Acórdão 658/2004/T. Const. - Processo 77/04. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - Carlos António Silva Pereira propôs no Tribunal de Trabalho de Gaia acção de declaração com processo comum contra a POSTLOG - Serviços Postais e Logística, S. A., pedindo que se declarasse a nulidade da estipulação do termo aposto no seu contrato de trabalho e a ilicitude do seu despedimento e, em consequência, fosse a ré condenada a pagar-lhe diversas quantias a título de retribuição, diferenças de retribuição, subsídios de alimentação, de férias e de Natal e, bem ainda, a reintegrá-lo na empresa.
Como causa de pedir, o autor alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré mediante contrato de trabalho a termo certo, celebrado com o fundamento no início da laboração da empresa, contrato este a que a ré pôs termo em 1 de Maio de 2002 através de carta enviada em 8 de Abril de 2002, na qual lhe comunicou a sua intenção de não o renovar, mas que a estipulação é nula pelo facto de a actividade da ré já não estar no seu início na data em que o contrato foi celebrado, o mesmo acontecendo, por maioria de razão, aquando da sua renovação, volvido um ano depois, e, finalmente, que, mesmo admitindo que a estipulação do termo fosse válida, sempre o contrato não admitia uma segunda renovação, pelo que o despedimento era ilícito.
A acção foi julgada totalmente improcedente na 1.ª instância.
2 - Dizendo-se inconformado, o autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, arguindo a nulidade da sentença e pedindo a sua revogação e a procedência da acção, com base nas razões que sintetizou nas seguintes conclusões:
"1.ª A douta sentença recorrida é nula, porque não se pronunciou sobre a questão da nulidade da aposição do termo na altura da renovação do contrato, suscitada no artigo 9.º da petição inicial, e deveria tê-lo feito [artigo 668.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil];
2.ª Não é aceitável nem atendível a invocação do motivo de início de actividade para fundamentar a estipulação do termo do contrato do autor, porque a ré herdou o negócio dos CCT e pretendia apenas expandir a área de negócios do express mail, o que revela que não partiu do nada mas tinha uma base sólida na altura em que iniciou a actividade, com um risco diminuto;
3.ª De toda a forma, mesmo que o fosse, o que é facto é que na altura da renovação do contrato do autor, 16 meses após o início de actividade da ré, não se tratava do início de actividade nem existiam razões que pudessem justificar esse motivo de contratação [alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT];
4.ª Nem, de resto, a ré as alegou e ou provou nem as consignou no contrato, como lhe competia (artigo 393.º do Código Civil);
5.ª Portanto, a estipulação do termo no contrato do autor é nula, originariamente ou supervenientemente, na altura da prorrogação, constituindo a carta de caducidade do contrato um despedimento ilícito, como se peticiona;
6.ª A alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e o n.º 3 do artigo 44.º da LCCT seriam inconstitucionais na interpretação perfilhada pela douta sentença recorrida de admitir a contratação a termo vários meses depois do início da actividade de uma empresa constituída por outrem para prosseguir e desenvolver um seu negócio preexistente, com a duração de dois anos de precariedade do emprego, em violação do artigo 53.º da Constituição da República;
7.ª Os prémios pagos pela ré ao autor constituem retribuição, como aliás se presume (artigo 82.º, n.º 3, da Lei do Contrato de Trabalho), não tendo a ré alegado e ou provado o contrário;
8.ª Sendo assim, a ré deverá ser condenada pagar a média nas férias e nos subsídios de férias e de Natal, como se pediu na petição inicial."
3 - Aberta vista nos autos ao Ministério Público, este, sob a invocação de que o artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho permitia a sua intervenção acessória, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, sustentando que existia a nulidade de sentença invocada pelo recorrente e que "uma vez encerrado o primeiro ano de actividade, competia à ré justificar que a situação que justificara a contratação se mantinha" e que "não tendo logrado fazer tal prova terá de se entender não verificado o motivo justificativo do contrato a termo".
4 - A este parecer respondeu a ré, refutando a alegação do Ministério Público de que lhe cabia provar que a situação que justificara a contratação do autor se mantinha no momento da sua renovação, dizendo que uma tal posição correspondia a inverter o ónus de prova contra o decidido a este respeito pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1991 (Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 371, p. 1240), para o qual "compete ao trabalhador provar que a entidade patronal teve a intenção de defraudar a lei, no momento da celebração do contrato", não tendo o autor logrado fazer essa prova nem relativamente ao momento da celebração nem ao momento da renovação do contrato, sendo que "a validade do motivo justificativo não se afere no momento da renovação do contrato, mas no da sua celebração".
5 - Por seu lado, o autor respondeu à alegação da ré dizendo que "quanto à questão da validade da estipulação do termo" este "provou que pelo menos no momento da renovação do seu contrato de trabalho o motivo justificativo da sua celebração (rectius, prorrogação) não existia", que a "prorrogação dos contratos está sujeita às mesmas formalidades da contratação inicial, e, portanto, que é indispensável a subsistência do motivo que justificou a admissão do trabalhador", e, finalmente, que "o fundamento legal radica nos artigos 41.º, n.os 1, alínea e), e 2, 3 e 4, da LCCT, na redacção da Lei 18/2001, de 3 de Julho, no artigo 3.º desta lei e no artigo 44.º, n.os 3 e 4, da LCCT, conjugados com o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa".
6 - O acórdão recorrido julgou parcialmente procedente o recurso, condenando a ré no pagamento de várias importâncias a cuja liquidação procedeu relativas a diferenças no subsídio de Natal dos anos 2000 e 2001 e nos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal referentes ao trabalho prestado no ano 2002 e da importância a liquidar em execução de sentença relativa à retribuição e ao subsídio de férias vencidas em 2001 e 2002, e juros de mora sobre essas importâncias, a contar a partir da data do respectivo vencimento, e negou provimento ao recurso da sentença na parte relativa aos demais pedidos.
Na parte útil à compreensão das questões que são colocadas ao Tribunal Constitucional, assim discreteou o acórdão recorrido:
"3 - O recurso. - As questões suscitadas no recurso são as seguintes:
Nulidade da sentença;
Invalidade do termo aposto no contrato de trabalho;
Inconstitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e do n.º 3 do artigo 44.º da LCCT na interpretação perfilhada na sentença recorrida;
Inclusão da média dos prémios auferidos pelo recorrente na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal.
3.1 - Da nulidade da sentença. - Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
O recorrente arguiu a nulidade da sentença, alegando que o Mmo. Juiz não conheceu da 'questão da nulidade da aposição do termo na altura da renovação do contrato, suscitada no artigo 9.º da petição inicial'. Fê-lo no requerimento de interposição de recurso, cumprindo, assim, o disposto no n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo Tributário, nada obstando, por isso, a que se conheça da alegada nulidade.
Como já foi referido no n.º 1, o recorrente alegou que a estipulação do termo aposto no contrato de trabalho era nula por duas razões. Em primeiro lugar, porque a ré já tinha iniciado a sua actividade quando o contrato foi celebrado. Em segundo lugar, e por maioria de razão, porque o motivo justificativo já não se verificava aquando da data em que o contrato foi renovado.
Na sentença recorrida, o Mmo. Juiz pronunciou-se pela validade do termo, com o fundamento de que a ré ainda estava no período inicial da sua actividade quando o contrato foi celebrado, quatro meses depois de ter iniciado a sua actividade. Todavia, relativamente à verificação do motivo à data da renovação do contrato, o Mmo. Juiz nada disse.
Mas será que tal omissão torna a sentença nula?
Salvo o devido respeito, entendemos que não, dado que a questão suscitada pelo autor foi a invalidade do termo, e essa questão foi apreciada pelo Mmo. Juiz. O alegado no artigo 9.º da petição inicial não constitui uma verdadeira questão. Trata-se de um mero argumento, um dos dois que foram invocados pelo autor, para sustentar a tese da invalidade do termo. Ora, como é sabido, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o juiz deixa de conhecer de alguma das questões suscitadas pelas partes, e não quando deixa de conhecer de algum dos argumentos por elas invocados. Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
3.2 - Da invalidade do termo. - A lei permite a celebração de contratos de trabalho a termo nos casos de lançamento de uma nova actividade de duração incerta e nos casos de início de laboração de uma empresa ou estabelecimento [artigo 41.º, n.º 1, alínea e), da LCCT]. Tais contratos não podem ter duração inferior a seis meses (artigo 45.º, n.º 1, a contrario, da LCCT) nem superior a dois anos, haja ou não renovação (artigo 44.º, n.º 3, da LCCT), e considera-se como um único contrato aquele que seja objecto de renovação (artigo 44.º, n.º 4, da LCCT).
Conforme está provado, as partes celebraram entre si um contrato individual de trabalho a termo certo, pelo período de 12 meses, com início em 2 de Maio de 2000 e termo em 1 de Maio de 2001. O contrato foi reduzido a escrito e dele consta que foi celebrado ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT e que o motivo justificativo do mesmo era o início da actividade da ré, que havia sido constituída por escritura outorgada em 29 de Julho de 1999.
Também está provado que a ré iniciou a sua actividade em Janeiro de 2000 e que o autor trabalhou para ela até 1 de Maio de 2002, data em que a ré fez cessar o contrato, o que significa que o contrato foi objecto de renovação. Nada tendo sido alegado nem provado a tal respeito, temos de considerar que se tratou de uma renovação automática operada nos termos do n.º 2 do artigo 46.º da LCCT, por período igual ao inicialmente acordado (12 meses).
Aparentemente, a legalidade do contrato não oferece dúvidas, quer formal quer substancialmente, uma vez que a ré tinha iniciado realmente a sua actividade em Janeiro de 2000 e o contrato não tinha durado mais de dois anos e tinha sido objecto de uma única renovação.
Todavia, esse não é o entendimento do recorrente. Este considera que 'não é aceitável nem atendível a invocação do motivo de início de actividade para fundamentar a estipulação do termo do contrato do autor, porque a ré herdou o negócio dos CTT e pretendia apenas expandir a área de negócios express mail, o que revela que não partiu do nada mas tinha uma base sólida na altura em que iniciou a actividade, com um risco diminuto'. E considera, ainda, que a invocação do motivo de início de actividade, podendo ser válida relativamente ao prazo inicial do mesmo, já não o seria no momento da renovação do contrato, 16 meses após o início da actividade da ré.
Será procedente aquela argumentação?
Salvo o devido respeito, entendemos que não. O facto de a ré ser detida a 100% pelos CTT e o facto de ter passado a exercer uma actividade (SEM - Express Mail) que anteriormente era exercida pelos CTT, herdando, digamos assim, a clientela, os meios e os locais de trabalho e, ainda, parte dos recursos humanos que nos CTT estavam afectos àquela actividade não são relevantes. A ré não deixa de ser uma nova empresa por isso. E, sendo uma empresa nova, era-lhe lícito recorrer à contratação a termo, uma vez que a lei não faz depender de outros requisitos o recurso a tal forma de contratação.
De qualquer modo, sempre se dirá que a relação parental da ré com os CTT não afecta a sua individualidade jurídica e comercial e não a torna imune aos riscos do comércio. Aparentemente, poderíamos dizer que as suas expectativas comerciais eram boas, à partida, mas em bom rigor nem isso podemos afirmar, por desconhecermos o grau de rentabilidade daquele sector de actividade na estrutura empresarial dos CTT. Todavia, ainda que se tratasse de um sector de rentabilidade garantida, o sucesso da empresa não estava garantido, por lhe faltarem os apoios e as sinergias decorrentes das restantes actividades dos CTT, nem ela podia ter ab initio uma ideia exacta acerca das suas necessidades em termos de recursos humanos, o que sempre tornaria insubsistente o primeiro argumento do recorrente.
Relativamente ao segundo argumento (a não verificação do motivo justificativo do termo à data da renovação do contrato), diremos apenas que a tese do recorrente não tem o mínimo apoio na lei. Como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 41.º da LCCT, a validade do termo afere-se à data da celebração do contrato, e não à data das suas renovações: 'A celebração de contratos fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo' (itálico nosso). E compreende-se que assim seja, uma vez que se considera como um único contrato aquele que seja objecto de renovação (artigo 44.º, n.º 4, da LCCT).
3.3 - Da inconstitucionalidade. - O recorrente alega que 'interpretar a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e o n.º 3 do artigo 44.º da LCCT como permitindo a celebração de contratos a termo com a duração de dois anos em qualquer altura, nomeadamente no 1.º ano do início da actividade de uma nova pessoa jurídica, máxime, como no caso, para a prossecução de uma actividade ou serviço preexistente da pessoa que a constitui, ou no âmbito de uma transmissão de estabelecimento ou de serviços para outrem, é permitir-se uma ampliação exagerada da possibilidade de celebração a termo em violação do princípio da estabilidade do emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição da República'.
Nos termos do artigo 53.º da Constituição da República, 'é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos'. Trata-se de um direito fundamental dos trabalhadores cuja primeira e mais importante dimensão é a proibição dos despedimentos sem justa causa, o que significa que o trabalhador, uma vez obtido o emprego, não pode ser privado dele sem justa causa. Mas, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à segurança no emprego não consiste apenas no direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. O seu âmbito de protecção abrange todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho. Com efeito, sendo o trabalho a termo precário por natureza, aquele direito deixaria de ter significado prático se a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos curtos, pois nessa situação o empregador não precisaria de despedir. Bastava-lhe não renovar o contrato no termo do prazo. Por isso, o direito à segurança no emprego pressupõe, em princípio, que a relação de trabalho seja temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., anotação ao artigo 53.º).
Do direito à segurança no emprego não resulta, pois, uma proibição absoluta da celebração de contratos de trabalho a termo. Apenas decorre que a celebração de tais contratos tem de revestir natureza excepcional e assentar em motivos de natureza objectiva que a justifiquem.
O recorrente não defende o contrário. Limita-se a contestar que tal motivação tenha existido no caso concreto em apreço, mas, salvo o devido respeito, não tem razão, pois, conforme já foi referido no n.º 3.2, o sucesso da ré não estava garantido pelo facto de não ter começado do zero. Não vemos, por isso, que a interpretação dada aos normativos indicados pelo recorrente possa ofender o direito à segurança no emprego."
7 - Dizendo-se inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o autor recorreu para o Tribunal Constitucional através de requerimento do seguinte teor:
"Não se conformando com o douto acórdão proferido, dele interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações subsequentes, e nos termos do artigo 75.º-A.
O recurso visa a apreciação das normas dos n.os 1 do artigo 41.º, 3 do artigo 44.º e 2 do artigo 41.º da LCCT, que, na interpretação dada pelas instâncias e na opinião do recorrente, violam a norma, o princípio e a garantia constitucional do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.
Como se aduziu na alegação e na conclusão 6.ª do recurso de apelação, aquelas normas 'seriam inconstitucionais na interpretação perfilhada pela douta sentença recorrida de admitir a contratação a termo vários meses depois do início da actividade de uma empresa constituída por outrem para prosseguir e desenvolver um seu negócio preexistente, com a duração de dois anos de precariedade do emprego, em violação do artigo 53.º da Constituição da República'.
O douto acórdão recorrido apreciou a questão e considerou que a tese do recorrente não tem o mínimo apoio na lei, pois que resulta do disposto no artigo 41.º, n.º 2, da LCCT, que introduziu na discussão jurídica que a validade do termo se afere pelo momento da celebração do contrato, e não pelas renovações, e que a garantia constitucional do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa não saía por isso ofendida.
Trata-se, portanto, de submeter à apreciação do Tribunal Constitucional o entendimento normativo dado pelas instâncias à alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e aos n.os 3 do artigo 44.º e 2 do artigo 41.º da LCCT, segundo o qual o motivo da contratação a termo tem de verificar-se apenas no início (celebração) do contrato, e não na altura das suas renovações, o que permitiria a prorrogação de um contrato a termo mesmo que na altura das renovações o motivo da contratação não se verificasse, na realidade (como é o caso de uma empresa que invoca o início de laboração para contratar pelo prazo de 12 meses um trabalhador e depois prorroga o contrato, ao fim desses 12 meses, com o mesmo motivo, nessa altura inexistentes), e portanto permitia a contratação a termo vários meses depois do início da actividade de uma empresa constituída para prosseguir e desenvolver um seu negócio preexistente, com a duração de dois anos de precariedade do emprego, o que, no entendimento do recorrente, constitui uma violação do artigo 53.º da Constituição da República."
8 - Nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional sobre o recurso de constitucionalidade, o autor apresentou as seguintes conclusões:
"1.ª O recurso visa a apreciação das normas dos n.os 1 do artigo 41.º, 3 do artigo 44.º e 2 do artigo 41.º da LCCT, que, na interpretação dada pelas instâncias e na opinião do recorrente, violam a norma, o princípio e a garantia constitucional do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa;
2.ª Como se aduziu na alegação e na conclusão 6.ª do recurso de apelação, aquelas normas 'seriam inconstitucionais na interpretação perfilhada pela douta sentença recorrida de admitir a contratação a termo vários meses depois do início da actividade de uma empresa constituída por outrem para prosseguir e desenvolver um seu negócio preexistente, com a duração de dois anos de precariedade do emprego, em violação do artigo 53.º da Constituição da República';
3.ª A garantia constitucional do emprego não se compadece com meros aproveitamentos literais de normas, tem de atentar-se no real motivo da possibilidade da contratação a termo;
4.ª Não pode considerar-se como de sucesso incerto, que envolva a precariedade do emprego, uma actividade rentável autonomizada numa sociedade para exploração de um negócio rentável;
5.ª O entendimento normativo dado pelas instâncias à alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e aos n.os 3 do artigo 44.º e 2 do artigo 41.º da LCCT, segundo o qual o motivo da contratação a termo tem de verificar-se apenas no início (celebração) do contrato, e não na altura das suas renovações, permitiria a prorrogação de um contrato a termo mesmo que na altura das renovações o motivo da contratação não se verificasse, na realidade (como é o caso de uma empresa que invoca o início de laboração para contratar pelo prazo de 12 meses um trabalhador e depois prorroga o contrato, ao fim desses 12 meses, com o mesmo motivo, nessa altura inexistentes), e portanto permitia a contratação a termo vários meses depois do início da actividade de uma empresa constituída para prosseguir e desenvolver um seu negócio preexistente, com a duração de dois anos de precariedade do emprego, o que constitui uma violação do artigo 53.º da Constituição da República;
6.ª As razões substanciais que impõem que na celebração dos contratos exista o motivo justificativo legal explicam que deva exigir-se na altura da celebração e na altura da renovação do contrato;
7.ª A tese defendida pelo recorrente tem hoje forma de lei no artigo 140.º, n.º 3, do Código do Trabalho, que veio determinar que 'a renovação do contrato está sujeita à verificação das exigências materiais da sua celebração', e não só às formas, devendo entender-se esta norma como mera interpretação do regime da LCCT, e não como uma viragem ou mudança legislativa, que não existiu, nesta matéria."
9 - Por seu lado, a recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
"1 - O presente recurso visa a apreciação das normas contidas na alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e no n.º 3 do artigo 44.º da LCCT, que na interpretação dada pelas instâncias, na opinião do recorrente, violam o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa - cf. a conclusão 6.ª do recurso de apelação.
2 - Mas, na verdade, o recorrente não se conforma é com a realidade dos factos, ou seja, com a constatação de que as exigências materiais da celebração do contrato a termo se verificaram, e pretende, a todo o custo, distorcer essa realidade para que aquele seja considerado nulo e, para tanto, pretende alargar o objecto do presente recurso ao entendimento dado pelas instâncias ao n.º 2 do artigo 41.º da LCCT, questão que não suscitou na conclusão 6.ª do recurso de apelação, pelo que a mesma deve ser excluída do âmbito de apreciação do presente recurso.
3 - Ora, o douto acórdão recorrido, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não fez apenas uma análise formal do motivo justificativo da celebração do contrato a termo certo, antes pelo contrário, foi pela análise material do caso em apreço que decidiu, e bem, que a interpretação dada aos normativos indicados pelo recorrente não ofendia o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.
4 - Conforme enunciado no douto acórdão, o direito consagrado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa trata-se de um direito fundamental dos trabalhadores, cuja primeira e mais importante dimensão é a proibição dos despedimentos sem justa causa, mas acrescenta que, 'como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à segurança no emprego não consiste apenas no direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. O seu âmbito de protecção abrange todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho. Com efeito, sendo o trabalho a termo precário por natureza, aquele direito deixaria de ter significado prático se a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos curtos, pois nessa situação o empregador não precisaria de despedir. Bastava-lhe não renovar o contrato no termo do prazo. Por isso, o direito à segurança no emprego pressupõe, em princípio, que a relação de trabalho seja temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., anotação ao artigo 53.º)'.
5 - Concluindo aquele acórdão que 'do direito à segurança no emprego não resulta, pois, uma proibição absoluta da celebração de contratos de trabalho a termo. Apenas decorre que a celebração de tais contratos tem de revestir uma natureza excepcional e assentar em motivos de natureza objectiva que a justifiquem'.
6 - Ora, esses motivos de natureza objectiva ficaram provados, porquanto se provou que: a recorrida foi constituída por escritura pública de 29 de Julho de 1999 e que iniciou a sua actividade em Janeiro de 2000; que o recorrido foi admitido pela recorrente, mediante contrato de trabalho a termo certo, em 2 de Maio de 2000, ou seja, cerca de quatro meses após o início de actividade; que o referido contrato se fundamentava no início de laboração da recorrida, e que esta, quando iniciou a actividade, iniciou a reorganização dos seus meios, designadamente adquirindo novos meios, como viaturas.
7 - A recorrida é uma nova entidade jurídica, cuja constituição não foi meramente formal, e que como qualquer empresa foi confrontada com as incertezas do mercado, com a aceitação dos seus serviços e com a implementação e o nível de expansão da sua estrutura, não estando, portanto, apta a saber o número de trabalhadores de que necessitaria para desenvolver de uma forma economicamente viável e séria a sua actividade.
8 - O facto de a recorrida ser detida a 100% pelos CTT e o facto de ter passado a exercer uma actividade (SEM - Express Mail), que anteriormente era exercida por aqueles, herdando parte da clientela, dos meios e até parte dos recursos humanos dos CTT, a verdade é que a recorrida não deixa de ser, por isso, uma empresa nova.
9 - A relação parental da recorrida com os CTT não afecta a sua individualidade jurídica e comercial e não a torna imune aos riscos do comércio.
10 - Ainda que se tratasse de um sector de rentabilidade garantida, o sucesso da empresa não estava garantido, por lhe faltarem os apoios e as sinergias decorrentes das restantes actividades dos CTT.
11 - A recorrida não podia ter ab initio uma ideia exacta acerca das suas necessidades em termos de recursos humanos.
12 - Sendo uma empresa nova, era-lhe lícito recorrer à contratação a termo, uma vez que a lei não faz depender de outros requisitos o recurso a tal forma de contratação.
13 - Acresce que o sucesso da recorrida não estava garantido pelo facto de esta não ter começado do zero; aliás, nunca a recorrida podia ter ab initio uma ideia exacta acerca das suas necessidades em termos de recursos humanos, quanto mais não seja por lhe faltarem os apoios e as sinergias decorrentes das restantes actividades dos CTT.
14 - Pelo que, decidiram as instâncias, e bem, que a estipulação do termo do contrato era válida, porque o motivo para a sua celebração era real e efectivo.
15 - A validade do termo do contrato afere-se à data da sua celebração, e sendo a estipulação do prazo válida também o é a sua renovação, aliás tal conclusão decorre directamente da lei, a qual estipula que se considera como um único contrato aquele que seja objecto de renovação - artigo 44.º, n.º 4, da LCCT - especificando o n.º 3 deste normativo que, no caso de a estipulação do termo ter como motivo justificativo o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento, a duração do contrato, haja ou não renovação, não pode exceder dois anos, o que constitui uma restrição face ao restante teor do artigo 44.º da LCCT.
16 - Esta restrição, por si só, confere uma natureza excepcional aos contratos de trabalho celebrados a termo certo (já por si excepcionais) quando o motivo justificativo é o constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, e esta restrição visa precisamente garantir o cumprimento do disposto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa. Sendo certo que, como já foi dito, 'do direito à segurança no emprego não resulta, pois, uma proibição absoluta da celebração de contratos de trabalho a termo. Apenas decorre que a celebração de tais contratos tem de revestir natureza excepcional e assentar em motivos de natureza objectiva que a justifiquem', e no caso dos autos ambas as condições se verificaram.
17 - O recorrente não colocou à apreciação do Tribunal recorrido o argumento da inconstitucionalidade, ou não, da interpretação dada à questão da verificação do motivo justificativo do termo à data da renovação do contrato, não pode, agora, vir alegá-la, porquanto aquele Tribunal não se pronunciou acerca da mesma.
18 - Pelo que deve ser excluída do âmbito do presente recurso, tanto mais que nunca foi posta em causa a norma constante do artigo 3.º da Lei 38/96, de 31 de Agosto, e, muito menos, quanto à posição consagrada no n.º 3 do artigo 140.º do Código do Trabalho, que à data da celebração do contrato não existia.
19 - O entendimento normativo dado pelas instâncias à alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e ao n.º 3 do artigo 44.º da LCCT é correcto, legal e constitucional."
10 - Porque a recorrida, nas suas contra-alegações, suscitou a questão do não conhecimento do recurso de inconstitucionalidade relativamente à norma constante do n.º 2 do artigo 41.º da Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), foi o recorrente ouvido sobre ela.
Em resposta, o autor veio dizer que "a recorrida não tem razão: a questão de inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 41.º da LCCT foi introduzida pelo recorrente na discussão, na sequência da sua resposta ao parecer do Ministério Público, na Relação, e dela conheceu o acórdão recorrido, dando-lhe especial destaque e importância no n.º 3.3 sob a rubrica 'Da inconstitucionalidade'".
B - Fundamentação. - 11 - Antes de mais, cumpre conhecer da questão prévia suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações apresentadas no Tribunal Constitucional respeitante ao não conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte relativa à norma do artigo 41.º, n.º 2, da LCCT quando entendida no sentido de que o motivo de contratação a termo [no caso, o indicado na alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º da mesma LCCT] tem de verificar-se apenas no início (celebração) do contrato, e não na altura das suas renovações. Desde já importa notar que o acórdão recorrido afirmou, na verdade, essa interpretação normativa, mas porque o tipo de renovação que deu por assente em sede probatória, "por nada ter sido alegado e provado a tal respeito" (a outro respeito) foi o da renovação automática do contrato, seria apenas com referência a esse tipo de renovações que haveria de apurar-se da constitucionalidade do entendimento seguido pelo tribunal a quo, se houvesse de conhecer-se da questão.
Mas o que é certo é que o Tribunal Constitucional não pode conhecer de tal questão de inconstitucionalidade por falta do respectivo requisito específico do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, de falta de atempada e adequada suscitação durante o processo [artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão]. E esta solução impõe-se do mesmo modo mesmo quando se considere, como faz o recorrente no seu requerimento de interposição de recurso, que aquele sentido normativo dimana de uma interpretação conjugada dos artigos 41.º, n.º 2, 41.º, n.º 1, alínea e), e 44.º, n.º 3, da LCCT, pois em qualquer caso sempre estamos perante a alegação de uma nova norma obtida por interpretação de determinados dispositivos legais.
Foi a ré quem, na resposta ao referido parecer do Ministério Público, além de referir que, na esteira de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 2 de Outubro de 1991, in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 371, p. 1240), competiria ao autor provar que a entidade patronal teve a intenção de defraudar a lei no momento da celebração do contrato, e que este não havia feito essa prova relativamente quer a esse momento quer ao momento da renovação, veio sustentar, pela primeira vez no processo, que a "validade do motivo justificativo não se afere no momento da renovação do contrato, mas no da sua celebração".
A esta alegação da ré, o autor respondeu nos termos que acima se deixaram transcritos.
Ora, desses termos verbais não resulta minimamente que o autor coloque ao tribunal recorrido qualquer questão da validade constitucional de tal dimensão normativa. O autor limita-se a defender o entendimento de que "a prorrogação dos contratos a termo está sujeita às mesmas formalidades da contratação inicial e, portanto, é indispensável a subsistência do motivo que justificou a admissão do trabalhador" e que "o fundamento legal [desse entendimento] radica no artigo 41.º, n.os 1, alínea e), 2, 3 e 4, da LCCT, na redacção da Lei 18/2001, de 3 de Julho, no artigo 3.º, desta lei e no artigo 44.º, n.os 3 e 4, da LCCT, conjugados com o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa". O recorrente não problematiza qualquer questão de inconstitucionalidade, por violação do artigo 53.º da Constituição, da dimensão normativa inferida pela ora recorrida do n.º 2 do artigo 41.º da LCCT, e que o acórdão recorrido veio a acolher e a aplicar, antes se limita a defender que o sentido normativo daquele preceito deve ser outro (ou seja, o que defende) por mor de uma interpretação conjugada dos diversos preceitos infraconstitucionais que refere e do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa. O preceito constitucional é convocado como simples elemento normativo a ter em conta no processo de determinação da lei infraconstitucional, e não como parâmetro que a acepção normativa defendida pela recorrida violaria se fosse acolhida pelo tribunal. E é claro que a resposta à alegação da ora recorrida era o momento processualmente adequado para o recorrente problematizar a questão da validade constitucional da referida interpretação por violação do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, deve referir-se que, ao contrário do que o recorrente aduz na resposta à questão prévia, não é verdade que o acórdão recorrido tenha apreciado a constitucionalidade desse sentido normativo. Sobre ele nem uma só palavra disse: o acórdão discreteou, sim, mas foi sobre a conformidade constitucional da celebração dos contratos a termo, pelo prazo de dois anos, no caso de início de actividade de uma nova empresa, em que enquadrou fáctica e juridicamente a situação da ora recorrida.
Sendo assim, procede a questão prévia suscitada pela recorrida.
12 - Pretende ainda o recorrente que se aprecie a inconstitucionalidade, por violação do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, da alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º e do n.º 3 do artigo 44.º da LCCT, quando entendidos no "sentido de admitir a contratação a termo, pelo prazo de dois anos, vários meses depois do início de actividade de uma empresa constituída por outrem para prosseguir e desenvolver um seu negócio preexistente", questão essa que suscitou na conclusão 6.ª das suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação (recurso de apelação).
Acontece, porém, que a dimensão normativa efectivamente aplicada respeita, segundo a fundamentação da decisão recorrida, à situação em que o início da actividade ocorre cinco meses antes da data de celebração do contrato a termo (e não a vários meses, sem se concretizar quantos, depois do início da actividade, como afirma o recorrente) e em que, segundo o aí ajuizado, a empresa constituída é uma nova empresa que se considerou estar sujeita aos riscos do comércio e em relação à qual, em bom rigor, não poderia sequer que as suas expectativas eram boas, isto, dadas as seguintes circunstâncias aí ponderadas: não obstante ter passado a exercer uma actividade que anteriormente era exercida pelos CTT; ter a nova empresa "recebido apenas parte dos recursos humanos"; ter a ré "quando iniciou a actividade (prestação de serviços de SEM - Express Mail) procedido à reorganização dos meios, designadamente adquirindo novos meios, como viaturas"; terem os CTT visado "com a criação da ré ganhar mercado naquela área" e existir nesta "específica área de serviços concorrência", não abarcando, assim, a hipótese incluída pelo recorrente na construção da norma, de a empresa haver sido "constituída por outrem para prosseguir e desenvolver um seu negócio preexistente".
Sendo assim, apenas se conhecerá da questão de (in)constitucionalidade da norma definida pelo recorrente, constante dos referidos preceitos, na acepção de "admitir a contratação a termo, pelo prazo de dois anos, cinco meses depois do início de actividade de uma empresa constituída por outrem".
Ora, sobre a questão de conformidade com a lei fundamental da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT [agora revogada pela alínea m) do artigo 21.º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto - diploma que aprovou o Código de Trabalho], já este Tribunal Constitucional teve o ensejo de se pronunciar em sede de fiscalização abstracta, através do seu Acórdão 581/95, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., pp. 43 e segs., tendo concluído pela sua não inconstitucionalidade.
Escreveu-se então aí o seguinte:
"1 - No pedido incidente sobre o Decreto-Lei 64-A/89, estas normas são arguidas de inconstitucionais com fundamento em violação da garantia de segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53.º) e do princípio da igualdade (Constituição da República Portuguesa, artigo 13.º). O argumento é o de que nas alíneas e) e f) são admitidos contratos a prazo 'sem que se verifique o carácter temporário da necessidade de mão-de-obra' e que, na alínea h), não há qualquer justificação para a mesma modalidade de contrato. As normas das alíneas f) e h) são ainda arguidas de organicamente inconstitucionais, com fundamento em violação dos limites de competência demarcados na lei de autorização legislativa (Constituição da República Portuguesa, artigo 168.º, n.º 2).
Já a lei de autorização legislativa [Lei 107/88] apontava, no artigo 2.º, alínea j), para que o Governo viesse a concretizar uma 'revisão do contrato de trabalho a termo', tendo em conta os objectivos de 'retoma da aceitação da contratação a termo incerto ao lado da contratação a termo certo ou a prazo; delimitação clara das situações que legitimam a contratação a termo; exigência de forma escrita para o contrato, com indicação expressa da circunstância justificativa da estipulação do termo; redução da duração máxima do contrato a termo quando seja objecto de renovações; reconhecimento ao trabalhador do direito a uma compensação pecuniária pela caducidade do contrato que seja proporcional à sua duração; proibição de rotação dos trabalhadores admitidos a termo na ocupação do mesmo posto de trabalho'.
E, nesta linha, o Decreto-Lei 64-A/89 procedeu à reforma do regime jurídico do contrato de trabalho a termo [era o regime do Decreto-Lei 781/76, de 28 de Outubro]. No preâmbulo, diz-se: 'Relativamente ao contrato de trabalho a termo, a revisão a que se procede [...] parte de uma concepção substancialmente distinta daquela em que se funda o Decreto-Lei 781/76, de 28 de Outubro [...] A amplitude da contratação a termo passa a restringir-se a situações rigorosamente tipificadas, das quais umas resultam de adaptação das empresas às flutuações do mercado ou visam criar condições para absorção de maior volume de emprego, favorecendo os grupos sociais mais vulneráveis, e outras atendem a realidades concretas pacificamente aceites como justificativas de trabalho de duração determinada [...]'
2 - O Decreto-Lei 64-A/89 revogou então o Decreto-Lei 781/76, de 28 de Outubro, e instituiu o novo regime do contrato de trabalho a termo. O velho sistema - cuja matriz essencial consistia na admissibilidade em geral dos contratos a prazo desde que esse prazo fosse superior a seis meses, e na admissibilidade da mesma modalidade de contratos com duração inferior a seis meses, quando o trabalho em causa fosse de 'natureza transitória' - deu lugar ao sistema de normas do capítulo VII do Decreto-Lei 64-A/89, que abre, justamente, com o artigo 41.º, aqui em análise.
Este preceito tipifica os casos em que é admitida a celebração do contrato de trabalho a termo [n.º 1, alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h)]. Fora desses casos, a estipulação a termo é nula (n.º 2).
Este método de enumeração de casos havê-lo-á ligado o legislador à ideia de excepcionalidade da contratação a termo, ideia que, em boa verdade, constitui um desiderato da garantia constitucional da segurança no emprego. Se o contrato a termo fosse admitido como regra, então a entidade empregadora optaria sistematicamente por essa forma, contornando a estabilidade programada no artigo 53.º da Constituição. Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a garantia da segurança no emprego 'perderia qualquer significado prático se, por exemplo, a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos curtos, pois nesta situação o empregador não precisaria de despedir, bastando-lhe não renovar a relação jurídica no termo do prazo. O trabalho a prazo é por natureza precário, o que é contrário à segurança' (Constituição da República Portuguesa Anotada, ob. cit., p. 289).
A garantia constitucional da segurança no emprego significa, pois, que a relação de trabalho temporalmente indeterminada é a regra, e o contrato a termo a excepção. Esta forma contratual há-de ter uma razão de ser objectiva. Também aqui a Constituição nos afasta dos paradigmas da liberdade contratual clássica.
3 - Mas a excepcionalidade do contrato a termo não se concretiza apenas numa técnica legislativa de enumeração de casos, de tipificação das situações que o admitem. Exige que essas situações tragam em si mesmas uma justificação e exige um sistema de normas teleologicamente orientado a limitar o recurso ao contrato a termo. Ali, o controlo de constitucionalidade leva à pergunta por um fundamento material dos casos enunciados no artigo 41.º, aqui, a uma análise do seu contexto significativo.
E no contexto significativo, que é dado pelos demais preceitos do capítulo VII, relevam os seguintes momentos essenciais: o contrato a termo é escrito [artigo 42.º, n.º 1] e deve indicar o seu 'motivo justificativo' ou, sendo celebrado a termo incerto, indicar 'a actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração' [artigo 42.º, n.º 1, alínea e)]; se o contrato a termo certo é sujeito a renovação, 'então não poderá efectuar-se para além de duas vezes, e a sua duração terá por limite três anos consecutivos' (artigo 44.º, n.º 2); 'até ao termo do contrato [a termo certo como a termo incerto], o trabalhador tem, em igualdade de condições, preferência na passagem ao quadro permanente, sempre que a entidade empregadora proceda a recrutamento externo para o exercício, com carácter permanente, de funções idênticas àquelas para que foi contratado' (artigo 54.º, n.º 1).
E há ainda outros momentos normativos que concorrem para demover a entidade empregadora do recurso sistemático ao contrato a termo. Funcionam como garantias 'a posteriori' ou garantias 'periféricas' a favor da estabilidade do emprego. São elas: o direito do trabalhador a uma compensação por caducidade do contrato a termo certo (artigo 46.º, n.º 3) e a termo incerto (artigo 50.º, n.º 4) e a proibição de contratar a termo, para o mesmo posto de trabalho, um novo trabalhador nos três meses que decorrem sobre a cessação do trabalho a termo com outro trabalhador, quando a cessação a este não é imputável (artigo 46.º, n.º 4). Finalmente, o Decreto-Lei 64-A/89 existe em articulação com o Decreto-Lei 64-C/89, também de 27 de Fevereiro. Aqui se determina a concessão à entidade empregadora de apoio financeiro e dispensa de contribuições para a segurança social (artigo 9.º), benefícios que se circunscrevem tão-só às situações de contrato sem termo e às situações em que o contrato a termo se transformou em contrato por tempo indeterminado (artigo 8.º). O legislador chamara à atenção para esta articulação dos dois diplomas, ao propor-se, justamente no preâmbulo do Decreto-Lei 64-A/89, 'salvaguardar a simultaneidade das respectivas vigências'.
Este complexo de regulação limita assim as possibilidades de recurso ao contrato a termo. E limita-as em especial no momento em que exige que a forma escrita inclua a justificação dos motivos - assim criando o material necessário a um controlo jurisdicional efectivo dos pressupostos - e no momento em que determina a nulidade da estipulação a termo fora da verificação desses pressupostos - assim criando uma consequência jurídica que não é a nulidade do contrato, mas a conversão desse contrato em contrato por tempo indeterminado.
Às normas do artigo 41.º não pode, pois, reconhecer-se um 'défice de constitucionalidade' que porventura lhe adviesse de uma falta de apoio no sistema. É agora necessário perguntar se os casos enunciados nas suas normas - aqui relevando tão-só as das alíneas e), f) e h) - trazem em si uma justificação para o contrato a termo.
4 - A norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea e), determina que o contrato de trabalho a termo é admitido nos casos de 'lançamento de uma nova actividade de duração incerta bem como o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento'. Esta norma está em relação próxima com a norma do artigo 48.º, que então afasta a admissibilidade do termo incerto, e com a norma do artigo 44.º, n.º 3, que determina que, nos mesmos casos, 'a duração do contrato, haja ou não renovação, não pode exceder dois anos'.
Na norma da alínea e), o legislador atendeu a que as situações de 'lançamento de uma nova actividade de duração incerta' e 'início de laboração de uma empresa ou estabelecimento' justificavam a admissibilidade do contrato a termo. Essas situações são, como diz Bernardo Xavier, relativas a 'segmentos da actividade do empregador não consolidados' (Curso de Direito do Trabalho, Lisboa, 1992, p. 468). Ora, não pode a ilegitimidade de uma norma como aquela. O legislador teve ali em conta a 'natureza das coisas' e adequou a essa natureza o sentido da lei: a entidade empregadora que se propõe uma actividade por tempo incerto ou que abre a empresa, pela primeira vez, aos riscos do mercado, não tem base segura de calculabilidade quanto aos recursos humanos. Por isso que lhe não é exigível - e não é assim exigível ao legislador que determine - a adopção da modalidade-regra do contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Esta ordenação do sentido da lei à natureza das situações da vida é aliás denotada pelo recurso ao 'método tipológico' de descrição de grupos de casos, empreendido pelo legislador no artigo 41.º Como diz Larenz, "a 'natureza das coisas' remete para a forma de pensamento do tipo, pois que o tipo é algo de relativamente concreto, um universale in re. Ao invés do conceito geral-abstracto, não é definível, mas tão-só explicitável, não fechado, mas aberto, interliga, torna conscientes conexões de sentido" (ob. cit., p. 158).
Por outro lado, diz o mesmo autor, 'a natureza das coisas é de grande importância em conexão com a exigência de justiça de tratar igualmente aquilo que é igual, desigualmente, aquilo que é desigual [...] ela exige ao legislador que diferencie adequadamente' (ob. cit., p. 507).
Ora, é isso que se passa na norma do artigo 41.º, alínea e), aqui em apreço: a diferenciação que estabelece está justificada na peculiar configuração da realidade que regula. O desvio ao regime-regra dos contratos por tempo indeterminado não afronta, pois, nem a garantia da segurança no emprego nem o princípio constitucional da igualdade."
Ora, este juízo de não inconstitucionalidade é completamente transponível para a situação dos autos, não obstante a norma cuja constitucionalidade ora se sindica respeitar a contrato de trabalho a termo celebrado cinco meses depois do início da actividade de uma nova empresa e esta passar a exercer uma actividade antes exercida por outrem nas circunstâncias relevadas pela decisão recorrida. Na verdade, tal interregno de tempo e desenvolvimento de actividade comercial dentro das circunstâncias ponderadas pelo acórdão recorrido poderá identificar-se ainda com o início da actividade, dado que, pela "própria natureza das coisas", não possibilita que o empregador ou o trabalhador possam fazer quaisquer juízos minimamente credíveis sobre a ausência de riscos de mercado e sobre as necessidades dos recursos humanos e logísticos necessários ao desenvolvimento da actividade económica da empresa.
Assim sendo, impõe-se concluir pela não inconstitucionalidade da norma sob exame.
C - Decisão. - 13 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do recurso relativamente à norma constante do artigo 41.º, n.º 2, da Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, quando entendida no sentido segundo o qual o motivo de contratação a termo tem de verificar-se apenas no início (celebração) do contrato, e não na altura da sua renovação automática;
b) Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 41.º, n.º 1, alínea e), e 44.º, n.º 3, da Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, quando entendida na acepção de "admitir a contratação a termo, pelo prazo de dois anos, cinco meses depois do início de actividade de uma empresa constituída por outrem";
c) Negar provimento ao recurso na parte em que dele se conheceu;
d) Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 unidades de conta, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, se dele gozar.
Lisboa, 17 de Novembro de 2004. - Benjamim Rodrigues - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto
Votei vencida o presente acórdão quanto ao julgamento de não inconstitucionalidade dos artigos 41.º, n.º 1, alínea e), e 44.º, n.º 3, do Decreto-Lei 64-A/89, por entender que tais normas, ao permitirem em situações de mera transferência jurídica de uma actividade, na sua essência já exercida por uma anterior empresa, para novas empresas configuradas para "agilizar" ou tornar mais rentável uma actividade anterior, só formalmente poderiam justificar um enfraquecimento da segurança do emprego em atenção aos riscos de mercado inerentes ao início de uma actividade ou a fragilização da segurança do emprego em atenção às "necessidades dos recursos humanos e logísticos necessários ao desenvolvimento da actividade económica da empresa".
Nesse sentido, não me parece ter verdadeira aplicação à questão de constitucionalidade normativa colocada o próprio Acórdão 581/95, em que aliás já votei vencida no que se refere aos princípios essenciais do regime que aí se configurava. - Maria Fernanda Palma.
Declaração de voto
1 - Votei vencido por entender que a norma constante dos artigos 41.º, n.º 1, alínea e), e 44.º, n.º 3, do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/98, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT), interpretados no sentido de permitir a contratação a termo, por pretensamente se tratar de "início de laboração de uma empresa", em caso de atribuição de personalidade jurídica a um departamento de uma empresa, para prosseguir e desenvolver actividade já explorada, "herdando" pessoal, meios, locais de trabalho e clientela do anterior departamento e permanecendo na total dependência da "empresa-mãe", viola o princípio constitucional da segurança do emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Como a generalidade da doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional têm repetidamente afirmado, o princípio da segurança do emprego não se esgota na proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Dele deriva, além de mais, o carácter excepcional do estabelecimento de relações de trabalho precárias, designadamente pela aposição de termo aos contratos de trabalho: precariedade é o oposto de segurança.
Como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 289):
"[O direito à segurança no emprego] perderia qualquer significado prático se, por exemplo, a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos curtos, pois nesta situação o empregador não precisaria de despedir, bastando-lhe não renovar a relação jurídica no termo do prazo. O trabalho a termo é por natureza precário, o que é o contrário de segurança. Por isso, é necessário também um motivo justificado para a contratação a termo. O direito à segurança no emprego pressupõe assim que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente para ocorrer a necessidades temporárias de trabalho ou a aumentos anormais e conjunturalmente determinados das necessidades das empresas."
No Acórdão 581/95, o Tribunal Constitucional claramente afirmou que o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, "constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada", implicando "a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização", sendo, "desde logo", um desses meios "a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo" (n.º III-1). E, mais adiante (n.º VIII-2): "A garantia constitucional da segurança no emprego significa, pois, que a relação de trabalho temporalmente indeterminada é a regra e o contrato a termo a excepção. Esta forma contratual há-de ter uma razão de ser objectiva. Também aqui a Constituição nos afasta dos parâmetros da liberdade contratual clássica."
É certo que nesse acórdão não se concluiu pela inconstitucionalidade da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, mas é fundamental recordar que esse juízo se fundou no entendimento de que as situações de "lançamento de uma nova actividade de duração incerta" e de "início de laboração de uma empresa ou estabelecimento", porque relativas a "segmentos da actividade do empregador não consolidados", "justificavam a admissibilidade do contrato a termo", porquanto:
"O legislador teve ali em conta a 'natureza das coisas' e adequou a essa natureza o sentido da lei: a entidade empregadora que se propõe uma actividade por tempo incerto ou que abre a empresa, pela primeira vez, aos riscos do mercado não tem base segura de calculabilidade quanto aos recursos humanos. Por isso que lhe não é exigível - e não é assim exigível ao legislador que determine - a adopção da modalidade-regra do contrato de trabalho por tempo indeterminado."
Entendo que a justificação que levou o Tribunal Constitucional a não julgar inconstitucional, em sede de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea e), da LCCT - radicando essencialmente no risco que, em regra, pela "natureza das coisas", está associado ao lançamento de um nova actividade por tempo incerto ou ao início de laboração de uma empresa ou estabelecimento, por falta de "base segura de calculabilidade quanto aos recursos humanos" - é manifestamente inaplicável ao presente caso, em que, fundamentando-se a celebração do contrato a termo no "início de laboração da empresa" [alínea b) da matéria de facto], a pretensa nova empresa (POSTLOG - Serviços Postais e Logística, S. A.) é "detida a 100% pelos CTT" [alínea g) da matéria de facto], a sua "actividade [...] consiste nos serviços SEM - Express Mail" [alínea i) da matéria de facto] e "recebeu tal serviço dos CTT, bem como os clientes desta, nessa área, bem como os locais de trabalho e parte dos recursos humanos" [alínea j) da matéria de facto]. Mais se provou que "de início as chefias pertenciam aos quadros dos CTT e transitaram para a ré 'meios' dos CTT" [alínea l) da matéria de facto], "quando iniciou a actividade, a ré iniciou a reorganização dos meios, designadamente adquirindo novos meios, tais como viaturas" [alínea m) da matéria de facto], que, "com a criação da ré, os CTT visavam 'ganhar mercado' naquela área" [alínea n) da matéria de facto] e que "nesta específica área de serviços existe concorrência" [alínea o) da matéria de facto].
Trata-se, pois, manifestamente, de um caso de desenvolvimento de uma actividade já explorada pelos CTT, que, pela dimensão assumida, os CTT entenderam dever passar a ser gerida por uma nova entidade, que, apesar de juridicamente revestir uma nova personalidade, em termos económicos continuou a ser detida inteiramente pelos CTT. A atribuição de personalidade jurídica a um departamento dos CTT, mesmo com a pretensão de alargamento de actividade, tendo a "nova empresa" recebido a clientela, os meios, os locais de trabalho e o pessoal do anterior departamento, não configura, em rigor, nenhum "início de laboração de empresa", nem tem associado o especial risco que, no entender do Acórdão 581/95, justificaria a admissibilidade de contratação a termo. Não existe aqui qualquer dificuldade agravada de previsibilidade das necessidades em termos de recursos humanos e logísticos, e a circunstância de se ter dado como provado que existe concorrência na área dos serviços em causa nada tem de anómalo, pois a concorrência é a regra na actividade económica.
Permitir-se, em casos como o presente, a contratação a termo é aceitar que pelo expediente da transformação de departamentos de uma empresa em pessoas jurídicas formalmente distintas da empresa-mãe, mas que, em termos de realidade económica, continuam inteiramente dependentes desta, se precarizem, sem qualquer justificação constitucionalmente aceitável, situações laborais que correspondem a necessidades permanentes e regulares da empresa. Recorde-se que quando o autor foi contratado a termo, em 2 de Maio de 2000 [alínea a) da matéria de facto], a ré já desenvolvia a sua actividade há cinco meses [foi constituída em 29 de Julho de 1999 e iniciou a actividade em Janeiro de 2000 - alínea p) da matéria de facto], e que aquele contrato foi sucessivamente renovado até que a ré decidiu não o renovar a partir de 1 de Maio de 2002 [alínea c) da matéria de facto]. Destes factos é lícito deduzir que as funções desempenhadas pelo autor correspondiam a necessidades permanentes da ré e que a sua não renovação, ao fim de dois anos terá visado evitar que, face à norma do artigo 44.º, n.º 3, da LCCT ("nos casos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 41.º, a duração do contrato, haja ou não renovação, não pode exceder dois anos"), o contrato se convertesse em contrato sem prazo, nos termos do artigo 47.º da LCCT.
Por outro lado, há que atentar, como elemento decisivamente identificador da entidade empregadora, não apenas, nem principalmente, à roupagem jurídica utilizada mas, antes, à realidade económica e social subjacente. Impõe-se a adaptação de um direito do trabalho assente no modelo tradicional de relação bipolar entre trabalhador, por um lado, e, do outro, uma entidade patronal, que ou era uma pessoa física ou a "tradicional e monolítica empresa societária", face ao surgimento e proliferação do fenómeno dos grupos de empresas, que, na prática, funcionam, independentemente da pluralidade de pessoas jurídicas integradas no grupo, como uma unidade de decisão (cf. Catarina Nunes de Oliveira Carvalho, Da Mobilidade dos Trabalhadores no Âmbito dos Grupos de Empresas Nacionais, Porto, Publicações Universidade Católica, 2001, pp. 26 e segs.). Realidade esta a que o direito do trabalho não é completamente estranho, como o comprova o artigo 324.º, alínea b), do Código do Trabalho, ao atribuir relevância, para os efeitos de admissibilidade da cedência ocasional de trabalhadores, à circunstância de se tratar de sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo.
Neste contexto, a atribuição de personalidade jurídica a um departamento de uma empresa para continuar e desenvolver actividade anteriormente já explorada, herdando clientela, meios, locais de trabalho e pessoal desse departamento e permanecendo sob o domínio total da empresa-mãe, não assume os riscos normalmente associados às situações de início de laboração de nova empresa, que constitucionalmente justifiquem excepção à regra da duração indeterminada dos contratos de trabalho.
Assim sendo, as normas em causa neste recurso, interpretadas como o foram, não podem deixar de ser consideradas violadoras do princípio constitucional da segurança no emprego. - Mário José de Araújo Torres.