Tendo, porém, o diploma sido submetido à apreciação da Assembleia Nacional, veio a ser ratificado com emendas em sessão de 16 de Janeiro de 1957.
Transformado desta forma em proposta de lei, foi objecto de extenso parecer da Câmara Corporativa. Mas a legislatura findou sem que sobre a proposta recaísse votação definitiva da Assembleia Nacional.
Os acontecimentos que durante o ano lectivo findo perturbaram a vida das Universidades de Coimbra e de Lisboa fizeram sentir vivamente a necessidade de se definirem normas legais para regular a instituição e actividade das organizações circum-escolares.
Por isso o Governo, através de nota oficiosa do Ministério da Educação Nacional, reiterou, em 19 de Maio, «a sua disposição de dar ouvidos às solicitações dos estudantes, que considera justas, no que respeita à ausência de legislação que regule o funcionamento das associações escolares e estabeleça o sistema em que se integre o vasto plano de obras sociais universitárias destinadas a proporcionar à juventude, por meio de dispendiosos edifícios e pela criteriosa organização da sua vida extra-escolar, condições óptimas de formação intelectual e humana». E anunciou que promulgaria até ao início do próximo ano lectivo e com prévia audiência dos competentes órgãos universitários a legislação sobre a actividade associativa e as obras sociais universitárias.
Para esse efeito, elaborou-se um projecto de diploma, que foi remetido às reitorias das quatro Universidades com o pedido de sobre ele ouvirem os respectivos senados e conselho universitários.
Na elaboração do projecto consideraram-se especialmente, sem desprezar outros elementos, o sentido do debate parlamentar suscitado pelo Decreto-Lei 40900 e o parecer da Câmara Corporativa. Não é, assim, de estranhar que o seu articulado reproduza essencialmente, embora com algumas alterações, o da contraproposta desta Câmara.
Pode dizer-se que os senados das Universidades de Coimbra, Lisboa e Porto e o conselho da Universidade Técnica, ao apreciarem na generalidade o projecto, lhe deram o seu pleno acordo.
Mas, naturalmente, não deixaram de sugerir a alteração de certos preceitos e o aditamento de outros.
Mereceram as sugestões o mais cuidado estudo. A maioria delas mostrou-se perfeitamente aceitável, e por isso recebe consagração no presente decreto-lei.
Constitui este diploma um conjunto de princípios fundamentais que são, relativamente às organizações circum-escolares, pressupostos de vida e actividade correspondentes aos fins da Universidade.
Pretendeu-se que esses princípios ficassem definidos, decerto com perfeita clareza, mas também em termos de suficiente ductilidade para se aplicarem a diversos tipos de organizações, sejam elas associações, agremiações ou instituições formadas exclusivamente por estudantes, sejam formadas por outras entidades para benefício de estudantes, e para se adaptarem às peculiares condições dos diversos meios académicos. Através de regulamentos que se mostrarem convenientes e ainda dos estatutos privativos de cada organização se procurará concretizar para determinados sectores ou actividades os princípios agora enunciados, bem como afeiçoá-los a realidades que não devam ignorar-se.
Rejeitando qualquer tendência de inspiração socialista, consagra-se o princípio de que é livre a instituição de organizações circum-escolares, pela declaração de que o Estado reconhece, apoia e estimula todas as iniciativas legítimas «que se destinam a colaborar na acção educativa da escola, contribuindo para a formação humana, religiosa, cultural e física dos estudantes e para a resolução dos problemas referentes à sua habitação, alimentação e saúde». E não só se prevê que o Estado possa subsidiar as realizações privadas como se admite que as organizações de iniciativa oficial sejam transferidas para outras entidades que ofereçam garantias de respeitar os seus objectivos e assegurar a sua continuidade.
Excluindo tudo o que possa sugerir formas de sindicalismo estudantil de imposição estadual, não se considerou menos necessário recusar legitimidade à pretensão manifestada por certas associações académicas de se transformarem em sindicatos de estudantes, considerando associados seus todos os alunos de uma Universidade ou escola pelo simples facto de o serem, e arrogando-se a representatividade de todos esses alunos, mesmo dos que deliberadamente a elas não querem pertencer.
Firma-se, por isso, quanto à participação dos estudantes nas organizações circum-escolares, o princípio da liberdade, e estabelece-se por forma expressa que elas não dispõem de poderes de representação para além do âmbito dos seus associados ou filiados.
Reconhece-se a autonomia das organizações circum-escolares e procura-se garantir que ela se exercerá dentro de limites muito amplos.
Este desígnio não é, porém, incompatível nem com o reputar essas organizações elementos orgânicos da Universidade ou escola a que se encontram adstritas, nem com o cuidar de que elas se não desviem das suas legítimas finalidades.
Tal cuidado se confia, em primeiro lugar e em larga medida, às autoridades académicas. Aqui, como no resto, se obedece à dominante preocupação de fortalecer e prestigiar a vida institucional da Universidade.
Mas, neste domínio como em qualquer outro, tudo há-de subordinar-se ao imperativo de altos e puros interesses nacionais, e o Governo não pode demitir-se da obrigação que lhe incumbe de os acautelar.
Exposto assim, por forma sucinta, o pensamento geral que informa o presente decreto-lei, não se entrará na justificação especial de cada uma das suas disposições.
Em relação àquelas que se não justificam por si, a justificação pode encontrar-se no parecer emitido pela Câmara Corporativa em 23 de Maio de 1957, pois, como se deixou dito, a contraproposta que encerra este a todos os títulos notável documento foi a fonte principal do diploma que se publica agora.
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º É criada na Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes a Comissão Permanente das Organizações Circum-Escolares do Ensino Superior, à qual compete o estudo de todos os problemas respeitantes à vida circum-escolar dos alunos das escolas superiores dependentes do Ministério da Educação Nacional.
Art. 2.º A Comissão será constituída, sob a presidência do director-geral, pelo reitor e por um estudante de cada uma das Universidades, por um director e por um estudante de escola superior não universitária e por seis vogais nomeados pelo Ministro da Educação Nacional de entre professores de ensino superior em qualquer situação que tenham dado provas de relevante interesse pelas questões cujo estudo compete à mesma Comissão.
§ 1.º Os vogais estudantes universitários serão nomeados anualmente pelo Ministro, sob proposta do reitor da respectiva Universidade, depois de ouvidas as direcções das agremiações de estudantes legalmente constituídas. A proposta recairá num estudante que desempenhe ou tenha desempenhado funções directivas em qualquer das referidas agremiações.
§ 2.º O vogal estudante não universitário será escolhido pelo Ministro de entre os propostos pelos directores das escolas, nas condições do parágrafo anterior.
Art. 3.º A Comissão poderá requisitar das instâncias competentes elementos indispensáveis ao estudo dos problemas sobre que houver de pronunciar-se.
§ único. No mesmo sentido, poderá a referida Comissão convidar pessoas de reconhecida competência a colaborar nos respectivos trabalhos e a participar nas suas reuniões.
Art. 4.º O serviço prestado pelos membros da Comissão que forem funcionários públicos considera-se, para todos os efeitos legais, como exercício do cargo de que são titulares.
§ 1.º Aos vogais estudantes serão relevadas as faltas às aulas por motivo do serviço da Comissão.
§ 2.º Aos membros da Comissão que em serviço desta se ausentarem da sua residência serão abonadas as despesas de transporte e ajudas de custo. A importância das últimas, quando não se tratar de funcionários, será fixada pelos Ministros das Finanças e da Educação Nacional.
§ 3.º As disposições deste artigo são aplicáveis às pessoas convidadas nos termos do § único do artigo 3.º, com o acordo do Ministro competente.
Art. 5.º A Comissão, sem prejuízo dos princípios fixados neste decreto-lei, terá sempre em conta as peculiaridades do meio académico e as tradições de cada uma das Universidades e escolas superiores do País.
Art. 6.º Consideram-se organizações circum-escolares, além das reguladas por lei especial, as associações e fundações que se destinam a colaborar na acção educativa da escola, contribuindo especialmente para a formação humana, religiosa, cultural e física dos estudantes e para a resolução dos problemas referentes à sua habitação, alimentação e saúde.
Art. 7.º O Estado reconhece e apoia todas as iniciativas legítimas tendentes à realização dos fins indicados no artigo anterior.
Art. 8.º O Estado estimulará e eventualmente poderá criar ou subsidiar refeitórios, colégios e residências para estudantes do ensino superior e outras organizações circum-escolares que dêem suficientes garantias:
a) De preencher um fim útil no plano geral da educação e formação dos estudantes;
b) De colaborar com a escola e com as organizações similares na realização dos fins da Universidade;
c) De continuidade na realização dos fins propostos.
§ único. As organizações de iniciativa oficial podem ser transferidas pelo Governo para a directa orientação e administração de entidades que dêem suficiente garantia de respeitar os objectivos que presidiram à sua criação e de assegurar a sua continuidade.
Art. 9.º A participação dos estudantes nas organizações circum-escolares terá sempre carácter facultativo, salva a obrigatoriedade, ditada pelo interesse colectivo, de medidas respeitantes à saúde, que o Estado venha a estabelecer.
§ único. As organizações circum-escolares representam apenas os estudantes que nelas expressamente se tenham inscrito, sendo nulas de pleno direito quaisquer decisões ou deliberações suas que afectem a vida autónoma de outros organismos circum-escolares ou cerceiem os direitos e a liberdade individual dos estudantes como tais.
Art. 10.º As actividades ou serviços circum-escolares em que estejam ou possam estar interessados todos os estudantes de um estabelecimento de ensino superior, independentemente da sua filiação ou inscrição em determinado organismo circum-escolar, podem a todo o tempo ser declarados pelo respectivo senado universitário ou conselho escolar como actividades ou serviços «de interesse geral».
§ único. Quando uma actividade ou serviço circum-escolar for declarado «de interesse geral», será colocado na dependência das autoridades universitárias ou escolares e poderá ser dirigido sob a forma de gestão directa, co-gestão com os respectivos beneficiários, concessão ou exploração por um organismo circum-escolar.
Art. 11.º As salas de convívio, refeitórios, bares, auditórios, teatros, salas de exposições, salas de conferências, campos de jogos, ginásios e demais instalações existentes quer nos edifícios escolares, quer em edifícios ou recintos próprios, para uso indistinto dos estudantes de uma Universidade ou de uma escola superior, ou para uso conjunto de diversos organismos circum-escolares, serão geridos pelas autoridades universitárias ou escolares, que para o efeito elaborarão os regulamentos necessários.
Art. 12.º Sem prejuízo da sua autonomia, as organizações circum-escolares são consideradas elementos orgânicos da Universidade ou escola a que se encontram adstritas e participarão na vida destas nos termos fixados, de acordo com a sua natureza e fins, pela legislação respectiva.
Art. 13.º Salvo o disposto em lei especial, a criação e funcionamento das organizações circum-escolares do ensino superior depende da aprovação dos respectivos estatutos.
§ 1.º A aprovação dos estatutos ou das suas alterações é da competência do Ministro da Educação Nacional, mediante parecer do director e do reitor, se se tratar de uma organização destinada a estudantes universitários, ou do director, nos outros casos, além do da Comissão Permanente das Organizações Circum-Escolares do Ensino Superior.
§ 2.º Na elaboração destes pareceres atender-se-á, em especial, à viabilidade do preenchimento dos fins propostos e às vantagens ou inconvenientes da concorrência com organizações similares já legalmente constituídas.
Art. 14.º Os dirigentes das organizações circum-escolares, salvo o disposto em lei especial, entrarão em exercício logo que o Ministro da Educação Nacional haja sancionado a respectiva eleição ou nomeação.
§ 1.º Para os efeitos indicados neste artigo deve o resultado da eleição ou da nomeação ser comunicado por escrito, no prazo de cinco dias, à autoridade académica (director ou reitor) em cujo âmbito a organização exerce a sua actividade, que, não tendo objecções a opor, o transmitirá ao Ministério da Educação Nacional, no mesmo prazo.
§ 2.º A eleição ou nomeação entender-se-á tàcitamente sancionada se o Ministro não se pronunciar no prazo de 30 dias, a contar da data em que dela tiver sido dado conhecimento ao Ministério da Educação Nacional.
Art. 15.º Os dirigentes eleitos ou nomeados apenas poderão ser suspensos ou destituídos, mandando-se neste último caso proceder a nova eleição ou nomeação, se se desviarem dos fins estatutários ou orientarem a sua actividade contra a disciplina académica, a ordem social ou os superiores interesses do País.
§ 1.º A suspensão ou destituição poderá ser determinada pela autoridade académica em cujo âmbito a organização exerce a sua actividade (reitor ou director) ou pelo Ministro da Educação Nacional.
§ 2.º A entidade que determinar a suspensão ou destituição designará imediatamente uma comissão administrativa, que se manterá em exercício até à nova eleição ou nomeação, salvo se o Ministro da Educação Nacional entender que as actividades devem ser extintas ou temporàriamente suspensas.
§ 3.º As medidas previstas neste artigo são independentes do procedimento disciplinar ou outro que couber contra os responsáveis.
Art. 16.º As organizações circum-escolares manterão a autoridade académica em cujo âmbito exercem a sua actividade (director ou reitor) ao corrente dos seus planos de acção e considerarão atentamente as sugestões e conselhos que a este propósito lhes forem dados.
§ 1.º As conferências, concertos, exposições ou outras manifestações de carácter colectivo ou público dentro dos edifícios escolares e daqueles a que se refere o artigo 11.º dependem sempre de autorização prévia do respectivo reitor ou director.
§ 2.º As organizações e respectivos dirigentes que se desviarem do disposto neste artigo são passíveis das sanções previstas no artigo anterior.
Art. 17.º Salvo o disposto em lei especial, as organizações circum-escolares carecem de autorização superior para coordenar as suas actividades culturais, sociais e de intercâmbio e ficam sujeitas às sanções previstas no artigo 15.º, caso a não requeiram ou dela se desviem.
§ 1.º A autorização será concedida:
a) Se se trata de organizações pertencentes à mesma escola, pelo respectivo director;
b) Se se trata de organizações de diferentes escolas da mesma Universidade, pelo respectivo reitor;
c) Se se trata de organizações de diferentes Universidades ou escolas superiores não universitárias ou da coordenação de actividades com organismos estrangeiros ou internacionais, pelo Ministro da Educação Nacional.
§ 2.º Para o estudo dos problemas comuns às organizações circum-escolares de cada Universidade o reitor far-se-á assistir de um conselho constituído, sob a sua presidência, por professores e por estudantes que sejam dirigentes daquelas organizações.
Art. 18.º As organizações circum-escolares que se dediquem a actividades desportivas procurarão estimular a sua prática dentro de uma sã orientação pedagógica e formativa, podendo organizar livremente entre si ou com outros agrupamentos escolares encontros desportivos sem características oficiais.
§ 1.º A participação das referidas organizações em torneios ou campeonatos universitários, quer no âmbito da mesma escola ou Universidade, quer no plano nacional ou internacional, será superiormente orientada pela Inspecção Nacional do Desporto Universitário.
§ 2.º A participação das mesmas organizações em jogos sem características oficiais e em torneios ou campeonatos regionais ou nacionais com agrupamentos desportivos não escolares depende da sua inscrição nas associações e federações desportivas da respectiva modalidade, ficando sujeita à competência da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
§ 3.º Para os efeitos indicados no parágrafo anterior, as secções desportivas das organizações circum-escolares poderão admitir a inscrição de sócios antigos estudantes da respectiva Universidade ou escola e poderão ter sócios não estudantes desde que neste sentido haja uma tradição; administrarão livremente as suas receitas, que não poderão ser desviadas pela direcção do organismo; e terão uma direcção autónoma, constituída por um representante da direcção do organismo e por dirigentes livremente eleitos, sendo eleitores e elegíveis apenas os sócios estudantes e antigos estudantes da respectiva Universidade ou escola.
§ 4.º A participação nas práticas desportivas abrangidas por este artigo dependerá sempre de prévio exame médico favorável, feito pelo director clínico da organização ou por um centro escolar de medicina desportiva.
Art. 19.º Salvo o disposto no artigo anterior, os assuntos respeitantes às organizações circum-escolares do ensino superior devem ser tratados com o Ministério da Educação Nacional por intermédio da direcção da escola ou reitoria respectivas e correm pela Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes.
Art. 20.º O disposto neste decreto-lei é aplicável às organizações circum-escolares do ensino superior já legalmente constituídas, cujos estatutos deverão receber as convenientes adaptações.
Art. 21.º Fica revogado o Decreto-Lei 40900, de 12 de Dezembro de 1956.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 15 de Outubro de 1962. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Mário José Pereira da Silva - Eduardo de Arantes e Oliveira - Adriano José Alves Moreira - Manuel Lopes de Almeida - José do Nascimento Ferreira Dias Júnior - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho.