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Acórdão 427/2009, de 17 de Setembro

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Sumário

Decide não pronunciar-se pela inconstitucionalidade [fiscalização preventiva] da norma da alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º, enquanto conjugada com as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo artigo, constante do Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pelo Decreto n.º 366/X da Assembleia da República.

Texto do documento

Acórdão 427/2009

Processo 698/09

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - O Presidente da República requer, nos termos do disposto no artigo 278.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), "a apreciação da conformidade com a mesma Constituição da norma da alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º enquanto conjugada com as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo artigo constante do Decreto 366/X da Assembleia da República, recebido na Presidência da República no dia 12 de Agosto de 2009 para ser promulgado como lei".

Indica os seguintes fundamentos:

«1.º

A norma impugnada integra o Decreto 366/X, diploma que aprova o novo Código de Execução das Penas e que altera, significativamente, o modelo da legislação vigente sobre a matéria, bem como o próprio paradigma penal relativo aos fins das penas, determinando, para além do reforço dos direitos dos reclusos:

a) A substituição do juiz do tribunal de execução de penas pelo Ministério Público no respeitante ao exercício da actividade de visitação regular dos estabelecimentos prisionais, de verificação da legalidade das decisões dos serviços prisionais e de outras funções relativas à execução da pena;

b) A atribuição a órgãos da administração penitenciária do poder e da obrigação de decidir sobre a colocação do recluso em regime aberto, quando estiverem reunidos um conjunto de pressupostos de forma e de fundo.

2.º

O regime jurídico em apreciação não deixa de suscitar dúvidas sobre a concordância prática entre a tutela de novos direitos reconhecidos aos reclusos e a prossecução dos fins de reparação social, a salvaguarda efectiva dos bens jurídicos fundamentais que o Direito Penal deve assegurar e a prevenção de situações causadoras de alarme social geradas pela colocação, não materialmente justificada, de condenados por crimes graves, em meios livres.

3.º

Dispõe a norma do n.º 3 do artigo 12.º do Decreto 366/X que a execução das penas e medidas privativas da liberdade em regime aberto decorre em estabelecimento ou unidade prisional de segurança média e favorece os contactos com o exterior e a aproximação à comunidade, admitindo duas modalidades, a saber:

i) O regime aberto no interior, que implica o desenvolvimento de actividades dentro do estabelecimento prisional ou nas suas imediações, com vigilância mais atenuada;

ii) O regime aberto no exterior, caracterizado pelo desenvolvimento de actividades de ensino, formação profissional, trabalho ou programas em meio livre e sem vigilância directa.

4.º

Pelo seu turno, o artigo 14.º do diploma fixa os pressupostos da colocação do recluso em regime aberto, a qual ocorre sempre com o seu consentimento, cumprindo sublinhar, de entre outros:

i) Prévia formulação de um juízo de prognose favorável a uma não subtracção do recluso à execução da pena ou ao não aproveitamento desse regime para delinquir;

ii) Adequação do regime aberto ao comportamento prisional do recluso, à salvaguarda da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional, à protecção da vítima e à defesa da ordem e paz social;

iii) Colocação em regime aberto no exterior dos reclusos que, encontrando-se na situação prevista nos n.os i) e ii) desta rubrica, tenham cumprido um quarto da pena, gozado previamente uma saída jurisdicional com êxito e que não tenham pendente um processo que implique prisão preventiva;

iv) Cessação da colocação do recluso em regime aberto, no caso de deixarem de se verificar os pressupostos referidos ou de se verificar o incumprimento pelo recluso das condições relativas à concessão desse regime.

Sucede que,

5.º

A competência para a decisão de colocação do recluso em regime aberto no exterior, de acordo com a alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º do decreto, é cometida ao director-geral dos Serviços Prisionais.

6.º

Cumpre, em qualquer caso, ao Ministério Público junto do Tribunal de Execução das Penas, de acordo com a alínea b) do artigo 141.º do diploma, verificar a legalidade da decisão de colocação do recluso em regime aberto no exterior (a qual lhe deve ser comunicada nos termos do n.º 8 do artigo 14.º) E proceder à sua impugnação junto do tribunal de execução das penas, caso a considere ilegal.

7.º

Se é um facto que os regimes abertos no interior e no exterior das prisões se encontram acolhidos na legislação em vigor (Decreto-Lei 265/79, de 1 de Agosto, e respectivas alterações), sendo a correspondente autorização também cometida à competência da administração penitenciária, verifica-se, contudo, que os pressupostos dessa autorização foram modificados e alargados em termos que suscitam dúvidas quanto à sua constitucionalidade.

8.º

Entre o modelo vigente e o novo modelo legal de colocação do recluso em regime aberto ao exterior existem algumas diferenças que importa assinalar:

a) Enquanto o modelo vigente supõe que o regime aberto ao exterior possa ser concedido, caso a caso, pela administração prisional ao recluso, quando a sua personalidade e comportamento o justifiquem (1), já o novo modelo consagra o instituto como um virtual direito, alargado indistintamente a todos os reclusos, cabendo à administração o exercício de um poder-dever de examinar a sua situação e decidir com base num conjunto de pressupostos legais de fundo e forma(2);

b) Enquanto no modelo vigente os pressupostos que fundamentam a concessão do referido regime consistem na ausência de receio que o condenado se subtraia à execução da pena ou se aproveite da situação para delinquir(3), no novo modelo exige-se, cumulativamente, que a administração pondere também a adequação do regime ao comportamento prisional do recluso, à segurança e disciplina no estabelecimento prisional, à protecção da vítima e à defesa da ordem e da paz social(4);

c) Enquanto o modelo vigente de regime aberto ao exterior configura uma virtual excepção ao regime geral de execução de penas, sendo passível de ser conferido num momento de consolidação da mesma pena, mormente em fase avançada de preparação para a liberdade(5), o novo modelo admite que o regime aberto ao exterior possa ser concedido como regra geral e numa fase precoce, após o cumprimento de apenas um quarto da pena(6);

d) Enquanto o modelo vigente implica que o detido possa sair do estabelecimento, com ou sem custódia(7), o novo modelo determina que o recluso saia sempre sem vigilância directa(8);

e) Enquanto o modelo vigente estabelece algumas regras sobre os termos do cumprimento da pena em regime aberto(9), o novo modelo, que revoga a legislação em vigor, nada esclarece sobre a relação entre o estabelecimento penitenciário e o recluso, os limites temporais de aplicação do regime aberto ao exterior e a sua relação com a liberdade condicional, deixando de regular a configuração dos termos em que se executa o referido regime.

9.º

Se não é isenta de dúvidas de constitucionalidade, atenta a salvaguarda da reserva de jurisdição e do respeito pelo caso julgado, a faculdade hoje conferida ao Director Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) Pelo n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei 265/79, para colocar um recluso em regime aberto no exterior, as mesmas dúvidas tornam-se ainda mais pertinentes a propósito da norma constante da alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º do Decreto 366/X, conjugada com as alíneas a) e b) do n.º 1 e com a norma do n.º 4 do mesmo artigo, na medida em que a mesma alarga os requisitos que condicionam a decisão do DGSP.

10.º

O paradigma em vigor em sede de execução das penas de privação de liberdade, em sentido amplo(10), consiste na distinção entre um domínio material de controlo e modelação da execução que é cometido à actividade jurisdicional desenvolvida pelo tribunal de execução das penas - e, mais concretamente, pelo juiz desse tribunal - e um domínio de organização e inspecção das instalações penitenciárias voltado para o cumprimento da pena, que é atribuído à função administrativa(11).

11.º

Daí que, ao abrigo da mesma legislação, se tenha clarificado, no respeitante à definição do âmbito da reserva de jurisdição em matéria de execução de penas, que:

a) A execução de penas previstas na lei criminal só pode ter lugar mediante decisão do tribunal competente transitada em julgado, dotada de força executiva e pela forma prevista na lei (artigo 5.º do Decreto-Lei 402/82);

b) Compete aos tribunais de execução de penas decidir sobre a cessação do estado de perigosidade criminal, sobre a substituição das penas por liberdade vigiada ou caução, sobre a concessão da liberdade condicional ou sobre a sua revogação e sobre a reabilitação dos condenados em quaisquer penas (artigo 22.º do Decreto-Lei 783/76);

c) Compete ao juiz do tribunal de execução das penas conceder e revogar saídas precárias prolongadas (n.º 4 do artigo 23.º do Decreto-Lei 783/76);

12.º

O conteúdo e alcance da função jurisdicional retira-se do artigo 202.º da CRP, dela decorrendo que:

a) No plano orgânico, essa actividade é exercida exclusivamente pelos tribunais, pois "Só aos tribunais compete administrar a justiça (reserva de juiz) não podendo ser atribuídas funções jurisdicionais a outros órgãos, designadamente à Administração Pública" (Acórdão 453/93 do Tribunal Constitucional);

b) A mesma função supõe a passividade, imparcialidade, irresponsabilidade e independência dos tribunais (artigo 216.º da CRP) Atributos que são logicamente extensíveis ao estatuto dos magistrados judiciais, traduzindo-se em especial, a independência dos juízes, "[...] no dever de julgar apenas segundo a Constituição e a lei, sem sujeição, portanto, a quaisquer ordens ou instruções", pelo que na "interpretação e aplicação das leis, hão-de [...] agir sem outra obediência que não seja aos ditames da sua própria consciência" (Acórdão 393/89);

c) No plano substancial, de acordo com o artigo 202.º da CRP, a "concretização da reserva para administrar a justiça" em nome do povo, implica a atribuição de competência aos tribunais para reprimirem a violação da legalidade democrática (Acórdão 67/2006) Mas também a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e a composição de conflitos de interesses públicos e privados;

d) Segundo o Tribunal Constitucional, ter-se-á atingido "uma definição teleológica da função jurisdicional que atende ao desígnio da intervenção dos órgãos do poder político do Estado, desígnio que é, na função jurisdicional [...] estritamente jurídico, visando a realização do direito objectivo pela composição de interesses conflituantes" (Acórdão 963/96);

e) No que respeita à delimitação entre a actividade jurisdicional e outras funções do Estado, entende o Tribunal Constitucional que a "separação real entre função jurisdicional e a função administrativa passa pelo campo dos interesses em jogo:

enquanto a jurisdição resolve litígios em que os interesses em confronto são apenas os das partes, a administração, embora na presença de interesses alheios, realiza o interesse público" (Acórdão 453/83) Pelo que, no primeiro caso, "a decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito"

(Acórdão 104/85).

13.º

Em face do exposto nos números precedentes, haverá que reconhecer que a natureza da competência para decidir sobre a colocação de um recluso em regime aberto no exterior, nos termos do Decreto-Lei 265/79, integra uma delicada área de fronteira entre a função administrativa e a função jurisdicional.

14.º

Confrontando o regime aberto ao exterior previsto na legislação vigente com a figura da liberdade condicional, verifica-se que se trata de dois institutos com diferenças jurídicas estruturais, na medida em que:

a) Enquanto que o regime aberto ao exterior pode, em tese, ser configurado como um regime prisional, com possibilidades limitadas de saída para um espaço livre, a liberdade condicional consiste num regime de liberdade, com limites e condicionamentos;

b) Enquanto o regime aberto ao exterior é concebido pela lei como um instrumento de flexibilização de execução da pena, intrínseco à gestão da vida interna da prisão e, como tal, pertencendo ao domínio da administração prisional, a liberdade condicional consiste numa alteração ao conteúdo da sentença condenatória que só pode ser decidida dos [pelos] tribunais;

c) Enquanto o regime aberto ao exterior assume carácter excepcional e supõe um poder facultativo cometido ao DGSP para o exame discricionário de casos individuais, a liberdade condicional implica, no caso previsto no n.º 3 do artigo 61.º do Código Penal uma decisão obrigatória do juiz (sempre que o detido cumpra dois terços da pena) Sendo, todavia, em regra, um poder-dever de exame de legalidade e mérito da sua situação, depois de cumprida metade da pena.

15.º

Existem, por outro lado figuras eclécticas ou híbridas, como a decisão relativa à atribuição de licenças precárias prolongadas, que a legislação em vigor integra no âmbito da função jurisdicional (n.º 4 do artigo 23.º do Decreto-Lei 783/76) Mas que um sector da doutrina considera como passível de atribuição à administração penitenciária por consistir num domínio próprio da vida interna das prisões(12).

16.º

Sucede, porém, que a nova disciplina relativa ao regime aberto no exterior, que consta do decreto sindicado, acabou por deixar materialmente a esfera intrínseca da função administrativa para perpetrar uma incursão parcelar no domínio próprio da actividade jurisdicional, aproximando-se do instituto da liberdade condicional, a dois níveis.

Assim, em primeiro lugar,

17.º

A apreciação da situação objectiva e subjectiva do detido pela administração prisional, tendo em vista a possibilidade da sua colocação em regime aberto no exterior deixa ser facultativa, excepcional e casuística(13), para passar a constituir um poder-dever(14) Da mesma administração, que deverá tomar uma decisão sobre o acesso a esse regime por parte de todos os detidos que tenham já cumprido um quarto da pena e reúnam um conjunto de outros requisitos de forma e fundo.

18.º

Todos os condenados passam a ser titulares do direito de, observados os pressupostos devidos, poderem exigir da administração a apreciação da sua situação detentiva, tendo em vista a sua colocação em regime aberto ao exterior, afinal, em termos idênticos ao disposto no n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal, que impõe ao juiz uma apreciação formal e de fundo da situação de todos os condenados que tenham cumprido metade da pena, tendo em vista a sua colocação em liberdade condicional.

Ora,

19.º

Se a nova obrigação conferida à administração, quanto à tomada de uma decisão sobre a colocação do detido em regime aberto ao exterior, pressupõe o reconhecimento da faculdade do detido em exigir o respectivo cumprimento, caso estejam reunidos os requisitos previstos nos n.os 1 e 4 do artigo 14.º do decreto sindicado, tem-se então que a norma impugnada:

a) Envolve o reconhecimento de um novo direito dos detidos ao acesso restringido a um meio livre pelo que, para tutela desse direito, que se encontra de algum modo conexo com irradiações do direito à liberdade, encontram-se reunidos idênticos requisitos em relação aos que determinaram que o acto de colocação do condenado em liberdade condicional pertença à função jurisdicional;

b) Atento o reconhecimento desse direito, tem-se que a decisão de forma e de fundo sobre a concessão do regime aberto ao exterior reclama um juízo imparcial de tutela e composição de conflitos entre os direitos e interesses dos detidos e o interesse público representado pela administração, conflitos que sempre despontam com a alteração da execução da pena derivada da colocação do detido nesse meio livre;

c) Semelhante tutela de direitos e composição de interesses contrapostos, que inere ao processo de execução das penas deve respeitar, por conseguinte, ao exercício da função jurisdicional e não à função administrativa, nos termos das considerações expendidas nas alíneas c), d) e e) do n.º 11.º deste pedido.

Em segundo lugar

20.º

A incursão perpetrada pela norma legal sindicada na reserva de jurisdição ocorre, também, em sede dos requisitos de fundo que devem fundamentar a decisão de colocação do detido em regime aberto ao exterior.

Na verdade

21.º

De acordo com as normas constantes das duas alíneas do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto 366/X, para além de terem sido mantidos dois requisitos de fundo, idênticos aos que se encontram previstos na legislação vigente relativa ao regime aberto ao exterior (ausência de receio que o recluso se subtraia à execução da pena ou aproveite da aplicação do regime para voltar a delinquir) Necessário será que o DGSP formule, igualmente, um juízo de mérito sobre a adequação desse regime:

a) Ao comportamento prisional do recluso;

b) À segurança e disciplina no estabelecimento prisional;

c) À protecção da vítima;

d) À defesa da ordem e paz social.

22.º

Sem prejuízo de se entender que o juízo de mérito sobre a aferição dos dois pressupostos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto impugnado deveria, na dúvida, integrar, a reserva de jurisdição, pois envolve uma apreciação sobre a personalidade e perigosidade do detido(15), estima-se que, pelo menos, os juízos de fundo que têm por objecto a protecção da vítima e a defesa da ordem e paz social incorporam, necessariamente, o âmbito material da reserva jurisdicional.

Com efeito,

23.º

Todo o tribunal condena em razão da teleologia que inere aos fins das penas, pelo que, quer a protecção da vítima quer a exigência de garantia da ordem e paz social constituem pressupostos de escolha da medida da pena a aplicar e supõem, na qualidade de exigências de prevenção, a formulação de ponderações garantísticas ligadas ao alarme social, determinando o conteúdo da sentença que condena o arguido a uma dada pena de privação de liberdade (cf. parte final do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal).

Ora,

24.º

Na medida em que o DGSP formule um juízo decisório de mérito sobre a adequação do regime de abertura no exterior à protecção da vítima e à garantia da ordem em paz social, do qual resulte a substituição da prisão efectiva à qual o arguido foi condenado por um regime de acesso a um meio livre sem vigilância directa, cujo conteúdo e limites o decreto impugnado se abstém de definir, verifica-se que essa decisão administrativa modifica os pressupostos, os termos e o sentido da sentença condenatória.

Cumpre recordar que,

25.º

O Tribunal Constitucional considera que a liberdade condicional deve ser "encarada como uma modificação substancial da condenação" (Acórdão 477/2007), pelo que a competência para essa modificação só pode ser ditada pelo mesmo poder do Estado que decide a condenação, ou seja, pelo juiz, integrando a competência para decidir a liberdade condicional um domínio necessário da reserva da função jurisdicional, nomeadamente através do tribunal de execução de penas.

Ora,

26.º

As normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto impugnado consagram pressupostos de fundo para a colocação do detido em regime aberto no exterior que são análogos aos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal tendo em vista a concessão da liberdade condicional, relevando nestes os requisitos de prevenção respeitantes à defesa da ordem e da paz social, pelo que:

a) Se se reconhece que uma decisão de concessão de liberdade condicional implica uma modificação da sentença condenatória em virtude da alteração das exigências de prevenção que tinham relevado para a medida da pena, não poderá, por identidade de razão, deixar de se reconhecer idênticos efeitos modificativos à decisão fundada em requisitos análogos que coloca o detido em regime aberto ao exterior;

b) A colocação em "meio livre" no exterior das pessoas condenadas a penas de prisão que tenham cumprido um quarto da mesma, constitui uma modificação da decisão condenatória transitada em julgado, pelo que a norma sindicada aproxima esse regime ao instituto da liberdade condicional, tanto pela homologia de pressupostos de escopo preventivo que podem fundamentar uma alteração material da sentença condenatória, como pelo resultado social que visam garantir, e que consiste na prevenção do risco e do alarme social;

d) Na medida em que o regime aberto no exterior implique uma modificação substancial do sentido e dos termos da condenação, considera-se que a decisão correspondente não pode, por força de uma inevitável analogia com os pressupostos de fundo de ordem preventiva relativos à concessão da liberdade, deixar de integrar a reserva de jurisdição, não sendo portanto admissível que possa ser cometida à competência da Administração, como faz a norma impugnada;

e) Não compete, por outro lado, à administração prisional, sob pena de inconstitucionalidade orgânica fundada em usurpação de poderes, alterar ou substituir o sentido da condenação, ultrapassando o caso julgado que sela as decisões jurisdicionais condenatórias, cuja força goza de protecção constitucional à luz do princípio da segurança jurídica (artigo 2.º, conjugado com o n.º 3 do artigo 282.º, ambos da CRP).

27.º

Não se diga, por outro lado, que a norma impugnada respeita o princípio da separação de poderes, em virtude da solução interpretativa segundo a qual a decisão do DGSP em colocar um condenado em regime aberto no exterior seria sempre controlada no plano da legalidade pelo Ministério Público e, em caso de impugnação, julgada pelo tribunal de execução de penas.

É que, neste caso

28.º

A questão central da repartição de poderes radica no facto de a norma sindicada reduzir o papel do tribunal a um controlo formal dos pressupostos legais da concessão do regime livre, quando é, na verdade, ao tribunal que cabe formular um juízo de mérito sobre a componente moduladora da execução da pena que envolva uma alteração das exigências de prevenção que tinham relevado para a medida da mesma pena, nomeadamente a defesa dos interesses da vítima e da garantia da ordem e paz social.

29.º

Nem se diga, finalmente, que a colocação em regime aberto ao exterior não consiste numa libertação do detido, mas numa mera flexibilização da situação detentiva deste, não alterando, por conseguinte, a sentença condenatória nem o caso julgado.

30.º

Na verdade, a colocação de um detido que tenha sido condenado, por exemplo, à pena de vinte anos de prisão efectiva, em regime aberto ao exterior volvidos apenas cinco anos após o inicio do cumprimento da mesma pena, autorizando-o, sem vigilância directa, a aceder a um meio de liberdade que lhe permita, potencialmente, privar com a sociedade e, eventualmente, aceder à vítima:

a) Implica materialmente a outorga ao condenado de um certo quinhão de liberdade parcial, mas efectiva, que modifica o sentido da sentença que o condenou a uma pena de prisão onde esse acesso a meio livre não se encontrava pressuposto;

b) Altera, também, o sentido da pena na medida em que o acesso a meio livre sem vigilância directa pode criar uma situação de risco e de alarme social, que, tendo estado presente como pressuposto da condenação, só pode ser reavaliada pelo mesmo poder competente para condenar, ou seja, o poder dos tribunais.

Em suma,

31.º

Importando precisar, conclusivamente, o problema da delimitação entre administração e jurisdição que foi equacionado no n.º 11.º deste pedido, considera-se que a decisão de colocação do condenado em regime aberto no exterior prevista no Decreto 366/X, apenas poderá integrar o âmbito material da função jurisdicional, porque:

a) A decisão em causa implica não só a realização da justiça, a defesa da legalidade e a tutela de direitos dos reclusos mas também a composição de interesses conflituantes, mormente os do próprio recluso, da vítima, da administração e da sociedade em geral, que emergem do acesso do condenado a um espaço livre e sem vigilância directa, o qual torna indispensável a intervenção de um órgão independente que julgue a questão de acordo com o Direito;

b) A decisão de colocação do recluso em regime aberto no exterior, atentos os interesses contrapostos enunciados, não pode validamente ser cometida ao DGSP, o qual, como órgão administrativo dependente do Governo, não assume uma posição distinta dos direitos e interesses em conflito, já que se encontra vinculado à prossecução do interesse público da administração, que pode não coincidir com o do condenado ou com o da vítima;

c) Admitindo-se que o legislador possua uma margem de liberdade de conformação para alterar a matriz do sistema de execução de penas e para configurar a concessão do regime aberto ao exterior como matéria de competência da administração, não pode o mesmo, todavia, proceder a essa configuração em termos que impliquem uma incursão da administração na esfera da reserva de jurisdição e o desrespeito pelo julgado penal.

32.º

Atenta a motivação exposta no articulado deste pedido, requeiro que seja apreciada a constitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º do Decreto 366/X, conjugada com as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo artigo com fundamento em violação:

a) Da reserva de jurisdição, prevista no artigo 202.º da CRP;

b) Do imperativo do respeito pelo caso julgado, por parte dos órgãos da Administração Pública, nos termos do artigo 2.º e do disposto no n.º 3 do artigo 282.º da CRP».

2 - O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 13 de Agosto de 2009 e o pedido foi admitido na mesma data.

3 - Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da LTC, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos.

II. Fundamentação

1 - O Presidente da República requer a apreciação da "norma da alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º enquanto conjugada com as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo artigo constante do Decreto 366/X da Assembleia da República", com fundamento em violação da reserva de jurisdição, prevista no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) E do imperativo do respeito do caso julgado, por parte dos órgãos da Administração Pública, nos termos do artigo 2.º e do disposto no n.º 3 do artigo 282.º da CRP.

A norma que é objecto deste processo de fiscalização preventiva insere-se no Título IV do Livro I do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pelo Decreto 366/X da Assembleia da República. O artigo 14.º tem a seguinte redacção:

«Artigo 14.º

Regime aberto

1 - O recluso condenado é colocado em regime aberto, com o seu consentimento, se:

a) Não for de recear que se subtraia à execução da pena ou medida privativa da liberdade ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir; e b) O regime se mostrar adequado ao seu comportamento prisional, à salvaguarda da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional, à protecção da vítima e à defesa da ordem e da paz social.

2 - Verificados os pressupostos do número anterior, são colocados em regime aberto no interior os reclusos condenados em pena de prisão de duração igual ou inferior a um ano.

3 - Verificados os pressupostos do n.º 1, podem ser colocados em regime aberto no interior os reclusos condenados em pena de prisão de duração superior a um ano, desde que tenham cumprido um sexto da pena.

4 - A colocação em regime aberto no exterior depende ainda do cumprimento de um quarto da pena, do gozo prévio de uma licença de saída jurisdicional com êxito e de que não se verifique pendência de processo que implique a prisão preventiva.

5 - A colocação do recluso em regime aberto cessa se deixarem de verificar-se os pressupostos previstos nos números anteriores ou se o recluso deixar de cumprir as condições estabelecidas aquando da sua concessão.

6 - A colocação do recluso em regime aberto e a sua cessação são da competência:

a) Do director do estabelecimento prisional, no caso de regime aberto no interior;

b) Do director-geral dos Serviços Prisionais, no caso de regime aberto no exterior.

7 - As decisões de colocação em regime aberto no interior, bem como de cessação deste, são comunicadas ao director-geral dos Serviços Prisionais.

8 - As decisões de colocação em regime aberto no exterior, bem como de cessação deste, são comunicadas ao Ministério Público junto do Tribunal de Execução das Penas para verificação da legalidade.

9 - Os reclusos colocados em regime aberto estão sujeitos à realização periódica ou aleatória dos testes referidos na alínea g) do artigo 8.º» (itálico aditado).

2 - De acordo com o artigo 12.º, n.os 1 e 3, do Código aprovado pelo Decreto 366/X, também as medidas privativas da liberdade podem ser executadas em regime aberto (no interior e no exterior), dispondo o artigo 127.º que "os regimes de execução previstos no presente Código aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao inimputável e ao imputável internado em estabelecimento de inimputáveis". Considerando o teor do pedido é de concluir, no entanto, que o mesmo incide estritamente sobre a colocação em regime aberto no exterior de condenados em pena de prisão.

3 - A norma que é objecto do pedido insere-se nas disposições que integram o Regime aberto, enquanto modalidade dos Regimes de execução previstos:

regime comum (artigos 12.º e 13.º); regime aberto (artigos 12.º e 14.º); e regime de segurança (artigos 12.º e 15.º). Para a determinação da modalidade do regime de execução tem-se em conta a avaliação do recluso e a sua evolução ao longo da execução, privilegiando-se o que mais favoreça a reinserção social, salvaguardados os riscos para o recluso e para a comunidade e as necessidades de ordem e segurança (artigo 12.º, n.º 1).

O regime aberto comporta duas modalidades: o regime aberto no interior e o regime aberto no exterior (n.º 3 do artigo 12.º). Este último caracteriza-se pelo desenvolvimento de actividades de ensino, formação profissional, trabalho ou programas em meio livre, sem vigilância directa (alínea b) do n.º 3 do artigo 12.º).

A colocação do recluso condenado em regime aberto no exterior tem os seguintes pressupostos (formais e materiais) De acordo com o disposto no artigo 14.º, n.os 1, alíneas a), e b), e 4, do Código aprovado pelo Decreto 366/X:

a) Consentimento do recluso;

b) Não ser de recear que o recluso se subtraia à execução da pena ou medida privativa da liberdade ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir;

c) O regime mostrar-se adequado ao comportamento prisional do recluso, à salvaguarda da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional, à protecção da vítima e à defesa da ordem e da paz social;

d) Cumprimento de um quarto da pena;

e) Gozo prévio de uma licença de saída jurisdicional com êxito;

e) Não verificação da pendência de processo que implique a prisão preventiva.

A colocação do recluso em regime aberto no exterior é da competência do director-geral dos Serviços Prisionais (alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º), sendo a decisão comunicada ao Ministério Público, junto do Tribunal de Execução das Penas, para verificação da legalidade da mesma (artigos 14.º, n.º 8, 134.º, 141.º, alínea b), 197.º, 198.º e 199.º). O Ministério Público proferirá despacho liminar de arquivamento, quando conclua pela legalidade da decisão (alínea a) do artigo 199.º) Ou impugnará, nos próprios autos, a decisão, requerendo a respectiva anulação, perante o Tribunal de Execução das Penas (artigos 199.º, alínea b), e 200.º).

A colocação do recluso em regime aberto cessa se deixarem de se verificar aqueles pressupostos ou se o condenado deixar de cumprir as condições estabelecidas aquando da sua concessão, por decisão do director-geral dos Serviços Prisionais, a qual é comunicada ao Ministério Público junto do Tribunal de Execução das Penas para verificação da legalidade (artigo 14.º, n.os 5, 6, alínea b), e 8).

4 - A colocação do recluso condenado em regime aberto enquadra-se em orientações político-criminais fundamentais vertidas em instrumentos internacionais sobre a matéria da execução das sanções criminais privativas da liberdade, entre os quais avultam a Recomendação Rec(2003)23 do Comité de Ministros do Conselho da Europa relativa à Gestão pelas Administrações Penitenciárias dos Condenados a Pena de Prisão Perpétua ou de Longa Duração e a Recomendação Rec(2006)2 do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre as Regras Penitenciárias Europeias.

Na primeira, consagram-se, entre outros, os princípios da individualização, da normalização (aproximação, tanto quanto possível, da vida na prisão à realidade da vida em sociedade), da responsabilidade e da progressão, estabelecendo-se que a execução da pena, objecto de planificação, deve ocorrer em condições progressivamente menos restritivas até uma etapa final que, idealmente, ocorrerá em meio aberto, de preferência no seio da sociedade. Na segunda, consagra-se, entre o mais, que as restrições impostas às pessoas privadas de liberdade devem ser limitadas ao que for estritamente necessário e proporcionadas aos objectivos legítimos que as ditaram; que a vida na prisão se aproximará, na medida do possível, dos aspectos positivos da vida fora da prisão; que a reclusão deve ser orientada no sentido de facilitar a reintegração na sociedade livre; que os reclusos condenados devem beneficiar, em tempo oportuno e antes de serem libertados, de procedimentos e programas especiais que os ajudem a fazer a transição da vida da prisão para uma vida de respeito à lei no seio da comunidade; e que os reclusos condenados a penas de maior duração devem beneficiar de medidas especiais que lhes visem assegurar o regresso gradual à vida em meio livre, mediante programa de preparação para a liberdade ou mediante a concessão de liberdade condicional.

A colocação do recluso condenado em regime aberto é tributária de duas opções político-criminais fundamentais: a execução das sanções privativas da liberdade deve estar orientada para a socialização do delinquente; a privação da liberdade é a ultima ratio da política criminal. A primeira é ditada pelo princípio da socialidade, segundo o qual incumbe ao Estado a tarefa de proporcionar ao condenado as condições necessárias para a reintegração na sociedade, uma tarefa que se extrai dos artigos 1.º, 2.º e 9.º, alínea d), da CRP (neste sentido, Figueiredo Dias, "Os novos rumos da política criminal e o direito penal português do futuro", Revista da Ordem dos Advogados, 43, 1983, p. 29 e ss. Mais recentemente, cf. Exposição de Motivos do Projecto de Proposta de lei de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, Anabela Rodrigues, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária, Coimbra Editora, 2002, p. 188, e Relatório da Comissão de Estudos e Debate da Reforma do Sistema Prisional.

Presidida por Diogo Freitas do Amaral, Almedina, 2005, p. 25). A segunda decorre do princípio da necessidade da intervenção penal que se extrai dos artigos 27.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP (sobre isto, Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte geral, tomo I, Coimbra Editora, 2007, p. 117 e ss., e, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 59/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º volume, p. 689 e ss., 426/91, 527/95, 108/99, 99/2002, 164/2008 e 101/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Por outras palavras, as medidas de flexibilização da execução da pena, de que é exemplo o regime aberto, assentam em duas ideias fundamentais: a socialização do recluso obedece a uma dinâmica progressiva de preparação para a liberdade; a passagem para regimes cada vez menos restritivos de direitos dá cumprimento ao princípio da necessidade da pena que comanda a limitação de direitos fundamentais, adaptando-a da melhor forma possível à situação prisional concreta de cada recluso (neste sentido, Relatório da Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas Relatório da Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas, ponto V. do 2.º Capítulo da Parte I.).

5 - A colocação do condenado em regime aberto (voltado para o interior e voltado para o exterior) Não significa uma novidade no sistema penitenciário português (para a evolução deste regime, cf. A Reinserção Social dos Reclusos.

Um Contributo para o Debate sobre a Reforma do Sistema Prisional, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2003, p. 165 e ss., e Pinto de Albuquerque, Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006, p.

349 e ss.).

5.1 - Em 1 de Agosto de 1979 foi publicado o Decreto-Lei 265/79, que reestrutura os serviços que têm a seu cargo as medidas privativas da liberdade.

A redacção originária foi alterada pelos Decretos-Leis n.os 49/80, de 22 de Março, e 414/85, de 18 de Outubro, sendo certo que, para o tema que agora nos ocupa, não são relevantes as alterações introduzidas pelo último diploma, o qual alterou apenas um preceito relativo ao regime de execução da prisão preventiva.

De acordo com o texto publicado em 1979, o recluso é internado em dois tipos de estabelecimentos: em estabelecimento ou secção de regime aberto, obtido o seu consentimento, quando não seja de recear que ele se subtrai à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir (artigo 14.º, n.º 2); em estabelecimento fechado quando não reúna estas condições (artigo 14.º, n.º 1).

O recluso internado em estabelecimento ou secção de regime aberto pode ser autorizado a sair do estabelecimento, com ou sem custódia, a fim de trabalhar ou frequentar estabelecimentos de ensino e aperfeiçoamento profissional, a fim de tornar a execução das medidas privativas de liberdade mais flexível, nomeadamente nos aspectos referentes ao restabelecimento de relações com a sociedade, de forma geral e progressiva (alínea a) do n.º 1 do artigo 50.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º). Especificando, expressamente, que esta saída do estabelecimento não é um direito do recluso, os n.os 2 e 3 do artigo 50.º estabelecem as condições e critérios para a concessão desta medida de flexibilidade na execução. Por um lado, é necessário o consentimento do recluso;

que não seja de recear que o mesmo se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tal benefício lhe proporciona para delinquir; e que a concessão da licença não prejudique seriamente a segurança e a ordem públicas nem ponha em causa as razões de prevenção geral e especial que sempre cumprem à execução das medidas privativas da liberdade. Por outro, na concessão da saída deve tomar-se em conta a natureza e gravidade da infracção; a duração da pena; o eventual perigo para a sociedade do insucesso da aplicação da medida; a situação familiar do recluso e ambiente social em que este se vai integrar; e a evolução da personalidade do recluso ao longo da execução da medida privativa de liberdade. Ainda em relação ao recluso internado em estabelecimento ou secção de regime aberto, o n.º 1 do artigo 66.º estabelece que, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 50.º, deve autorizar-se o recluso a trabalhar ou a frequentar cursos de formação e aperfeiçoamento profissionais fora do estabelecimento, em regime de livre emprego, se isso contribuir para criar, manter ou desenvolver no recluso a capacidade de realizar uma actividade com que possa ganhar normalmente a vida, após a libertação.

O Decreto-Lei 49/80 mantém a redacção dos artigos 14.º (Estabelecimentos abertos e fechados) e 66.º (Livre emprego e trabalho por conta própria), reorganizando o Título relativo às Licenças de saída do estabelecimento (Título V) Em quatro capítulos: princípios comuns; licenças de saída de estabelecimento ou secção de regime aberto; saída de estabelecimento ou secção de regime fechado; e licenças de saída por motivos especiais e licenças de saída de preparação para a liberdade. Desta reorganização e da clarificação de alguns aspectos do regime de licenças de saída do estabelecimento resulta que se consagra, de forma expressa, a competência da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais para a concessão da licença para o recluso trabalhar ou frequentar estabelecimentos de ensino e aperfeiçoamento profissional (artigos 49.º, n.º 3, 58.º, n.º 1, parte final, e 62.º-B); que esta medida de flexibilização tem lugar quer a fim de preparar a libertação (artigos 15.º, n.º 1, alínea b), e 62.º-B) Quer a fim de tornar a execução das medidas privativas da liberdade mais flexível, nomeadamente nos aspectos referentes ao restabelecimento de relações com a sociedade, de forma geral e progressiva (artigo 58.º, n.º 1); que os critérios e as condições de concessão da saída do estabelecimento a fim de o recluso trabalhar ou frequentar estabelecimentos de ensino e aperfeiçoamento profissional não foram alterados, dividindo-se agora pelos artigos 50.º, n.os 1 e 2, e 58.º, n.os 1 e 2.

5.2 - A compreensão do regime aberto voltado para o exterior tal como se mantém até hoje em funcionamento não pode prescindir da análise das circulares da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais sobre a matéria.

A primeira (Circular n.º 2/83/DCSDEPMS-I), editada já depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 49/80, caracteriza o regime aberto; enquadra legalmente o mesmo; especifica os estabelecimentos onde pode ser praticado;

enuncia as condições a que devem obedecer os reclusos a colocar neste regime; determina a competência para a concessão e revogação da medida;

elenca os documentos que devem instruir o processo de concessão de regime aberto voltado para o exterior; fixa os limites temporais desta modalidade do regime aberto; estabelece regra de separação dos reclusos; e prevê comunicações obrigatórias à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. Desta Circular importa destacar que, por referência ao artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 265/79, nos termos do qual a licença de saída do estabelecimento é com ou sem custódia, o regime aberto passou a assumir duas modalidades: regime aberto "voltado para o interior - actividades exercidas dentro dos limites do estabelecimento prisional" (RAVI), isto é, licença de saída com custódia; regime aberto "voltado para o exterior - actividades exercidas na comunidade livre" (RAVE), ou seja, licença de saída sem custódia.

As circulares sucederam-se (a Circular n.º 8/98, de 30 de Dezembro de 1998, menciona a alta taxa de sucessos e a significativa adesão da sociedade civil à medida e regulamenta a possibilidade de aplicação do regime aberto no tratamento de toxicodependentes a cargo do sistema prisional), valendo na presente data a Circular n.º 3/GDG/06.

Neste documento caracteriza-se o regime aberto (voltado para o interior e voltado para o exterior); enunciam-se as condições para a concessão do mesmo (princípios gerais e condições especiais); determina-se a competência para a concessão e a revogação do regime; especifica-se o estabelecimento onde pode ser praticado; estabelecem-se regras em matéria de organização dos processos, de acompanhamento do regime aberto voltado para o exterior, de transferências para outro estabelecimento e de revogação do regime. Com relevo para os presentes autos, destaque-se que a colocação de reclusos em regime aberto voltado para o exterior - regime que a Circular caracteriza como aquele em que o recluso frequenta estabelecimento de ensino, curso de formação profissional, exerce actividade laboral dependente ou por conta própria, ou é admitido em programa de tratamento de toxicodependência, em instituição oficial ou privada, devidamente licenciada, fora do estabelecimento prisional (ponto 1.2) - depende da estrita observância dos princípios legalmente consignados, designadamente no n.º 2 do artigo 58.º do Decreto-Lei 265/79:

não se vislumbrar que o recluso aproveite as possibilidades decorrentes do regime aberto para voltar a delinquir ou para se subtrair à execução da pena; não serem postas em causa as razões de prevenção geral e especial que sempre cabem às medidas privativas de liberdade e que, no caso, ainda se mantenham actuais; não existir possível perigo para a segurança e ordem públicas (ponto 2.1). Destaque-se também que a colocação depende, em princípio, do cumprimento de um quarto da pena (ponto 2.1) E que se estabelecem os seguintes requisitos cumulativos: que o recluso possua efectiva actividade laboral ou escolar, que frequente curso de formação profissional ou que seja admitido em programa de tratamento da toxicodependência, em instituição oficial ou privada, devidamente licenciada; que esteja condenado por decisão transitada em julgado; que não se verifique pendência de processo que implique a prisão preventiva, podendo contudo, para viabilização de tratamento de toxicodependentes, colocar-se a situação à consideração do Tribunal para eventual reapreciação da medida de coacção (ponto 2.2.).

5.3 - O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer em 21 de Fevereiro de 1991, entretanto homologado (Parecer 104/90, publicado no Diário da República 2.ª série, de 27 de Agosto de 1991), no sentido de a decisão sobre a concessão da licença de saída do estabelecimento prevista no artigo 58.º do Decreto-Lei 265/79, de 1 de Agosto, não se integrar no âmbito constitucional da reserva da função jurisdicional definido no artigo 202.º, n.º 2, da Constituição (6.ª conclusão); de não ser inconstitucional, por violação do princípio da reserva da função jurisdicional, a norma do artigo 49.º, n.º 3, do Decreto-Lei 265/79 que atribui à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais a competência para conceder a licença prevista no artigo 58.º deste diploma (8.ª conclusão).

5.4 - Dados estatísticos fornecidos pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais sobre a concessão e revogação do regime aberto voltado para o exterior (RAVE) - artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 265/79, de 1 de Agosto - revelam o seguinte:

Evolução da concessão e revogação de regime aberto voltado para o exterior

(ver documento original)

«As revogações podem resultar de motivos diversos, nomeadamente:

inadequação à função, incumprimento de obrigações ou de horários, detecção de consumo de álcool ou droga, informação negativa por parte da entidade parceira ou incumprimento de regras não relacionadas com o RAVE (ex.

incumprimento de regras durante saídas precárias, cometimento de infracção disciplinar na prisão, etc.) Ou, ainda, incumprimentos por parte da entidade parceira.

O acompanhamento da execução do regime é feito por articulação entre os Serviços Prisionais e a entidade parceira, por controlo directo pelos Serviços Prisionais e, sempre que se justifica, com a colaboração da Direcção-Geral de Reinserção Social e ou das autoridades policiais.

O RAVE é executado ao abrigo de protocolos com entidades públicas e privadas».

Número de Parcerias existentes actualmente, por tipo de entidade, para reclusos em regime aberto voltado para o exterior:

(ver documento original)

6 - A colocação em regime aberto no exterior figurava num projecto de proposta de lei e numa proposta de lei, entretanto elaborados, sobre a matéria da execução das medidas privativas da liberdade.

Na sequência do Relatório da Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas, constituída nos termos do despacho 20/MJ/96, de 30 de Janeiro, foi apresentado Projecto de Proposta de lei de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, em Fevereiro de 2001, ao XIV Governo Constitucional (cf. Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar...p. 179 e ss.). Neste Projecto prevê-se o internamento do recluso em estabelecimento prisional ou secção abertos, com a possibilidade de lhe serem concedidas licenças de saída do estabelecimento, durante determinadas horas do dia, para trabalhar ou frequentar estabelecimentos de ensino, formação e aperfeiçoamento profissionais (artigos 12.º e 13.º). O internamento em estabelecimento prisional ou secção abertos e as medidas de flexibilização na execução, nomeadamente a licença de saída do estabelecimento com aquela finalidade, constam do plano individual de readaptação do recluso (artigo 10.º). Este plano e as suas modificações são aprovados pelo Conselho de Socialização (artigo 10.º), órgão do estabelecimento prisional que é presidido pelo respectivo director (artigos 129.º e 130.º), e são comunicados ao Ministério Público do Tribunal de Execução de Penas (artigo 10.º, n.º 9). Em relação às decisões de internamento em estabelecimento prisional ou secção abertos especifica-se também que são comunicadas ao Tribunal competente (artigo 10.º, n.º 9). Note-se que no Relatório da Comissão, apresentado ao Ministro da Justiça em Novembro de 1997, atribui-se ao Ministério Público competência para a concessão da medida de flexibilização Regime Aberto Virado para o Exterior (RAVE), por proposta do Núcleo de Acompanhamento a que o recluso se encontra adstrito ou a requerimento do próprio recluso, ouvido o parecer do Conselho de Socialização (cf. ponto V. do 2.º Capítulo e ponto II. da 2.ª Secção do 3.º Capítulo da Parte I).

Na sequência do Relatório da Comissão de Estudos e Debate da Reforma do Sistema Prisional, criada pela Portaria 183/2003, de 21 de Fevereiro, foi apresentada à Assembleia da República a Proposta de lei 153/IX - Lei-quadro da reforma do sistema prisional (proposta convocada no debate na generalidade da Proposta de lei 252/X, que esteve na origem do Decreto 366/X, para sustentar que a colocação do recluso em regime aberto para o exterior deve ser da competência do Tribunal da Execução das Penas, Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 63, de 28 de Março de 2009). Segundo esta Proposta de lei, a lei dos tribunais de execução das penas define a respectiva competência, incluindo, nomeadamente, a intervenção na concessão e na revogação do regime aberto no exterior e na colocação e manutenção em regime de segurança (alínea d) do artigo 20.º). Como devia incluir também a concessão e revogação de saídas jurisdicionais, da liberdade condicional, da liberdade para prova e de outras modificações da execução da pena de prisão previstas na lei (alínea c) do artigo 20.º), é de concluir que a proposta não é no sentido de competir aos tribunais de execução das penas a concessão do regime aberto no exterior. A proposta parece bastar-se com a intervenção destes tribunais na concessão deste regime (neste mesmo sentido vai o artigo 21.º, alíneas c) e d), do articulado que integra o Relatório final da Comissão, não obstante os juízes de execução das penas se terem pronunciado no sentido de a concessão do RAVE ser "um acto jurisdicional por excelência, na medida em que importa uma verdadeira modificação da pena de prisão" e de dever, "por isso, ser atribuída ao TEP". Cf. Relatório da Comissão de Estudos e Debate da Reforma do Sistema Prisional. Presidida por Diogo Freitas do Amaral, pp. 79 e 128).

7 - O requerente pede a apreciação da constitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º, enquanto conjugada com as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo artigo, constante do Código aprovado pelo Decreto 366/X, com fundamento em violação da reserva de jurisdição, prevista no artigo 202.º da CRP.

Requer a apreciação da constitucionalidade da norma que atribui competência ao director-geral dos Serviços Prisionais para, com o consentimento do recluso, o colocar em regime aberto no exterior, se não for de recear que se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir e o regime se mostrar adequado ao seu comportamento prisional, à salvaguarda da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional, à protecção da vítima e à defesa da ordem e da paz social. Requer esta apreciação invocando como primeiro fundamento a reserva de jurisdição, prevista no artigo 202.º da CRP.

Para a questão a apreciar importa reter que esta norma constitucional (Função jurisdicional) Dispõe que:

«1 - Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.

2 - Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.» Do pedido resulta que para o requerente é decisiva a comparação entre "o modelo vigente e o novo modelo legal de colocação do recluso em regime aberto ao exterior"; a aproximação deste "novo modelo" ao instituto da liberdade condicional; e a "definição do âmbito da reserva de jurisdição em matéria de execução de penas" que decorre da legislação.

8 - De acordo com o requerente, "se é um facto que os regimes abertos no interior e no exterior das prisões se encontram acolhidos na legislação em vigor (Decreto-Lei 265/79, de 1 de Agosto, e respectivas alterações), sendo a correspondente autorização também cometida à competência da administração penitenciária, verifica-se, contudo, que os pressupostos dessa autorização foram modificados e alargados em termos que suscitam dúvidas quanto à sua constitucionalidade". Sem prejuízo de o Presidente da República entender que "não é isenta de dúvidas de constitucionalidade, atenta a salvaguarda da reserva de jurisdição e do respeito pelo caso julgado, a faculdade hoje conferida ao Director Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) Pelo n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei 265/79, para colocar um recluso em regime aberto no exterior".

Questão de constitucionalidade que não cabe a este Tribunal apreciar no âmbito deste processo.

8.1 - Quando comparado o "modelo vigente" com o modelo constante do Código aprovado pelo Decreto 366/X é de concluir, contudo, que não há diferenças significativas em matéria de pressupostos de autorização do regime aberto no exterior, devendo assinalar-se, desde logo, que num e noutro modelo o legislador prefere que a execução da pena de prisão ocorra no meio menos restritivo: de acordo como o artigo 14.º do Decreto-Lei 265/79 (Estabelecimentos abertos e fechados), o recluso é internado em estabelecimento fechado quando não reúna as condições do internamento em estabelecimento ou secção de regime aberto; segundo o artigo 13.º do Código aprovado pelo Decreto 366/X (Regime fechado), o recluso é colocado em regime comum quando a execução da pena privativa da liberdade não possa decorrer em regime aberto.

O director-geral dos Serviços Prisionais já decide com base num conjunto de pressupostos de fundo e de forma, constantes dos artigos 14.º, n.º 2, 50.º, n.os 1 e 2, e 58.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei 265/79 e da Circular n.º 3/GDG/06. Com relevo para a comparação, note-se que, no modelo vigente, os pressupostos que fundamentam a concessão do regime aberto voltado para o exterior não consistem apenas na ausência de receio que o condenado se subtraia à execução da pena ou se aproveite da situação para delinquir (condições que o n.º 2 do artigo 14.º estabelece para o internamento em estabelecimento ou secção de regime aberto e que a primeira parte do n.º 2 do artigo 58.º repete enquanto condições da concessão de licença de saída de estabelecimento ou secção de regime aberto). Exige-se também que a concessão da licença de saída não prejudique seriamente a segurança e a ordem públicas, nem ponha em causa as razões de prevenção geral e especial que sempre cabem à execução das medidas privativas da liberdade (parte final do n.º 2 do artigo 58.º do Decreto-Lei 265/79, na redacção vigente); que, a concessão tome em conta, designadamente, o eventual perigo para a sociedade do insucesso da aplicação da medida, bem como a situação familiar do recluso e ambiente social em que este se vai integrar (alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 50.º do Decreto-Lei 265/79); que não se verifique pendência de processo que implique a prisão preventiva, com salvaguarda do caso especial de tratamento de toxicodependentes (ponto 2.2.3. da Circular n.º 3/GDG/06); e que, em princípio, esteja cumprido um quarto da pena (ponto 2.1. da Circular n.º 3/GDG/06).

A colocação de reclusos em regime aberto voltado para o exterior já hoje pode ter lugar quando esteja cumprido um quarto da pena (ponto 2.1. da Circular n.º 3/GDG/06), o que significa que não lhe está associada a ideia de ser concedida apenas "num momento de consolidação" da pena, "mormente em fase avançada de preparação para a liberdade". É verdade que o artigo 15.º do Decreto-Lei 265/79 associa a colocação em regime aberto virado para o exterior à finalidade de preparar o recluso para a liberdade imediata (cf. alíneas a) e b) do n.º 1 e artigo 62.º-B), mas é certo também que tal colocação pode ocorrer tendo em vista a finalidade de preparar o recluso para uma liberdade ainda longínqua, sujeitando-o a regimes cada vez menos restritivos em cumprimento do princípio da necessidade da privação da liberdade (artigos 14.º, n.º 2, e 58.º, n.º 1, primeira parte, do Decreto-Lei 265/79).

Deve notar-se que, de todo o modo, o "novo modelo" não permite "a colocação de um detido que tenha sido condenado, por exemplo, à pena de vinte anos de prisão efectiva, em regime aberto ao exterior volvidos apenas cinco anos após o início do cumprimento da mesma pena", uma vez que um dos pressupostos da colocação em regime aberto no exterior é o gozo prévio de uma licença de saída jurisdicional com êxito (artigo 14.º, n.º 4) E que, no caso de pena superior a cinco anos, esta licença só pode ser concedida após o cumprimento de um quarto da pena (alínea a) do n.º 2 do artigo 79.º). Relevam também para o período mínimo de cumprimento de pena de prisão no exterior as consequências previstas para os casos em que não haja êxito na saída jurisdicional: se o recluso deixar de cumprir as condições impostas pode ser determinada a impossibilidade de apresentação de novo pedido durante seis meses ou ser revogada a licença de saída, caso em que o juiz fixa um prazo, entre seis e doze meses a contar do regresso ao estabelecimento prisional, durante o qual o recluso não pode apresentar novo pedido (artigo 85.º, n.os 1 e 5).

Por outro lado, no "modelo vigente" o recluso colocado em regime aberto voltado para o exterior sai sem custódia (cf. supra ponto 5.2.). O regime aberto voltado para o interior, que se caracteriza por o recluso trabalhar no Estabelecimento, dentro ou fora de muros, é que é submetido a vigilância descontínua (cf. Circular n.º 3/GDG/06, ponto 1.1).

Acresce que, das disposições legais convocadas pelo requerente, não pode concluir-se que, diferentemente do modelo constante do Código aprovado pelo Decreto 366/X, "o "modelo vigente" estabelece algumas regras sobre os termos do cumprimento da pena em regime aberto": o n.º 5 do artigo 14.º do Decreto-Lei 265/79, cuja epígrafe é Estabelecimentos abertos e fechados, não tem em vista a medida de flexibilidade na execução que consiste em sair do estabelecimento, com ou sem custódia, a fim de trabalhar ou frequentar estabelecimentos de ensino e aperfeiçoamento profissional (alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei 265/79), incidindo estritamente sobre o internamento num ou noutro estabelecimento; a alínea d) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei 265/79 tem a ver com a autorização de saída do estabelecimento - seis dias por mês, seguidos ou interpolados, sem custódia, nos últimos nove meses do cumprimento da pena - que é dada aos reclusos que estão em regime aberto virado para o exterior, ao abrigo do disposto na aliena a), do n.º 1, do artigo 58.º daquele diploma; o n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei 265/79 já não é compatível com o que se dispõe no n.º 4 do artigo 61.º do Código Penal, nos termos do qual o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (era compatível com o artigo 120.º do Código Penal anterior ao de 1982, o qual não previa a denominada "liberdade condicional obrigatória" - sobre isto, cf. A. M. Almeida Costa, Passado, presente e futuro da liberdade condicional no direito português, separata do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1989, p. 35); a alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei 265/79 prevê uma medida de flexibilidade na execução distinta da prevista na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo.

É verdade que o Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade não regula todos os aspectos do regime da colocação do recluso em regime aberto no exterior (até por comparação com a Circular n.º 3/GDG/06), porém o artigo 1.º, n.º 2, daquele Código prevê que o Livro I (Da execução das penas e medidas privativas da liberdade) Seja regulamentado pelo Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais.

Em suma, da mera comparação entre o "modelo vigente" e o "novo modelo" não decorre que o regime aberto no exterior tenha deixado de ser "um instrumento de flexibilização da execução da pena, intrínseco à gestão da vida interna da prisão e, como tal, pertencendo ao domínio da administração prisional".

8.2 - Apesar do exposto, subsistem duas diferenças essenciais que, contudo, são insusceptíveis de fundar um qualquer juízo de inconstitucionalidade, inserindo-se, pelo contrário, numa preocupação de jurisdicionalização da execução da pena de prisão (diferenças destacadas pelo Ministro da Justiça no debate na generalidade da Proposta de lei 252/X, que esteve na origem do Decreto 366/X - Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 63, de 28 de Março de 2009).

Primeira: de acordo com o n.º 4 do artigo 14.º, a colocação do recluso em regime aberto no exterior tem como pressuposto o gozo prévio de uma licença de saída jurisdicional com êxito. Devendo destacar-se que os requisitos e os critérios gerais de concessão de tal licença coincidem, em larga medida, com os de colocação naquele regime (artigos 14.º, n.º 1, 78.º, n.os 1 e 2, e 79.º, n.º 2, alínea c), do Código aprovado pelo Decreto 366/X), o que faz depender a colocação em regime aberto no exterior de "um prévio «voto de confiança» do tribunal" (a expressão é do Ministro da Justiça, aquando do debate na generalidade da Proposta de lei 252/X).

Segunda: de acordo com os artigos 14.º, n.º 8, 197.º, 198.º e 199.º, a decisão de colocação do recluso em regime aberto no exterior é comunicada ao Ministério Público junto do Tribunal de Execução das Penas para verificação da legalidade, com possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Execução das Penas (artigos 199.º, alínea b), e 200.º). Solução que se harmoniza com as funções constitucionalmente cometidas àquela magistratura de exercer a acção penal (entendida em sentido lato) E de defender a legalidade democrática (artigo 219.º, n.º 1, da CRP).

9 - Para o requerente a aproximação do "novo modelo" ao instituto da liberdade condicional, cuja concessão é da competência dos tribunais de execução das penas, dar-se-ia quer por via do "reconhecimento de um novo direito dos detidos ao acesso restringido a um meio livre", quer por causa "dos requisitos de fundo que devem fundamentar a decisão de colocação do detido em regime aberto ao exterior". Um e outros apontariam para a natureza jurisdicional da colocação do recluso em regime aberto no exterior.

9.1 - Uma vez verificados os pressupostos (formais e materiais) De que depende, o tribunal tem o poder-dever de conceder a liberdade condicional, quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses (artigo 61.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal); ou quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses (artigo 61.º, n.os 1 e 3, do Código Penal). Não havendo qualquer razão para distinguir esta última hipótese da anterior e muito menos para considerar que se trata aqui de "decisão obrigatória do juiz". Em ambas as hipóteses trata-se de um poder-dever do juiz, de um poder vinculado à verificação da totalidade dos pressupostos, formais e substanciais, de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional (sobre isto, cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português.

As consequências jurídicas do crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p.

541, e Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, comentário ao artigo 61.º, ponto 10 e s.).

À circunstância de se tratar de um poder-dever nunca se associou a existência de um direito à colocação em liberdade condicional. Este instituto tem a natureza de um incidente da execução da pena de prisão, político-criminalmente justificado por referência à "vertente social ou intervencionista do modelo de Estado de direito material, implícito à CRP de 1976", inscrevendo-se neste âmbito "a ressocialização dos criminosos como concretização do dever geral de solidariedade e de auxílio às pessoas que deles se encontrem carecidas" (A. M.

Almeida Costa, ob. cit., p. 54); e por apelo ao princípio da necessidade da intervenção penal que se extrai dos artigos 27.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP. Não é, seguramente, porque o condenado é titular do direito à colocação em liberdade que compete a um tribunal conceder a liberdade condicional.

Ainda que "a apreciação da situação objectiva e subjectiva do detido pela administração prisional, tendo em vista a possibilidade da sua colocação em regime aberto no exterior", passe a constituir um poder-dever da mesma administração - não sendo decisiva para assim concluir a letra do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 265/79, por comparação com a do n.º 1 do artigo 14.º do Código aprovado pelo Decreto 366/X -, tal significa tão-só que o director-geral dos Serviços Prisionais tem o poder-dever de colocar o recluso em regime aberto no exterior, exercendo a competência que lhe está legalmente cometida de garantir a execução das penas e medidas privativas da liberdade, de acordo com as respectivas finalidades (artigos 2.º, n.º 1, e 135.º, n.º 1, alínea a), do Código aprovado pelo Decreto 233/X e 42.º, n.º 1, do Código Penal e, ainda, artigo 266.º, n.º 2, da CRP). Sem que isso signifique "o reconhecimento de um novo direito dos detidos ao acesso restringido a um meio livre".

De todo o modo, ainda que assim seja - ou ainda que se veja aqui um interesse legalmente protegido do recluso - a observância da reserva de juiz (artigo 202.º, n.º 2, primeiro segmento, da CRP) Exigirá apenas que o tribunal diga a última palavra e não a primeira (sobre esta compreensão da reserva de juiz, cf.

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 453/93, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, Parecer 104/90 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, já citado, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, anotação ao artigo 202.º, alínea b), do ponto VII).

9.2 - Relativamente aos "requisitos de fundo que devem fundamentar a decisão de colocação do detido em regime aberto ao exterior", a argumentação do requerente assenta, fundamentalmente, no entendimento de que tais requisitos (seguramente os constantes da parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do Código aprovado pelo Decreto 366/X e, com dúvidas, os estabelecidos na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo), de que tais critérios de colocação do recluso em regime aberto (no interior e no exterior) "incorporam necessariamente o âmbito material da reserva jurisdicional".

Convocando os critérios de determinação da medida da pena (artigo 71.º, n.º 1, parte final, do Código Penal) e os critérios de concessão da liberdade condicional, quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses (artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal) E estabelecendo a analogia entre estes e os critérios estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do Código aprovado pelo Decreto 366/X, o requerente conclui que a administração - porque decide a partir de critérios análogos àqueles - modifica a sentença condenatória.

Importa notar que a concessão da liberdade condicional já não se traduz numa modificação substancial da condenação. No direito vigente, face ao disposto nos n.os 1 e 5 do artigo 61.º do Código Penal, o instituto da liberdade condicional tem a natureza jurídica de incidente (ou de medida) de execução da pena privativa da liberdade, sendo por isso mesmo até discutível se tal competência se deve manter nos tribunais de execução das penas ou passar a ser do tribunal da condenação (sobre a natureza jurídica do instituto, Anabela Rodrigues, Novo Olhar..., p. 135, nota 17, e Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal..., comentário ao artigo 61.º, ponto 1.; sobre a questão de saber qual o tribunal competente para a concessão, cf., ainda, p. 135 e s. da obra citada em primeiro lugar). A concessão da liberdade condicional traduz-se numa alteração ao conteúdo da sentença condenatória (como bem se diz na alínea b) do artigo 14.º do pedido), mas não numa modificação substancial da condenação.

Diferentemente do que sucedia na versão original do Código Penal, em que alguns aspectos do regime de concessão e de revogação da liberdade condicional negavam ao instituto a natureza de incidente de execução da pena de prisão, fazendo com que fosse encarada como modificação substancial da condenação (neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português..., pp. 529 e s., 550 e s. e 553 e s.).

Por outro lado, importa recusar o entendimento de que os critérios de prevenção (geral e especial) São privativos da actividade jurisdicional. Entendimento que, afinal, suporta uma grande parte do pedido. Tais critérios, de harmonia com o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, são critérios que não podem deixar de nortear também quer a actividade do legislador, quando, por exemplo, estabelece as molduras penais, quer a actividade da administração prisional, quando garante a execução das penas e medidas privativas da liberdade, de acordo com as respectivas finalidades (artigo 135.º, n.º 1, alínea a), do Código aprovado pelo Decreto 366/X). De acordo com a finalidade de prevenção especial, mas também com a de prevenção geral (artigos 40.º, n.º 1, e 42.º, n.º 1, do Código Penal e 2.º, n.º 2, do Código aprovado pelo Decreto 366/X), funcionando a exigência geral-preventiva de protecção de bens jurídicos e de defesa da sociedade, é dizer, de defesa da ordem e da paz social, como limite da finalidade socializadora primária (sobre a forma de compatibilizar as finalidades de prevenção geral e de prevenção especial, cf. Anabela Miranda Rodrigues, A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa da liberdade, Coimbra 1982, p. 154 e ss.). São, por isso, injustificados os receios de não haver "a salvaguarda efectiva dos bens jurídicos fundamentais que o Direito Penal deve assegurar e a prevenção de situações causadoras de alarme social geradas pela colocação" em regime aberto no exterior. Injustificados, precisamente porque há sintonia entre os critérios de determinação da pena e os critérios norteadores da execução da mesma pena.

10 - Para o requerente a "definição do âmbito da reserva de jurisdição em matéria de execução de penas" que decorre da legislação também aponta no sentido de a colocação em regime aberto no exterior se incluir no "domínio material de controlo e modelação da execução que é cometido à actividade jurisdicional desenvolvida pelo tribunal de execução de penas".

Apesar de as competências fixadas no artigo 22.º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei 222/77, de 30 de Maio, não se adequarem totalmente ao direito penal vigente, sempre se dirá, por referência ao direito penal então em vigor, que a colocação em regime aberto no exterior não é comparável aos exemplos dados na alínea b) do artigo 11.º do pedido. Estes têm a ver com o estado de perigosidade criminal do delinquente (artigo 22.º, 5.º), com a substituição de uma sanção por outra (artigo 22.º, 6.º e 8.º) E com a cessação de efeitos penais (artigo 22.º, 9.º) - sobre isto, face a disposições equivalentes do Decreto 34.553, de 30 de Abril de 1945, Beleza dos Santos, Os tribunais de execução das penas em Portugal (razões determinantes da sua criação - estrutura - resultados e sugestões), Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra em honra do Prof. Dr. José Alberto dos Reis, 1953, p. 12 e ss.

A colocação em regime aberto no exterior tão-pouco é comparável ao exemplo dado na alínea c) do artigo 11.º do pedido (cf. infra ponto 13.), isto é à concessão e revogação de saídas precárias prolongadas (artigos 23.º, 4.º, do Decreto-Lei 782/76, 92.º, alínea d), da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, e 125.º, alínea d), da Lei 52/2008, de 28 de Agosto).

11 - Muito embora a definição legal da competência dos tribunais de execução das penas não contribua decisivamente para a densificação da reserva de juiz em matéria de execução de sanções privativas da liberdade - nem todas as intervenções judiciais são necessariamente impostas pelo artigo 202.º, n.º 2, da CRP (cf. infra ponto 12.) - não é de recusar que para tal densificação contribui também o que a lei inclui - e foi incluindo - na competência daqueles tribunais.

Para além dos actos que a CRP reserva expressamente ao juiz e da forma como a doutrina e a jurisprudência vêm densificando a função jurisdicional, desde logo por contraposição à função administrativa (para uma síntese, cf. Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., anotação ao artigo 202.º, ponto V). Devendo salientar-se, relativamente àqueles actos que, em matéria de execução das sanções privativas da liberdade, a CRP reserva expressamente ao juiz somente o título de execução (ninguém pode ser privado da liberdade a não ser em consequência de sentença judicial condenatória - artigo 27.º, n.os 2) E a prorrogação das medidas de segurança privativas da liberdade, em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica (artigo 30.º, n.º 2).

12 - Se há matérias onde é possível traçar uma linha evolutiva clara, uma delas é, seguramente, a da jurisdicionalização da execução da pena de prisão (sobre esta evolução, Anabela Rodrigues, Novo Olhar..., p. 129 e ss.). Mercê, certamente, da posição jurídica que o recluso foi assumindo na execução desta sanção privativa da liberdade, acompanhando a "nova concepção dos direitos fundamentais como direitos de todas as pessoas, nas diversas circunstâncias da vida social, relativamente a todos os poderes, quaisquer que sejam" (Vieira de Andrade, "O internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica na perspectiva dos direitos fundamentais", A lei de Saúde Mental e o Internamento Compulsivo, Coimbra Editora, p. 73, autor que se refere expressamente aos reclusos nas pp. 74 e 77). Concepção de que o artigo 30.º, n.º 5, da CRP é expressão acabada - os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução.

O primeiro passo foi dado pela Lei 2000, de 16 de Maio de 1944, e pelo Decreto 34.553, de 30 de Abril de 1945, com o objectivo assumido de caber aos tribunais de execução das penas tomar "decisões destinadas a modificar ou substituir as penas ou as medidas de segurança" (n.º 1 da Base I daquela Lei).

Aqui se incluindo a concessão da liberdade condicional (artigo 3.º, 3.º daquele Decreto), em consonância com a natureza jurídica do instituto, que claramente extravasava a de mero incidente na execução da pena. Um primeiro período que se caracteriza, de um lado, por a jurisdicionalização estar directamente ligada a um direito penal do agente e, de outro, por a jurisdicionalização ficar à porta dos estabelecimentos prisionais por não dever caber ao tribunal decidir, "nem sequer em recurso, quando é que um recluso ascende a um grau superior, por exemplo, do período de experiência ao de confiança, ou quando deve regressar a um período inferior. Todas as decisões a este respeito são reservadas à Administração Penitenciária, isto é, ao Director do estabelecimento, ouvido o Conselho Técnico. Entende-se que a ingerência de um tribunal nestas matérias poderia diminuir a autoridade, o prestígio e a iniciativa da direcção do estabelecimento prisional" (Beleza dos Santos, ob. cit., p. 10 e s.).

Esta orientação é claramente inflectida com o Decreto-Lei 783/76, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 222/77 e pelo Decreto-Lei 204/78, de 24 de Julho. A par da intervenção justificada pela "novidade" da decisão (modificação ou substituição das penas ou das medidas de segurança), o que continuava a incluir as decisões em matéria de liberdade condicional, instituto cuja natureza jurídica continuava a resistir à de mero incidente na execução da pena de prisão (artigo 22.º), o Tribunal de Execução das Penas passou a exercer funções de garantia da posição jurídica do recluso (artigo 23.º).

Nomeadamente, passou a competir ao juiz deste tribunal visitar, pelo menos mensalmente, todos os estabelecimentos prisionais, a fim de tomar conhecimento da forma como estão a ser executadas as condenações e a conceder e revogar as saídas precárias prolongadas (artigo 23.º, 1.º e 4.º).

Com este ponto de chegada é uma nova fase que se inicia, marcada pela tendência para estender a intervenção jurisdicional a toda e qualquer questão relativa à modelação da execução que possa contender com os direitos do recluso. O que arrasta a necessidade de repensar a intervenção do juiz no âmbito da execução das sanções privativas da liberdade. "Do que se trata, com efeito, é de converter a intervenção jurisdicional em garante da execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade, na medida em que a sua modelação afecte directamente os direitos do recluso" (Anabela Rodrigues, Novo Olhar...p. 137, itálico aditado).

Do que se trata, afinal, é de conter esta intervenção no âmbito da função jurisdicional (artigo 202.º, n.os 1 e 2, da CRP), dando ao juiz da execução das sanções privativas da liberdade o papel de juiz das liberdades, à semelhança do que sucede em outros lugares do ordenamento jurídico (cf. artigo 32.º, n.º 4, da CRP). Sem prejuízo de a reserva de juiz significar também que é da competência de um tribunal tomar certas decisões no decurso da execução (por exemplo, as que modificam, substituem ou complementam a sentença condenatória).

13 - Partindo das disposições legais que definem a competência dos tribunais de execução das penas, por referência ao direito penal vigente (artigos 91.º e 92.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, e 124.º e 125.º da Lei 52/2008, de 28 de Agosto), é de concluir que a colocação do recluso em regime aberto no exterior não é comparável às decisões que naquelas normas estão reservadas ao juiz. Nomeadamente não é comparável à concessão da liberdade condicional e à concessão de saídas precárias prolongadas (artigos 91.º, n.º 2, alínea a), e 92.º, alínea d), da Lei 3/99 e 124.º, n.º 2, alínea a), e 125.º, alínea d), da Lei 52/2008). Institutos que o requerente refere expressamente.

Quando é concedida a liberdade condicional há uma alteração do conteúdo da sentença condenatória. Isto é, a sentença condenatória "deixa de ser" de privação da liberdade, já que a libertação condicional significa uma devolução do condenado à liberdade (sem prejuízo do que se dispõe no artigo 64.º, n.º 1, primeira parte, do Código Penal). Por outro lado, à colocação em liberdade condicional pode mesmo corresponder uma alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória, face ao que se dispõe nos artigos 57.º, n.º 1, por remissão do n.º 1 do artigo 64.º, e 61.º, n.º 5, do Código Penal. E corresponderá necessariamente a uma alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória para os que defendem que, em caso de revogação, conta como cumprimento da pena de prisão o tempo em que o condenado esteve em liberdade condicional.

O que acaba de ser dito vale também para as saídas precárias prolongadas, tradicionalmente da competência dos tribunais de execução das penas (artigos 23.º, 3.º do Decreto-Lei 783/79) E aí incluída no Código aprovado pelo Decreto 366/X (artigo 79.º, n.º 1 - Licenças de saída jurisdicionais). Neste tipo de saída do estabelecimento há também uma alteração do conteúdo da sentença condenatória, uma vez que o condenado é devolvido à liberdade durante uns dias. Traduz-se mesmo numa alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória: o período de saída vale como tempo de execução da pena (artigo 54.º, n.º 1, do Decreto-Lei 265/79, na medida que exclui o desconto) E é descontado no cumprimento da sanção em caso de revogação (artigos 53.º, n.º 4, Decreto-Lei 265/79).

Diversamente, quando o director-geral dos Serviços Prisionais coloca o recluso em regime aberto no exterior não há qualquer alteração do conteúdo da sentença condenatória. Esta decisão "continua a ser" de privação da liberdade, havendo, tão-só, uma alteração do conteúdo da execução da pena de prisão, político-criminalmente justificada por referência aos princípios jurídico-constitucionais da socialidade e da necessidade da intervenção penal (cf. supra ponto 4.). Isto é: não extravasa a natureza de medida de flexibilização da execução da pena de prisão (neste sentido, para o direito vigente e por comparação com o regime de semidetenção - actualmente previsto no artigo 46.º do Código Penal -, cf. Parecer 104/90 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, já citado).

A alteração traduz-se no desenvolvimento de actividades de ensino, formação profissional, trabalho ou programas em meio livre (por exemplo, programas de tratamento de situações de toxicodependência), sem vigilância directa, fora dos muros do estabelecimento prisional, durante o período de tempo necessário ao desenvolvimento de tais actividades. A colocação em regime aberto no exterior não significa, de todo, uma devolução do condenado à liberdade. Daí que em ponto algum do Código aprovado pelo Decreto 366/X se encontre disposição paralela à contida no artigo 77.º, n.º 1, segundo a qual o período de saída é considerado tempo de execução da pena; ou qualquer norma significativa de uma mudança do estatuto jurídico do recluso, quer quanto aos direitos quer no que toca aos deveres (artigos 7.º e 8.º). É de subscrever, por inteiro, o que se sustentou, relativamente ao direito vigente, no Parecer 104/90 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, já citado:

«Fora do estabelecimento, o recluso não se assume, jurídica e materialmente, com liberdade incondicionada. As condições em que trabalhe, e os estabelecimentos de ensino que frequente, são consideradas necessariamente na aplicação do plano, e o resultado obtido constitui elemento relevante da evolução posterior. Mantém-se uma ligação jurídica e material entre o recluso e o estabelecimento prisional: juridicamente, o recluso mantêm integralmente o respectivo estatuto, cumprindo ainda, e nesta fase, uma medida privativa de liberdade [...].

Na licença de saída do estabelecimento (diga-se, semiliberdade), o estado detentivo continua a permanecer, ainda que diariamente intervalado pelo contacto com o ambiente externo; constitui, por isso, uma especial modalidade de execução, uma fase da execução da pena privativa de liberdade.» Em suma: a colocação do recluso em regime aberto no exterior, uma vez verificados os pressupostos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do Código aprovado pelo Decreto 366/X, traduz-se numa alteração do conteúdo da execução da pena de prisão.

Sem que isso modifique o sentido da sentença condenatória, na medida em que a pena de prisão é necessariamente modelada no decurso da execução, em obediência aos princípios jurídico-constitucionais da socialidade e da necessidade da intervenção penal (cf. supra ponto 4.). A execução da pena de prisão orienta-se pelo princípio da individualização do tratamento prisional, inevitavelmente programado e faseado, favorecendo a aproximação progressiva à vida livre, através das necessárias alterações do regime de execução (artigos 5.º, n.os 1 e 3, 12.º, n.º 1, 22.º, n.º 3, e 76.º, n.os 2 e 3, do Código aprovado pelo Decreto 366/X e artigos 3.º, n.º 2, e 58.º, n.º 1, do Decreto-Lei 265/79). É de Afonso Queiró a afirmação de que "as sanções criminais decretadas pelos tribunais podem ser individualizadas na fase do seu cumprimento ou execução e, de toda a maneira, a administração prisional reserva-se uma esfera de actuação própria, livre em relação ao tribunal cuja acção culmina com a sentença condenatória" ("A função administrativa", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIV, n.os 1-2-3, p. 28).

Por outras palavras: como a execução das sanções privativas da liberdade é necessariamente modelada na execução, o "acesso a meio livre" - a execução da pena de prisão em regime aberto no exterior - encontra-se pressuposto (a) Na sentença que condenou a uma pena de prisão.

14 - A colocação do recluso em regime aberto no exterior - uma das modalidades dos regimes de execução da pena de prisão - não integra a actividade de repressão da violação da legalidade democrática que o artigo 202.º, n.os 1 e 2, da CRP reserva aos tribunais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1993, anotação ao artigo 205.º, ponto IV., entendem que o segundo segmento do n.º 2 do artigo 202.º aponta especialmente para a justiça criminal; no mesmo sentido, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 67/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

Não integra a actividade de repressão da violação da legalidade democrática, porque aquando da decisão de colocação em regime aberto no exterior não ressurge o conflito jurídico-penal emergente da prática do crime, entretanto já resolvido na sentença condenatória. É nesta decisão judicial que o agente da prática da infracção criminal é privado da liberdade (artigo 27.º, n.º 1, da CRP) Para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da CRP). É aqui que se pondera o quantum de pena que é necessário para a reafirmação da validade da norma que foi violada com o cometimento do crime (para a protecção de bens jurídicos) E, na medida do possível, para a reintegração do agente na sociedade (cf. artigos 40.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.º 1, do Código Penal; sobre isto cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português..., p. 227 e ss.; no sentido de o conceito de legalidade democrática estar utilizado "no sentido de ordem jurídica democraticamente instituída", cf.

Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., anotação ao artigo 205.º, ponto IV.).

Diferentemente se passa, por exemplo, com a pena relativamente indeterminada, sanção em que a medida concreta da privação da liberdade é "determinada" já em sede de execução (cf. artigos 83.º, n.º 2, 84.º, n.º 2, 86.º, n.º 2, e 90.º do Código Penal e 509.º do Código de Processo Penal).

Por interpretação das disposições constantes do Código aprovado pelo Decreto 366/X, é de concluir que quando coloca o recluso em regime aberto no exterior, verificados os pressupostos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do Código aprovado pelo Decreto 366/X, o director-geral dos Serviços Prisionais não resolve uma qualquer "questão de direito" nem o faz para a resolver, não dirime um qualquer litígio em que os interesses em confronto são apenas os das partes (para estes critérios de distinção da função jurisdicional da função administrativa, cf. Afonso Queiró, loc. cit., p. 30 e s. e, entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 443/91 e 453/93, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Quando coloca o recluso em regime aberto no exterior, verificados os pressupostos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º daquele Código, o director-geral dos Serviços Prisionais prossegue o interesse público de prevenir a reincidência (artigos 1.º, 2.º, 9.º, alínea d), 30.º, n.º 5, e 266.º da CRP), exercendo a competência que lhe está atribuída de garantir a execução da pena de prisão de acordo com as respectivas finalidades (artigo 135.º, n.º 1, alínea a), do Código aprovado pelo Decreto 366/X). A finalidade socializadora da execução "é também um objectivo da política penal do Estado - prevenção (especial) Da reincidência - e, enquanto tal, inscreve-se no programa da acção estadual como fim heterónomo ao indivíduo" (Exposição de Motivos do Projecto de Proposta de lei de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, Anabela Rodrigues, Novo Olhar..., p. 196).

15 - O Presidente da República requer a apreciação da norma da alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º, enquanto conjugada com as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo artigo, constante do Código aprovado pelo Decreto 366/X, também com fundamento em violação do imperativo do respeito pelo caso julgado, por parte dos órgãos da Administração Pública, nos termos do artigo 2.º e do disposto no n.º 3 do artigo 282.º da CRP.

Requer a apreciação da constitucionalidade da norma que atribui competência ao director-geral dos Serviços Prisionais para, com o consentimento do recluso, o colocar em regime aberto no exterior, se não for de recear que se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir e o regime se mostrar adequado ao seu comportamento prisional, à salvaguarda da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional, à protecção da vítima e à defesa da ordem e da paz social. Requer esta apreciação invocando como segundo fundamento o imperativo do respeito pelo caso julgado, por parte dos órgãos da Administração Pública, nos termos do artigo 2.º (Estado de direito democrático) E do disposto no artigo 282.º (Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade), n.º 3, segundo o qual ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal (disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social) e for de conteúdo menos favorável ao arguido.

Pelas razões já expostas, é de concluir que não se verificam os pressupostos de que parte o requerente. Isto é, a administração prisional não modifica o sentido da sentença que condenou a uma pena de prisão nem altera o sentido da pena, quando coloca o recluso em regime aberto no exterior. Tanto basta para concluir que a norma cuja apreciação foi requerida não viola o parâmetro constitucional convocado pelo requerente.

III. Decisão

Face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 6 do artigo 14.º, enquanto conjugada com as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo artigo, constante do Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade aprovado pelo Decreto 366/X da Assembleia da República.

28 de Agosto de 2009. - Maria João Antunes - Ana Maria Guerra Martins - Mário José de Araújo Torres - Gil Galvão - Vítor Gomes - João Cura Mariano (vencido, conforme declaração de voto que junto) - Rui Manuel Moura Ramos (vencido, nos termos da declaração de voto junta).

Declaração de voto

Votei vencido o presente acórdão por entender que a Constituição impõe que a decisão sobre a colocação de um recluso em regime aberto no exterior seja emitida por um juiz, pelas razões que sucintamente passo a expor.

O Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (C. E. P.

M. P. L.), aprovado pelo Decreto sob fiscalização (n.º 366/X), perseguindo a finalidade socializadora da pena de prisão, e mais concretamente, preparando o recluso para o regresso à comunidade (artigo 2.º, do C. E. P. M. P. L., aprovado pelo referido Decreto), prevê a possibilidade deste, após ter cumprido um quarto da pena, ser colocado em regime aberto no exterior.

Este regime caracteriza-se pelo desenvolvimento de actividades de ensino, formação profissional, trabalho ou programas em meio livre, sem vigilância directa (artigo 12.º, n.º 3, b), do C. E. M. L. P.

Estamos perante um regime de semiliberdade condicionada. "Semi"porque ela tem apenas a duração do tempo estritamente necessário para o recluso estudar ou trabalhar no exterior do estabelecimento prisional, e "condicionada" por que esse tempo de liberdade só pode ser utilizado pelo recluso para desenvolver essas actividades.

Este regime é materialmente idêntico àquele que pode desde logo ser determinado pelo juiz do julgamento, relativamente às penas de prisão aplicadas em medida não superior a um ano, que não devam ser substituídas por pena de outra espécie, nem cumprida em dias livres. É o regime de semidetenção previsto no artigo 46.º, n.º 1, do Código Penal.

Independentemente de se considerar a colocação do recluso em regime aberto no exterior como uma alteração do conteúdo da sentença condenatória, ou apenas uma flexibilização da pena aí aplicada, ou tão somente uma modalidade possível da sua execução, o que é indiscutível é que a decisão sobre a aplicação deste regime determina o conteúdo da pena de prisão na qual o recluso foi condenado, numa fase do seu cumprimento.

Na verdade, esta decisão define os termos essenciais em que a pena de prisão na qual o recluso foi condenado deve ser cumprida numa determinada fase da sua execução.

Se a sentença condenatória definiu o tipo e a medida da pena aplicada, a decisão sobre a colocação do recluso em regime aberto no exterior, define o concreto regime daquela pena, pelo que desempenha um papel tão ou mais importante que a primeira no modo de repressão penal da violação da legalidade democrática.

Nessa decisão terão que ser ponderados o comportamento prisional anterior do recluso, o perigo deste aproveitar o tempo de liberdade para se subtrair à execução da pena ou delinquir, a protecção da vítima e a defesa da ordem e da paz social (artigo 14.º, n.º 1, a) e b), do C.E. P. M. P. L., aprovado pelo Decreto 366/X).

É mais uma vez a resolução do conflito entre os valores da liberdade e dos direitos individuais e a defesa da sociedade vigente que está em jogo nesta decisão.

Ora, se na divisão dos poderes estaduais não há dúvidas sobre a natureza necessariamente judicial da sentença que aplica penas criminais, a qual é especificamente imposta no nosso texto constitucional no n.º 2, do seu artigo 27.º, também a decisão de colocação dos reclusos em regime aberto no exterior, por se traduzir numa determinação do conteúdo essencial duma pena de prisão anteriormente imposta, deve comungar da mesma natureza.

Estão em causa direitos fundamentais individuais em contraposição com interesses de defesa da ordem jurídica e da paz social, situando-se esse conflito num nível de importância elevado, uma vez que as restrições impostas àqueles direitos são particularmente severas, face à relevância dos interesses públicos em jogo.

Nesta matéria qualquer palavra decisiva tem de pertencer a um juiz, dotado das qualidades de independência e imparcialidade que garantam uma justa e isenta composição do conflito em questão.

Assim o exige o princípio da separação de poderes, em matéria tão sensível como é a da definição do conteúdo das penas criminais.

Estamos, pois, perante uma decisão abrangida pela reserva constitucional de juiz, consagrada no artigo 202.º, n.º 1 e 2, da C.R.P., pelo que a competência para a proferir não pode ser atribuída pelo legislador ordinário ao director-geral dos Serviços Prisionais que integra a administração directa do Estado.

O facto do Decreto sob fiscalização prever a homologação pelo Tribunal de Execução de Penas do plano individual de readaptação de cada recluso (artigo 21.º, n.º 7, do C. E. P. M. P. L., aprovado pelo Decreto 366/X), exigir como requisito da colocação em regime aberto no exterior o gozo prévio de uma licença de saída jurisdicional com êxito (artigo 14.º, n.º 5, do C. E. P. M. P. L., aprovado pelo Decreto 366/X) E obrigar à comunicação ao Ministério Público das decisões positivas proferidas nesta matéria, o qual as poderá impugnar perante o Tribunal de Execução de Penas mediante recurso com efeito meramente devolutivo (artigos 14.º, n.º 7, 199.º, b) E 202.º, n.º 1, do C. E. P. M. P.

L., aprovado pelo Decreto 366/X) Se revela a louvável preocupação do legislador em criar alguns mecanismos de intervenção judicial no processo de colocação do recluso em regime aberto no exterior, não é suficiente para satisfazer a exigência constitucional de que essa decisão só possa ser tomada por um juiz.

Na previsão do C. E. P. M. P. L., aprovado pelo Decreto sob fiscalização, o juiz apenas homologa genericamente um plano global de execução da pena, decide sobre uma saída jurisdicional do recluso, que é condição prévia de sua colocação em regime aberto no exterior, e pode pronunciar-se, em recurso, sobre uma impugnação do Ministério Público da adopção deste regime, mas é ao director-geral dos Serviços Prisionais a quem, nos termos do artigo 14.º, n.º 6, b), é atribuída, em primeira linha, a competência para decidir sobre a colocação dos reclusos em regime aberto no exterior.

Ao não atribuir a um juiz o monopólio desta decisão, a norma fiscalizada viola o princípio constitucional da reserva de juiz, consagrado no artigo 202.º, n.º 1 e 2, da C.R.P., pelo que me pronunciei pela sua inconstitucionalidade. João Cura Mariano.

Declaração de voto

Divergindo do entendimento perfilhado no acórdão, pronunciei-me pela inconstitucionalidade da norma objecto do pedido por violação da reserva de jurisdição prevista no artigo 202.º da CRP. Na verdade, em meu juízo, a colocação em regime aberto no exterior prevista no artigo 14.º do Código aprovado pelo artigo 1.º do Decreto 366/X constitui uma modelação da execução de pena de prisão que, pela importância de que se reveste para a ressocialização do condenado, constitui algo mais que um mero instrumento de flexibilização da pena de prisão intrínseco à gestão da vida interna da prisão.

Ao contrário, o desenho legal do instituto e a ponderação de interesses que supõe e encerra [artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e b)], aproximam a adopção desta medida do exercício da função jurisdicional, pelo papel central que cabe à opção em causa na execução das penas privativas da liberdade.

Com efeito, ao prescrever, no artigo 13.º do Código, que "o recluso é colocado em regime comum quando a execução de pena ou medida privativa da liberdade não possa decorrer em regime aberto nem deva realizar-se em regime de segurança", o legislador parece assumir uma preferência por aquele segundo regime, atribuindo ao primeiro um carácter residual, quando a escolha de um ou outro dos demais deva considerar-se excluída. Como quer que seja, a eleição da modalidade de execução a que se refere o pedido implica uma avaliação do recluso e da sua evolução ao longo da execução da pena que envolve ponderações que escapam ao puro domínio da administração prisional.

Esta visão das coisas pode aliás reclamar-se de um movimento de jurisdicionalização da execução da pena de prisão que o acórdão (ponto 12), reconhece e em que se louva. Conquanto não envolva uma devolução do condenado à liberdade (como na liberdade condicional), a medida em causa não deixa de se revestir de uma centralidade na execução da pena de prisão e, por ela, na ressocialização do condenado, que continua a justificar que a competência para decidir ou não da colocação de um recluso neste regime seja cometida ao juiz de execução das penas. É pois a nosso ver a importância do instrumento de modelação da execução da pena privativa de liberdade e o alcance que lhe é reconhecido que impõem a intervenção judicial. Importância e alcance que não são decerto menores, na perspectiva da ressocialização do condenado, que a de um instituto como o das saídas precárias prolongadas, estas da competência do tribunal de execução das penas, e cuja autorização, com êxito, constitui de resto pressuposto da medida ora em consideração (e note-se que seria algo estranho que a intervenção jurisdicional fosse dispensada para a adopção de um regime quando não o é para a de um dos seus pressupostos).

E nem se diga, como o faz o acórdão, que o acesso a meio livre se encontra pressuposto na sentença que condenou a uma pena de prisão ou que não integra a actividade de repressão da violação da legalidade democrática. Assim é, de facto, mas o argumento prova de mais, pois que o mesmo se pode sem dúvida igualmente dizer em relação à colocação em liberdade condicional ou à referida autorização de saídas precárias prolongadas - e no que a estas diz respeito é pacificamente aceite a competência do tribunal de execução das penas. Rui Manuel Moura Ramos.

(1) Cfr. n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 265/79.

(2) Cfr.os 1 e 4 do artigo 14.º do decreto.

(3) Cfr. n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 265/79. Acrescem também as razões gerais de flexibilização do regime de execução previstas no n.º 2 do artigo 58.º do mesmo diploma (4) Cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto.

(5) Cfr. artigo 15.º do Decreto-Lei 265/79.

(6) Cfr. n.º 4 do artigo 14.º do decreto.

(7) Cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei 265/79.

(8) Cfr. alínea b) do n.º 3 do artigo 12.º do decreto.

(9) Cfr. n.º 5 do artigo 14.º, alínea d) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 15.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do do Decreto-Lei 265/79.

(10) Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 222/77, de 30 de Maio, pelo Decreto-Lei 204/78, de 24 de Julho e pelo Decreto-Lei 402/82 de 23 de Setembro que dispôs igualmente diversas regras em matéria de execução de penas e medidas de segurança.

(11) Cfr. Anabela Rodrigues "Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária"-Coimbra-2000-p. 136 e seguintes.

(12) Anabela Rodrigues, "Da Afirmação de Direitos à Protecção de Direitos de Reclusão: a jurisdicionalização da execução da pena de prisão", Direito e Justiça, Vol. Especial, Coimbra, 2004, pp. 191 e segs.

(13) O n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 265/79 reza que "O recluso pode ser internado [...] num estabelecimento ou secção de regime aberto" [itálico acrescentado]..

(14) O n.º 1 do artigo 14.º do decreto em exame determina que "O recluso condenado é colocado em regime aberto [...]" [itálico acrescentado].

(15) Cfr. alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

202294814

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/09/17/plain-260606.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/260606.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1944-05-16 - Lei 2000 - Ministério da Justiça

    Estabelece as bases atinentes à reabilitação dos delinquentes e à jurisdicionalização das penas e das medidas de segurança.

  • Tem documento Em vigor 1976-10-29 - Decreto-Lei 783/76 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Estabelece a orgânica dos tribunais de execução das penas, dispondo sobre a respectiva composição, funcionamento e competências. Dispôe também sobre as atribuições, direitos e deveres dos magistrados e funcionários de justiça, as competências dos conselhos técnicos dos estabelecimentos prisionais; as visitas aos estabelecimentos prisionais, a saída precária prolongada; as formas de processo e o recurso.

  • Tem documento Em vigor 1977-05-30 - Decreto-Lei 222/77 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Decreto Lei 783/76 de 29 de Outubro, que aprova a orgânica dos tribunais de execução das penas.

  • Tem documento Em vigor 1978-07-24 - Decreto-Lei 204/78 - Ministério da Justiça

    Altera o Decreto Lei 783/76 de 29 de Outubro que aprova a orgânica dos tribunais de execução das penas.

  • Tem documento Em vigor 1979-08-01 - Decreto-Lei 265/79 - Ministério da Justiça

    Reestrutura os serviços que têm a seu cargo as medidas privativas de liberdade.

  • Tem documento Em vigor 1980-03-22 - Decreto-Lei 49/80 - Ministério da Justiça

    Dá nova redacção aos artigos 8.º, 12.º, 15.º, 24.º, 26.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto (reestrutura os serviços que têm a seu cargo as medidas privativas de liberdade).

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 402/82 - Ministério da Justiça

    Introduz alterações ao Código de Processo Penal e legislação complementar e estabelece o regime de execução das penas e medidas de segurança.

  • Tem documento Em vigor 1996-10-09 - Acórdão 963/96 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante da primeira parte do artigo 2.º do Decreto-Lei 28039, de 14 de Setembro de 1937, e dos art.s 1º, e seu § 1º, 2º e 8º do Decreto 28040, de 14 de Setembro de 1937.

  • Tem documento Em vigor 1999-01-13 - Lei 3/99 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 2003-02-21 - Portaria 183/2003 - Ministério da Justiça

    Cria no Ministério da Justiça, com carácter temporário, a comissão de estudo e debate da reforma do sistema prisional (CEDERSP).

  • Tem documento Em vigor 2008-08-28 - Lei 52/2008 - Assembleia da República

    Aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais. Altera o Código de Processo civil, aprovado pelo Decreto-Lei 44129 de 28 de Dezembro de 1961, bem como o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, o Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85 de 30 de Julho, o Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei 47/86 de 15 de Outubro, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro, o código d (...)

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