Acórdão 136/2005/T. Const. - Processo 470/02. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - Em 3 de Setembro de 2001, a QUERCUS - Associação Nacional de Conservação da Natureza apresentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do Grupo Wolverine, incluindo os respectivos anexos e estudos técnicos, de modo a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.
Em 15 de Março de 2002, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação formulado por aquela organização ambientalista, a quem reconheceu, embora, legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório (apenas no que concerne às suas preocupações ambientais). Na fundamentação da sentença discutiu-se a "constitucionalidade da reserva decorrente do segredo industrial, pois que a lei constitucional não o refere explicitamente" (no n.º 2 do artigo 268.º), referindo-se expressamente as normas do n.º 1 do artigo 62.º do Código do Procedimento Administrativo, do n.º 1 do artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro, concluindo-se que "os valores subjacentes à consagração dos segredos comercial e industrial têm protecção constitucional", pelo que tais normas não seriam inconstitucionais.
A requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo, adoptando a tese, considerada e afastada na sentença, da inconstitucionalidade dos artigos 62.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação, para além do previsto no artigo 286.º, n.º 2, da Constituição.
Por Acórdão de 23 de Maio de 2002, a 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso. Considerando estar em causa a colisão entre o direito à informação e os direitos à propriedade e à iniciativa privada, com o inerente segredo industrial e comercial, concluiu o acórdão, por maioria, pela legitimidade da opção feita pelo legislador ordinário nos artigos 10.º da Lei 65/93 (na redacção da Lei 8/95, de 29 de Março) e 62.º, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, "permitindo a recusa de acesso a documentos 'cuja comunicação ponha em causa segredos industriais'". Mais concluiu que "[s]ó quando não existe lei é legítima a ponderação dos valores em conflito pelo intérprete", sendo que, no caso, a legislação a aplicar seria o "artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto", e que também dos termos contratuais - a cláusula 17.ª do contrato de investimento estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 34-B/2001, de 30 de Março - resultava "a vinculação do Estado Português ao dever de sigilo".
2 - Recorreu então a referida organização ambientalista para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes "dos artigos 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro, e 10.º da Lei 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo douto acórdão recorrido, isto é, no [sentido] de que fez prevalecer normas protectoras do segredo industrial, da propriedade privada, da liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção em confronto com o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal protocolo, estaria vinculado contratualmente a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o princípio da legalidade".
Admitido o recurso, a recorrente encerrou assim as suas alegações:
"A - Nestes autos está em causa a problemática da protecção do ambiente, e,
B - reflexamente, a defesa da vida, integridade física e moral das pessoas, incluindo a segurança,
C - nomeadamente na sua vertente da prevenção perante eventuais violações,
D - o que implica o direito à informação, como instrumento fundamental para o exercício daqueles direitos,
E - pois a todo o direito compete uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo.
F - A vinculação das entidades públicas diz respeito ao Estado, tanto enquanto legislador como, no que se refere à administração,
G - como vincula entidades privadas.
H - Estamos perante normas em que está em causa a força jurídica dos direitos, liberdades e garantias,
I - que são directamente aplicáveis, mesmo na ausência de lei, contra a lei e em vez da lei.
J - As eventuais restrições a direitos deste género terão de ter em conta princípios constitucionais diversos, nomeadamente o da proporcionalidade e a exigência de respeito do seu núcleo essencial.
K - A defesa do ambiente opera-se fundamentalmente por acção preventiva (princípios da prevenção e da precaução), na medida em que os danos ambientais são frequentemente de natureza irremediável e grave;
L - os diferentes procedimentos existentes são os meios formais fundamentais para exercer o direito à informação, e para a consequente tutela dos mesmos direitos e interesses.
M - Só em casos limitados, de informações e ou documentos 'classificados', é que poderá haver restrições ao direito à informação dos particulares: quando estão em jogo poderosos interesses públicos,
N - ou quando se pretenda, em alguns casos, proteger a intimidade e a privacidade das pessoas.
O - O nosso quadro legal constitucional configura o direito ao 'arquivo aberto', em nome de uma chamada 'democracia administrativa' e de um 'direito de saber'.
P - Não há segredos industriais a defender no caso dos autos,
Q - já que o regime da propriedade industrial não os contempla; de facto,
R - estando nós no domínio da liberdade de iniciativa privada e da concorrência, assim como da tipicidade dos direitos de propriedade industrial, estes são defendidos através das normas do registo e da punição da concorrência desleal,
S - sendo certo que com o registo deixa de haver segredo, passando a existir publicidade registral.
T - De resto, nunca o recorrido informou que tipo de segredo industrial estaria a ser protegido: quando muito estaremos no segredo do ... segredo!
U - O douto Acórdão em apreço veio lesar ilicitamente interesses relacionados com o ambiente, a vida e segurança das pessoas e o correspondente direito à informação.
V - Mesmo em caso de eventual colisão de interesses e ou direitos, os de carácter não patrimonial prevalecem sobre os de índole patrimonial, na sequência de entendimento (quase) unânime da jurisprudência.
X - O direito ao ambiente é protegido constitucionalmente e insere-se nos direitos de personalidade.
Y - Com a recusa radical de prestar à recorrente todas e quaisquer informações, o recorrido e o douto acórdão em apreço estiveram a violar, pelo menos, o núcleo fundamental do direito à informação em matéria de ambiente.
Z - Foram violadas as disposições dos artigos 9.º, 17.º, 18.º, 20.º, 24.º a 26.º, 35.º, 52.º, 66.º, 81.º, 90.º e 268.º da constituição política, muito especialmente se verificando a inconstitucionalidade do artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, do n.º 1 [do artigo 13.º] do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro, do artigo 10.º da Lei 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo douto acórdão recorrido, isto é, no sentido de fazer prevalecer normas protectoras de 'segredo industrial', de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada, dos meios de produção, em confronto com o direito à informação para a protecção do ambiente por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal protocolo, estaria vinculado a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o princípio da legalidade.
Tais normas, na dimensão interpretativa que lhes foi conferida pelo douto acórdão recorrido, violam os princípios e normas constitucionais do direito à vida (artigo 24.º), à integridade moral e física das pessoas, incluindo a segurança (artigo 25.º), ao ambiente e qualidade de vida (artigo 66.º), nomeadamente a faculdade de prevenção de tais violações (artigos 266.º e 268.º), traduzindo-se tal dimensão interpretativa na efectiva denegação de justiça."
Por seu turno, o Primeiro-Ministro concluiu assim as suas alegações:
"I - Apesar das flutuações reconhecíveis nas alegações da recorrente, parece seguro que o objecto do presente recurso só poderá ser a questão da constitucionalidade do artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro, por confronto com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição. Na verdade, das diversas disposições legais indicadas nas alegações, apenas essas foram aplicadas no acórdão recorrido.
II - A disposição do artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, tem vindo reiteradamente a ser julgada não inconstitucional, por aplicação do raciocínio dispositivo expresso no Acórdão 254/99 do Tribunal Constitucional, tirado em plenário. A mesma doutrina aplica-se ao n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro.
III - Constata-se ainda que o acórdão recorrido procedeu a uma valoração circunstanciada dos bens constitucionalmente protegidos eventualmente conflituantes no caso concreto, não se justificando qualquer censura.
IV - Em consequência, resulta incontornável a carência de razão da recorrente."
Cumpre agora apreciar e decidir.
II - Fundamentos. - 3 - Como se nota nas contra-alegações de recurso, as normas em causa no presente processo só podem ser as do artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei 8/95, de 29 de Março, e a do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro, que foi deficientemente identificado na decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e assim permaneceu. Sendo esta uma norma especial em relação àquela primeira, poderia até centrar-se nela a análise, não fora o facto de a decisão recorrida a não ter mencionado - ao contrário da do artigo 10.º da Lei 65/93, na redacção da Lei 8/95 -, e de a estatuição de uma e outra normas ir no mesmo sentido: "A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas", diz a referida lei; "As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público", diz a norma do citado decreto-lei.
Serão, assim, consideradas ambas as normas - por ambas virem impugnadas e ambas terem sido aplicadas durante o processo -, mas já não outras normas relevantes do Código do Procedimento Administrativo designadamente a do seu artigo 64.º - por não terem sido referidas no requerimento de interposição do recurso.
4 - Importa, por outro lado, salientar que no presente processo não está em causa a norma que prevê limitações ao direito à informação enquanto aplicável aos elementos que eventualmente tenham servido para instruir os procedimentos administrativos de licenciamento da unidade industrial a que se reporta o contrato de investimento estrangeiro em questão - mas apenas os elementos constantes dos anexos a este contrato, que não foram publicados.
A requerente solicitou "certidões referentes à totalidade do contrato outorgado com as empresas do Grupo Wolverine, incluindo os anexos e estudos técnicos que permitam a exacta compreensão do projecto em apreciação". Mas, em relação a tais estudos técnicos ou outros elementos - designadamente o parecer favorável à instalação da unidade industrial -, a fundamentação (desde logo, do Primeiro-Ministro) para a sua não entrega à requerente não reside na prevalência do dever de confidencialidade, nos termos do contrato de investimento estrangeiro celebrado, sobre o direito à informação da requerente, mas antes (cf. fls. 86 e segs. dos autos) na diversa origem dos documentos em causa: terem emanado de uma entidade administrativa (a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Norte), não tendo o requerido domínio ou conhecimento sobre tais elementos (o que se invoca logo no parecer do Ministério Público na 1.ª instância, dado por reproduzido na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e para que remete também a decisão recorrida, do Tribunal Central Administrativo).
5 - Quanto à norma do artigo 10.º da Lei 65/93, na redacção da Lei 8/95, e quanto à sua conformidade com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, invocou o Primeiro-Ministro, nas contra-alegações, que este Tribunal já se pronunciou "por diversas vezes, sendo que a doutrina que tem feito prevalência se encontra fixada no Acórdão 254/99", podendo o raciocínio "estender-se, sem esforço, ao n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro".
Apesar de em tal acórdão se ter excluído a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto (na redacção da Lei 8/95, de 29 de Março), do objecto do processo - por tal norma não ter sido aplicada na decisão recorrida, por não se terem seguido os trâmites relevantes para a sua invocação {os artigos 16.º e 17.º da Lei 65/93 impõem que "o requerente, antes de interpor o recurso contencioso, te[nha] de reclamar primeiro para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o que não fez"}, e por o requerente não ter invocado, nesse caso, como fundamento da sua pretensão, "o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição" -, a discussão da conformidade constitucional de tal norma foi, efectivamente, considerada necessária "para a fundamentação da decisão".
Tal impostação do problema foi, depois, seguida nos Acórdãos n.os 335/99, 384/99, 385/99 e 386/99 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) - o primeiro e o último excluindo também expressamente a apreciação da norma do artigo 10.º da Lei 65/93 do objecto do recurso, e os restantes referentes a um conjunto de normas que não incluía esta norma, mas todos remetendo para a decisão do plenário (no referido Acórdão 254/99) onde, como se disse, tal norma foi incluída na fundamentação, nos seguintes termos:
"Poderá, assim, discutir-se se o direito do acesso aos arquivos e registos administrativos não exclui à partida o direito de revelação de segredos comerciais e industriais que deles constam. Nesta perspectiva, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais e industriais, por parte da Administração, e a proibição da utilização por esta de informações que possam desrespeitar direitos de autor ou de propriedade industrial ou configurar práticas de concorrência desleal, nos termos do artigo 10.º da Lei 65/93, estariam desde logo autorizadas constitucionalmente à partida pela própria expressão constitucional do conteúdo do direito. O principal argumento contra esta interpretação é o de o n.º 2 do artigo 268.º ter considerado necessária uma reserva de lei restritiva em matérias de segredos de Estado, de segredos de instrução criminal e de intimidade das pessoas, que na referida interpretação estariam igualmente excluídas do sentido imediato do direito de acesso. Haveria que dizer que no n.º 2 não se tem uma verdadeira reserva de lei, mas a simples remissão para a lei da definição de certos limites.
De qualquer modo, a exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessidade e proporcionalidade da recusa de acesso à informação. Tal ponderação e, portanto, o recurso aos critérios do artigo 18.º sempre seriam adicionalmente necessários.
Bastará, para tanto, observar que o direito de informação instrumental do direito à tutela jurisdicional expresso nos n.os 1, 4 e 5 do artigo 268.º, e que a recorrente considera justamente apenas implícito nestes números, não tem qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição, pelo que não tem sentido falar de limites imanentes desse conteúdo como limites à partida. Relativamente a tal direito, que, como vimos, é o único em causa neste processo, não valem as anteriores considerações acerca do n.º 2 do artigo 268.º
Em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas. Ora na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para este mesmo efeito. Têm todo o cabimento as cautelas constitucionais.
11 - Demonstrada a possibilidade em abstracto de restrições aos direitos de informação previstos quer no n.º 2 do artigo 268.º - que não está directamente em causa - quer no n.º 1 do artigo 268.º, ou derivados dos n.os 4 e 5 do mesmo artigo, em situações de conflitos entre direitos fundamentais (ou interesses constitucionalmente protegidos), quer em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas quer em outras matérias, falta demonstrar a necessidade e a proporcionalidade de restrições determinadas por situações de conflito em matéria de segredo comercial ou industrial, de direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, e de concorrência desleal, tendo em vista os critérios dos n.os 2 e 3 do artigo 18.º Como se disse no Acórdão 282/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º vol., p. 223), o princípio da necessidade e da proporcionalidade - esta não é mais do que a necessidade não apenas da existência de restrição mas de certa medida ou modo de restrição - enunciado no artigo 18.º, n.º 2, vale directamente para todas as medidas restritivas dos direitos fundamentais. A sua aplicação exige a definição genérica ('tem de revestir carácter geral e abstracto': n.º 3 do artigo 18.º) das situações de conflito entre direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, o que equivale à enunciação das circunstâncias ou dos pressupostos de facto em que o direito prevalece e das circunstâncias ou dos pressupostos de facto em que o direito é restringido. As longas demonstrações da existência ou inexistência de necessidade e de proporcionalidade da restrição em determinados pressupostos constituem a substância quer das opiniões que fizeram vencimento como das vencidas no referido Acórdão 282/86 (sobre a suspensão e o cancelamento dos direitos emergentes dos técnicos de contas), assim como, também por exemplo, no Acórdão 103/87 (sobre restrições aos direitos fundamentais dos agentes da Polícia de Segurança Pública).
Por outro lado, a proibição de 'diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais' do n.º 3 do artigo 18.º não se refere ao seu conteúdo à partida (prima facie ou a priori) mas ao seu conteúdo 'essencial', como resulta afinal do processo de interpretação e aplicação dos preceitos constitucionais, incluindo a solução dos conflitos entre direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Quer isto dizer que a final sempre haverá circunstâncias ou pressupostos de facto em que o direito fundamental é reconhecido e que constituem o seu conteúdo essencial. Nesta medida, a proibição da parte final do n.º 3 é uma consequência do princípio da harmonização ou concordância prática dos direitos ou interesses em conflito que o Tribunal tem aplicado [cf., por exemplo, os citados Acórdãos n.os 177/92 (p. 404) e 113/97 (p. 4481) e o Acórdão 288/98 (Diário da República, 1.ª série-A, de 18 de Abril de 1998, pp. 1714 a 1720 e 1725). Trata-se, portanto, como se diz no Acórdão 177/92 (ibidem), de harmonizar 'os direitos em confronto, para se ser levado, se tal se mostre necessário, à prevalência (ou razão de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro', ou, como se diz no Acórdão 288/98 (de p. 1714 a p. 1725), 'a harmonização, a concordância prática, se faz entre bens jurídicos, implicando normalmente que, em cada caso, haja um interesse que acaba por prevalecer e outro por ser sacrificado'. Nas várias hipóteses de conflito há que determinar 'em cada caso' genericamente 'as razões de prevalência'. É uma 'ponderação casuística' (Acórdão 177/92) e ao mesmo tempo generalizadora."
Quanto à "ponderação casuística" referida neste aresto, entendeu a recorrente que haveria um conflito entre "as normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção", por um lado, e "o direito à informação para protecção do ambiente por parte de uma associação ambientalista", por outro.
Verifica-se, porém, que se não detecta para o "direito à informação para protecção do ambiente", especificamente invocado pela recorrente - como também não tinha o "direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional" referido naquele acórdão -, "qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição", o que logo poderia constituir argumento para desqualificar uma solução do caso baseada necessariamente numa "concordância prática" entre um direito de acesso aos arquivos e registos administrativos reconhecido aos cidadãos e o direito à reserva e ao segredo que a lei institui como forma de tutela dos direitos de propriedade privada e livre iniciativa.
Tal entendimento não foi, no entanto, adoptado no referido Acórdão 254/99, onde, embora a propósito de uma situação em que se reconheceu a existência de um "interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação" (interesse pessoal que não está agora em causa, sendo o interesse na tutela do ambiente, como se sabe, um "interesse difuso"), se escreveu o seguinte:
"6 - Em causa está o direito de acesso, na forma de direito de consulta e de direito de obter certidão, do detentor de interesse legítimo no conhecimento dos elementos que lhe permitam usar de meios administrativos ou contenciosos a documentos de um processo administrativo que possam ser relevantes para tal fim.
Esse direito não está consagrado especificamente na Constituição. A recorrente pretende que está implícita no direito dos administrados, consagrado nos n.os 4 e 5 do artigo 268.º da Constituição, a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e nessa medida tem razão. A tutela jurisdicional seria muitas vezes ineficaz sem um direito instrumental de quaisquer pessoas que tenham interesse legítimo à informação dos elementos que possam ser relevantes e que constem de processo administrativo.
A recorrente pretende também que esse direito está implícito no direito de acesso consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 268.º, como direito geral de todos os cidadãos mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito nem tenham em vista obter elementos que lhes permitam iniciar um tal procedimento, de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. Também aqui tem o recorrente razão, pois seria incompreensível que o direito de quem tem um interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação tivesse menor âmbito do que o direito, de qualquer cidadão, de acesso aos arquivos e registos administrativos (cf., no mesmo sentido, por exemplo, os Acórdãos, deste Tribunal, n.os 176/92 e 177/92, ambos de 7 de Maio, e 234/92 e 237/92, ambos de 30 de Junho, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1992, pp. 377 e segs., 397 e segs., 599 e segs. e 609 e segs.). O direito de acesso do interessado nunca pode ser menor que o do cidadão em geral, até porque o interesse público na transparência da actividade administrativa, ou numa 'administração aberta', como forma de garantia do respeito pelos princípios constitucionais, norteadores dessa actividade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, só pode ser favorecido pela acção dos directamente interessados e está na prática dependente dessa acção. Acresce que o administrado interessado, mesmo que não seja cidadão, não tendo nesse caso os direitos de participação na vida pública, nomeadamente através do esclarecimento sobre actos do Estado e demais entidades públicas (artigo 48.º da Constituição), que caracterizam a posição do cidadão no Estado democrático (artigo 2.º), tem frequentemente direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que implicam, como no caso do direito à tutela jurisdicional, direitos de acesso à informação. Há, pois, que entender que a introdução do n.º 2 do artigo 268.º na revisão constitucional de 1989 veio alargar o conteúdo do direito de informação procedimental reconhecido no n.º 1, pelo que os limites, que caracterizavam esse direito na redacção originária de 1976 - nomeadamente a restrição ao direito de ser informado sobre o andamento do processo e ao de conhecer a resolução definitiva sobre ele -, não tornam inconstitucionais as formulações mais amplas desse direito (abstraindo das referências à confidencialidade) nos artigos 62.º e 64.º do Código do Procedimento Administrativo e 82.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (cf. o n.º 1 do artigo 16.º da Constituição).
7 - A recorrente pretende, porém, que os limites do direito de acesso do n.º 2 do artigo 268.º são apenas os que resultam da reserva de lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas e que esses limites valem para todos os direitos de informação consagrados explícita ou implicitamente no mesmo artigo. Não tem razão em nenhum destes pontos.
Em primeiro lugar, a Constituição claramente diz o contrário, ao dispor apenas no caso do direito de acesso do n.º 2 que limites podem ser estabelecidos por uma reserva de lei, o que representa uma degradação ou uma hipoteca (usando a terminologia de Gomes Canotilho, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 125.º, 1992, p. 254) relativamente ao regime do direito à informação procedimental do n.º 1 e do direito instrumental à informação derivado do direito do administrado à tutela jurisdicional dos n.os 4 e 5 do artigo 268.º Estes direitos são reconhecidos sem limites explícitos. A formulação da reserva de lei, ao dizer que o direito de acesso é reconhecido 'sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas', implica até uma prevalência de princípio dos interesses na confidencialidade regulados nessas matérias sobre o direito ao acesso que podem, porventura em nome do critério do melhor equilíbrio possível entre os direitos em conflito (invocado no acórdão recorrido), justificar nas circunstâncias dadas o sacrifício da confidencialidade (cf., também, as cautelas do Acórdão 177/92, loc. cit., p. 405). Nada disto se aplica aos outros direitos à informação consagrados no artigo 268.º
Em segundo lugar, sem exceptuar o do n.º 2, todos os direitos de informação frente à Administração Pública consagrados no artigo 268.º estão limitados por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam (assim Gomes Canotilho, ibidem). Tais limites, ditos a posteriori, por se determinarem depois da determinação do conteúdo do direito por via de interpretação (a qual poderá determinar limites desse conteúdo), sempre seriam admissíveis, quer no direito de informação procedimental do n.º 1 quer no direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional. Os dois direitos estão, aliás, estreitamente ligados na sua regulação legal, na medida em que o Código do Procedimento Administrativo e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos integram o último no regime do direito de informação procedimental do artigo 62.º do Código do Procedimento Administrativo e do artigo 82.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, e ainda na medida em que se considera, como o acórdão aqui recorrido, que o interesse na informação pretendida para uso administrativo ou procedimental é um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos a que se refere o 64.º do Código do Procedimento Administrativo para o efeito de considerar o direito de informação procedimental, reconhecido no artigo 62.º, extensivo às pessoas que provem ter tal interesse. Ora, não há nenhuma razão para que limites do mesmo género não existam no caso do direito de acesso do n.º 2. É que se trata de um género de limites que existe qualquer que seja o modo de definição de um direito na Constituição, porque resultam simplesmente da existência de outros direitos ou bens igualmente reconhecidos na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam, bem como da possibilidade de conflitos em certas circunstâncias entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas. Os conflitos não podem ser evitados a não ser pela previsão na Constituição dessas circunstâncias e pela consequente transformação dos elementos do conflito em elementos da definição dos direitos ou bens constitucionais em jogo. Ora, a previsão exaustiva das circunstâncias que podem dar lugar a conflitos deste tipo é praticamente impossível pela imprevisibilidade das situações de vida e pelos limites da linguagem que procura prevê-las em normas jurídicas, além de que a Constituição nunca pretendeu regular pormenorizadamente, ou tão exaustivamente quanto possível, os direitos que consagra. Estas considerações aplicam-se a todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição. Todos esses direitos podem ser limitados ou comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sem excluir a possibilidade de conflitos entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas (pense-se, quanto ao direito à vida, no regime legal de legítima defesa e do conflito de deveres e no dever fundamental de defesa da Pátria - artigo 276.º, n.º 1, da Constituição), sendo sempre necessário fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por interpretação das normas constitucionais que regulam esses direitos.
8 - Não vale dizer, em contrário, que quando a Constituição consagra um limite expresso, seja ele uma reserva de lei, implica que nenhum outro limite foi desejado. Este argumento obviamente não procede. Ele subentende que o limite expresso, ou a reserva de lei, é uma excepção e que existe uma regra que proíbe a existência de outras excepções além das expressas. A primeira premissa não é verdadeira. A reserva de lei do n.º 2 é uma remissão da Constituição para a lei, e não uma excepção constitucional a normas constitucionais. É certo que da existência de uma remissão explícita não se deduz qualquer outra remissão e pode deduzir-se o carácter excepcional da remissão. Assim, o n.º 2 do artigo 268.º implica que em matérias que não sejam relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não tem à partida (prima facie, a priori) os limites que resultam da lei nestas matérias. Nessas outras matérias apenas pode ter a posteriori os limites que resultam da solução constitucional das situações de conflito com outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, que são os únicos que valem para os direitos de informação procedimental ou instrumental do direito de tutela jurisdicional dos n.os 1, 4 e 5 do artigo 268.º
Assim, em relação a direitos que formula à partida sem qualquer limite, para além do que resulta imediatamente da definição constitucional do seu objecto como a liberdade de expressão e informação (artigo 37.º, n.º 1), a própria Constituição admite que o seu exercício pode constituir infracção criminal, ilícito de mera ordenação social e ilícito civil (n.os 3 e 4 do artigo 37.º), e o Tribunal Constitucional entendeu que o seu exercício poderia ainda constituir ilícito disciplinar (Acórdão 81/84, Acórdãos ..., cit., 4.º vol., pp. 225 e segs., especialmente 233 e 234; cf., sobre conflitos com o mesmo direito, o Acórdão 113/97, in Diário da República, 2.ª série, de 15 de Abril de 1997, de p. 4478 a p. 4481). Temos aqui um direito fundamental sem explícitos limites a priori, que a Constituição reconhece ter limites a posteriori em certas áreas e em que a lei criou limites a posteriori em outras áreas. Também o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é consagrado, à partida, no n.º 1 do artigo 25.º da Constituição sem qualquer limite e, no entanto, o Tribunal Constitucional admitiu que em hipóteses de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (e, portanto, de conflito com o interesse na prossecução penal e com o princípio da verdade material) pode haver intercepção e gravação de comunicações telefónicas (Acórdão 7/87, in Acórdãos..., cit., 9.º vol., pp. 7 e segs. e 35; cf., de modo semelhante, quanto ao uso não consentido pelo visado de fotografia como prova em processo de divórcio, o Acórdão 263/97, in Diário da República, 2.ª série, de 1 de Julho de 1997, de p. 7567 a p. 7569). É certo que no Acórdão 7/87 o Tribunal invocou a reserva de lei em matéria de processo criminal que limita, à partida, o direito ao sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada (artigo 34.º, n.os 1 e 4), mas estava em causa apenas a hipótese em que o sigilo diz respeito a matéria de reserva da intimidade, em que não há reserva de lei. Também o direito de acesso a cargos públicos electivos (artigo 50.º, n.º 1, da Constituição) era, antes da revisão de 1989, consagrado sem limites à partida além dos que resultavam de outros preceitos constitucionais directamente para os magistrados judiciais (artigo 221.º, n.º 3, hoje 216.º, n.º 3) ou através de reservas de lei para os militares e agentes militarizados (artigo 270.º) e para as eleições para a Assembleia da República (artigo 153.º, hoje 150.º). Mas nos Acórdãos n.os 225/85 e 244/85 (in Acórdãos..., cit., 6.º vol., pp. 793 e segs., 798 a 801, 211 e segs. e 217 a 228) o Tribunal admitiu restrições legais para os funcionários judiciais (em vista do interesse na separação e independência das funções autárquica e judicial) e para os funcionários e agentes da administração autárquica directa da mesma autarquia (em vista do interesse na independência e imparcialidade do poder local). Em ambos os casos as restrições expressas na Constituição ou resultantes das reservas de lei em certas matérias fundaram argumentos no sentido da admissibilidade de outras restrições, em hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos."
Conclui-se, pois, que é possível ao legislador prever excepções ao direito geral de informação, quer no âmbito das restrições expressamente autorizadas pela Constituição quer em hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos.
Ora, não será, desde logo, de excluir a possibilidade de inclusão no presente caso dos elementos de informação pedidos (ou pelo menos de parte deles) no âmbito de informação relativa à "intimidade das pessoas", se se entender que tal cláusula justificativa de restrições ao direito à informação, prevista na parte final do artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, é igualmente aplicável a pessoas colectivas - e, no caso, à vida interna (ao "segredo dos negócios" e dos processos de laboração) da empresa que celebrou com o Estado o contrato de investimento estrangeiro em que se previu logo o dever de confidencialidade das partes, e em cujos anexos se encontram os elementos em questão.
Mesmo, porém, que, num caso como o presente, se entenda não poder subsumir o fundamento da limitação ao direito de informação sob a "intimidade das pessoas", prevista do artigo 268.º, n.º 2, in fine, da Constituição, não se conclui no sentido da inconstitucionalidade da solução normativa do conflito de valores ou interesses que foi adoptada pela decisão recorrida.
6 - Na verdade, acresce que, a ter de operar-se uma ponderação de interesses contrapostos constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas que se propõem realizar um investimento industrial visam satisfazer interesses e valores também constitucionalmente relevantes - cf. as "tarefas fundamentais do Estado" elencadas no artigo 9.º da Constituição, de entre as quais se conta, na alínea d), "[p]romover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os Portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais". Designadamente, trata-se de instrumentos importantes (designadamente numa economia com as características da economia portuguesa) para possibilitar as condições para o desenvolvimento económico e, consequentemente, para a obtenção dos meios, pelos particulares e pelo Estado, para a obtenção de bens e para a satisfação das necessidades individuais e colectivas, e inclusive de bens e necessidades protegidos por direitos fundamentais - parecendo desnecessário recordar aqui considerações bem conhecidas sobre o efectivo "custo dos direitos" proclamados no texto da Constituição, a que este Tribunal não tem deixado de (explicita ou implicitamente) aludir, pelo menos fora do âmbito dos "direitos, liberdades e garantias", quando se refere à cláusula de "reserva do possível" (designadamente do económica e financeiramente possível).
Importa também atentar em que os contratos de investimento celebrados entre o Estado Português e empresas ou investidores podendo implicar, como no presente caso, um compromisso de sigilo quanto às informações fornecidas por essas empresas envolvem um conjunto de contrapartidas - para ambas as partes e com incidência em terceiros, concorrentes ou não - que têm de ser ponderadas no momento da celebração do contrato, sendo, evidentemente, ao Governo, ao celebrar esses contratos, que compete realizar essa ponderação.
Por outro lado, o projecto em causa foi previamente objecto de aprovação pelas entidades competentes - a quem cabe, designadamente, avaliar também o impacte ambiental e estabelecer as condições de funcionamento da unidade fabril - e, quer na pendência da sua construção quer no decurso do seu funcionamento, continuará sujeito às regras de funcionamento e à vigilância e fiscalização das entidades oficiais. A tutela do direito ao ambiente que a recorrente invoca como fundamento para o seu direito à informação está igualmente prevista como objecto de salvaguarda pela actividade da Administração Pública, no quadro das funções do Estado, não sendo, pois, de considerar a "vigilância" pela recorrente como via única - ou, sequer, principal ou privilegiada - de acautelar esse direito.
Estamos, pois, perante a contraposição entre um interesse dos investidores (por isso umas vezes manifestado e outras não, mas no presente caso elevado pelas partes a dever contratual) em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente, a manter reservadas. Ambos os interesses assumem, naturalmente, relevância pública.
Ora, num contexto em que o Governo entendeu aceitar vincular-se no próprio contrato a uma cláusula de confidencialidade (sendo de presumir que tal vinculação constituiu, para ambas as partes, um elemento essencial para a celebração do contrato) e em que, portanto, o confronto entre, por um lado, uma informação geral sobre todos os aspectos do contrato (no caso, sobre os anexos, não publicados no Diário da República) e, por outro lado, o interesse no investimento estrangeiro foi já realizado pelo Governo, a ponderação imposta aos tribunais, em caso de conflito entre, por um lado, o direito geral à informação, invocado pela recorrente, e, por outro lado, o interesse na concretização do investimento estrangeiro, pode resultar aligeirada. Neste sentido, o tribunal recorrido entendeu remeter não só para as normas agora em causa como para o referido dever contratual de confidencialidade e, implicitamente, para a avaliação realizada na sua celebração. E acrescente-se ainda que a recorrente nada de mais específico ou concreto adiantou sobre ameaças ao ambiente, para além do seu interesse ou legitimidade geral, como associação que tem como finalidades a defesa do ambiente, ou de desconfianças gerais que o projecto ou a empresa em questão lhe suscitava.
Entende-se, assim, que a contraposição a realizar pelo tribunal recorrido podia bastar-se, nestas condições, com uma implícita ponderação ou confronto (sem dúvida menos desenvolvido do que o que se verificou no caso decidido pelo Acórdão 254/99), com o resultado daquele que foi efectuado. Atendendo às tarefas fundamentais do Estado fixadas no artigo 9.º da Constituição e aos princípios cometidos pelo seu artigo 266.º à Administração Pública, a conclusão do tribunal recorrido podia pender, ainda que por via de um tal confronto abreviado, a favor da possibilidade de limitações ao direito à informação com fundamento no citado conflito, concluindo-se, portanto, no sentido da conformidade constitucional da norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei 321/95, no que concerne à divulgação e ao acesso de documentos inerentes à celebração dos contratos de investimento estrangeiro, quando susceptíveis de conhecimento público - e, portanto, também, nesta medida, da norma do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei 65/93, na redacção da Lei 8/95, da qual a norma do artigo 13.º, n.º 1, do referido decreto-lei constitui, como se disse, um caso especial.
7 - Diga-se, ainda, que a afirmação de uma geral "prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial", também invocada pela recorrente, é, por si só, insusceptível de ser ponderada, por não poder estabelecer-se o aludido confronto.
Não há, de facto, em tese geral, nenhum conflito entre direitos de carácter patrimonial das empresas signatárias do contrato de investimento com o Estado Português e o direito ao ambiente, nem parece ele resultar simplesmente das circunstâncias referidas nos autos. Aliás, mesmo que, em termos meramente potenciais, tal conflito pudesse vir a ocorrer no futuro, ele seria também completamente alheio às normas que vêm impugnadas - as quais, como se deixou referido, se limitam a permitir à Administração, no quadro de operações de investimento estrangeiro e com fundamento em compromissos assumidos num contrato de investimento, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas, e sem o consentimento destas (ausência de consentimento, no caso, previamente acautelada pela inclusão no próprio contrato de investimento de uma cláusula de sigilo).
Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais, sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os valores constitucionalmente protegidos.
Conclui-se, pois, pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade dirigida às normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei 65/93, na redacção da Lei 8/95, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 321/95.
III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decidiu:
a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no que diz respeito às questões de constitucionalidade suscitadas.
Lisboa, 15 de Março de 2005. - Paulo Mota Pinto (relator) - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto junta) - Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto
Votei vencida o presente acórdão por entender que a interpretação normativa constante da decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação, que se retira dos artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da Constituição. Remeto, no essencial, para as razões invocadas pelo Sr. Conselheiro Mário Torres na sua declaração de voto. - Maria Fernanda Palma.
Declaração de voto
Votei vencido por entender que a interpretação normativa acolhida na decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação, resultante das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Reconheço, em consonância com reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e registos administrativos pode sofrer restrições - para além das expressamente previstas no n.º 2 do citado artigo 268.º da CRP: matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas - impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, de entre os quais os destinados a proteger segredos industriais e comerciais, conforme o previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei 8/95, de 29 de Março ("a Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas"). Já se afigura mais ampla, e não meramente especial em relação à anterior, a norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro, segundo a qual: "As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público."
Mas se não pode dizer-se, a meu ver, que é constitucionalmente ilegítima toda e qualquer restrição ao acesso a documentação detida pela Administração estranha às matérias referidas expressamente no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, também tenho por seguro que, quer quando estejam em causa essas matérias quer outras relativas a direitos ou interesses constitucionalmente tutelados, sempre a restrição ao direito à informação há-de respeitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proporcionalidade e reclamará uma ponderação em concreto dos direitos em conflito a efectuar pelo tribunal.
Foi essa a orientação que o Tribunal Constitucional traçou quando por diversas vezes se pronunciou sobre o direito de acesso a documentos inseridos em processos de autorização da introdução de medicamentos no mercado (cf. os Acórdãos n.os 254/99, 335/99, 384/99, 385/99 e 386/99), orientação que, aliás, já havia sido a adoptada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo então recorridos e que, em cada caso concreto, especificara, de entre as diversas espécies de documentos que integravam aqueles processos de autorização, quais podiam e quais não podiam ser facultados aos requerentes de acesso. Por exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Julho de 1997, confirmado pelo Acórdão 254/99 do Tribunal Constitucional, consignou-se:
"[...] o direito à informação é configurado como um direito fundamental do administrado e, de acordo com a doutrina, de natureza análoga aos 'direitos, liberdades e garantias' enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo regime (artigos 17.º e 18.º da CRP)."
Como tal, está sujeito às limitações e restrições estabelecidas nos termos da lei.
Tal direito, embora seja, prima facie, um direito sem restrições constitucionalmente explícitas - ressalvadas as que constam do n.º 2 do artigo 268.º da CRP [...] -, não é um direito absoluto e, assim, quando se encontra em colisão com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, não está impedida a legitimação da sua restrição, desde logo, no âmbito do próprio sistema constitucional e da harmonização das respectivas normas.
Ora, no artigo 17.º do Decreto-Lei 72/91, subjacente à classificação como confidenciais dos elementos de instrução dos processos de autorização a que se refere aquele diploma, nomeadamente nos seus artigos 5.º e 14.º, desencadeados no INFARMED - tal como nos artigos 62.º do Código do Procedimento Administrativo e 10.º da Lei 65/93 e ainda nos artigos 1.º e 47.º do Código da Propriedade Industrial -, está a ponderação de razões relacionadas com a protecção de direitos (de propriedade intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais) integrados no direito de propriedade privada, também constitucionalmente assumido como direito fundamental (artigo 62.º da CRP).
A prevalência que, porventura, dermos a um destes direitos em confronto (direito à informação e direito de propriedade intelectual e industrial e atinentes segredos) implica a postergação do conteúdo essencial do outro; isto é, a aplicação das normas atinentes ao direito à informação exclui as de protecção ao direito de propriedade e vice-versa.
Estaríamos, assim, na presença de uma colisão de direitos consagrados constitucionalmente cujas características não apontam para a existência de uma relação de hierarquia (uma vez que pertencem à mesma categoria de direitos fundamentais) nem de generalidade e especialidade.
Só através de uma casuística ponderação com vista a uma possível harmonização dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do critério metódico do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes, poderá ser solucionada a questão, dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham segredos comerciais ou industriais e se mostrem incorporados no processo em causa.
Tal ponderação não pode deixar também de levar em conta que, no processo de intimação, tratando-se de um processo expedito, o titular dos direitos de propriedade a proteger e dos eventuais segredos comerciais e industriais constantes do processo não foi chamado a intervir para defender direitos seus que pode ver postergados.
A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto, e não, em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de introdução do medicamento no mercado.
Assim sendo, entendemos que a situação de equilíbrio entre os dois direitos colidentes passa pela passagem das certidões atrás referidas relativas à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (parte II, A, do anexo I da Portaria 161/96), à documentação toxicológica e farmacológica (parte III, A a Q, do anexo I da Portaria 161/96) e aos ensaios clínicos (parte IV, B-1 do anexo da Portaria 161/91) e pela consulta dos documentos relativos às matérias assim delimitadas e ainda às certidões das decisões proferidas no processo administrativo, bem como dos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91.º do Decreto-Lei 72/91 e do pedido a que se referem os artigos 13.º e 14.º do mesmo diploma e a respectiva decisão fundamentada, estando o mais abrangido pela confidencialidade a que é obrigada a autoridade requerida."
Impunha-se, assim, para ser constitucionalmente admissível a restrição ao direito de acesso aos arquivos administrativos, uma "casuística ponderação", "que deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto, e não, em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de introdução do medicamento no mercado".
Este entendimento foi sufragado pelo citado Acórdão 254/99, tirado em plenário do Tribunal Constitucional, cuja doutrina foi seguida nos demais acórdãos atrás referidos.
No Acórdão 254/99, o Tribunal Constitucional, após haver reafirmado o pressuposto de que "os direitos de acesso à informação administrativa consagrados no artigo 268.º são direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no título II da Constituição (artigo 17.º da Constituição), para os efeitos da aplicação do regime do artigo 18.º", pressuposto que o Tribunal já afirmara nos Acórdãos n.os 177/92 e 234/92, reconheceu que "a exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessidade e proporcionalidade da recusa de acesso à informação". É que "em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas"; ora, "na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para este mesmo efeito"; logo, "têm todo o cabimento as cautelas constitucionais".
E, no seguimento do n.º 11 transcrito do precedente acórdão, o Acórdão 254/99 prossegue:
"12 - Ora, há que reconhecer que na hipótese dos autos há um conflito entre o direito à informação instrumental do direito de tutela jurisdicional, invocado pela recorrente, por um lado, e os direitos ao segredo comercial ou industrial, de autor ou de propriedade industrial e o interesse no respeito das regras de leal concorrência, por outro lado, que o director do INFARMED considera eventualmente na titularidade da pessoa detentora da autorização de introdução no mercado de certo medicamento. A decisão do Supremo Tribunal Administrativo aqui recorrida considerou que os direitos por último referidos se reconduzem ao direito de propriedade (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição). Poderá invocar-se ainda em concurso, pelo menos quanto aos direitos de autor e de propriedade industrial, o direito à invenção científica, integrado na liberdade de criação cultural do título II da Constituição (artigo 42.º), o interesse de livre iniciativa económica privada [artigos 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)], o interesse no funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre empresas [artigo 81.º, alínea e)] e o interesse numa política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país [artigo 81.º, alínea j)]. Quanto à relevância dos interesses económicos por último referidos, é bem claro que o desrespeito sistemático dos direitos de sigilo comercial e industrial dos produtores de produtos farmacêuticos poderia conduzir não só a uma grave perturbação das regras da concorrência neste sector de economia privada como também a uma redução drástica do acesso dos consumidores às inovações do mercado internacional de produtos farmacêuticos, com prejuízo da qualidade dos bens e serviços consumidos (artigo 60.º, n.º 1), se não do direito à protecção da saúde (artigo 64.º, n.º 1). Do outro lado da situação de conflito, o lado da recorrente, há que ponderar em concurso os direitos de autor ou de propriedade industrial a fazer eventualmente valer em juízo, que chamam também à colação as mesmas regras de leal concorrência em economia de mercado, mas também os interesses dos consumidores e da saúde na fiscalização da qualidade dos produtos farmacêuticos, dos seus perigos tóxicos e da sua aptidão clínica.
Só tendo em consideração todos os referidos critérios de ponderação com relevância constitucional se pode compreender e justificar a determinação feita no acórdão recorrido dos casos em que se reconhece o direito à informação e dos casos em que ele é restringido nos processos administrativos de autorização no mercado, de renovação da autorização e de alteração de medicamento. Por um lado, reconheceu-se prevalência ao direito de informação quanto:
1) Aos elementos essenciais para a instrução de processos de defesa de direitos de autor e industriais, nomeadamente quanto às certidões das decisões proferidas no processo administrativo de autorização de introdução no mercado de um medicamento, bem como nos processos do pedido a que se referem os artigos 13.º (renovação de autorização) e 14.º (alteração de medicamentos autorizados) do Decreto-Lei 72/91, bem como às certidões dos respectivos pedidos, e ainda quanto aos elementos destes processos relativos à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (parte II, A, do anexo I da Portaria 161/96, de 16 de Maio);
2) Aos elementos relacionados com o interesse colectivo na fiscalização da qualidade, da aptidão clínica e do perigo tóxico do medicamento, nomeadamente quanto à documentação toxicológica e farmacológica (parte III, A a Q, do anexo I), aos ensaios clínicos (parte IV, B-1, do anexo I da Portaria 161/96) e aos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91.º do Decreto-Lei 72/91.
Por outro lado, são na parte restante justificadas as restrições que à consulta de elementos dos processos de autorização no mercado, de renovação, de autorização e de alteração de medicamento e à obtenção de certidões dos documentos correspondentes resultam da confidencialidade decretada pelo artigo 17.º do Decreto-Lei 72/91. Os artigos 62.º do Código do Procedimento Administrativo e 82.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos devem interpretar-se de acordo com a restrição constitucionalmente exigida do âmbito da confidencialidade decretada para o artigo 17.º do Decreto-Lei 72/91. Fica, assim, abrangida pela proibição de consulta e passagem de certidão contida nestes artigos toda a restante documentação entregue para instrução dos processos em questão, referida no anexo I da Portaria 161/96, nomeadamente a relativa ao modo de preparação, ao controlo das matérias-primas, ao controlo efectuado nas fases intermédias de fabrico, ao controlo do produto acabado, aos ensaios de estabilidade, de biodisponibilidade/bioequivalência e a de farmacologia clínica. Remete-se para o anexo da Portaria 321/92, de 8 de Abril, com as 'normas a que devem obedecer os ensaios analíticos, tóxico-farmacológicos e clínicos dos medicamentos de uso humano', para melhor compreensão e justificação das opções feitas.
Não se diga que o segredo comercial ou industrial, bem como o segredo relativo à propriedade científica, se protege através do sistema da publicidade e do controlo da utilização por terceiros que caracteriza o regime das patentes e dos direitos de autor. O que se protege através das patentes e dos direitos de autor não é o segredo mas a exclusividade de fruição das vantagens dos produtos de propriedade industrial e intelectual, nomeadamente científica. O proprietário tem o direito de optar pela protecção do segredo ou pela protecção da patente ou do direito de autor.
Poderá, assim, entender-se que o acórdão recorrido bem decidiu quando se pronunciou no sentido de que o artigo 17.º do Decreto-Lei 72/91 não respeita o direito de informação consagrado no artigo 268.º, n.os 1, 4 e 5, da Constituição, na medida em que classifica como confidenciais os seguintes elementos apresentados à Direcção-Geral de Assuntos Farmacêuticos (DGAF) para a instrução dos processos a que se refere o Decreto-Lei 72/91, de 8 de Fevereiro: documentação relativa à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (parte II, A, do anexo I da Portaria 161/96, de 16 de Maio), documentação toxicológica e farmacológica (parte III, A a Q, do anexo I da Portaria 161/96) e ensaios clínicos (parte IV, B-1, do anexo I da Portaria 161/96), documentação correspondente às mesmas matérias dos processos de renovação de autorização (artigo 13.º do Decreto-Lei 72/91) e de alterações dos medicamentos autorizados (artigo 14.º do Decreto-Lei 72/91). Nesta parte já teve a recorrente satisfação da sua pretensão, pelo que deixou de ser objecto do processo. Quanto à parte restante dos elementos pretendidos, em que a recorrente não obteve provimento do tribunal a quo, há que confirmar o juízo de constitucionalidade do acórdão recorrido quanto à confidencialidade decretada pelo artigo 17.º do Decreto-Lei 72/91 no que respeita aos elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o mesmo decreto-lei além dos anteriormente enunciados, e que resulta também quanto aos mesmos elementos do artigo 62.º do Código do Procedimento Administrativo, do artigo 82.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 10.º da Lei 65/93, embora este último não seja objecto do processo."
Foi extensa a transcrição, mas ela evidencia bem a minúcia da "ponderação casuística" constitucionalmente exigida e então efectuada pelo tribunal recorrido e pelo Tribunal Constitucional, em contraste com a ausência de ponderação autónoma que as decisões das instância no presente caso revelam.
O acórdão recorrido, embora tenha chegado a reconhecer que, perante a inexistência de hierarquia entre os direitos em confronto, havia que proceder a uma ponderação, logo abandonou essa via que era a única constitucionalmente admissível - com a seguinte argumentação:
"Só quando não existe lei é legítima a ponderação dos valores em conflito pelo intérprete. No caso dos autos, o Estado Português acordou (cláusula 17.ª do contrato de investimento estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 34-B/2001) em que 'toda a informação relativa ao projecto, à sociedade, aos sócios e à Wolverine, Inc., a que o Estado Português tenha acesso no âmbito do presente contrato está abrangida pelo dever de sigilo nos termos da legislação aplicável'. A legislação aplicável é o artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto. Portanto, da lei e do contrato aplicáveis ao caso resulta a vinculação do Estado Português ao dever de sigilo. A sujeição da Administração ao princípio da legalidade impõe-lhe de forma vinculada, neste caso, a recusa de fornecer a documentação pedida."
Este entendimento é constitucionalmente inadmissível. O tribunal não pode demitir-se de efectuar a "ponderação casuística" exigida pelo princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário - e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares - já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E saliente-se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos, e não o contrário (a inexistência de prejuízo relevante por causa da facultação desse acesso).
Recorde-se que a recorrente requereu, além do acesso ao contrato de investimento e seus anexos, igualmente o acesso aos "estudos técnicos" relativos ao projecto de estabelecimento industrial em causa (cf. fl. 80), que envolvem projectos de diversa natureza técnica relativos à unidade industrial de fabrico de tubos de cobre, ligas de cobre e outros tubos técnicos, que se pretendia implantar (cf. fls. 96 e 97), designadamente projectos de tratamento de resíduos de vários tipos (cf. fls. 87 e 88).
Não pode ignorar-se a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de defender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta localização das actividades [artigo 66.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), da CRP], com expresso reconhecimento constitucional da legitimidade de intervenção, designadamente pela via da acção popular, das associações de defesa dos interesses em causa (qualidade e vida e preservação do ambiente), sendo avessa a toda a filosofia da defesa dos "interesses difusos" a consideração de que, no caso, bastaria a intervenção da Administração para assegurar a salvaguarda do interesse público.
Por outro lado, é incompatível com a eficiente defesa dos valores ambientais, em que prevalecem os princípios da prevenção e da precaução, a consideração de que "caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais", então, sim, poderá discutir-se a prevalência do direito do ambiente.
Em suma: considero inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade das restrições ao direito à informação (artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da CRP), a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido, que dispensa a ponderação judicial concreta dos interesses em confronto quando o legislador ordinário ou a Administração, através da celebração de um contrato de investimento, tenha optado por atribuir prevalência absoluta ao interesse do particular contraente ao sigilo das informações relacionadas com essa operação de investimento estrangeiro. - Mário José de Araújo Torres.