Resulta daqui que as produções médias, em período suficientemente longo para amortecer a dispersão anual, não revelam aumento muito rápido ao longo das últimas décadas, salvo no trigo, onde os estímulos oficiais têm provocado, nas terras aptas, nítida subida; a cultura cerealífera parece ter-se tornado mais um hábito, ou antes uma fatalidade, do que uma fonte de rendimento aliciante.
No entanto, apesar das condições pouco favoráveis em que se processa, não há que estranhar que a cultura dos cereais tenha adquirido volume apreciável, pois se destina a satisfazer os consumos internos, em mercado que tem sido devidamente protegido - fórmula natural pelo que tem de simples e seguro. E neste equilíbrio precário se tem vivido, exportando-se alguns excedentes fortuitos com quantiosos prejuízos.
Mas começa a afirmar-se há alguns anos um pensamento de reacção. O conhecimento mais apurado da ecologia tem convencido mais fortemente os técnicos de que as condições do meio, na generalidade, não são favoráveis e que as armas de que dispomos para as contrariar, mesmo quando aplicadas hàbilmente - o que nem sempre sucede -, não nos asseguram o êxito pleno; a experiência, por seu lado, vai mostrando que os estímulos à produção, a par com a falta de iniciativa na busca de opções culturais, têm levado a entregar aos cereais terras menos e menos aptas, principais responsáveis pelo baixo rendimento cultural; reconhece-se, ainda, que o nível de fertilidade das terras, mesmo das bem constituídas, acusa dificuldade em se manter, não tanto por falta de adubação química como pela falta de matéria orgânica;
por último, a observação mais atenta do fenómeno económico leva a concluir que o regime de pousio, como fórmula de regeneração de terras cansadas, tem de ser revisto, por constituir factor debilitante do produto nacional, que, ao contrário, importa acrescentar por todos os meios.
2. Estamos hoje em condições de começar a apontar, como fruto da reacção que se referiu, algumas soluções concretas para o problema esboçado, embora os serviços oficiais continuem a reunir dados para as aperfeiçoarem e tocarem mais de perto o verdadeiro caminho.
As terras de sequeiro hoje entregues à cultura trigueira haverá que as classificar em dois grupos, atendendo à sua capacidade de uso. As que forem reputadas aptas continuarão a dar trigo em rotação com forragens e correlativa criação de gado, que permitirá, pela produção de estrumes, dar ao solo a fertilidade que geralmente lhe falta;
espera-se que não seja optimismo contar que o aumento de produção por unidade de superfície, junto à substituição progressiva do pousio, permita que a redução da área afecta ao trigo não faça diminuir sensìvelmente a produção deste cereal.
As terras classificadas como não aptas deverão ser dadas à exploração florestal; o desenvolvimento das indústrias, tendo a madeira como matéria-prima, bem como a exportação desta, permitirão assegurar aos produtos da floresta conveniente procura, através da qual colherão benefícios simultâneamente o proprietário, o trabalhador e a Nação.
O que se diz em relação ao trigo aplica-se aos restantes cereais; mas o caso do milho envolve alguns aspectos particulares nos minimifúndios do Noroeste, onde a falta de dimensão, de mecanização e de sementes híbridas cria situações de produtividade que se torna necessário melhorar.
3. Está o Governo preparando, dentro do espírito do Plano de Fomento Pecuário, recentemente aprovado pelo Conselho Económico, a legislação adequada à concessão de empréstimos para a cultura de forragens e facilidades para a compra de gado. Está mesmo na disposição de tornar dependente da existência de culturas forrageiras e dos correspondentes efectivos pecuários a concessão de qualquer facilidade futura para a cultura do trigo; só não se estabelece este ano tal dependência por não estar suficientemente adiantado o estudo das condições em que se estimulará a cultura da forragem e a criação de gado.
Nos casos em que seja de considerar a conversão da terra à exploração florestal, a Lei 2069, de 24 de Abril de 1954, contém já facilidades a que o proprietário pode recorrer e pelas quais é ajudado substancialmente a fazer aquela conversão;
chega-se ao ponto de o Estado tomar a terra de arrendamento durante o número de anos necessário à formação da mata, debitando ao proprietário nessa data as despesas efectuadas, as quais serão amortizadas em 40 anuidades, ao juro de 2 por cento.
A verdade, porém, é que esta lei tem andado um tanto esquecida pelos particulares e até pelo próprio Estado; mas tem-se hoje a disposição de reavivar as memórias apagadas, levando a florestação de terrenos privados a processar-se em ritmo superior ao que se está verificando, embora se reconheça a crescente cadência dos últimos anos. Como primeiro passo, estão os serviços florestais a criar novos viveiros e a intensificar a elaboração de projectos.
Por último, e nas terras que revelem aptidão adequada, o Plano de Fomento Frutícola virá facilitar igualmente a conversão em termos a definir; mas ai a necessidade de imediata conjugação com estruturas industriais e comerciais implica o estudo de planos regionais, para cuja elaboração o Estado não está ainda suficientemente equipado.
4. Já no relatório do Decreto-Lei 43832, que aprovou o regime cerealífero do ano findo, se aponta a inconveniência de aumentar o preço dos cereais; sobre o reflexo que teria no custo de vida, esse aumento pesaria como incentivo de uma cultura que não convém estender. O que acima se expôs só reforça esta posição.
Para mais, o argumento, geralmente invocado, de terem aumentado os custos dos factores de produção, não justifica, só por si, neste caso como em qualquer outro, o aumento dos preços; só a análise das condições de produtividade torna legítima qualquer conclusão. Nesta fixidez de preços abre-se uma única excepção para o trigo rijo de grão claro, especialmente destinado a massas alimentícias, cujo preço é aumentado $10 por quilograma, ficando assim a valer $20 acima dos trigos moles, sem que tal aumento constitua encargo para a indústria ou para o consumidor.
Reconhece, porém, o Governo que o ano cerealífero de 1961-1962, embora melhor que o antecedente, não passou de um ano médio, que não compensou a produção trigueira do mau resultado do antecedente; daí o prever-se a necessidade de novas importações de trigo em 1962-1963 e a possibilidade de atribuir aos produtores, a título excepcional, uma subvenção de 160000 contos.
Simultâneamente, entende o Governo dever manter os empréstimos de cultura e manter também o valor de 1000$00 por hectare concedido no ano findo, dividindo-o em duas parcelas de 700$00 e 300$00, respectivamente. Há que caminhar no sentido de que, quanto à primeira parcela, 500$00 sejam obrigatòriamente entregues em adubos e ou em sementes.
Pensa-se que será prudente ir baixando lentamente o valor destes empréstimos, como forma de sanear a situação da lavoura e desencorajar as explorações marginais; mas não pareceu oportuna no ano corrente qualquer redução.
5. Não se considera bom principio consentir na moratória, que foi pedida, dos débitos à Caixa Nacional de Crédito, nem se considera que tal seja indispensável.
De facto, das responsabilidades de 687864 contos perante a Caixa Nacional de Crédito, haverá que amortizar, na presente campanha, dentro das condições legais, 464903 contos; mas, atendendo a que o novo empréstimo de cultura atingirá cerca de 350000 contos e que a subvenção extraordinária será de 160000 contos, fica ainda, no conjunto da cultura trigueira, um pequeno saldo líquido de 45000 contos a somar ao valor da venda do trigo pelos proprietários à Federação Nacional dos Produtores de Trigo - valor já liberto dos encargos financeiros atrás referidos e que deverá, lògicamente, remunerar o proprietário e dar-lhe suficiente liquidez para custear a nova sementeira.
A diferença da situação constante neste decreto e da solicitada pela lavoura é da ordem de 50000 contos, cifra bem modesta em relação ao valor do trigo a vender à Federação Nacional dos Produtores de Trigo, no valor aproximado de 1200000 contos.
6. O fomento pecuário justifica ainda duas palavras. O seu interesse no quadro nacional salta aos olhos do menos atento: dá-nos matéria orgânica como fertilizante, dá-nos carne e peles, de que importamos grandes valores, e dá-nos leite, cuja produção já é escassa e cuja escassez aumenta ràpidamente.
Mas sob o ângulo em que a vê o proprietário, a criação de gado tem de mostrar a sua rentabilidade. Sem esquecer o que valem os estrumes e as peles, há que avaliar as receitas mais salientes da carne e do leite; os preços justos destes produtos são condição indispensável do êxito da campanha.
O preço da carne de bovinos foi melhorado recentemente pelo despacho publicado no Diário do Governo de 11 de Abril do ano corrente e pela tabela publicada em 27 de Junho, dentro da linha de orientação de aumentar o interesse da lavoura pela criação de gado.
O preço do leite, cujo aumento foi solicitado pela Corporação da Lavoura simultâneamente com o dos cereais, parece susceptível de revisão mais fàcilmente do que o destes, mas não pode desde já tomar-se posição sobre o pedido. A matéria liga-se à reorganização da indústria dos lacticínios, que está em estudo. O facto de haver para o leite duas aplicações - consumo directo e indústria -, que o podem pagar a preços diferentes, obriga a uma análise de conjunto; e o facto de não se repartirem territorialmente os dois consumos na mesma proporção obrigará a fixar um sistema de compensações que permita pagar o leite ao produtor, qualquer que seja a área em que se encontre, a preço que não será forçosamente igual, mas deverá ser seguramente equitativo.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Mantém-se para o próximo ano cerealífero o disposto no Decreto-Lei 43832, de 29 de Julho de 1961, com as alterações constantes deste diploma.
Art. 2.º É concedida à lavoura, nas condições descritas no artigo 2.º do referido Decreto-Lei 43832, e também a título excepcional, uma subvenção global de 160000 contos.
§ único. A Corporação da Lavoura proporá ao Secretário de Estado do Comércio a forma de distribuição daquela subvenção, tendo em atenção que a mesma tem como objectivo especial subsidiar a lavoura pelos maus resultados da colheita do trigo no ano de 1961.
Art. 3.º O preço do trigo rijo de grão claro para a colheita de 1963 será acrescido de $10 por quilograma.
Art. 4.º O artigo 9.º do Decreto-Lei 43832 passa a ter a seguinte redacção:
Art. 9.º No pão de mistura de farinha de trigo, centeio e milho, ou de apenas duas destas farinhas, um dos componentes não deve entrar na mistura com mais de 2/3 do total das farinhas utilizadas, sem prejuízo do disposto no artigo 75.º do regulamento aprovado pelo Decreto-Lei 42777, de 29 de Agosto de 1959.
Art. 5.º O fornecimento de farinhas espoadas às padarias poderá ser feito em sacos com o peso de 75 kg, consoante dispõe o § 1.º do artigo 15.º do Decreto 18640, de 19 de Julho de 1930, ou em sacos de papel de 50 kg, nas condições que vierem a ser fixadas por despacho do Secretário de Estado do Comércio.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 12 de Setembro de 1962. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Mário José Pereira da Silva - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - Adriano José Alves Moreira - Manuel Lopes de Almeida - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho - João Mota Pereira de Campos - Samuel Rodrigues Sanches.