedido, mas também da causa de pedir, revelando a

«

inclusão da causa de pedir entre os elementos identificadores da ação, para definir o caso julgado nas próprias ações reais [-e, poderá acrescentar-se, nas ações constitutivas e de anulação-] que a lei portuguesa seguiu, nesse ponto, a chamada teoria da substanciação (e não a denominada teoria da individualização[; a primeira] exige sempre a indicação do título (facto jurídico) em que se baseia o direito do autor. A teoria da individualização prescinde, pelo contrário, da indicação desse título, sempre que, como sucede nas ações reais (e ao invés do que sucede nas ações creditórias), ela não seja necessária para identificar o direito invocado pelo autor

»

(v. Autores cits., Manual de Processo Civil, cit., pp. 710-711).

Em segundo lugar, importa não confundir o título (facto jurídico) que justifica a recusa de visto - ou, em sede de recurso, o erro ou causa justificativa da revogação da decisão recorrida - com outros quaisquer motivos. O primeiro reconduz-se a fundamentos concretos do efeito jurídico pretendido:

no caso da recusa de visto, as mencionadas ilegalidades concretas; e no respeitante ao recurso interposto da decisão de recusa de visto, os erros ou causas de revogação de tal decisão. Deste modo, se numa dada situação concorrerem diferentes fundamentos para o mesmo efeito jurídico, este último só pode ser revertido com o afastamento de todos esses fundamentos.

O mesmo é dizer, concretizando em relação ao caso sub iudicio, que a decisão de recusar o visto só poderia ter sido revogada pelo acórdão ora recorrido, caso este tivesse considerado insubsistentes todas as ilegalidades invocadas em primeira instância como fundamento autónomo para tal recusa. O que não sucedeu. Pelo contrário, o acórdão ora recorrido confirmou todas essas ilegalidades imputadas ao contrato submetido à fiscalização prévia do Tribunal de Contas e, por isso, manteve inalterada a decisão então recorrida.

Do mesmo modo, o acórdão ora recorrido só teria de ser revogado em consequência de uma decisão (cassatória) a proferir por este Tribunal, caso todos os fundamentos autónomos em que o mesmo se baseou para não revogar a decisão não pudessem subsistir. A partir do momento em que um desses fundamentos nem sequer integra o objeto do recurso interposto para este Tribunal - e é esse, como mencionado, o caso da norma do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 -, está, desde logo, afastada a possibilidade de a decisão do recurso de constitucionalidade determinar a revogação da decisão proferida pelo tribunal a quo. Esta última - consistente na não revogação ou confirmação da decisão de recusa de visto - permanece, em qualquer caso, com base nesse fundamento e, qualquer que viesse a ser o sentido da pronúncia do Tribunal Constitucional, o tribunal recorrida não poderia modificar tal decisão. Por outras palavras, a confirmação ou não revogação da decisão de recusar o visto no presente caso com base na violação da norma do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 é, por força da extinção do poder jurisdicional prevista no artigo 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, um efeito do julgado inalterável (cf. o artigo 635.º, n.º 5, do mesmo Código).

9.2.2 - Por fim, o argumento que a recorrente pretende retirar do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil em favor do caráter acessório do fundamento consubstanciado na violação do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (cf. os n.os 7 e 8 da resposta da recorrente ao despacho do relator de 16 de setembro de 2016), além de reversível - no sentido de que o mesmo se poderia dizer, seguindo a lógica (incorreta) da recorrente, da ilegalidade decorrente da violação das normas extraídas dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c), e 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei 14/2003, de 30 de janeiro - também não procede.

O preceito em causa determina no segmento aqui relevante o se

«

O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

»

Na verdade, e como mencionado, se a recorrente não tivesse impugnado a decisão de recusar o visto com base na insubsistência de todas as ilegalidades que, por corresponderem aos diferentes fundamentos previstos no artigo 44.º, n.º 3, da LTdC, estiveram na base de tal decisão correspondente à violação da norma do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007, o acórdão de 9 de novembro de 2015 teria transitado em julgado e a recusa de visto com base no fundamento concreto não abrangido pelo recurso por si interposto teria adquirido força de caso julgado (cf. supra o n.º 9.2). Mas fêlo:

no recurso que interpôs do acórdão de 9 de novembro de 2015, que decidiu recusar o visto ao contrato celebrado pela recorrente, esta última invocou a improcedência de todos os fundamentos justificativos de tal decisão, imputando à mesma diversos erros de direito, entre os quais, a inaplicabilidade ao contrato de prestação de serviços em análise da norma do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007 e, bem assim, das normas dos artigos 3.º, n.º 2, alínea c), e 6.º, n.º 3, do Decreto Lei 14/2003, de 30 de janeiro (cf. supra o n.º 1).

Assim sendo, o acórdão ora recorrido - o acórdão de 26 de janeiro de 2016 - tinha, por força do citado artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, de conhecer da alegada insubsistência de todos esses fundamentos justificativos da recusa de visto. Aliás, se o não tivesse feito, como fez, o mesmo acórdão seria nulo por omissão de pronúncia (cf. o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do mesmo Código).

10 - Em conclusão:

os argumentos invocados pela recorrente tendentes a demonstrar que o recurso de constitucionalidade por si interposto com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC conserva a sua utilidade, não obstante o respetivo objeto material não integrar a norma do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007, são improcedentes, visto que aquela não inclusão é, por si só, impeditiva de que um eventual provimento do mesmo recurso determine a revogação do guinte:

acórdão ora recorrido e a sua consequente reforma em conformidade com o juízo positivo de inconstitucionalidade que viesse a ser proferido. Deste modo, a recorrente carece de interesse em agir ou interesse processual, não podendo este Tribunal conhecer do mérito de tal recurso.

III. Decisão Pelo exposto, decide-se não conhecer do objeto do recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 7 de outubro (cf. o artigo 6.º, n.º 2, do mesmo di-ploma).

Lisboa, 19 de outubro de 2016 - Pedro Machete - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Fernando Vaz Ventura - Costa Andrade.

210028223

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2803743.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1997-08-26 - Lei 98/97 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e processo do Tribunal de Contas, que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas pública, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidade por infracções financeiras exercendo jurisdição sobre o Estado e seus serviços, as Regiões Autónomas e seus serviços, as Autarquias Locais, suas associações ou federações e seus serviços, bem como as áreas metropolitanas, os institutos públicos e as instituições de segurança social. Estabelece normas sobre o f (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2003-01-30 - Decreto-Lei 14/2003 - Ministério das Finanças

    Disciplina a atribuição de benefícios e regalias suplementares ao sistema remuneratório dos titulares de órgãos de administração ou gestão e do restante pessoal dos serviços e fundos autónomos.

  • Tem documento Em vigor 2006-12-29 - Lei 53-A/2006 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2007.

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