Na resposta a tal notificação, o mandatário do Partido Social Democrata informou que o candidato Fernando de Azevedo Soares exerce a profissão de Inspector da Polícia Judiciária.
Por despacho de 25 de Agosto de 2009, o juiz do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva considerou que o referido candidato era inelegível, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea g), da LEOAL, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, que determina serem inelegíveis para os órgãos das autarquias locais - "os agentes dos serviços e forças de segurança, enquanto prestarem serviço activo" -, porquanto os agentes da Polícia Judiciária exercem funções de segurança interna, conforme estabelecido no artigo 14.º, n.º 2, alínea d), da Lei 20/87, de 12 de Junho. Como tal, rejeitou a respectiva candidatura, ao abrigo do estatuído no artigo 27.º, n.º 1, da LEOAL Notificado para proceder à substituição do candidato julgado inelegível, o mandatário do Partido Social Democrata respondeu em 26 de Agosto de 2009, dizendo, em síntese, que o Tribunal Constitucional, no Acórdão 675/97, já considerou elegíveis para os órgãos das autarquias locais os agentes da Polícia Judiciária, e, bem assim, que do artigo 2.º da Lei 37/2008, de 6 de Agosto, que aprova a orgânica da Polícia Judiciária, resulta que a Polícia Judiciária tem por missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, não sendo sua função essencial ou típica a função de segurança interna.
Em 31 de Agosto de 2009, o juiz do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva manteve a decisão que rejeitou a candidatura de Fernando de Azevedo Soares à Câmara Municipal e reajustou a lista de candidatos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 27.º, n.º 2, da LEOAL.
Foram os seguintes, em síntese, os fundamentos de rejeição da candidatura:
O artigo 6.º, n.º 1, alínea g), da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, considera inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os agentes dos serviços e forças de segurança, enquanto prestarem serviço activo;
A Lei 53/2008, de 29 de Agosto, que aprova a lei de Segurança Interna, determina no artigo 25.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), que a Polícia Judiciária exerce, a par de outros organismos, funções de segurança interna (à semelhança do que já se encontrava estabelecido no antigo artigo 14.º, n.º 2, alínea d), da Lei 20/87, de 12 de Junho);
Não há que distinguir se essas funções de segurança interna da Polícia Judiciária são principais ou acessórias;
O candidato Fernando de Azevedo Soares exerce funções de Inspector da Polícia Judiciária e, assim, funções de segurança interna, pelo que é inelegível.
Desta decisão recorreu o mandatário do Partido Social Democrata para o Tribunal Constitucional, em 2 de Setembro de 2009, sustentando, em síntese, o seguinte:
Existe uma outra decisão recente (de 25 de Agosto de 2009), do juiz do Tribunal de Tabuaço, considerando elegível um agente da Polícia Judiciária, em virtude de a respectiva Lei Orgânica a configurar essencialmente como um órgão de polícia criminal auxiliar da administração da justiça;
O Tribunal Constitucional, no Acórdão 675/97, já considerou elegíveis para os órgãos das autarquias locais os agentes da Polícia Judiciária, atendendo à função essencial ou típica desta Polícia.
O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho de fls. 771.
II. Fundamentação Resulta dos autos que Fernando de Azevedo Soares consta da lista de candidatos à Câmara Municipal de Castelo de Paiva apresentada pelo Partido Social Democrata (fls. 13 e seguintes; cf., ainda, fls. 27-29).
Da respectiva ficha individual de candidatura consta que tem a profissão de Inspector da Polícia Judiciária (fls. 733).
O artigo 6.º da LEOAL, que tem como epígrafe "Inelegibilidades gerais", determina no seu n.º 1, alínea g), que "[s]ão inelegíveis para os órgãos das autarquias locais [...] [o]s militares e os agentes das forças militarizadas dos quadros permanentes, em serviço efectivo, bem como os agentes dos serviços e forças de segurança, enquanto prestarem serviço activo".
A Polícia Judiciária, abreviadamente designada por PJ, é caracterizada, nos termos do artigo 1.º da respectiva Lei Orgânica (Lei 37/2008, de 6 de Agosto), como um órgão superior de polícia criminal organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça, que tem como missão, segundo o estabelecido no subsequente artigo 2.º, "coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as acções de prevenção, detecção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes" (n.º 1), atribuições que prossegue nos termos da lei de Organização da Investigação Criminal e da lei Quadro da Política Criminal" (n.º 2).
Segundo a lei Quadro da Política Criminal, aprovada pela Lei 17/2006, de 23 de Maio, a política criminal tem por objectivos, entre outros, prevenir e reprimir a criminalidade (artigo 4.º), sendo que cabe aos órgãos de polícia criminal, entre os quais se conta a PJ, assumir esses objectivos de acordo com a respectiva Lei Orgânica (artigo 11.º, n.º 1). A lei de Organização da Investigação Criminal (Lei 49/2008, de 27 de Agosto), por sua vez, identifica como órgãos de polícia criminal, a Polícia Judiciária, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública, aos quais compete, em geral, coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação e desenvolver acções de prevenção ou investigação da sua competência ou que lhes sejam cometidas pelas autoridades judiciárias (artigo 3.º, n.os 1 e 4).
Deve notar-se, entretanto, que a prevenção e repressão da criminalidade se insere também no âmbito da actividade de segurança interna, que o artigo 1.º da Lei 53/2008, de 29 de Agosto (que aprova a lei de Segurança Interna) Define como a "actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática".
Nesse sentido, o n.º 2 do artigo 25.º da referida lei identifica como entidades que exercem funções de segurança interna: a) A Guarda Nacional Republicana; b) A Polícia de Segurança Pública; c) A Polícia Judiciária; d) O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; e) O Serviço de Informações de Segurança. Por outro lado, o director nacional da PJ tem assento no Conselho Superior de Segurança Interna, órgão interministerial de audição e consulta em matéria de segurança interna (artigo 12.º, n.º 2, alínea h); e as competências de coordenação do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, que envolve a concertação de medidas, planos e operações entre as diversas forças de segurança e a articulação entre estas e outros serviços ou entidades públicas ou privadas, abrangem igualmente a actividade da PJ, enquanto força de segurança como tal expressamente identificada naquele preceito (artigo 16.º, n.º 1).
Assim sendo, a PJ, embora seja um órgão de polícia criminal, que exerce funções de prevenção, detecção e investigação criminal (dispondo, alías, competências especializadas nessa matéria), integra-se, por efeito da sua específica missão, na actividade de segurança interna, que erige a prevenção e repressão como uma das suas finalidades, pelo que ela é a justo título tida também como uma força de segurança interna.
Mesmo o acórdão do Tribunal Constitucional que se pronunciou, em fiscalização preventiva, sobre o Decreto da Assembleia da República n.º 204/X, que originou a actual Lei Orgânica da Polícia Judiciária, admite implicitamente que a PJ integra as forças de segurança, na medida em que discutiu a questão da inconstitucionalidade do diploma, emanado do Governo, por possível violação da reserva parlamentar em função do que dispõe o artigo 164.º, u), da Constituição da República, que atribui à competência legislativa exclusiva da Assembleia da República o "Regime das forças de segurança"
Certo é que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 675/97, incidindo sobre uma questão idêntica à agora analisada, embora por referência à norma da anterior lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro), entendeu que os agentes da Polícia Judiciária não se encontram abrangidos pela referida inelegibilidade, considerando que, segundo a Lei Orgânica então vigente (Decreto-Lei 295-A/90, de 21 de Setembro), a PJ é definida como órgão de polícia criminal auxiliar da administração da justiça, e não como força de segurança, não sendo decisiva a circunstância de exerceram funções de segurança interna (possibilidade aberta pela anterior lei de Segurança Interna - artigo 14.º da Lei 20/87, de 12 de Junho), por não ser essa a sua função essencial ou típica.
A validade deste entendimento encontra-se, no entanto, hoje, posta em causa pela ulterior evolução legislativa. Sendo a prevenção e repressão da criminalidade não apenas um objectivo de política criminal, mas também de segurança interna, como resulta com evidência dos mencionados artigos 4.º da lei Quadro da Política Criminal e 1.º, n.º 1, da lei de Segurança Interna, e encontrando-se a PJ enquadrada no conjunto das forças de segurança, mesmo para efeitos operativos, como demonstra a sua subordinação, em matéria de coordenação com outros serviços e forças de segurança, ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna (artigo 16.º e 25.º, n.º 2, da lei de Segurança Interna), não é já possível concluir que a PJ não é um força de segurança para os efeitos previstos no artigo 6.º da LEOAL.
De facto, a PJ tem como principal missão a prevenção, detecção e investigação criminal, mas essa função está ela própria inserida na actividade de segurança interna, o que justifica a dúplice qualificação dessa entidade como órgão de política criminal e força de segurança interna.
Nada permite, por conseguinte, efectuar uma interpretação restritiva do citado artigo 6.º, n.º 1, alínea g), da LEOAL, na parte em que declara como inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os "agentes dos serviços e forças de segurança", não sendo, de resto, razoável atribuir ao inciso "agentes dos serviços e forças de segurança" um sentido significante diverso daquele que resulta das disposições gerais que definem o conjunto de organismos que exercem funções de segurança interna.
Sendo, aliás, relevante sublinhar que o artigo 25.º, no n.º 1, da lei de Segurança Interna, referindo-se a todas as entidades que exercem funções de segurança interna, como tal identificadas no subsequente n.º 2, explicita que "[a]s forças e os serviços de segurança são organismos públicos, estão exclusivamente ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidários [...], o que bem evidencia a conveniência expressa no regime legal de inelegibilidades de excluir a capacidade eleitoral passiva em relação aos agentes que integram essas forças.
Termos em que se entende que o candidato Fernando de Azevedo Soares, sendo Inspector da Polícia Judiciária, se encontra abrangido pela inelegibilidade prevista no referido artigo 6.º, n.º 1, alínea g), da LEOAL.
III. Decisão Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Lisboa, 14 de Setembro de 2009. - Carlos Fernandes Cadilha - Carlos Pamplona de Oliveira - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - Benjamim Rodrigues - Gil Galvão.
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