Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2008
Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo
Tribunal Administrativo (STA):
I - Relatório
O município de Valongo veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do artigo 152.º do (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), com fundamento em que o mesmo se encontra em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão do mesmo Tribunal, proferido em 22 de Novembro de 2007, no recurso n.º 347/05 e já transitado em julgado.Termina as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
1 - Por acórdão datado de 20 de Dezembro de 2007, o Tribunal Central Administrativo do Norte indeferiu o recurso jurisdicional com o n.º 348/05.8BEPNF.
2 - Nesse acórdão entendeu o tribunal a quo que o artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, não estabelece um prazo de caducidade de direito de acção do credor. O entendimento daquele Tribunal, naquele acórdão, é de que o legislador introduziu aquela regra como forma de «flexibilizar a rigidez da execução orçamental e potenciar as liquidações de débitos por parte das autarquias locais, de modo voluntário e extra judicial».
3 - Entendeu ainda que o referido artigo 28.º, n.º 3, do citado decreto-lei, conjugado com o ponto 2.3.4.2 do POCAL (Decreto-Lei 54-A/99, de 22 de Fevereiro), «não visam introduzir novo quadro legal em sede de prazos do exercício de direito de acção e de
prescrição».
4 - E conclui o mesmo acórdão que os «aludidos preceitos não podem ter o alcance pretendido pelo recorrente, de prazo prescricional».5 - Este acórdão impugnado contradiz e afronta patentemente o acórdão do mesmo Tribunal Central Administrativo do Norte proferido em 22 de Novembro de 2007, com as mesmas partes e idêntico objecto, já transitado em julgado e que corre termos com o n.º
347/05.OBEPNF.
6 - A questão apreciada nos aludidos recursos - 347/05.OBEPNF e 348/05.8BEPNF - é exactamente a mesma. Ou seja: qual a natureza do prazo previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, e qual a natureza do prazo previsto no ponto 2.3.4.2 do POCAL (aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99, de 22 de Fevereiro.) 7 - O recorrente entende que se trata de um prazo de caducidade de acção do credor.Quer dizer, o credor deve exercer o seu direito no prazo improrrogável de três anos, em obediência ao aludido artigo 28.º, n.º 3, do citado Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, sob pena de, não o exercendo oportunamente, o direito de acção se extinguir, por
caducidade.
8 - O artigo sub judice é uma norma de carácter imperativo, que baliza o lapso de tempo dentro do qual o credor pode exercer o seu direito.9 - Se o credor não exercer o seu direito no prazo fixado, caduca o direito de acção.
10 - Este é, salvo melhor opinião, a boa interpretação daquele comando normativo.
11 - No acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte no processo 347/05.OBEPNF foi perfilhado este entendimento.
12 - Refere este acórdão que, «segundo estabelece o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99, de 22 de Fevereiro, seu ponto 2.3.4.2, alínea h), 'o credor deve pedir o pagamento dos encargos regulamentares assumidos e não pagos, no prazo improrrogável de três anos, a contar de 31 de Dezembro do ano a que respeita o crédito'. Quanto a este prazo, aliás, similar com o que se preceitua no n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Julho (que vigorou até 1 de Janeiro de 2002, por força do artigo 12.º do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei 315/2000, de 2 de Dezembro), a recorrida poderia requerer o pagamento, no prazo improrrogável de três anos, a contar de 31 de Dezembro do ano a que respeita o crédito, sendo que se trata de um prazo de caducidade de acção.
13 - Assim, tendo em consideração que os factos constantes do ponto 2 do probatório não preenchem nenhum dos requisitos para se qualificarem como impeditivos da caducidade do direito de acção, nem mesmo se se pretender subsumir ao n.º 2 do artigo 331.º do Código Civil (CC), acima transcrito, na medida em que apenas deles resulta o período de pagamento de juros de mora (entre muitos, os constantes a fl. 65, referentes à empreitada em causa), sem que o silêncio do recorrente possa ser qualificado como de reconhecimento dessa dívida previsto no n.º 2 do artigo 331.º do Código Civil, como impeditivo da caducidade, tem de ser concreto, preciso, sem ambiguidades, não podendo ser vago ou genérico, ou que deixe dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito de crédito em causa, temos de concluir que a recorrida não exercitou o seu direito de acção, no prazo de três anos, contado desde o pagamento das facturas, nem mesmo daquela que foi paga em 4 de Janeiro de 2000. Mesmo tendo em consideração a interrupção (melios, suspensão, por que o prazo de caducidade volta a correr 22 dias depois da data de não conciliação), que resulta do artigo 235.º do Decreto-Lei 405/93, de 10 de Dezembro, na data de citação do recorrente (referimos, aqui, esta data, pois que, apesar de este normativo referir que a suspensão se inicia com o pedido de tentativa de conciliação, o certo é que as partes não trouxeram aos autos cópia do documento que demonstre a data desse pedido, nem, aliás, do PA - que analisamos - consta qualquer documento que nos elucide acerca da mesma, mas apenas a fls. 907 e 908, as cópias das actas do CSOPT) - 12 de Agosto de 2004 - para a tentativa de conciliação, junto do CSOPT, já se mostrava ultrapassado o prazo de caducidade previsto no referido artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei
n.º 341/83, de 21 de Julho».
14 - Este acórdão ora citado, já transitado em julgado, encontra-se em contradição com o Acórdão 348/05.8BEPNFP, ora impugnado.15 - Tais acórdãos, proferidos pelo mesmo Tribunal sobre a mesma questão fundamental de direito, encontram-se patentemente em contradição.
16 - Existe evidente e patente contradição entre os acórdãos já transitados em julgado, ambos proferidos pelo mesmo Tribunal sobre a mesma questão fundamental de direito que é: a questão controvertida de saber se o prazo de três anos para o credor pedir o pagamento de encargos regularmente assumidos e não pagos, previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, e no ponto 2.3.4.2 do POCAL aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99, de 22 de Fevereiro, é um prazo de caducidade de acção, extinguindo-se o direito da acção do credor, caso não exercite tal direito dentro do referido prazo, ou ao invés, tais preceitos não vigorarão em sede de prazos de exercício de direito
de acção?
17 - Verificaram-se os pressupostos que determinam a admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência [artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do CPTA].18 - A melhor interpretação do artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, e do ponto 2.3.4.2 do POCAL (aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99, de 21 de Fevereiro) é de que os prazos nele previstos são prazos de direito de acção do credor, e que não sendo o direito exercitado naquele período caduca o direito de acção.
19 - A interpretação sufragada pelo acórdão impugnado viola patentemente o espírito do citado artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho.
20 - O acórdão impugnado fez uma interpretação do artigo em apreço que não tem suporte literal no artigo, pelo que viola o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.
21 - O Supremo Tribunal Administrativo deve uniformizar a jurisprudência no sentido sufragado pelo Acórdão 347/05.8BEPNF, qual seja que o artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, prevê um prazo para o credor exercitar o seu direito, sob pena de caducidade do direito de acção.
22 - O Supremo Tribunal Administrativo deve anular o acórdão impugnado e substituí-lo por outro, onde declare que, de acordo com o artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, o credor deve exercitar o seu direito de acção, no prazo máximo e improrrogável de três anos sob pena de caducidade.
Contra-alegou a recorrida Sousa, Resende & Rodrigues, S. A., concluindo assim:
1 - A questão em discussão nestes autos centra-se exclusivamente quanto às facturas n.os
147, 174 e 195.
2 - Quanto às demais facturas objecto desta acção, e concretamente quanto às facturas n.os 218, de 13 de Setembro de 2000, 53, de 29 de Março de 2001, 93, de 29 de Maio de 2001, 118, de 3 de Julho de 2001, 134, de 31 de Julho de 2001, 162, de 31 de Agosto de 2001, 190, de 28 de Setembro de 2001, 202, de 31 de Outubro de 2001, 230, de 30 de Novembro de 2001, 34, de 6 de Março de 2002, e 15, de 21 de Fevereiro de 2003, nada há a discutir ou a apreciar quanto ao crédito de juros da recorrida.3 - O recorrente, na sua contestação e concretamente nos n.os 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 daquele articulado, apenas invoca a excepção da prescrição quanto às facturas n.os
147, 174 e 195.
4 - Sendo que, quanto às demais facturas objecto dos presentes autos e acima melhor identificadas, o recorrente, seja em primeira instância seja no seu recurso dirigido ao Tribunal Central Administrativo do Norte, apenas invocou como meio de defesa o institutodo abuso de direito.
5 - A questão do abuso de direito já se mostra completamente decidida e transitada em julgado, não sendo objecto do presente recurso de uniformização de jurisprudência.6 - A questão central de oposição de acórdãos, quanto ao prazo prescricional aplicável, se o constante do artigo 310.º do Código Civil, se o constante do artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83, restringe-se apenas ao crédito de juros reportado às facturas n.os 147, 174 e 195, sendo essa a concreta delimitação do objecto do recurso, isto tendo em atenção a forma como o recorrente estruturou a sua defesa em sede de contestação e a matéria nela carreada - cf. artigos 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.os 3 e 4, e 690.º, todos do CPC, ex vi
artigos 1.º e 140.º do CPTA.
7 - A apreciação desta matéria, quanto às demais facturas relacionadas nestes autos que não as facturas n.os 147, 174 e 195, constitui questão nova, que, por não ter sido suscitada em tempo, pelo recorrente, seja na contestação seja no recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Norte, não pode ser conhecida no âmbito deste recurso parauniformização de jurisprudência.
8 - Não teve o recorrente em conta quer o reconhecimento da dívida por si efectuado quer a obrigação de pagamento por si assumida quanto às facturas objecto destes autos.9 - Menos teve em linha de conta as interpelações efectuadas pela recorrida, ao longo dos anos 2000 a 2005, vidando a cobrança coerciva do seu crédito, conforme se extrai das suas cartas de interpelação de 27 de Junho de 2001, 8 de Junho de 2004, 31 de Maio de 2001, 4 de Junho de 2001 e 21 de Julho de 2003, e bem assim, da nota de débito enviada ao município recorrente em 28 de Janeiro de 2003, a qual foi aceite e contabilizada por este, o que traduz inequivocamente reconhecimento de dívida.
10 - As interpelações efectuadas antes do decurso do prazo prescricional e, bem assim, o envio, recepção e contabilização pelo município recorrente da nota de débito enviada pela recorrida constituem facto impeditivo seja da caducidade do direito a juros seja da prescrição do respectivo crédito, de harmonia com a doutrina consagrada no artigo 331.º
do Código Civil.
11 - Toda esta factualidade, consubstanciada quer no reconhecimento da dívida, quer na obrigação de pagamento, quer nas interpelações para cobrança coerciva, constitui matéria de facto já provada nas instâncias e, por isso, insusceptível de discussão e reapreciação.12 - Está em causa nestes autos sub judice a discussão de questões surgidas no âmbito da relação jurídica que se estabeleceu entre recorrente e recorrida, nos anos 2000 a 2003, relação jurídica essa que à luz da matéria apurada se qualifica como se tratando de um contrato administrativo na modalidade de empreitada de obras públicas.
13 - Tal contrato, assinado em 31 de Março de 2000, estava e está sujeito, até pelos seus próprios termos, ao regime legal decorrente do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, sendo por esse regime que também a presente acção administrativa se disciplina.
14 - Resultava do artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83 que os encargos regularmente assumidos relativos a anos anteriores serão satisfeitos de conta das verbas adequadas do orçamento que estiverem em vigor no momento em que for efectuado o seu pagamento.
15 - Estatuindo o artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele mesmo diploma que não carece de autorização especial a satisfação dos encargos dos anos anteriores relativos a créditos que não puderam ser satisfeitos nos prazos regulamentares por demora no deferimento das pretensões dos interessados, apresentadas em tempo perante os órgãos competentes.
16 - A tese sustentada pelo recorrente, além de confundir e misturar aquelas regras, faz uma indevida interpretação do alcance do preceito normativo vertido no n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83, quer no âmbito do próprio diploma quer na sua conjugação com
as demais regras citadas.
17 - O Decreto-Lei 341/83 previa, na execução orçamental, a arrecadação de receitas (artigo 25.º), a realização de despesas (artigo 26.º), estabelecia os prazos para a autorização e realização de despesas (artigo 27.º) e estabelecia ainda como devem ser satisfeitos os encargos dos anos anteriores (artigo 28.º).18 - A norma constante do artigo 28.º, inserta no diploma que regula o plano de actividades e orçamento, o relatório de actividades e a conta de gerência das autarquias locais, no capítulo das regras e princípios orçamentais e na secção de execução orçamental, nomeadamente no que se refere ao prazo estabelecido no seu n.º 3, não pode ter o alcance pretendido pelo recorrente de prazo prescricional ou de prazo de caducidade.
19 - Apenas se aplicando às situações em que o terceiro/credor da autarquia efectuou o pedido de pagamento do seu crédito fora do prazo definido pelo citado artigo 27, n.º 1, por causa que lhe seja imputável, ou às situações em que o pedido foi tempestivo, mas caducou a autorização de pagamento, sem que aquele tivesse tido lugar por causa
imputável ao credor.
20 - Estão subtraídas ao regime do artigo 28.º do diploma em referência aquelas situações em que o credor apresenta tempestivamente o seu pedido do pagamento do crédito por si titulado junto de uma autarquia local e que só por razões a esta imputáveis não teve lugar a autorização da despesa nos prazos legalmente previstos, hipótese normativa que configurao caso destes autos.
21 - Por força deste preceito, caso a entidade pública autárquica se atrase no procedimento e decisão final, por hipótese, de uma factura, o credor está dispensado da necessidade de autorização especial prevista no artigo 28.º, e nessa medida o pagamento da despesa em questão não está sujeito ao regime do seu n.º 3.22 - Esse preceito não encerra em si qualquer causa extintiva dos direitos dos credores das autarquias, pois que as regras da prescrição continuam a ser aquelas que se mostram definidas em termos gerais, não constituindo aquele normativo qualquer regra especial
nesta sede.
23 - Face à factualidade apurada nos autos e ao posicionamento das partes nos mesmos, temos que a situação concreta, em consonância com o supra-exposto, não se enquadra na previsão do artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83, mas antes na da alínea a) do n.º 1 doartigo 29.º daquele diploma.
24 - A recorrida reclamou o pagamento das facturas referentes aos autos de medição, elaborados em execução do contrato de empreitada em referência tempestivamente, sendo que o não pagamento atempado daquelas facturas apenas se deveu a demora dos serviços administrativos e financeiros do recorrente, no deferimento das sucessivas pretensões depagamentos apresentadas.
25 - Decorre da situação vertente que a recorrida, uma vez cumpridos os prazos de apresentação das facturas em questão a pagamento (o recorrente não alega nada em contrário), impôs que o recorrente através dos seus serviços administrativos/financeiros e órgãos competentes, procedesse à emissão das respectivas autorizações de pagamento da despesa titulada por aquelas facturas e que necessariamente teria de estar cabimentada.26 - A prescrição de créditos emergente de relações contratuais estabelecidas entre entes públicos e privados, nesta sede, não é objecto de qualquer regulamentação no Decreto-Lei 59/99, salvo a prevista no artigo 264.º (interrupção da prescrição e da caducidade), pelo que temos de nos socorrer das normas da lei civil.
27 - Apesar de cumpridos os prazos de apresentação das facturas em questão por parte da recorrida, facto é que o recorrente não procedeu à emissão das competentes autorizações de pagamento da despesa titulada por aquelas facturas, não liquidando aqueles débitos nos prazos legalmente previstos para o efeito.
28 - O prazo estatuído no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, não consubstancia prazo de prescrição ou de caducidade, sendo aplicável ao prazo vertente o prazo prescricional de cinco anos estatuído no artigo 310.º do Código Civil.
29 - Tendo em consideração a matéria de facto dada como assente, nomeadamente a data de liquidação das facturas n.os 147, 174 e 195, de 30 de Dezembro de 2000, indicada pelo recorrente, e as datas da propositura da presente acção e de citação do recorrente, respectivamente em 7 de Julho de 2005 e 15 de Julho de 2005, verifica-se que o montante peticionado a título de juros de mora pela recorrida não se encontra prescrito, pois que entre a data de pagamento das facturas e a citação do réu não decorreram mais de cinco anos, mesmo não considerando o prazo de 44 dias que o recorrente dispunha para esse pagamento. Cf. os artigos 300.º, 304.º, 306.º, 310.º e 323.º do Código Civil e o artigo 213.º
30 - A norma contida no artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83 não consubstancia nem prevê qualquer prazo de prescrição ou de caducidade do direito de acção, antes configurando uma mera regra de flexibilização da rigidez da execução orçamental, em ordem a potenciar as liquidações de débito por parte das autarquias locais, de modovoluntário e extrajudicial.
31 - E este tem sido o entendimento dominante, sendo certo também que igual questão, com o mesmo objecto, o mesmo pedido, as mesmas partes e a mesma causa de pedir, foi decidida pelo Tribunal Central Administrativo Norte quer nos autos de recurso jurisdicional n.º 350/05 BEPNF quer nos autos de recurso jurisdicional n.º 351/05.8BEPNF.32 - O acórdão impugnado faz, por isso, uma correcta interpretação do espírito e do elemento sistemático do artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, razão por que o mesmo deverá ser integralmente mantido.
Foi cumprido o artigo 146.º, n.º 1, do CPTA e dada vista simultânea aos Exmo.s Adjuntos.
II - Os factos
As instâncias consideraram, quanto aos factos, provado o seguinte:1 - Os factos alegados pela autora nos artigos 1.º a 10.º da petição inicial (p. i.), por expressamente aceites pelo R. no artigo 1.º da contestação e, quanto à matéria do artigo 1.º da p. i., pelo teor dos documentos de fl.149 a fl. 153.
2 - Através de cartas dirigidas ao R., em 27 de Junho de 2001 e 8 de Junho de 2004, a autora exigiu o pagamento de juros de mora discriminados nas relações anexas aquelas missivas (de fl. 154 a fl. 158, cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3 - A coberto do ofício n.º 106/SCVA.DVA/01, de 21 de Maio de 2001, o R. enviou à autora e esta recebeu, assinou e devolveu, por carta datada de 24 de Maio de 2001, sem formular qualquer reclamação, a conta final da empreitada dos autos «para no prazo de 15 dias a assinar e devolver, se sobre a mesma não for produzida qualquer reclamação» (de
fl. 95 a fl. 115).
4 - Em reuniões realizadas em 14 de Janeiro e 4 de Março de 2005, teve lugar a tentativa de conciliação extrajudicial a que se refere o artigo 260.º do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, aplicável por força do respectivo artigo 278.º, a qual se frustrou (de fl. 66 a fl. 68).
III - O direito
O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto ao abrigo do artigo 152.º do CPTA, que dispõe que «as partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição: a) Entre acórdão do Tribunal Central Administrativo e acórdão anteriormente proferido pelo mesmo Tribunal ou pelo Supremo Tribunal Administrativo».Por sua vez, compete ao pleno da 1.ª Secção do STA conhecer dos recursos para uniformização de jurisprudência [artigo 25.º, n.º 1, alínea b), do actual ETAF].
1 - Quanto à alegada contradição:
1.1 - Relativamente à contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não se vê razão para abandonar os critérios jurisprudenciais firmados no domínio da lei anterior, no âmbito do correspondente recurso por oposição de julgados, de acordo com os quais essa contradição supõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) identidade, semelhança ou igualdade substancial da situação de facto sobre que aquela questão de direito incidiu, não havendo oposição se as soluções divergentes tiverem sido determinadas pela diferenciação dos pressupostos de facto sobre que recaíram e não por diversa interpretação dos mesmos critérios legais (1);(iii) forma expressa das decisões em confronto, não bastando a simples invocação de decisões implícitas (2); (vi) e que não tenha ocorrido alteração substancial do quadro normativo aplicado, embora a circunstância de os acórdãos em confronto terem sido proferidos no âmbito da vigência de diplomas legais distintos não obsta à existência de contradição se as normas aplicadas contiverem uma regulamentação essencialmente
idêntica (3).
O CPTA veio estabelecer um novo requisito de admissão deste recurso - (v) a inexistência de jurisprudência recentemente consolidada do STA (n.º 3 do artigo 152.º do CPTA).Vem alegada pelo recorrente contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão do mesmo Tribunal (o TCAN), sobre a mesma questão fundamental de direito, a saber:
«Se o prazo de três anos para o credor pedir o pagamento dos encargos regularmente assumidos e não pagos, previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, e no ponto 2.3.4.2 do POCAL, aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99, de 21 de Fevereiro, é um prazo de caducidade de acção, extinguindo-se o direito de acção do credor, caso não exercite tal direito dentro do referido prazo, ou, ao invés, tais preceitos não vigoram em sede de prazos de exercício de direito de acção.» Na alegação de recurso, o recorrente município identificou os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e a infracção imputada à sentença, como determina o
n.º 2 do citado artigo 152.º do CPTA.
A recorrida não impugna a alegada contradição entre os dois acórdãos do TCAN, quantoà natureza do prazo atrás referido.
1.2 - No entanto, suscita duas questões prévias: a primeira, logo no início da sua alegação, quanto à admissibilidade do recurso, face ao n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, afirmando que a orientação perfilhada no acórdão impugnado está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, o que é impeditivo do conhecimento do recurso; a segunda, que levou às conclusões 1.ª a 7.ª da sua alegação e que respeita à delimitação do âmbito do presente recurso, o qual considera restringido às facturas n.os 147, 174 e 195, já que no que respeita às restantes facturas em discussão nas instâncias o acórdão recorridose consolidou na ordem jurídica.
1.2.1 - Quanto à primeira questão prévia, e como já referimos atrás, efectivamente, o citado n.º 3 do artigo 152.º do CPTA dispõe que «o recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo».A recorrida, porém, não identifica qual a jurisprudência consolidada do STA sobre a questão fundamental de direito, alegadamente em contradição nos acórdãos em confronto, nem sequer identifica qualquer acórdão do STA, designadamente do pleno da Secção, sobre essa matéria, sendo certo que, como decidiu recentemente o pleno da Secção, «a diferença entre haver uma jurisprudência tout court e uma 'jurisprudência consolidada' há-de necessariamente advir de um plus desta última, que cause ou revele uma estabilidade de julgamento; e esse acréscimo detectar-se-á por um critério quantitativo, significador de uma constância decisória - seja esse critério o do número dos juízes subscritores da solução, seja o do número das decisões do STA que a acolheram. Assim, a consolidação jurisprudencial transparecerá ou do facto de a pronúncia respectiva constar de um acórdão do pleno assumido pela generalidade dos conselheiros em exercício na secção (consoante prevê o artigo 17.º, n.º 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido e obtidas por unanimidade ou por maiorias inquebráveis, exigindo-se um maior número delas se os acórdãos provierem das subsecções e um seu menor número se forem do pleno (na formação de nove juízes, referida no artigo 25.º, n.º 1, do anterior ETAF)» (4).
Ora, de facto, não existe jurisprudência consolidada do STA, nos termos atrás referidos, sobre a natureza do prazo previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83 ou no correspondente ponto 2.3.4.2, alínea h), do POCAL, aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99, de 21 de Fevereiro, pelo que não ocorre o referido pressuposto de inadmissibilidade do recurso, improcedendo, assim, a primeira questão prévia.
1.2.2 - Quanto à segunda questão prévia, a recorrida veio, na sua alegação, delimitar o objecto do recurso a três das facturas a que respeita o pedido de pagamento de juros moratórios formulado na acção, mais precisamente às facturas n.os 147, 174 e 195, já que só relativamente a elas, diz, se colocou nas instâncias e, portanto, se coloca agora a questão controvertida que opõe os dois acórdãos aqui em confronto, referindo que a apreciação desta matéria, quanto às demais facturas relacionadas nestes autos, constitui uma questão nova, que por não ter sido suscitada em tempo pela recorrente, seja na contestação seja no recurso interposto pelo município para o Tribunal Central Administrativo Norte, não pode ser conhecida no âmbito deste recurso para uniformização
de jurisprudência.
Vejamos:
O pedido formulado na acção abrange os juros moratórios, no valor global de (euro) 72 171,68, relativos às facturas n.os 147, 174, 195, 218, 53, 93, 118, 134, 162, 190, 202, 230, 34 e 15, juntas, por fotocópia, sob os documentos n.os 3 a 16 da petição inicial e relacionadas na nota de débito junta como documento n.º 17 com o mesmo articulado, facturas estas que o réu liquidou com atraso, como ele próprio logo reconheceu na contestação (cf.artigos 8.º, 12.º e 13.º da petição inicial e artigos 1.º a 4.º da contestação).
O réu município excepcionou, na contestação da acção, a prescrição dos juros de mora face ao n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83, apenas relativamente às facturas n.os 147, 174 e 195, tendo alegado ainda, aqui quanto a todas as facturas, abuso de direito por parte da autora ao exigir o pagamento de juros de mora, por esta nunca ter manifestado a intenção de os exigir e ter criado no Réu a convicção legítima de que não
iria exercer esse direito.
Ora, em ambas as instâncias (TAF e TCA), foi julgado improcedente o invocado abuso de direito quanto à exigência dos juros peticionados relativamente a todas as facturas, pelo que, não tendo sido interposto qualquer recurso da decisão do TCA, relativamente a essa questão, a mesma se consolidou na ordem jurídica, como bem diz a recorrida (cf. artigo 684.º, n.º 4, do CPC, ex vi artigo 102.º da LPTA).Quanto à invocada prescrição dos juros de mora respeitantes às facturas n.os 147, 174 e 195, face ao prazo previsto no artigo 28, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, foi também julgada improcedente nas instâncias, tendo o TCA, no acórdão sob recurso, entendido que tal prazo não é de caducidade do direito de acção, como o qualificara o TAF, embora o considerasse interrompido com a interpelação do réu, nem de prescrição, como continuava a sustentar o recorrente município no recurso interposto para o TCA (cf. conclusões 9 e 14, 16 a 23 das conclusões do recurso interposto pelo réu município para o TCA), mas sim uma regra de execução orçamental, para meros efeitos contabilísticos da autarquia. Pelo que, apreciando a invocada prescrição dos juros face ao artigo 310.º do CC, a considerou improcedente e, com esse fundamento, manteve a decisão do TAF.
Portanto, a controvérsia objecto do presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita apenas ao pedido de juros moratórios relativos às facturas n.os 147, 174 e 195, em que a questão da caducidade do direito de acção se colocou, ficando, assim, delimitado o
âmbito do presente recurso.
1.3 - Passemos então a conhecer da alegada contradição:Ambos os acórdãos foram proferidos no âmbito de acções administrativas comuns intentadas pela aqui autora contra o município réu (portanto as partes são as mesmas), onde aquela pedia a condenação deste em juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de diversas facturas, emitidas no âmbito de contratos de empreitada de obras
públicas celebrados entre as partes.
Em ambas as acções, o réu município excepcionou a prescrição do crédito de juros, face ao prazo de três anos para o credor requerer o pagamento à autarquia de créditos anteriores previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, e no correspondente ponto 2.3.4.2, alínea h), do POCAL e invocou ainda o abuso de e a consequente ilegitimidade da autora para exigir os juros peticionados em todas as facturas.Em ambas as acções, foram proferidas sentenças, no TAF de Penafiel, no mesmo sentido, ou seja, julgaram as acções procedentes, considerando não se verificar o invocado abuso de direito e por, outro lado, qualificaram o referido prazo do artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83 e do correspondente ponto 2.3.4.2, alínea h), do POCAL como um prazo de caducidade do direito, que consideraram não se encontrar esgotado.
Em ambas as acções o réu município recorreu para o TCAN da sentença do TAF, continuando a sustentar a sua posição assumida na contestação, ou seja, o invocado abuso de direito e a prescrição do crédito de juros peticionado (apenas relativamente a algumas facturas na presente acção), vindo a obter decisões divergentes, no que respeita à
invocada prescrição de juros.
Assim, o acórdão recorrido, apreciando a sentença do TAF, concluiu, em síntese, quanto ao prazo previsto no n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83, que «o legislador só fixou aquele prazo de três anos, como prazo improrrogável para lograr a liquidação de débitos à luz e em termos das regras de disciplina e de execução orçamental, sem que nesse limite temporal definido com tal alcance se tenha, em nosso entendimento, visado alterar ou introduzir novo quadro legal em sede de prazos de exercício do direito de acção e de prescrição» (sic). E negou provimento ao recurso.Já o acórdão fundamento, apreciando idêntica sentença do TAF, concluiu em síntese, que, no caso, se estava efectivamente perante um prazo de caducidade do direito de acção, que considerou se esgotara, pelo que concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença e julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.
Ou seja, ambos os acórdãos em confronto pronunciaram-se sobre a mesma questão fundamental de direito, «a de saber se o prazo previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83 e no correspondente ponto 2.3.4.2 do POCAL é um prazo de caducidade do direito de acção», sendo que os factos que apreciaram são idênticos e não ocorreu alteração substancial do direito aplicado, tendo emitido pronúncias contraditórias.
Ocorre, pois, a alegada contradição quanto à referida questão.
2 - Quanto à questão controvertida:
A questão controvertida reside, pois, em saber se o prazo previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Junho, e no correspondente ponto 2.3.4.2, alínea h), do POCAL, é um prazo de caducidade do direito de acção, contrariamente ao decidido, e, sendo-o, se o mesmo já se encontrava esgotado à data em que a presente acção foiproposta, como defende o recorrente.
O Decreto-Lei 341/83, de 21 de Maio, é um diploma que se insere na reforma da contabilidade das autarquias locais, que se iniciou com o Decreto-Lei 243/79, de 25 deJulho.
Como consta do preâmbulo daquele Decreto-Lei 341/83, «a publicação do Decreto-Lei 243/79, de 25 de Julho, constituiu o marco da primeira etapa, caracterizada pela tentativa de uniformização com a contabilidade orçamental em vigor na AdministraçãoPública.
A dinâmica do processo de implementação das normas estabelecidas por aquele diploma denunciou a necessidade de introduzir alterações para uma melhor adequação aos objectivos da gestão das autarquias locais, o que constitui um contributo válido no estudo e concepção do sistema de contabilidade local que agora se consagra.A elaboração deste diploma, de elevada importância na reforma da contabilidade das autarquias locais, apoiou-se na experiência decorrida do acompanhamento do regime orçamental em vigor, na participação dos municípios na análise das propostas de alteração e adaptação que vinham sendo estudadas e na avaliação das sugestões apresentadas.
Como elementos inovadores referem-se, entre outros, a regulamentação da elaboração do plano de actividades e a institucionalização de um sistema de fiscalização interna da execução orçamental, possibilitando-se, assim, uma maior informação e efectivo controle de gestão por parte dos órgãos autárquicos». (Sublinhados nossos.) O citado Decreto-Lei 341/83 veio, pois, regulamentar o plano de actividades e orçamento, o relatório de actividades e a conta de gerência das autarquias locais (cf. seu
artigo 1.º).
Ora, o seu artigo 28.º, aqui em questão, insere-se na secção iv do diploma, que respeita à execução orçamental, portanto, insere-se nas regras contabilísticas que passaram então a reger a execução do orçamento autárquico, mais precisamente quanto às despesas e que interessa também conhecer, para melhor percebermos a ratio do prazo previsto no seu n.º3.
Assim:
«SECÇÃO IV
Da execução orçamental
Artigo 25.º
Arrecadação das receitas
...
Artigo 26.º
Realização das despesas
1 - Nenhuma despesa poderá ser assumida, autorizada e paga sem que, para além de legal, esteja inscrita em orçamento a dotação adequada e nela tenha cabimento.2 - Os créditos orçamentais da despesa constituem o máximo a utilizar na sua realização.
3 - As despesas a realizar com compensação em receitas legalmente consignadas poderão ser autorizadas até à concorrência das importâncias cobradas.
Artigo 27.º
Prazos para autorização e realização de despesas 1 - As despesas deverão ser autorizadas até 31 de Dezembro, terminando em 15 de Janeiro do ano seguinte o prazo para o seu pagamento.2 - As autorizações de pagamento das despesas caducam em 15 de Janeiro do ano seguinte àquele a que respeitam, podendo a sua renovação processar-se nos termos definidos nos artigos 28.º e 29.º deste diploma.
Artigo 28.º
Encargos de anos anteriores
1 - Os encargos regularmente assumidos relativos a anos anteriores serão satisfeitos de conta das verbas adequadas do orçamento que estiver em vigor no momento em que for efectuado o seu pagamento, de acordo com o que se dispõe neste diploma.2 - A satisfação dos encargos referidos no número anterior dependerá de adequada justificação das razões do seu não pagamento em tempo oportuno.
3 - O credor poderá requerer o pagamento daqueles encargos no prazo improrrogável de três anos a contar de 31 de Dezembro do ano a que respeita o crédito.
4 - Os serviços, no prazo improrrogável definido no número anterior, deverão tomar a iniciativa de satisfazer o encargo, sempre que não seja imputável ao credor a razão do não
pagamento.
Artigo 29.º
Casos especiais
1 - Não carece de autorização especial a satisfação dos encargos dos anos anterioresrelativos a:
a) Créditos que não puderam ser satisfeitos nos prazos regulamentares por demora no deferimento das pretensões dos interessados, apresentadas em tempo perante os órgãoscompetentes;
b) ...
...»
(Sublinhado nosso.)
O Decreto-Lei 341/83 veio a ser revogado pelo POCAL, aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99, de 21 de Fevereiro, que, porém, só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2002 (cf. artigo 12.º do Decreto-Lei 315/2000, de 25 de Julho).Refere-se, no preâmbulo do citado Decreto-Lei 54-A/99, além do mais, que «o principal objectivo do POCAL, aprovado pelo presente diploma, é a criação de condições para a integração consistente da contabilidade orçamental, patrimonial e de custos numa contabilidade pública moderna, que constitua instrumento fundamental de apoio à gestão
das autarquias locais e permita:
a) O controlo financeiro e a disponibilização de informação para os órgãos autárquicos, concretamente o acompanhamento da execução orçamental numa perspectiva de caixa ede compromissos;
b) O estabelecimento de regras e procedimentos específicos para a execução orçamental e modificação dos documentos previsionais, de modo a garantir o cumprimento integrado, a nível dos documentos previsionais, dos princípios orçamentais, bem como a compatibilidadecom as regras previsionais definidas;
c) Atender aos princípios contabilísticos definidos no POCP (Plano Oficial de Contabilidade Pública), retomando os princípios orçamentais estabelecidos na lei de enquadramento do Orçamento do Estado, nomeadamente na orçamentação das despesas e receitas e na efectivação dos pagamentos e recebimentos;d) Na execução orçamental, devem ser tidos sempre em consideração os princípios da mais racional utilização possível das dotações aprovadas e da melhor gestão da tesouraria;
e) Uma melhor uniformização de critérios de previsão, com o estabelecimento de regras para a elaboração do orçamento, em particular no que respeita à previsão das principais receitas, bem como das despesas mais elevadas das autarquias locais;
f) A obtenção expedita dos elementos indispensáveis ao cálculo dos agregados relevantes
da contabilidade nacional;
g) A disponibilização de informação sobre a situação patrimonial de cada autarquia local.» O POCAL, que, como vimos, revogou o anterior Decreto-Lei 341/83, veio estabelecer o novo regime de contabilidade das autarquias locais, cujo objecto vem definido no artigo 3.º do diploma que o aprovou e que «compreende as considerações técnicas, os princípios e regras contabilísticas, os critérios de valorimetria, os documentos previsionais, o plano de contas, o sistema contabilístico e o de controlo interno, os documentos de prestações de contas e métodos específicos» (sublinhado nosso).É no ponto 2.3 do POCAL, relativo aos documentos previsionais e sua execução, que se insere o ponto 2.3.4, relativo à execução orçamental, onde se integra o citado ponto 2.3.4.2, que, como dele consta, contém os princípios e regras que devem ser respeitados na execução do orçamento das autarquias, entre eles a citada alínea h), que corresponde ao n.º 3 do artigo 28.º do revogado Decreto-Lei 341/83 e é do seguinte teor:
«O credor pode requerer o pagamento dos encargos referidos na alínea g) [ou seja, os encargos regularmente assumidos pela autarquia e não pagos até 31 de Dezembro do ano a que respeitam] no prazo improrrogável de três anos a contar de 31 de Dezembro do ano
a que respeita o crédito;»
Acrescentando, de seguida, a alínea i) do mesmo ponto 2.3.4.2, correspondente ao n.º 4 do artigo 28.º do revogado Decreto-Lei 341/83, que «[o]s serviços, no prazo improrrogável definido na alínea anterior, devem tomar a iniciativa de satisfazer os encargos, assumidos e não pagos, sempre que não seja imputável ao credor a razão do não pagamento».Ora, tendo em conta os objectivos do Decreto-Lei 341/83 e do POCAL, mencionados nos respectivos preâmbulos e os princípios e regras contabilísticas ali estabelecidos, designadamente os relativos à execução do orçamento, que as autarquias locais têm de respeitar, com vista à normalização, simplificação e uniformização da contabilidade pública, o prazo aqui em causa, que constitui também ele uma regra ou princípio a respeitar pelas autarquias na execução do seu orçamento, quanto aos encargos de anos anteriores por si assumidos, como se deixou demonstrado, não pode ser considerado um prazo de caducidade do direito de acção, pois o seu objectivo manifestamente não foi sancionar a inobservância do exercício do direito pelo credor dentro do referido prazo, como aconteceria se tivesse aquela natureza, mas sim estabelecer, como vimos, uma regra/princípio a respeitar pela autarquia na execução orçamental que até é favorável ao
credor.
Com efeito, e em princípio, como decorre do artigo 27.º do Decreto-Lei 341/83, supratranscrito, a que corresponde, de certo modo, a alínea g) do ponto 2.3.4.2. do POCAL, as despesas da autarquia deverão ser autorizadas até 31 de Dezembro do ano a que respeitam, sob pena de caducidade das autorizações de pagamento. No entanto, o legislador veio permitir a renovação das autorizações ou o pedido de pagamento de créditos fora da regra contida nos citados preceitos legais, quanto aos encargos regularmente assumidos pela autarquia nos anos anteriores, permitindo que os serviços satisfizessem esses créditos, se requeridos no prazo improrrogável de três anos a contar de 31 de Dezembro do ano a que respeita o crédito. Ou seja, no prazo cuja natureza aqui sediscute.
Portanto, não se trata de um prazo de caducidade do direito de acção.Aliás, nada existe nos diplomas em causa que permita concluir que foi intenção do legislador alterar, por essa via, o prazo de caducidade do direito de acção, designadamente das acções relativas à execução do contrato de empreitada, que estava especialmente previsto no artigo 232.º do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março (anterior artigo 226.º do
Decreto-Lei 405/93, de 10 de Dezembro).
Assim, concorda-se com o acórdão recorrido, quando citando outro acórdão do mesmo Tribunal, sustenta assim a sua decisão, quanto à questão que aqui nos ocupa:«[...] Seguindo o entendimento expresso no Acórdão deste TCAN, de 6 de Dezembro de 2007, in processo 351/05.8BEPNF, com o qual concordamos, esta norma dirige-se às autarquias e visou o legislador permitir que, em termos de contabilidade pública legal e das regras de execução orçamental, fosse possível o pagamento voluntário legal (à luz daquelas regras de disciplina e execução financeira) por parte das autarquias locais, aos seus credores para além do prazo anual imposto e decorrente na normal execução dum orçamento. Tal preceito veio, desta forma, dotar as autarquias locais de um mecanismo ou procedimento financeiro e de execução orçamental que tornou possível liquidar dívidas, até ao limite de três anos seguintes ao do ano em que se deu o vencimento do débito do seu credor, permitindo a inscrição em termos dos orçamentos e nas pertinentes rubricas das verbas necessárias para a liquidação daqueles compromissos assumidos ou dívidas contraídas e realizadas (artigos 28.º, n.º 1, e 31.º, n.os 1, 2, 3 e 4, in fine do Decreto-Lei n.º
314/83).
Para o efeito e de molde a permitir a emissão, por parte dos competentes serviços e titulares das autarquias locais, de autorização especial de liquidação de débito para além do prazo de vigência de cada orçamento (o ano civil com termino em 31 de Dezembro), o legislador apenas fixou aquele prazo de três anos, como prazo improrrogável para lograr obter a liquidação de débitos, à luz e em termos das regras de disciplina e de execução orçamental, sem que nesse limite temporal definido com tal alcance se tenha, em nosso entendimento, visado alterar ou introduzir novo quadro legal em sede de prazos de exercício de direito de acção e de prescrição.» Desta forma, acrescenta-se no mesmo acórdão, «[...] evitando confrontar os credores das autarquias locais e também estas com a necessidade de impor o recurso à via judicial como a única forma de lograr obter pagamento para além do prazo do ano civil de contracção da respectiva dívida por já não se mostrar possível vir a concretizar-se em termos daquelas regras financeiras e contabilísticas.O legislador sabedor do processo moroso e das regras procedimentais, algo complexas e burocráticas, que disciplinavam e disciplinam estas operações de autorização de despesas e das dificuldades, por um lado, de credores em instruir, fornecer e observar aquelas mesmas regras e, por outro, dos próprios serviços administrativos/financeiros em conseguirem dar resposta eficaz e atempada a este tipo de pretensões, introduziu aquela regra como forma de flexibilizar a rigidez da execução orçamental e potenciar as liquidações débitos por parte das autarquias locais, de modo voluntário e extrajudicial (cf.
n.º 4 do artigo 28.º), sem necessidade da imposição de recurso a tribunais, mediante dedução de inúmeras acções de cobrança de dívida contra aqueles entes públicos, como única forma de, através de sentença condenatória, justificar em termos contabilísticos a sua legal liquidação, sem infracção das regras financeiras e de execução orçamental.» Portanto e concluindo, a questão sub judicio vai decidida no sentido de que o prazo previsto no n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei 341/83, de 21 de Julho, bem como no correspondente ponto 2.3.4.2, alínea h), do POCAL, aprovado pelo Decreto-Lei 54-A/99, de 22 de Setembro, não é um prazo de caducidade do direito de caducidade do direito de acção, mas sim uma regra ou princípio que as autarquias locais devem respeitar
na execução do respectivo orçamento.
Consequentemente, o presente recurso jurisdicional não merece provimento.
IV - Decisão
Termos em que acordam os juízes do pleno da 1.ª Secção em negar provimento aorecurso.
Custas pelo recorrente. Publique-se (artigo 152.º, n.º 4, do CPTA).(1) Acórdãos do pleno da 1.ª Secção do STA de 29 de Março de 2006 - processo 1065/05 e de 11 de Dezembro de 2007 - processo 150/07.
(2) Acórdão do pleno da 1.ª Secção de 13 de Novembro de 2007 - processo 1106/06.
(3) Acórdão do pleno da 1.ª Secção de 26 de Setembro de 2007 - processo 452/07.
(4) Cf. Acórdão do pleno da 1.ª Secção n.º 212/08, de 18 de Setembro de 2008.
Lisboa, 15 de Outubro de 2008. - Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Maria Angelina Domingues - Luís Pais Borges - João Manuel Belchior - Jorge Manuel Lopes de Sousa - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Adérito da Conceição Salvador dos Santos - Rui Manuel Pires Ferreira Botelho - Jorge Artur Madeira dos Santos - António Políbio Ferreira Henriques - António Bento São Pedro - José António de Freitas Carvalho - Edmundo António Vasco Moscoso.