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Acórdão 208/2004/T, de 13 de Maio

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Texto do documento

Acórdão 208/2004/T. Const. - Processo 17/2004. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Marilene Valente Teixeira (ora recorrida), cidadã brasileira, residente na Avenida do Infante Santo, 4, 3.º, direito, 1350-179 Lisboa, contribuinte fiscal n.º 235463639, requereu ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social, em 28 de Outubro de 2002, apoio judiciário com vista à propositura de acção laboral. O requerimento foi, porém, indeferido, por despacho de 27 de Novembro de 2002, com fundamento em que a requerente não seria titular de autorização de residência válida, emitida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mas apenas de autorização de permanência, averbada no seu passaporte.

2 - Inconformada com esta decisão, a requerente recorreu para o Tribunal de Trabalho de Lisboa, que, por decisão de 14 de Novembro de 2003, concedeu o apoio judiciário solicitado. Para decidir desta forma, ponderou aquele Tribunal:

"Dispõe o artigo 7.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, que os estrangeiros que residam habitualmente em Portugal gozam de protecção jurídica nos termos daquele diploma.

Contudo, como refere o recorrido, o Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, estabelece, no seu artigo 1.º, que 'para efeito de protecção jurídica, a residência habitual de estrangeiros ou apátridas titulares a que se refere o n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, implica a sua permanência regular e continuada em Portugal, por período não inferior a um ano, salvo regime especial decorrente de tratado ou convenção internacional que Portugal deva observar'.

Esta disposição legal foi expressamente ressalvada da revogação constante do artigo 56.º, n.º 1, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, pelo que a referência constante da mesma ao artigo n.º 27.º, do Decreto-Lei 387-B/87 deve hoje entender-se como feita para o artigo 7.º, n.º 2, da referida Lei 30-E/2000.

Por outro lado, o Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, estabelece, nos seus artigos 2.º e 3.º, que estrangeiro residente será todo aquele que, não tendo nacionalidade portuguesa, seja titular de uma autorização de residência válida em Portugal.

Não obstante o supra-exposto, entende este Tribunal que as disposições legais citadas, quando interpretadas no sentido de que o estrangeiro residente em Portugal que não seja titular de autorização de residência válida mas disponha de autorização de permanência válida, se ache inscrito e a contribuir para o sistema de segurança social português, processe declarações de IRS, comprove encontrar-se numa situação de insuficiência económica nos termos e para os efeitos previstos na Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, pretenda obter o benefício de apoio judiciário com vista à interposição de acção no Tribunal do Trabalho para defesa dos seus direitos como trabalhador e não pode obter tal benefício por não ser titular de autorização de residência válida, são inconstitucionais, por violação dos princípios constitucionais da dignidade humana, do direito ao trabalho e dos direitos dos estrangeiros residentes, vertidos, v. g., nos artigos 1.º, 15.º, 26.º, 53.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, ainda que eventualmente venha a con[s]ta[]tar-se que o direito da requerente de permanecer no nosso país é precário, o direito que a mesma pretende valer em juízo neste Tribunal prende-se certamente com factos passados, isto é, com trabalho já prestado.

Ora, se o Estado Português não colocou quaisquer obstáculos à requerente quando a mesma se inscreveu nas Finanças e na segurança social e recebeu os impostos e as contribuições para a segurança social que a mesma pagou, não pode negar-lhe o acesso ao direito e aos tribunais para constituir advogado e suportar as custas de uma acção judicial, ainda para mais uma acção laboral, sendo certo que a requerente não dispõe de meios económicos para a custear. É que, nesta situação, a denegação à recorrente do acesso ao Tribunal do Trabalho para fazer valer os seus direitos enquanto trabalhadora constituiria, em nosso entender, a violação dos referidos princípios constitucionais da defesa da dignidade humana e do direito ao trabalho, bem como dos direitos constitucionalmente assegurados aos estrangeiros residentes, vertidos, de entre outros, nos artigos 1.º, 15.º, 26.º, 53.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa.

IV - Decisão. - Por todo o exposto, e tendo em conta o juízo de constitucionalidade supra-exposto, ao abrigo do estabelecido no artigo 2.º da Constituição da República, decide este Tribunal desaplicar, ao caso concreto, o conceito de estrangeiro residente constante dos artigos 1.º do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, e 2.º e 3.º do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, pelo que, em consequência, considerando demonstrado que a recorrente se encontra em situação de insuficiência económica, por força da presunção estipulada no artigo 20.º, n.º 1, alínea c), da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, decide este Tribunal revogar a decisão recorrida con cedendo à recorrente o benefício de apoio judiciário, na modalidade peticionada de dispensa de taxa de justiça inicial e do pagamento das demais custas e dos encargos do processo."

3 - É desta decisão que vem interposto pelo representante do Ministério Público naquele Tribunal, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso, para apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 7.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro.

4 - Admitido o recurso, foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:

"1 - É materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da não discriminação e do acesso ao direito e aos tribunais para efectivação de direitos de natureza laboral, a interpretação restritiva da norma constante do artigo 7.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, que conduz a denegar o benefício do apoio judiciário ao trabalhador estrangeiro que reside efectivamente em Portugal, dispondo de autorização de permanência - aqui trabalhando e cumprindo os seus deveres para com a administração fiscal e a segurança social - para a propositura de acção laboral, com fundamento em que não dispõe de autorização de residência válida em território português.

2 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida."

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Fundamentação. - 5 - Delimitação do objecto do recurso. - Vem o presente recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional para apreciação, nos termos do respectivo requerimento de interposição, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 7.º, n.º 2, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro. Importa, porém, começar por delimitar mais rigorosamente o objecto do recurso assim delineado.

Com efeito, em causa nos presentes autos está apenas uma determinada interpretação normativa daquele preceito, quando lido conjuntamente com o disposto nos artigos 1.º do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, e 2.º e 3.º do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, a saber: a interpretação que conduz a recusar a concessão do benefício de apoio judiciário para a propositura de acção laboral a trabalhador estrangeiro economicamente carenciado que, dispondo de autorização de permanência válida, resida efectivamente em Portugal e aqui trabalhe.

Foi esta a norma efectivamente desaplicada pela decisão recorrida, pelo que só ela constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade.

6 - Julgamento do objecto do recurso. - O Tribunal Constitucional pronunciou-se já, por diversas vezes, sobre a articulação do estatuto constitucional dos estrangeiros com a matéria do direito ao apoio judiciário. Assim, no Acórdão 962/96 (publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 15 de Outubro de 1996), tirado em plenário, o Tribunal Constitucional decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, e 1.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, na parte em que vedam o apoio judiciário na forma de patrocínio judiciário aos estrangeiros e apátridas que pretendem impugnar contenciosamente o acto administrativo que lhes denegou asilo. Posteriormente, no Acórdão 365/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Novembro de 2000), o Tribunal decidiu julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, na redacção dada pela Lei 46/96, de 3 de Setembro, "enquanto nega a possibilidade da concessão de apoio judiciário ao cidadão de nacionalidade angolana que, alegando ter perdido a nacionalidade portuguesa com o processo de descolonização, pretende efectivar jurisdicionalmente em Portugal, onde não reside, o direito à aposentação com o fundamento de ter sido funcionário da antiga administração pública ultramarina". Mais recentemente, no Acórdão 433/2003 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 10 de Novembro de 2003), o Tribunal julgou inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 7.º da Lei 30-E/2000, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 2, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, "quando interpretada em termos de conduzir à recusa da concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e dos demais encargos do processo a estrangeiro não residente em Portugal economicamente carenciado e arguido em processo penal pendente perante os tribunais portugueses".

A jurisprudência firmada naqueles arestos permite igualmente concluir pela incompatibilidade da norma ora em apreciação com os preceitos que regem a garantia do acesso ao direito, designadamente com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

Com efeito, também agora, a interpretação normativa que vem questionada, ao negar a possibilidade de acesso ao benefício do apoio judiciário para a propositura de acção destinada a fazer valer direitos emergentes de relação laboral exercida em Portugal a trabalhador estrangeiro economicamente carenciado que, dispondo de autorização de permanência válida, resida efectivamente em Portugal e aqui trabalhe, com o simples fundamento em que o mesmo não dispõe de autorização de residência válida em território português, coloca em causa "a tutela judicial como direito à garantia dos direitos" ou, como se escreveu nos Acórdãos n.os 365/2000 e 433/2003 (já citados), "um certo número de direitos fundamentais" - no caso, aqueles direitos dos trabalhadores emergentes da actividade laboral que a interposição da acção judicial para a qual o benefício do apoio judiciário é requerido se destina precisamente a fazer valer.

III - Decisão. - Nestes termos, decide-se:

a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai do n.º 2 do artigo 7.º da Lei 30-E/2000, quando interpretada em termos de conduzir à recusa da concessão do benefício de apoio judiciário para a propositura de acção laboral a trabalhador estrangeiro economicamente carenciado que, residindo efectivamente em Portugal, disponha de autorização de permanência válida e aqui trabalhe;

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Lisboa, 24 de Março de 2004. - Gil Galvão (relator) - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Vítor Gomes - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2212302.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-29 - Decreto-Lei 387-B/87 - Ministério da Justiça

    Estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

  • Tem documento Em vigor 1988-10-26 - Decreto-Lei 391/88 - Ministério da Justiça

    Regulamenta o sistema de apoio judiciário.

  • Tem documento Em vigor 1996-09-03 - Lei 46/96 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, e o Decreto-Lei n.º 391/88, de 26 de Outubro (acesso ao direito e aos tribunais).

  • Tem documento Em vigor 1996-10-15 - Acórdão 962/96 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, e dos nºs 1 e 2 do artigo 1º do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, na parte em que vedam o apoio judiciário, na forma de patrocínio judiciário, aos estrangeiros e apátridas que pretendem impugnar contenciosamente o acto administrativo que lhes denegou asilo, por violação das normas conjugadas do nº 1 do artigo 15º, nº 1 do artigo 20º, nº 6 do artigo 33º e nº 4 do artig (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-08-08 - Decreto-Lei 244/98 - Ministério da Administração Interna

    Regula as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-20 - Lei 30-E/2000 - Assembleia da República

    Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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