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Parecer 138/2001, de 6 de Agosto

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Texto do documento

Parecer 138/2001. - Autarquia local - Expropriação por utilidade pública - Indemnização Pagamento - Estado - Direito de regresso - Orçamento Geral do Estado - Retenção de verbas - Cobrança coerciva de créditos - Autonomia financeira - Lei especial.

1.ª A autonomia financeira, enquanto pressuposto essencial do princípio da autonomia das autarquias locais, exige, além dos meios financeiros adequados à prossecução das suas atribuições, que os órgãos autárquicos disponham de liberdade para estabelecer o destino das receitas e para realizar as despesas da autarquia, afectando as primeiras às segundas.

2.ª Do mencionado princípio decorre que a intervenção do legislador, para afectar transferências do Orçamento do Estado a favor das autarquias a determinadas das suas despesas, somente pode considerar-se legítima desde que respeitado o núcleo essencial da autonomia e o princípio da inadmissibilidade da afectação de receitas de forma injustificada ou desproporcionada.

3.ª A norma do artigo 8.º da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 42/98, de 6 de Agosto, tem vocação para funcionar como uma regra geral, admitindo a cativação das transferências do Orçamento do Estado, para garantir o pagamento de dívidas das autarquias, desde que as mesmas tenham sido definidas por sentença judicial transitada em julgado ou quando não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias, e não seja ultrapassado o limite percentual de retenção de 15%.

4.ª O n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, que prevê a cativação de transferências orçamentais, independentemente de quaisquer formalidades, com vista a satisfazer o direito de regresso do Estado, quando este se substitua às autarquias no pagamento de indemnizações por expropriações, configura uma norma especial que prevalece sobre o artigo 8.º da Lei das Finanças Locais, por força da regra recebida no n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil (lex specialis derogat legi generali).

5.ª Esta norma, interpretada no sentido de prever uma retenção de transferências do Orçamento do Estado, sem respeitar o limite percentual fixado no artigo 8.º da Lei das Finanças Locais, encarada como válvula de segurança instituída a favor dos expropriados, e apenas accionável em situações excepcionais de dificuldades transitórias de tesouraria das autarquias locais, satisfaz as exigências referidas na conclusão 2.ª, pelo que não é inconstitucional.

Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças:

Excelência:

I - A Câmara Municipal de Valpaços, por ofício dirigido ao director-geral do Tesouro, argumentando incapacidade financeira para a médio e longo prazo pagar o valor de indemnizações fixadas por sentença judicial, no âmbito de expropriações litigiosas, solicitou que se procedesse "ao depósito dos referidos montantes, por forma a garantir desde logo o pagamento das indemnizações aos expropriados" (ver nota 1), ao abrigo das disposições vertidas nos n.os 6 e 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro.

O mencionado ofício termina dizendo que a referida verba iria ser deduzida do montante das transferências do Estado para a autarquia de Valpaços, nos termos do artigo 8.º da Lei 42/98, de 6 de Agosto, conforme informação da Direcção-Geral das Autarquias Locais.

A Direcção-Geral do Tesouro procedeu ao depósito do montante das indemnizações em causa a favor do Tribunal Judicial da Comarca de Valpaços, em substituição da Câmara Municipal de Valpaços, solicitando de imediato que o referido crédito fosse regularizado.

O director-geral das Autarquias Locais oficiou, então, à Direcção-Geral do Tesouro sobre a forma como seria, na sua óptica, processada a retenção, concluindo que "[...] de acordo com os artigos 8.º da Lei 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais), e 9.º da Lei do Orçamento do Estado para 2001, as retenções às transferências dos municípios não podem ultrapassar o valor correspondente a 15% das mesmas [...]" (ver nota 2).

Sobre a questão, foi elaborada a nota n.º 60/DRR/PA/2001 (ver nota 3), na Direcção-Geral do Tesouro, onde se conclui, em síntese, que em todas as situações em que a Direcção-Geral do Orçamento foi obrigada a substituir-se às entidades expropriantes, procedeu-se de imediato à cativação das transferências orçamentais, conforme o estatuído no n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações.

Na mencionada nota pode ler-se, ainda, que, caso "o normativo estatuído pelos artigos 8.º e 9.º da Lei das Finanças Locais e da Lei do Orçamento do Estado para 2001, respectivamente, seja aplicado às situações decorrentes do pagamento de encargos desta natureza [...] está aberto um precedente para as autarquias locais se financiarem à custa da Direcção-Geral do Tesouro e à margem do orçamento, originando um acréscimo substancial em termos de despesa orçamental e consequentemente do défice orçamental".

De seguida, consultado sobre o assunto, o Departamento Jurídico da Direcção-Geral do Tesouro concluiu concordando com a posição constante da nota n.º 60/DRR/PA/2001 e consequente rejeição da tese sustentada pela Direcção-Geral das Autarquias Locais.

Por sugestão do auditor jurídico do Ministério das Finanças, o processo foi, então, enviado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República para parecer, pelo despacho 1371-A/2001, do então Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.

Cumpre, desta forma, emitir o parecer solicitado.

II - O diferendo que opõe a Direcção-Geral das Autarquias Locais à Direcção-Geral do Tesouro gira fundamentalmente em torno do sentido e alcance que se der à norma do n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações, sobretudo no confronto com o disposto no artigo 8.º da Lei 42/98, de 6 de Agosto - Lei das Finanças Locais (LFL) (ver nota 4).

O n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, tem o seguinte conteúdo:

"O Estado, quando satisfaça a indemnização, tem direito de regresso sobre a entidade expropriante, podendo, para o efeito, proceder à cativação de transferências orçamentais, independentemente de quaisquer formalidades."

A Direcção-Geral do Tesouro vê nesta norma a consagração de um direito de regresso "reforçado" que permite a cativação automática e global das transferências do orçamento, correspondente ao valor das dívidas das respectivas autarquias ao próprio Estado, independentemente de quaisquer formalidades (ver nota 5).

Para a Direcção-Geral das Autarquias Locais, a retenção unilateral a que alude o preceito terá de fazer-se com observância dos limites constantes do artigo 8.º da Lei 42/98.

É o seguinte o conteúdo deste preceito:

"Artigo 8.º

Dívidas das autarquias

Quando as autarquias tenham dívidas definidas por sentença judicial transitada em julgado ou por elas não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias, após a respectiva data de vencimento, pode ser deduzida uma parcela às transferências resultantes da aplicação da presente lei, até ao limite de 15% do respectivo montante global."

Enunciada em termos sumários a questão que vem posta, consideramos que a sua solução implica que se verifique, por um lado, se há de facto conflito directo entre os preceitos em causa e como resolvê-lo. No caso de se concluir pela prevalência do n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações, impõe-se, por outro lado, indagar se são admissíveis retenções às transferências do Estado para as autarquias, sem observância dos limites condensados no artigo 8.º da LFL. Dito por outras palavras, haverá que apreciar a legitimidade da intervenção do legislador, à luz da garantia da autonomia constitucional das autarquias, em especial na sua vertente financeira.

III - A resposta ao problema posto impõe um excurso ainda que breve sobre a problemática da autonomia local.

1 - Entre os princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa de 1976 encontra-se o do respeito, imposto ao Estado na sua organização, da autonomia (ver nota 6) das autarquias locais (ver nota 7) (artigo 6.º da CRP).

O princípio da autonomia local pressupõe e exige, entre outros, os seguintes direitos:

"a) O direito e a capacidade efectiva de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos [...]", o que constitui o seu domínio reservado de intervenção;

"b) O direito de participarem na definição das políticas públicas nacionais que afectem os interesses próprios das respectivas populações;

c) O direito de partilharem com o Estado ou com a região as decisões de interesse comum [...];

d) O direito de, sempre que possível, regulamentarem a aplicação das normas ou planos nacionais por forma a adaptá-los convenientemente às realidades locais [...]" (ver nota 8)

A capacidade para regulamentarem e gerirem, sob a sua responsabilidade, os interesses das respectivas populações pressupõe, desde logo, a disponibilidade de recursos financeiros, ou seja, a dotação das autarquias com meios financeiros próprios.

Ao pronunciar-se sobre esta temática, concluiu este corpo consultivo que o respeito pelo princípio da autonomia das autarquias locais implica "conferir-lhes competência exclusiva em certas matérias e reconhecer-lhes o direito a um orçamento com receitas e despesas próprias" (ver nota 9).

No mesmo sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira ponderam que "a garantia institucional da autonomia local requer, entre outras coisas, que as autarquias disponham de meios financeiros suficientes (para o desempenho das atribuições de que são constitucional ou legalmente incumbidas) e autónomos (a fim de o exercício de competências e atribuições não ficar dependente dos meios financeiros do poder central, como comparticipações, subsídios, etc.) e que gozem de autonomia na gestão desses meios (autonomia financeira)" (ver nota 10).

De igual modo, para Casalta Nabais (ver nota 11), "a autonomia financeira constitui um dos aspectos essenciais, um pressuposto mesmo da autonomia local, máxime municipal [...] na ausência de um tal vector autonómico, não se encontram reunidas as condições de uma efectiva autonomia das comunidades locais. O que implica que as autarquias disponham de receitas suficientes para a prossecução integral das suas atribuições, receitas que hão-de ser aplicadas livremente, de acordo com orçamentos próprios, às despesas que, por sua vez, devem ser decididas por exclusiva autoridade dos órgãos autárquicos".

A estreita relação entre autonomia local e autonomia financeira tem sido realçada pelo Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão 82/86, quando afirma que "as autarquias locais só poderão ser verdadeiramente autónomas, só poderão ser poder local, se dispuserem de meios financeiros necessários ao cumprimento dos seus fins" (ver nota 12).

Em suma, tanto a doutrina como a jurisprudência convergem no sentido de que a autonomia financeira se traduz num meio indispensável à realização plena do princípio da autonomia.

2 - A matéria da autonomia financeira das autarquias locais é objecto do artigo 238.º da Constituição, que recebe os princípios fundamentais nesta matéria.

Do preceito, sob a epígrafe "Património e finanças locais", cumpre destacar o seu n.º 1, onde se estatui que "As autarquias locais têm património e finanças próprios" (ver nota 13).

Por seu lado, o n.º 2 remete para o legislador ordinário o estabelecimento do regime das finanças locais, impondo-lhe como objectivo "a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades" (ver nota 14).

Este preceito, nas vozes autorizadas de Gomes Canotilho/Vital Moreira, consagra "o princípio constitucional do equilíbrio financeiro, primeiro, entre o Estado e as autarquias locais, e, depois, das autarquias locais entre si. No primeiro caso, trata-se do equilíbrio financeiro vertical, porque através dele se pretende assegurar uma distribuição equilibrada ('justa repartição') das receitas entre o Estado e as pessoas colectivas territoriais autónomas. No segundo caso, trata-se do equilíbrio financeiro horizontal, pois visa-se corrigir as desigualdades entre autarquias do mesmo grau.

[...] Um instrumento específico do equilíbrio financeiro - vertical e horizontal - é o fundo de equilíbrio financeiro (Lei 1/87, artigo 7.º), anualmente financiado pelo Orçamento do Estado e repartido pelos municípios de acordo com determinados critérios. O montante do financiamento do fundo pelo Estado há-de ser suficiente para alcançar a justa repartição das receitas públicas, tendo em conta, por um lado, o volume das receitas próprias dos municípios e, por outro, a extensão das suas tarefas e a dimensão das suas necessidades quando confrontadas com as do Estado." (ver nota 15)

A autonomia financeira das autarquias pressupõe que uma parte significativa das suas receitas sejam receitas próprias, embora se admita que também possam alcançar a sua suficiência financeira à custa de transferências da administração estadual. Ponto é que "tais transferências obedeçam a critérios objectivos legalmente definidos que não impliquem qualquer tipo de vinculação ou de dependência face à administração estadual, nem constituam o suporte de intoleráveis desigualdades económicas e fiscais entre as autarquias" (ver nota 16).

Como este corpo consultivo já teve oportunidade de ponderar, tendo por referência a anterior Lei das Finanças Locais, "o sistema de transferências financeiras obrigatórias do Estado para as autarquias instituído a partir e com base nesta é constituído pelo chamado Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF)" (ver nota 17).

Para o Tribunal Constitucional (ver nota 18) o FEF "é um elemento constitutivo da autonomia financeira das autarquias locais, que dá cumprimento às imposições constitucionais de 'justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias locais' e da 'necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau' (artigo 240.º, n.º 2, da Constituição). Pelo que a fórmula que preside à determinação do FEF não pode ser alterada em termos que o reduzam a um montante que comprometa o núcleo essencial da autonomia local, muito embora essas imposições constitucionais não imponham a fixação de um 'concreto montante' que seja garantido para cada ano económico".

Actualmente, o anterior FEF (ver nota 19) foi substituído pelos actuais Fundo Geral Municipal (FGM) (ver nota 20) e Fundo de Coesão Municipal (FCM) (ver nota 21), no respeitante aos municípios, e pelo Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), no que se refere às freguesias (ver nota 22).

2.1 - O regime da autonomia financeira encontra-se definido na actual Lei das Finanças Locais, que atribui aos órgãos autárquicos os poderes de: elaborar, aprovar e alterar planos de actividades e orçamentos; elaborar e aprovar os documentos de prestação de contas; arrecadar e dispor de receitas próprias, ordenar e processar as despesas autorizadas por lei, e gerir o seu património (cf. artigo 2.º, n.º 3).

As receitas próprias das autarquias são as que resultam designadamente da cobrança de certos impostos, percentagens destes e taxas, do produto das taxas, tarifas e preços cobrados pela prestação de serviços, da aplicação de coimas, do rendimento dos bens próprios ou do produto da respectiva alienação, etc. (cf. artigo 16.º da LFL) (ver nota 23).

A maior parte das receitas municipais são, no entanto, constituídas por transferências do Orçamento do Estado.

Nestas transferências contam-se, por um lado, a transferência constituída pelo FGM (artigo 11.º da LFL) e o FCM (artigo 13.º da LFL) (ver nota 24) e, por outro, as transferências extraordinárias e especiais concretizadas nos subsídios e comparticipações específicos.

Em matéria de comparticipações e subsídios, o n.º 1 do artigo 7.º da LFL estabelece, como regra, que os mesmos não são permitidos. Neste sentido, segundo o n.º 2 do mesmo preceito, apenas excepcionalmente poderão ser "inscritas no Orçamento do Estado, por ministério, verbas para financiamento de projectos das autarquias locais de grande relevância para o desenvolvimento regional e local, quando se verifique a sua urgência e a comprovada e manifesta incapacidade financeira das autarquias para lhes fazer face".

O Governo também está autorizado a tomar providências orçamentais necessárias à concessão de auxílios financeiros às autarquias, em situações excepcionais elencadas no n.º 3 do artigo 7.º da LFL:

"a) Calamidade pública;

b) Municípios negativamente afectados por investimento da responsabilidade da administração central;

c) Edifícios sede de autarquias locais, negativamente afectados na respectiva funcionalidade;

d) Circunstâncias graves que afectem drasticamente a operacionalidade das infra-estruturas e dos serviços municipais de protecção civil;

e) Instalação de novos municípios ou freguesias;

f) Recuperação de áreas de construção clandestina ou de renovação urbana quando o seu peso relativo transcenda a capacidade e a responsabilidade autárquica nos termos da lei."

Com relevo para a resolução da situação objecto deste parecer, importa destacar, na actual LFL, uma norma específica relativa a deduções nas transferências do Orçamento do Estado para os municípios.

Trata-se do seu artigo 8.º, que tem, recorde-se, o seguinte conteúdo:

"Artigo 8.º

Dívidas das autarquias

Quando as autarquias tenham dívidas definidas por sentença judicial transitada em julgado ou por elas não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias, após a respectiva data de vencimento, pode ser deduzida uma parcela às transferências (ver nota 25) resultantes da aplicação da presente lei até ao limite de 15% do respectivo montante global." (ver nota 26) (ver nota 27)

Esta norma insere-se no modelo de cobrança de dívidas das autarquias mediante deduções em importâncias a haver por estas e provenientes de transferências do Orçamento do Estado, com exemplos detectados desde os anos 30 (ver nota 28) em especial, nas leis que aprovavam os Orçamentos do Estado.

A justificação para este tipo de normas terá apoio na ideia segundo a qual a autonomia financeira não significa "isenção de cumprimento pontual das dívidas e encargos livremente assumidos ou por lei impostos às autarquias locais [...]" (ver nota 29).

O problema está em compatibilizar estes mecanismos de retenção automática forçada com as exigências decorrentes designadamente do princípio da autonomia financeira das autarquias.

No caso da norma em apreço, a retenção nela prevista fica subordinada à verificação dos seguintes requisitos:

Prévia verificação judicial da dívida (ver nota 30), ou a sua não contestação junto dos credores no prazo máximo de 60 dias (ver nota 31);

Observância de um limite percentual de retenção de 15%.

Para além destes pressupostos, o preceito não faz qualquer restrição, quer quanto à natureza das dívidas quer no que se refere à categoria de entidades públicas beneficiárias (ver nota 32).

Por outro lado, este corpo consultivo já teve oportunidade de ponderar, em anteriores pareceres, que o limite de 15% se mostra adequado a permitir conter a retenção de verbas do Orçamento do Estado em moldes susceptíveis de não ofender a autonomia financeira das autarquias locais (ver nota 33) (ver nota 34).

Afigura-se, desta forma, que o preceito tem vocação para funcionar como uma regra geral (ver nota 35), admitindo a cativação de transferências do Orçamento do Estado, para garantir o pagamento de quaisquer dívidas das autarquias a entidades públicas, desde que verificados os pressupostos nele condensados, a saber: terem sido definidas por sentença judicial transitada em julgado ou por elas não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias a contar da respectiva data de vencimento; respeitarem o limite percentual de retenção de 15%.

Coerentemente com esta regra geral, verifica-se que, a partir da entrada em vigor da Lei 42/98, as disposições das leis anuais do Orçamento do Estado, ao estabelecerem em que moldes é que são permitidas deduções nas transferências financeiras para pagamento de dívidas das autarquias, passaram a remeter para o regime geral nela consagrado (ver nota 36).

3 - Nesta sequência, em face das considerações acabadas de fazer, coloca-se com acuidade, na perspectiva do parecer, o problema de saber se o n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações deve ou não ser igualmente interpretado em conformidade com o disposto no artigo 8.º da Lei 42/98.

3.1 - A resposta tem de ser negativa, pelo menos a partir da Lei 109-B/2001, que aprovou o Orçamento de 2002.

Com efeito, o n.º 1 do artigo 8.º deste diploma permite a retenção das transferências correntes e de capital do Orçamento do Estado para as autarquias para satisfação de débitos, "vencidos e exigíveis, constituídos a favor da Caixa Geral de Aposentações, da ADSE, da segurança social e da Direcção-Geral do Tesouro, e ainda em matéria de contribuições e impostos, bem como dos resultantes da não utilização indevida de fundos comunitários".

O n.º 3 estabelece expressamente que tais transferências, "salvaguardando o regime especial previsto no Código das Expropriações, só poderão ser retidas nos termos previstos no artigo 8.º da Lei 42/98, de 6 de Agosto".

A salvaguarda do regime especial, previsto no Código das Expropriações, é repetida no n.º 3 do artigo 10.º da Lei 32-B/2002, da forma seguinte:

"As transferências referidas no n.º 1, no que respeita a débitos das autarquias locais, salvaguardando o regime especial previsto no Código das Expropriações, só poderão ser retidas nos termos previstos no artigo 8.º da Lei 42/98, de 6 de Agosto, na redacção dada pela Lei 94/2001, de 20 de Agosto."

Temos assim que, a partir da Lei do Orçamento para o ano de 2002, passou a haver norma expressa a resolver o problema da eventual incompatibilidade entre os dois preceitos, no sentido da prevalência do regime consagrado no n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações.

Sempre se adianta, porém, que apesar de o problema se encontrar aparentemente resolvido a partir daquela data, não estamos dispensados de indagar se existe de facto conflito entre os preceitos em causa e como resolvê-lo, uma vez que a situação objecto do presente parecer se reporta a transferências relativas ao ano de 2000.

Por outro lado, continua a subsistir o problema de saber se o regime de retenções consagrado no n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações colide ou não com as exigências constitucionais decorrentes do princípio da autonomia local financeira.

3.2 - Regressemos, então, à análise das relações entre os complexos normativos em causa.

Para melhor compreensão do n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações, é preciso ter presente o estatuído no seu n.º 6, que consagra a garantia pelo Estado do pagamento da justa indemnização.

De acordo com este preceito, o Estado passa a responder subsidiariamente (ver nota 37) pelo pagamento da justa indemnização correspondente a toda e qualquer expropriação, mesmo daquelas que sejam da responsabilidade dos municípios (ver nota 38).

O princípio geral que vigora quanto à forma de pagamento da indemnização é o de que, em princípio, este há-de ser feito na sua totalidade em dinheiro e de uma só vez (ver nota 39).

"A explicação para este regime regra reside - segundo Alves Correia (ver nota 40) - na circunstância de a indemnização por expropriação dever garantir à entidade expropriada uma compensação plena da perda patrimonial suportada, em termos de a colocar, ainda que abstractamente, na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor, que substitua aquele que lhe foi retirado [...] o pagamento de um quantitativo pecuniário de modo fraccionado, mediante prestações que se prolongam no tempo, não satisfaz, em regra, aquela finalidade essencial da indemnização (ver nota 41)."

Um dos objectivos que presidiu à feitura do novo Código das Expropriações foi o reforço das garantias dos expropriados (ver nota 42), destacando-se "as melhorias introduzidas no domínio da observância do princípio da contemporaneidade do pagamento da indemnização em relação ao momento em que o expropriado se vê privado de um bem que lhe pertencia [...]" (ver nota 43).

Neste sentido, um dos pontos fulcrais que norteou a reforma do Código das Expropriações incidiu, nas palavras do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, no "estabelecimento das medidas necessárias para assegurar o funcionamento dos princípios da paridade temporal, o mesmo é dizer que o Código reforça e esclarece o direito de o expropriado e demais interessados receberem não só a parte não controvertida da indemnização, mas também aquela sobre a qual subsista litígio, esta, naturalmente, a título provisório. Este sistema é complementado pela ampliação da responsabilidade do Estado, que passa a responder, subsidiariamente, pelo pagamento da justa indemnização" (ver nota 44).

Compreende-se, agora, melhor o sentido e alcance da norma do n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações, cujo conteúdo convém recordar:

"O Estado, quando satisfaça a indemnização, tem direito de regresso sobre a entidade expropriante, podendo, para o efeito, proceder à cativação de transferências orçamentais, independentemente de quaisquer formalidades."

Assim sendo, sempre que o Estado, na sequência da aplicação desta norma, se substitua a uma autarquia no pagamento das indemnizações fixadas pelo tribunal, passa a ter sobre a mesma direito de regresso em relação às quantias indemnizatórias que adiantou.

A singularidade da situação está na forma encontrada pelo legislador para regular a concretização desse direito de regresso: através da cativação das transferências do Orçamento do Estado, sem quaisquer formalidades.

A utilização da expressão "sem quaisquer formalidades" parece apontar no sentido de que a retenção há-de processar-se de forma global e automática.

E compreende-se que assim seja. O que a lei pretende é instituir um mecanismo que funcione como garantia do pagamento (ver nota 45) da justa indemnização ao expropriado, e não resolver eventuais problemas financeiros das autarquias.

Se a retenção das transferências não se efectivasse de forma global, aquele mecanismo seria facilmente subvertido em expediente de financiamento extraordinário das autarquias, à margem do orçamento próprio.

3.2.1 - A breve incursão, acabada de fazer, sobre a razão de ser da solução acolhida no Código das Expropriações, coloca-nos em melhor posição para tentar configurar as relações entre ambas as normas.

Confrontando o n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações com o artigo 8.º da LFL, vemos que as duas normas têm em comum o facto de se reportarem à retenção de transferências do Orçamento do Estado para as autarquias por dívidas por estas contraídas.

No entanto, ressaltam também algumas diferenças.

Enquanto o artigo 8.º da LFL reporta a dedução nele prevista a quaisquer dívidas das autarquias, o artigo 23.º, n.º 7, do Código das Expropriações restringe a cativação de transferências orçamentais a dívidas resultantes de indemnizações por expropriação.

Por outro lado, o artigo 8.º da LFL permite a dedução somente em relação a dívidas reconhecidas por sentença transitada em julgado ou quando não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias.

No caso do artigo 23.º, n.º 7, do Código das Expropriações, uma análise incidente apenas na respectiva literalidade aponta no sentido de a cativação das transferências resultar, de forma directa e imediata, do exercício do direito de regresso por parte do Estado.

No entanto, subjacente ao direito de regresso existe uma sentença transitada em julgado a condenar a autarquia local no pagamento de determinada indemnização. Nas situações em que esta não possa satisfazer de imediato a dívida, aparece então o Estado a substituir-se a ela no pagamento, mas a dívida não deixa de se encontrar fixada por sentença transitada em julgado. Afigura-se, pois, não existir, do ponto de vista substancial, diferença neste aspecto.

Por outro lado, precisamente porque a cativação tem como causa directa a substituição do Estado no pagamento de dívidas da autarquia, compreendese que o n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações não preveja a sua aplicação a situações de dívidas não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias.

Do mesmo modo, vimos também que na previsão do artigo 8.º da LFL cabiam dívidas de quaisquer entidades públicas, enquanto que no caso do n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações apenas o Estado pode beneficiar da cativação nele regulada, com vista, precisamente, a concretizar o seu direito de regresso.

Mas o que ressalta como mais característico, no confronto dos dois preceitos, é o facto de o artigo 8.º da LFL estabelecer, como vimos, um limite máximo, de 15%, para a dedução que permite nas transferências para as autarquias locais, enquanto o n.º 7 do artigo 23.º prima pela ausência de qualquer limite de natureza quantitativa.

Ao conferir ao Estado (administração central) um poder discricionário de retenção de verbas do Orçamento, sem sujeição a qualquer limite expresso, o preceito acaba, também nesta dimensão, por se afastar do regime regra do artigo 8.º da LFL.

Um fundamento razoável para esta solução pode ser encontrado na proibição legal de quaisquer formas de subsídios ou comparticipações financeiras aos municípios por parte do Estado, prevista, como já foi referido, no artigo 7.º da LFL.

Proibição que é ainda decorrência do "princípio constitucional da autonomia financeira das autarquias locais e das finalidades que a Constituição impõe ao regime das finanças locais - 'justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias'" e, numa vertente do tratamento igualitário dos entes locais, "a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau" (ver nota 46).

Como foi realçado, a fórmula do legislador do Código das Expropriações enquadra-se no movimento de reforço das garantias dos expropriados. Mas tal objectivo não pode ser alcançado à custa de princípios imperativos de legalidade financeira.

Ora, se se interpretasse o n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações no sentido de que a cativação de transferências nele previstas não é para ser efectivada de forma global e automática, estaria encontrada uma forma de financiamento das autarquias à margem das situações admitidas excepcionalmente nos n.os 2 e 3 do artigo 7.º da LFL, com a consequente subversão não só dos critérios objectivos de acesso aos meios financeiros como do próprio princípio de autonomia (ver nota 47).

Por outro lado, como já vimos, a interpretação do preceito sufragada no presente parecer é a que se afigura mais adequada aos objectivos visados pelo legislador.

Com efeito, não se deve perder de vista que o mecanismo de substituição do Estado, no pagamento das dívidas por expropriações da responsabilidade das autarquias, tal como foi gizado, há-de ser encarado como uma válvula de segurança instituída a favor dos expropriados, a que as autarquias apenas devem recorrer em situações excepcionais de dificuldades transitórias de tesouraria.

Por tudo quanto foi exposto, cremos poder extrair, com razoável segurança, uma vontade inequívoca do legislador, expressa em termos literais, no sentido de configurar a cativação de transferências orçamentais, no contexto do Código das Expropriações, através de um regime específico e privativo diferenciado relativamente ao regime geral do artigo 8.º da LFL.

Afigura-se, desta forma, perfeitamente plausível situar a relação entre ambos os diplomas no quadro das relações entre lei geral e lei especial (posterior).

Segundo a doutrina, são normas especiais as que consagram uma disciplina nova ou diferente da estabelecida na lei geral para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações (ver nota 48).

Trata-se de uma relação de especialidade material, que tem a ver com o domínio de aplicação, "devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género" (ver nota 49).

Dada a diversidade das funções que as normas especiais podem ser chamadas a desempenhar, são igualmente distintas, segundo tais funções, as relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais assinaladas pela doutrina (ver nota 50).

Assim, se as normas especiais se apresentam como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles, quer a integrar os aspectos específicos não contemplados naqueles princípios, a doutrina fala em relações de acumulação. Mas as normas especiais também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais, dando origem às denominadas relações de conflito.

Relações de conflito que são resolvidas em conformidade com a regra, recebida no n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil, segundo a qual a lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derogat legi generali).

Retomando o caso em apreço, vimos que a norma contida no n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações apresenta previsão e âmbito mais restritos, bem como conteúdo parcialmente antagónico ou incompatível relativamente ao artigo 8.º da LFL, configurando, desta forma, um conflito internormativo, que conduz à inaplicação da norma geral, nos termos expostos.

IV - Resta, agora, examinar se a solução encontrada é constitucionalmente legítima.

1 - A autonomia financeira exige, além dos meios financeiros adequados à prossecução das suas atribuições, que os órgãos autárquicos disponham de liberdade para estabelecer o destino das receitas e para realizar as despesas da autarquia, afectando as primeiras às segundas (ver nota 51) (ver nota 52).

Neste sentido, constitui jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional (ver nota 53) que a gestão dos meios patrimoniais das autarquias há-de ser determinada autonomamente pelos órgãos livremente eleitos do poder local, de acordo com orçamentos próprios.

Também a doutrina converge no sentido de que a autonomia - máxime a autonomia financeira - anda ligada a uma ideia de independência decisória dos organismos ou entes públicos. Assim sendo, os órgãos autárquicos hão-de dispor de poderes de decisão, além do mais, para gerir o património e as finanças locais.

A autonomia financeira implica, desde logo, a autodeterminação financeira, de tal modo que "a vida financeira das autarquias não fique dependente de actos discricionários do poder central" (ver nota 54).

Consequentemente, devem considerar-se afastados, em princípio, os subsídios e comparticipações, "considerados como instrumentos de dependência das autarquias locais relativamente ao poder central e fonte de discriminação entre elas". No mesmo sentido, é ainda questionável a possibilidade de a lei admitir a retenção unilateral de recursos a que as autarquias tenham direito por transferência do Orçamento do Estado, para efeito de pagamento de dívidas das respectivas autarquias (ver nota 55).

Segundo alguma doutrina, o legislador, ou qualquer outro órgão do Estado, estaria mesmo impedido de "interferir no destino a dar às receitas autárquicas através, por exemplo, da consignação ou afectação destas a algumas despesas autárquicas, ou na realização das despesas" (ver nota 56).

Embora a questão seja controversa, cremos que da Constituição não resulta uma proibição abstracta e absoluta nesta matéria. O que pode retirar-se com alguma segurança é que "o legislador não é livre de proceder à retenção em certo ano económico, de uma qualquer percentagem do FEF, para afectar a quaisquer despesas do Estado" (ver nota 57). Tudo dependerá do contexto concreto da dimensão financeira da autarquia, das finalidades da retenção e dos montantes a reter.

O Tribunal Constitucional, chamado por diversas vezes a pronunciar-se sobre esta questão - da legitimidade da intervenção do legislador para afectar certas receitas autárquicas a determinadas das suas despesas - firmou jurisprudência no sentido de que a "afectação de receitas é constitucionalmente admissível, respeitados que sejam certos limites - limites que decorrem da necessidade de deixar sempre intocado o núcleo essencial da autonomia e da inadmissibilidade de proceder à afectação de receitas, desnecessária ou injustificadamente, ou, ainda, em termos desproporcionados" (ver nota 58).

Não será, desta forma, de admitir, diz-se no mesmo acórdão, "uma afectação de receitas sistemática - uma afectação de receitas tal que vá atingir o núcleo essencial da autonomia. E, do mesmo passo, será constitucionalmente ilegítima uma afectação de receitas sem qualquer justificação ou fundamento material ou que se revele excessiva".

A jurisprudência vertida no aresto que acabamos de citar versou sobre a apreciação da conformidade constitucional de uma norma emitida pelo Governo e através da qual foram afectadas receitas autárquicas a determinadas despesas autárquicas, no plano dos orçamentos de cada autarquia (ver nota 59).

No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/91 concluiu-se, por aplicação da mesma jurisprudência, pela conformidade constitucional das normas da Lei do Orçamento que determinavam, de forma unilateral pelo Estado (ver nota 60), a retenção na fonte de 0,25% do FEF e a posterior inscrição do produto de tal retenção no orçamento próprio das comissões de coordenação regionais para custear as despesas com o pessoal técnico dos gabinetes de apoio técnico (GAT).

2 - A situação regulada no n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações é algo diversa da apreciada no acórdão atrás mencionado.

No caso sub judicio, a retenção ou cativação das transferências orçamentais tem em vista satisfazer, de forma directa e imediata, o direito de regresso do Estado, quando este se substitua aos municípios no pagamento de indemnizações derivadas de processos expropriatórios.

Temos, assim, que o destino da retenção é o de suportar os custos ou despesas que são, em última análise, da responsabilidade das próprias autarquias e visam a satisfação das suas atribuições.

Na verdade, a expropriação de imóveis somente é legítima se fundada na utilidade pública e for compreendida nas atribuições da entidade expropriante (cf. artigo 1.º do Código das Expropriações).

Paralelamente, no que concerne à eventual ofensa dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, importa acentuar que não se encontra fixada qualquer percentagem limite a reter.

De todo o modo, não se afigura previsível a ocorrência de situações em que a percentagem a reter afecte de forma intolerável as normas e princípios constitucionais, nomeadamente a garantia da "justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias locais", consagrada no artigo 238.º, n.º 2, da Constituição, ou a própria autonomia local na sua dimensão financeira.

Com feito, além de a possibilidade de expropriar se compreender em termos gerais na prossecução das atribuições dos municípios, a resolução de requerer a declaração de utilidade pública deve mencionar, entre outros elementos, "a previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação" [alínea c) do artigo 10.º do Código das Expropriações]. Por outro lado, o requerimento da declaração de utilidade pública, que é remetido ao membro do Governo competente para a emitir, deve ser instruído, entre outros documentos, com "indicação da dotação orçamental que suportará os encargos com a expropriação e da respectiva cativação, ou caução correspondente" [alínea c) do artigo 12.º do Código das Expropriações].

Fica desta forma assegurado que a utilidade pública da expropriação só poderá ser declarada se o expropriante tiver capacidade financeira para o pagamento das indemnizações (ver nota 61).

Não estamos, por conseguinte, a reportarmo-nos a despesas extraordinárias, mas a despesas que se encontram devidamente orçamentadas e cabimentadas, que decorrem da gestão normal e programa de actividades do município.

Não se vislumbra, pois, como tal solução possa afectar a capacidade das autarquias para decidir das suas despesas e de prever, com suficiente segurança, o montante das receitas próprias para tanto disponíveis.

Por último, pelas razões aduzidas no ponto III, n.º 3.2.1, não se afigura também injustificada ou desproporcionada a admissibilidade de cativação de transferências sem quaisquer limites, no contexto do Código das Expropriações. Designadamente na parte em que se deixou sublinhado que as autarquias locais apenas devem accionar o mecanismo instituído no n.º 7 do artigo 23.º daquele Código em situações excepcionais de dificuldades transitórias de tesouraria (ver nota 62).

3 - Impõe-se ainda uma nota final.

A solução a que chegámos pode ainda suscitar dúvidas, perante o eventual valor reforçado da Lei das Finanças Locais.

Com efeito, leis com valor reforçado são actos legislativos dotados de uma "posição de proeminência - funcional, não hierárquica - relativamente a outros actos legislativos, a outras leis, a qual se traduz numa específica força formal negativa: na impossibilidade de serem afectados por leis posteriores que não sejam dotadas da mesma função" (ver nota 63), com afastamento do princípio geral lex posterior legi anteriori derogat.

A questão foi abordada, embora de forma incidental, pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 82/86 (ver nota 64), antes da 2.ª revisão constitucional, a propósito das relações entre a Lei das Finanças Locais e a Lei do Orçamento do Estado.

O Tribunal Constitucional não tomou propriamente posição sobre tal problemática, limitando-se a ponderar, a dado passo, "[...] que, ainda que se pudesse sustentar o valor reforçado da Lei das Finanças Locais, daí não poderia concluir-se que tivesse valor hierárquico superior ao da Lei do Orçamento do Estado. Simplesmente, estas conclusões teriam de ser examinadas à face dos dados decorrentes da 2.ª revisão constitucional, em especial o disposto nos artigos 115.º, n.º 2, e 281.º, n.º 1, alínea b), da actual redacção da Constituição".

Posteriormente, no Acórdão 358/92 (ver nota 65), tendo já em conta as alterações introduzidas nesta matéria pela 2.ª revisão constitucional (ver nota 66), concluiu-se que "[...] na ausência de uma definição expressa, o assinalado valor reforçado há-de decorrer da conjugação de dois critérios essenciais, o da sua proeminência funcional enquanto fundamento material da validade normativa de outros actos e o da sua força formal negativa, enquanto portadora de uma especial protecção face aos efeitos derrogatórios produzidos por lei posterior. Um e outro critérios deverão operar sempre em função dos enunciados linguísticos da própria Constituição".

Aplicando os critérios mencionados (ver nota 67) ao caso em análise, o Tribunal não considerou nenhum deles idóneo a conferir valor reforçado à Lei das Finanças Locais.

Com efeito, começando pelo enunciado linguístico da Constituição, em especial do artigo 240.º (ver nota 68), não decorre que a Lei das Finanças Locais "[...] seja fundamento material de validade de qualquer outra lei ou que beneficie de uma especial capacidade derrogatória ou de protecção face à sua derrogação por lei posterior".

Nem mesmo fazendo apelo ao facto de a Lei das Finanças Locais ser encarada como uma lei "'[...] constitucionalmente necessária', no sentido em que a ela cabe definir um quadro legal (com 'vocação permanente') da autonomia financeira do poder local", também na óptica do acórdão que vimos seguindo, esta interpretação teleológica por si só não parece poder fundamentar o alegado valor reforçado da Lei das Finanças Locais.

A 4.ª revisão constitucional introduziu uma definição de lei com valor reforçado, no artigo 112.º, n.º 3, da Constituição.

De acordo com este preceito, "têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas".

A fórmula utilizada mostra-se tão ampla e difusa que é considerada pela doutrina desprovida de utilidade (ver nota 69), do ponto de vista dogmático, mantendo-se, desta forma, intocada a jurisprudência do Tribunal Constitucional (ver nota 70).

A qualificação da Lei das Finanças Locais como lei reforçada é também dificultada pelo facto de não aparecer incluída nos exaustivos, embora não taxativos, elencos de leis reforçadas elaborados pela doutrina.

Jorge Miranda (ver nota 71), depois de proceder à distinção entre leis reforçadas em sentido lato e leis reforçadas em sentido estrito (ver nota 72), propõe reduzir para seis as espécies de leis reforçadas: "a) lei do regime do estado de sítio; b) leis orçamentais; c) leis de enquadramento; d) leis de autorização legislativa; e) leis de bases; f) Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas."

Nem mesmo o recurso ao "critério mais vago e sibilino" (ver nota 73) de todos os individualizados na parte final do artigo 112.º, n.º 3, da Constituição, quando refere que são consideradas reforçadas as leis que "devem ser respeitadas por outras leis", é susceptível de inverter esta tendência.

Com efeito, continuaria a faltar o apoio na Constituição quanto às exigências de conformidade ou de compatibilidade reportadas à Lei das Finanças Locais.

V - Termos em que se extraem as seguintes conclusões:

1.ª A autonomia financeira, enquanto pressuposto essencial do princípio da autonomia das autarquias locais, exige, além dos meios financeiros adequados à prossecução das suas atribuições, que os órgãos autárquicos disponham de liberdade para estabelecer o destino das receitas e para realizar as despesas da autarquia, afectando as primeiras às segundas;

2.ª Do mencionado princípio decorre que a intervenção do legislador, para afectar transferências do Orçamento do Estado a favor das autarquias a determinadas das suas despesas, somente pode considerar-se legítima desde que respeitado o núcleo essencial da autonomia e o princípio da inadmissibilidade da afectação de receitas de forma injustificada ou desproporcionada;

3.ª A norma do artigo 8.º da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 42/98, de 6 de Agosto, tem vocação para funcionar como uma regra geral, admitindo a cativação das transferências do Orçamento do Estado, para garantir o pagamento de dívidas das autarquias, desde que as mesmas tenham sido definidas por sentença judicial transitada em julgado ou quando não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias, e não seja ultrapassado o limite percentual de retenção de 15%;

4.ª O n.º 7 do artigo 23.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, que prevê a cativação de transferências orçamentais, independentemente de quaisquer formalidades, com vista a satisfazer o direito de regresso do Estado, quando este se substitua às autarquias no pagamento de indemnizações por expropriações, configura uma norma especial que prevalece sobre o artigo 8.º da Lei das Finanças Locais, por força da regra recebida no n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil (lex specialis derogat legi generali);

5.ª Esta norma, interpretada no sentido de prever uma retenção de transferências do Orçamento do Estado, sem respeitar o limite percentual fixado no artigo 8.º da Lei das Finanças Locais, encarada como válvula de segurança instituída a favor dos expropriados, e apenas accionável em situações excepcionais de dificuldades transitórias de tesouraria das autarquias locais, satisfaz as exigências referidas na conclusão 2.ª, pelo que não é inconstitucional.

(nota 1) Cf. o ofício n.º 235, de 5 de Julho de 2000.

(nota 2) Cf. processo 05.03.08-1.

(nota 3) Datada de 20 de Março de 2001. O parecer foi objecto de redistribuição por despacho do Procurador-Geral da República de 29 de Maio de 2003.

(nota 4) Diploma objecto de rectificação pela Declaração de Rectificação 13/98, de 25 de Agosto, Diário da República, 1.ª série-A, n.º 180, de 6 de Agosto de 1998, tendo sido sucessivamente alterado pelas Leis 87-B/98, de 31 de Dezembro, 3-B/2000, de 4 de Abril, 15/2001, de 5 de Junho e 94/2001, de 20 de Agosto, e pela Lei Orgânica 2/2002, de 28 de Agosto.

(nota 5) Cf. a informação n.º 1072/2001.

(nota 6) "A autonomia é um atributo, uma qualidade, uma particular aptidão de certos entes públicos, que se caracteriza pelo reconhecimento de que esses entes dispõem de capacidade para administrar os seus próprios interesses, através do desenvolvimento de uma actividade com as mesmas características e uma eficácia jurídica semelhante à actividade administrativa do Estado" (cf. Vieira de Andrade/Pedro Gonçalves, "Autonomia e atribuições das autarquias locais", Manual do Eleito Local, CEFA, Coimbra, 1994, p. 20). A autonomia pode desdobrar-se, segundo Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 170 e segs., em autonomia jurídica, autogoverno, autodeterminação, autonomia estatutária, autonomia regulamentar, autonomia administrativa, autonomia disciplinar, autojurisdição e autonomia financeira.

(nota 7) Este princípio compreende, entre outras, as seguintes manifestações: autonomia administrativa; autonomia normativa; autonomia organizatória; autonomia financeira, e autonomia patrimonial (cf. Vieira de Andrade/Pedro Gonçalves, ob. cit., pp. 25 e segs.). Casalta Nabais prefere falar em vectores da autonomia local, destacando os seguintes: a autonomia normativa, a autonomia política, a auto-administração, a "autonomia" administrativa e a autonomia financeira (cf. "A autonomia local: alguns aspectos gerais", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Coimbra, 1993, pp. 184 e segs.).

(nota 8) Cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1994, vol. I, p. 428.

(nota 9) Cf. o parecer 12/84, de 27 de Abril, Diário da República, 2.ª série, n.º 229, de 2 de Outubro de 1984. Sobre autonomia, em especial financeira, das autarquias, cf., entre outros, os seguintes pareceres: n.os 14/88, de 28 de Setembro de 1989, Diário da República, 2.ª série, n.º 63, de 16 de Março de 1991; 74/87, de 3 de Dezembro, Diário da República, 2.ª série, n.º 116, de 19 de Maio de 1988, e 72/93, de 14 de Abril de 1994, Diário da República, 2.ª série, n.º 269, de 21 de Novembro de 1995.

(nota 10) Cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 889. No mesmo sentido, cf. Sousa Franco, Finanças do Sector Público. Introdução aos Subsectores Institucionais, AAFDL, 1991, pp. 465 e segs.

(nota 11) Cf. "O quadro jurídico das finanças locais em Portugal", Fisco, n.º 82/83, ano IX, pp. 7 e 8. No mesmo sentido, Cândido de Oliveira, Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, Coimbra, p. 286. De igual modo, nas palavras impressivas de Vital Moreira, ob. cit., p. 199, "Sem autonomia financeira, isto é, sem a garantia de receitas próprias e a capacidade de as afectar segundo orçamento próprio às despesas definidas e aprovadas com independência, não é concebível administração autónoma".

(nota 12) Diário da República, 1.ª série, n.º 76, de 2 de Abril de 1986. No Acórdão 631/99, Diário da República, 1.ª série-A, de 28 de Dezembro de 1999, reafirma-se que sem autonomia financeira "não há condições para uma efectiva autonomia".

(nota 13) A autonomia financeira consiste, precisamente, segundo Teixeira Ribeiro, "[...] em o serviço possuir receitas próprias e orçamento próprio" (cf. Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 5).

(nota 14) Neste sentido, para Sousa Franco, "o regime das finanças locais deve, segundo a Constituição, obedecer aos princípios da solidariedade e da igualdade activa" (cf. Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pp. 213 e segs.).

(nota 15) Cf. ob. cit., pp. 890 e 891.

(nota 16) Cf. Casalta Nabais, "A autonomia local ...", cit., p. 194.

(nota 17) Cf. o parecer 55/96, de 23 de Janeiro de 1997. Por sua vez, no parecer 74/87 pode ler-se que "O Fundo de Equilíbrio Financeiro constitui, assim, 'um mecanismo através do qual se efectuam as transferências financeiras da administração central para a local', traduzindo, como se referiu, uma fonte substancial de financiamento (de atribuição de receitas) às comunidades locais".

(nota 18) Cf. o Acórdão 358/92, Diário da República, 1.ª série, n.º 21, de 26 de Janeiro de 1993.

(nota 19) O FEF foi originariamente instituído pela Lei 1/87, de 2 de Janeiro. Sobre as suas finalidades, forma de cálculo e natureza jurídica, cf., entre outros, os pareceres n.os 74/87 e 55/96.

(nota 20) Este Fundo "visa dotar os municípios de condições financeiras adequadas ao desempenho das suas atribuições, em função dos respectivos níveis de funcionamento e investimento" (artigo 11.º da LFL).

(nota 21) Este Fundo "visa reforçar a coesão municipal, fomentando a correcção de assimetrias, em benefício dos municípios menos desenvolvidos e é distribuído com base nos índices de carência fiscal (ICF) e de desigualdade de oportunidades (IDO), os quais traduzem situações de inferioridade relativamente às correspondentes médias nacionais" (artigo 13.º da LFL).

(nota 22) No sistema anterior, as transferências do Estado para as autarquias locais eram todas canalizadas por aquele Fundo, que era em cada ano igual à previsão do FEF do ano anterior corrigida pelo coeficiente de variação (progressão ou regressão) da previsão do IVA para esse ano face à previsão das cobranças do ano anterior. Das verbas recebidas por conta do FEF, cada município transferia para as suas freguesias 5%. Para uma análise dos vários aspectos deste novo regime, cf. Casalta Nabais, "O novo regime das finanças locais", Forum Iustitiae, ano I, n.º 8, 2000, pp. 30 e segs.

(nota 23) Para uma caracterização das receitas municipais, cf. Casalta Nabais, "O quadro jurídico ...", cit., pp. 9 e segs.

(nota 24) As transferências financeiras para as autarquias são reguladas no artigo 10.º da LFL.

(nota 25) O preceito reporta-se às transferências operadas ao abrigo do Fundo Geral Municipal e do Fundo de Coesão Municipal, regulados nos artigos 10.º e seguintes da mesma lei.

(nota 26) Trata-se da versão final fixada pela Lei 94/2001, que, no segmento "ou por elas não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias", acrescentou o inciso "após a respectiva data de vencimento".

(nota 27) A norma similar da Lei das Finanças Locais anterior (Lei 1/87, de 6 de Janeiro), prescrevia o seguinte:

"Artigo 17.º

Dívidas ao sector público

Quando os municípios tenham dívidas às entidades não financeiras do sector público, pode ser deduzida uma parcela às suas transferências correntes e de capital, até ao limite de 15%, desde que aquelas dívidas se encontrem definidas por sentença judicial transitada em julgado."

(nota 28) Cf. o parecer 14/88, em especial, a nota 7 e pp. 19 e segs.

(nota 29) Cf. o parecer 14/88.

(nota 30) Previne-se, desta forma, qualquer violação ao princípio da reserva do poder judicial. A questão suscitou-se a propósito dos diplomas que regularam a intervenção do Governo na resolução das dívidas dos municípios à EDP. Sobre esta problemática, cf. Vieira de Andrade, "Distribuição pelos municípios da energia eléctrica em baixa tensão", Colectânea de Jurisprudência, ano XIV, t. I, 1989, pp. 17 e segs. V. também o Parecer 72/93 e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 260/98, de 5 de Março, Diário da República, 1.ª série, n.º 76, de 31 de Março.

(nota 31) O artigo 17.º da Lei 1/87 não contemplava esta hipótese.

(nota 32) Repare-se que o artigo 17.º da Lei 1/87 referia-se a dívidas de "entidades não financeiras" do sector público. Por outro lado, como ficou consignado no parecer 72/93-compl., de 17 de Maio de 2001, "a mera literalidade da epígrafe do artigo 8.º da Lei 42/98 poderia, quando confrontada com a do artigo 17.º da Lei 1/87, sugerir [...] que permitiria até a retenção parcial de transferências para pagamento de dívidas a entidades não públicas". No mesmo parecer conclui-se, porém, que a análise da redacção das correspondentes normas das iniciativas legislativas que deram azo à Lei 42/98 revela que a retenção de transferências destina-se somente a garantir dívidas a entidades públicas. Para maiores desenvolvimentos, cf. o parecer 72/93-compl., em especial a nota 8 e a proposta de lei 180/VII, relatório e parecer da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 59, de 12 de Junho de 1998, pp. 1274 e segs.

(nota 33) Neste sentido, cf. os pareceres n.os 14/83 e 55/96. A doutrina formulada teve como referência a norma do artigo 17.º da Lei 1/87, mas a verdade é que aquela norma tinha conteúdo muito próximo do artigo 8.º da actual Lei das Finanças Locais.

(nota 34) V. o parecer 14/83 sobre os trabalhos preparatórios relativos ao artigo 17.º da Lei 1/87. Nesses trabalhos ressalta a preocupação em evitar que tais normas possam traduzir-se numa ingerência inadmissível do Governo na vida financeira das autarquias.

(nota 35) Neste sentido, cf. o parecer 72/93-compl.

(nota 36) Cf. o artigo 14.º da Lei 3-B/2000, de 4 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2000. O n.º 1 do preceito permite a retenção das transferências correntes e de capital do Orçamento do Estado para as autarquias para satisfação de débitos, "vencidos e exigíveis, constituídos a favor da Caixa Geral de Aposentações, da ADSE, da segurança social e da Direcção-Geral do Tesouro, e ainda em matéria de contribuições e impostos, bem como dos resultantes da não utilização indevida de fundos comunitários". Por sua vez, o n.º 3 estabelece expressamente que tais transferências "só poderão ser retidas nos termos previstos no artigo 8.º da Lei 42/98, de 6 de Agosto". Preceito similar é repetido no n.º 3 do artigo 9.º da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2001, no n.º 3 do artigo 8.º da Lei 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2002, e no n.º 3 do artigo 10.º da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2003.

(nota 37) Transitada em julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o juiz do tribunal da 1.ª instância ordena a notificação da entidade expropriante para depositar os montantes em dívida (cf. n.º 1 do artigo 71.º do Código das Expropriações). Nos termos do disposto no n.º 4 do mesmo preceito, "não sendo efectuado o depósito no prazo fixado, o juiz ordenará o pagamento por força das cauções prestadas pela entidade expropriante ou outras providências que se revelarem necessárias, após o que, mostrando-se em falta alguma quantia, notificará o serviço que tem a seu cargo os avales do Estado para que efectue o depósito do montante em falta, em substituição da entidade expropriante".

(nota 38) Cf. Alves Correia, "A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999", Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132.º, n.os 3911 e 3912, p. 49.

(nota 39) Neste sentido, o n.º 1 do artigo 67.º do Código das Expropriações dispõe que "as indemnizações por expropriações por utilidade pública são pagas em dinheiro, de uma só vez, salvo as excepções previstas nos números seguintes". O Código anterior já dispunha de norma com o mesmo conteúdo e, em ambos os códigos, o limite máximo fixado para o pagamento em prestações é de três anos (cf. o n.º 5 do artigo 67.º do Código de 1999 e o n.º 5 do artigo 65.º do Código de 1991, aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro). Na versão do Código de 1978, aprovado pelo Decreto-Lei 845/78, de 11 de Dezembro, o pagamento em prestações, além de mais facilitado, podia ir até 10 anos (cf., em especial, o n.º 2 do artigo 84.º e o artigo 85.º).

(nota 40) Cf. "Formas de pagamento da indemnização na expropriação por utilidade pública", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1997, p. 356.

(nota 41) No Acórdão 115/88, Diário da República, 2.ª série, n.º 205, de 5 de Setembro de 1988, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade das normas dos artigos 13.º e 17.º do Decreto-Lei 576/70, de 24 de Novembro, porque "[...] competindo à Administração definir o número de anos ao longo dos quais se desenvolverá o processo de pagamento, estabelecer o montante e o tempo de cada prestação e fixar a taxa dos respectivos juros [...]", tal regime não satisfazia, entre o mais, o conceito de justa indemnização constante do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição.

(nota 42) Cf. a exposição de motivos da proposta de lei 252/VII, Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 45, 2.º suplemento, de 18 de Março de 1999.

(nota 43) Cf. Alves Correia, "A jurisprudência do Tribunal Constitucional ...", cit., n.os 3908 e 3909, p. 332. Sobre o pagamento contemporâneo, cf. Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, 1.ª ed., Texto Editora, Lisboa, 1997, p. 265.

(nota 44) Palavras proferidas na apreciação da generalidade da referida proposta de lei 252/VII, Diário da Assembleia da República, 1.ª série, de 29 de Abril de 1999, pp. 2815 e segs.

(nota 45) Que tem de traduzir-se numa compensação plena e observar o princípio da contemporaneidade.

(nota 46) Cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 631/99.

(nota 47) Note-se que, no caso, segundo dados do processo, a aplicação do limite fixado no artigo 8.º da LFL iria protelar a devolução do pagamento adiantado pelo Estado durante cerca de 21 prestações mensais.

(nota 48) Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, p. 95; cf. também Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 519.

(nota 49) Cf. Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, 2.ª ed., PF, Lisboa, 1994, p. 181.

(nota 50) Veja-se o parecer 62/2003, de 26 de Setembro, cuja doutrina se acompanha de muito perto. Trata-se de uma temática muito estudada por este corpo consultivo, em especial, nos seguintes pareceres: n.os 55/92, de 22 de Outubro de 1993; 35/92, de 9 de Junho de 1994; 37/2002, de 23 de Outubro; 99/2002, de 26 de Setembro; 35/2003, de 15 de Maio, e 74/2003, de 23 de Outubro.

(nota 51) Cf. Casalta Nabais, "Considerações sobre a autonomia financeira das universidades portuguesas", Separata do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Estudos de 1987, p. 45. Propriamente sobre a autonomia local, cf., do mesmo autor, "A autonomia local ...", cit., pp. 143 e segs., e o "O quadro jurídico ...", cit., p. 9.

(nota 52) Segundo o n.º 1 do artigo 9.º da Carta Europeia de Autonomia Local, "As autarquias têm direito, no âmbito da política económica nacional, a recursos próprios adequados, dos quais podem dispor livremente no exercício das suas atribuições" (aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 28/90, de 23 de Outubro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 58/90, da mesma data).

(nota 53) Cf., entre outros, os Acórdãos n.os 452/87, Diário da República, 2.ª série, n.º 1, de 2 de Janeiro de 1988, e 361/91, Diário da República, 2.ª série, n.º 8, de 10 de Janeiro de 1992.

(nota 54) Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 889.

(nota 55) Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ibidem.

(nota 56) Casalta Nabais, "O quadro jurídico ...", cit., p. 9.

(nota 57) Cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/91.

(nota 58) Cf. o citado Acórdão 452/87.

(nota 59) O Tribunal Constitucional considerou não ser materialmente inconstitucional a norma que previa a afectação das receitas provenientes das taxas municipais de registo e licenciamento de cães às despesas inerentes à profilaxia da raiva, traduzindo uma verdadeira consignação de receitas.

(nota 60) As normas em causa constavam do artigo 46.º da Lei 101/89, de 29 de Dezembro, e, bem assim, do artigo 46.º da Lei 65/90, de 28 de Dezembro.

(nota 61) Neste sentido, cf. o artigo 16.º, n.º 1, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 845/78. O objectivo do legislador, tendo em conta o carácter gravoso do instituto expropriatório, era o de garantir antecipadamente "ao particular que não sofrerá qualquer dano patrimonial por efeito da expropriação sem a correspondente indemnização", cf. Alves Correia, "As garantias do particular na expropriação por utilidade pública", separata do vol. XXIII do suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1982, p. 161.

(nota 62) O acabado de afirmar não exclui que em casos excepcionais possam verificar-se situações anómalas em que a autarquia se veja confrontada com o aumento inesperado do montante das indemnizações, em termos que possam pôr em causa os princípios mencionados no texto. Tais situações hão-de merecer certamente uma ponderação casuística, em conformidade com as circunstâncias do caso concreto.

(nota 63) Cf. Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, p. 287. V. igualmente, no mesmo sentido, Gomes Canotilho, "A Lei do Orçamento na teoria da lei", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, Coimbra, 1979, p. 558.

(nota 64) Também esta instância consultiva tem abordado em diversos pareceres a problemática ligada ao conceito de lei com valor reforçado, podendo ver-se, entre os mais recentes, os seguintes pareceres: n.os 71/2002, de 14 de Agosto, e 75/2002, de 26 de Setembro.

(nota 65) Diário da República, 1.ª série-A, n.º 21, de 26 de Janeiro de 1993.

(nota 66) Antes de 1989, o conceito de lei reforçada era meramente doutrinal. A 2.ª revisão constitucional veio consagrá-lo expressamente ao conferir "valor reforçado" às leis orgânicas, no artigo 115.º, n.º 2, e ao falar em leis de "valor reforçado" como padrões de legalidade no âmbito da competência de fiscalização concreta e sucessiva abstracta do Tribunal Constitucional [nos artigos 280.º, n.º 2, alínea a), e 281.º, n.º 1, alínea b)].

(nota 67) O carácter heterogéneo das leis reforçadas leva os autores a apontarem vários critérios que, segundo Gomes Canotilho, "se entrecruzam na delimitação material deste tipo de leis". O autor aponta, como tais, os critérios seguintes: o "da parametricidade" aferido por um processo judicial de fiscalização; o "da parametricidade" específica; o "da forma e especificidades procedimentais; o "da 'maioria reforçada'"; o "da parametricidade geral" (cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2002, pp. 776 e segs.).

(nota 68) Que corresponde, actualmente, ao artigo 238.º da Constituição.

(nota 69) Para Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. V, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2000, pp. 347 e 348, "a fórmula utilizada mostra-se tão embastecida que se torna dogmaticamente inútil. Em vez de conglobar diversos elementos numa noção operacional, faz-se um mero somatório de procedimentos de espécies legislativas". Para Blanco de Morais, As Leis Reforçadas, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 656, a alteração introduzida redundou em "desfigurar o conceito dogmático de lei reforçada e transformá-lo num 'albergue espanhol' de leis de regime jurídico totalmente dissemelhante, amalgamadas à força num inextricável 'bloco de legalidade' com o qual as leis ordinárias simples passarão a ser confrontadas".

(nota 70) É o que se retira do recente Acórdão 478/2001, disponível no endereço http://tribunalconstitucional.pt/acordãos01401- 500/47801.htm.

(nota 71) Cf. Manual ..., cit., p. 355. V., também, Gomes Canotilho, Direito Constitucional ..., cit., pp. 775 e segs., e Blanco de Morais, ob. cit., pp. 646 e segs.

(nota 72) Em sentido lato, "são leis reforçadas, leis ordinárias reforçadas ou leis de valor reforçado quaisquer leis dotadas de força jurídica específica [...]". Em sentido estrito, "são leis reforçadas todas as que possuam força específica independentemente de concatenação leis gerais da República - decretos legislativos regionais; são, por exclusão de partes, todas as leis autonomizadas em virtude da sua instrumentalidade para determinados fins ou institutos" (cf. Manual..., cit., p. 348).

(nota 73) A expressão é de Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., p. 779.

Este parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 20 de Novembro de 2003.

José Adriano Machado Souto de Moura - Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora) - Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol - Maria de Fátima da Graça Carvalho - Manuel Pereira Augusto de Matos - José António Barreto Nunes - Alberto Esteves Remédio - Mário António Mendes Serrano - Nélson Rui Gomes Carmo Rocha.

(Este parecer foi homologado por despacho de S. Ex.ª o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças em 29 de Junho de 2004.)

Está conforme.

Pelo Secretário, (Assinatura ilegível.)

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2235106.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1970-11-24 - Decreto-Lei 576/70 - Presidência do Conselho

    Define a política dos solos tendente a diminuir o custo dos terrenos para construção.

  • Tem documento Em vigor 1986-04-02 - Acórdão 82/86 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 7.º, n.º 2, e 30.º, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março.

  • Tem documento Em vigor 1987-01-06 - Lei 1/87 - Assembleia da República

    Finanças locais.

  • Tem documento Em vigor 1988-01-02 - Acórdão 452/87 - Tribunal Constitucional

    Declara, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 317/85, de 2 de Agosto, que fixa o destino das receitas camarárias provenientes das taxas de registo e de licenciamento da detenção, posse e circulação de cães, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea r), da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1989-12-29 - Lei 101/89 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 1990.

  • Tem documento Em vigor 1990-12-28 - Lei 65/90 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 1991.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-09 - Decreto-Lei 438/91 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1993-01-26 - Acórdão 358/92 - Tribunal Constitucional

    Decide não declara a inconstitucionalidade nem a ilegalidade dos artigos 12.º, 13.º, n.os 1 e 2, e 14.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei n.º 2/92, de 9 de Março, não declara a inconstitucionalidade do artigo 38.º da Lei n.º 2/92, de 9 de Março, e declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma da alínea b) do artigo 50.º da Lei n.º 2/92, de 9 de Março, por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (Processo n.º 120/92).

  • Tem documento Em vigor 1998-08-06 - Lei 42/98 - Assembleia da República

    Lei das finanças locais. Estabelece o regime financeiro dos municípios e das freguesias, organismos com património e finanças próprio, cuja gestão compete aos respectivos orgãos.

  • Tem documento Em vigor 1998-12-31 - Lei 87-B/98 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento de Estado para 1999.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 168/99 - Assembleia da República

    Aprova, e publica em anexo, o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1999-12-28 - Acórdão 631/99 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a ilegalidade - por violação do principio fundamental contido no artigo 7º, nº 1 da Lei 42/98, de 6 de Agosto - na norma do artigo 6º , nº 2 do Decreto Legislativo Regional 19-A/98/A, de 31 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 2000-04-04 - Lei 3-B/2000 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2000.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-29 - Lei 30-C/2000 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2001.

  • Tem documento Em vigor 2001-06-05 - Lei 15/2001 - Assembleia da República

    Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT), publicado em anexo. Republicados em anexo a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99 de 26 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-20 - Lei 94/2001 - Assembleia da República

    Altera a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais).

  • Tem documento Em vigor 2001-12-27 - Lei 109-B/2001 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2002.

  • Tem documento Em vigor 2002-08-28 - Lei Orgânica 2/2002 - Assembleia da República

    Aprova a lei da Estabilidade orçamental. Altera a Lei de Enquadramento Orçamental, a Lei de Finanças Locais e a Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Republica em anexo a Lei 91/2001 de 20 de Agosto.

  • Tem documento Em vigor 2002-12-30 - Lei 32-B/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2003.

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