Decreto-Lei 45298
1. Uma parte importante da assistência hospitalar no campo da neurocirurgia e da cirurgia cardiovascular - a que não é assegurada por serviços ou centros de hospitais gerais - está organizada no nosso país com base na existência de serviços centrais, abreviadamente designados por centros, instalados junto de estabelecimentos hospitalares especializados em valências estranhas àquele tipo de assistência, designadamente hospitais psiquiátricos e sanatórios para tuberculosos. Estes centros possuem ampla autonomia técnica em relação às finalidades que prosseguem, mas, pelo facto de não possuírem autonomia administrativa, estão orçamentalmente integrados nos hospitais aos quais se encontram funcionalmente ligados.
Pode afirmar-se que esta solução, logo de início considerada como de emergência, correspondeu à necessidade premente de fazer face a um problema de assistência hospitalar que exigia a adopção de providências imediatas. E a sua justificação foi a existência, nos referidos estabelecimentos hospitalares especializados, de recursos ou meios técnicos (em instalações, equipamento e pessoal) que, estando ao tempo disponíveis, foram desde logo considerados como mínimos para garantir um funcionamento de nível satisfatório a tais centros.
Muito embora, em alguns aspectos, tenham sido assinaláveis os resultados obtidos, a verdade é que os inconvenientes que se previam foram plenamente confirmados no decorrer dos anos, através do funcionamento prático dos centros.As principais dificuldades encontram a sua origem na aceitação, como ideia básica da solução que se adoptou, de um conceito deformado de hospital. Este, na verdade, e seja qual for a natureza da sua actividade, deve sempre constituir uma unidade técnica, orgânica e funcionalmente, unidade obtida pela sujeição de todos e cada um dos seus órgãos constitutivos às mesmas regras gerais definidoras das finalidades e objectivos comuns a alcançar.
É por isto que, em rigor, a instalação de serviços ou centros especializados em hospitais também especializados mas noutras valências trará o risco de quebrar a unidade de especialização destes, constituindo como que uma aresta a perturbar o seu funcionamento e quiçá a impedir que se realizem, pelo desvirtuamento e compressão a que ficam sujeitos, serviços criados originàriamente com outros desideratos.
Desta quebra do conceito de hospital como unidade resultam dificuldades para a administração interna, e comum, de duas organizações artificialmente aglutinadas mas tècnicamente tão diferentes na sua essência e derivam também aspectos negativos quanto à coordenação com os restantes estabelecimentos hospitalares, designadamente, com os que prestam assistência de carácter geral.
2. A aceitação destas considerações como procedentes levar-nos-ia, numa solução extrema e à luz da rigidez dos princípios, à aceitação, como ùnicamente válida, da tese do funcionamento de tais centros especializados sempre e necessàriamente integrados em hospitais gerais, como partes do todo.
Na verdade, não só nesta solução ficaria preservado o conceito unitário de hospital, técnica e administrativamente, como também, e principalmente, se alargariam as possibilidades de aumentar a eficiência do trabalho de tais centros. Estes desempenham actividades clínicas altamente especializadas, exigindo a comparticipação e o esforço cumulativo de variados recursos e complexas técnicas, tudo funcionando em regime de complementaridade em ordem a alcançar resultados especìficamente bem diferenciados dos que são característicos de cada técnica, recurso ou serviço de per si considerado. Ora, todos estes vastos e complexos recursos, pelo menos em toda a sua plenitude, existem normalmente apenas nos hospitais gerais, designadamente nos centrais. Uma solução baseada na independência ou completa separação dos centros traduzir-se-ia numa dispersão de meios em pessoal, material e técnica manifestamente antieconómica, na medida em que implicaria a existência, em cada centro instalado fora do hospital geral, de uma vasta e completa gama de serviços, difíceis de organizar e muito caros na sua instalação e funcionamento.
3. Não parece viável adoptar para já, pelo menos com carácter de generalidade, uma solução baseada na existência de centros de neurocirurgia e cirurgia cardiovascular apenas em hospitais gerais. A razão principal reside nas dificuldades de instalações. Mas esta inviabilidade não significa que aquela solução - atentos certos condicionalismos já existentes e que são sem dúvida vantajosos - seja de absoluta necessidade. Se a solução da integração em hospitais gerais será francamente desejável, e deve ser preferida quando for materialmente exequível, admite-se que a manutenção dos centros já existentes junto dos hospitais especializados poderá igualmente conduzir a uma solução satisfatória, desde que seja modificado o seu estatuto jurídico e revistas as condições em que funcionam e estão enquadrados na rede hospitalar em geral.
Na verdade, o que parece importante é a adopção de um regime que obedeça a dois requisitos fundamentais: em primeiro lugar, confira a esses centros ampla autonomia técnica e administrativa, com possibilidades de celebração de acordos com os hospitais junto dos quais estão instalados para utilização dos recursos nestes existentes; em segundo lugar, que considere os centros já existentes como elementos indispensáveis e partes constitutivas dos serviços gerais hospitalares já existentes no País.
4. Em face do exposto, e tendo em vista: primeiro, a vantagem em regularizar a situação dos centros de cirurgia cardiovascular que funcionam nos Sanatórios de D. Carlos I e de D. Manuel II e a dos centros de neurocirurgia existentes junto do Hospital de Júlio de Matos e do Hospital de Sobral Cid; segundo, a necessidade de reconhecer a existência dos centros já criados de facto em hospitais gerais e bem assim a de possibilitar a criação de outros.
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, nos termos do § 2.º do artigo 80.º, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Os cuidados médicos de neurocirurgia e de cirurgia cardiovascular podem ser prestados nos serviços próprios dos hospitais ou em centros a eles ligados.
Art. 2.º Os serviços e centros referidos no artigo anterior têm autonomia técnica. Os centros poderão ter a autonomia administrativa que for julgada conveniente, quando funcionarem junto de hospitais especializados em ramo de medicina distinto daquele a que o centro se dedica ou em hospitais pertencentes a instituições particulares de assistência.
Art. 3.º A criação dos centros de neurocirurgia ou cirurgia cardiovascular constará de portaria do Ministro da Saúde e Assistência, subscrita também pelo Ministro das Finanças quando lhes for concedida autonomia administrativa.
Art. 4.º Os centros com autonomia administrativa podem celebrar acordos de cooperação com hospitais ou outras entidades, com vista à utilização de instalações e aproveitamento dos recursos materiais e meios pessoais neles existentes.
§ único. Os acordos celebrados nos termos deste artigo carecem de homologação do Ministro da Saúde e Assistência.
Art. 5.º Os centros de neurocirurgia e de cirurgia cardiovascular a que for concedida autonomia administrativa serão considerados organismos oficiais especiais de saúde e assistência em conformidade com o disposto nos artigos 86.º e seguintes do Decreto-Lei 35108, de 7 de Novembro de 1945, devendo a sua organização e condições de funcionamento constar de regulamento a aprovar por portaria do Ministro da Saúde e Assistência.
Art. 6.º Os serviços e centros hospitalares de neurocirurgia e cirurgia cardiovascular desempenharão funções de serviço central não só em relação aos hospitais onde funcionem, mas também para a população da respectiva zona hospitalar, competindo às centrais de orientação de doentes a articulação das suas actividades com a dos restantes hospitais da zona.
§ único. A responsabilidade pelos encargos da assistência prestada por estes serviços e centros será atribuída nos termos do Decreto-Lei 39805, de 4 de Setembro de 1954.
Art. 7.º Aos serviços e centros referidos neste diploma é aplicável o regime de instalação previsto nos artigos 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei 31913, de 12 de Março de 1942.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 8 de Outubro de 1963. - ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Joaquim da Luz Cunha - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - Inocêncio Galvão Teles - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Pedro Mário Soares Martinez.