Despacho 16 252/2007
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, entidade requerida no processo cautelar de suspensão de eficácia interposto pela SIPEC - Sociedade Internacional de Promoção de Ensino e Cultura, S. A., que corre os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa sob o n.º 1746/07.8BELSB, vem, pelo presente despacho, e nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), reconhecer que o diferimento da execução do acto objecto da referida providência, inserido no procedimento destinado a averiguar da caducidade do reconhecimento de interesse público do estabelecimento de ensino superior Universidade Internacional da Figueira da Foz, de que é entidade instituidora a mencionada SIPEC, S. A., seria gravemente prejudicial para o interesse público.
Assim, é sua intenção continuar a executar o referido acto, isto é, continuar o procedimento em curso, pelos seguintes motivos:
1 - Na indicada providência foi requerida "a suspensão de eficácia, com o decretamento provisório da mesma, do despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de 25 de Maio de 2007", com as legais consequências.
2 - O alegado pela requerente em sede de pedido de decretamento provisório da providência não colheu provimento, tendo sido indeferido por despacho do meretíssimo juiz, de 19 de Junho de 2007, notificado com a citação à entidade requerida para deduzir oposição.
3 - A citação efectuada à entidade requerida em 21 de Junho de 2007 contém, ademais, a advertência de que deve dar cumprimento ao disposto no artigo 128.º do CPTA.
4 - Contudo, sendo o despacho suspendendo de publicação obrigatória, conforme constitui imperativo legal, nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 3, do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei 16/94, de 22 de Janeiro, alterado pela Lei 37/94, de 11 de Novembro, pelo Decreto-Lei 94/94, de 23 de Março, e pelo Decreto-Lei 74/2006, de 24 de Março, e, doravante, designado Estatuto, foi o mesmo, após assinatura e notificação à ora requerente, mandado para publicação, vindo a ser publicado sob o n.º 12 191/2007, no Diário da República, 2.ª série, n.º 116, de 19 de Junho de 2007, a pp. 16 975 e 16 976.
5 - No citado despacho deu-se "por comprovada, nos termos e para os efeitos dos artigos 55.º e 65.º do Estatuto, a falta dos seguintes pressupostos subjacentes à atribuição do reconhecimento de interesse público à Universidade Internacional da Figueira da Foz e que fundamentaram as autorizações de funcionamento de cursos e o reconhecimento de graus académicos neste estabelecimento de ensino particular universitário, de que é entidade instituidora a mencionada SIPEC - Sociedade Internacional de Promoção de Ensino e Cultura, S. A.:
a) Alteração superveniente da natureza de universidade do estabelecimento de ensino, criado e reconhecido como tal em 1996, com efeitos reportados ao ano lectivo de 1991-1992, e consagrada nos seus estatutos, face à exiguidade do número de cursos de licenciatura em funcionamento no presente ano lectivo de 2006-2007 - apenas três -, em desconformidade com o respectivo projecto científico e pedagógico [cf. disposições conjugadas na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, ambos do Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º, ambos do Estatuto];
b) Oferta de cursos e graus em número abaixo do mínimo legal estabelecido para uma universidade - seis cursos de licenciatura de três áreas científicas diferentes, dois dos quais técnico-laboratoriais -, face às autorizações de funcionamento de cursos e de reconhecimento de graus que foram concedidas àquele estabelecimento de ensino, desde a sua entrada em funcionamento [cf. as disposições conjugadas na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 14.º, todos do Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º e nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 51.º, todos do Estatuto];
c) Incumprimento do Estatuto no tocante ao número de docentes detentores das qualificações exigíveis para cada curso, traduzido: i) num défice de quatro doutores e de três mestres com formação na área do Direito no curso de Direito; ii) num défice de três doutores com formação na área da Gestão no curso de Gestão; iii) num défice de quatro doutores e de três mestres com formação na área da Psicologia no curso de Psicologia [cf. disposições conjugadas na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 14.º, ambas do Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior, e na alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 14.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º e nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 51.º do Estatuto];
d) Incumprimento do Estatuto no que respeita às condições legalmente exigidas de prestação de serviço docente em cada curso, traduzido: i) num défice de três doutores e de três mestres em regime de tempo integral com formação na área do Direito; ii) num défice de dois doutores em regime de tempo integral com formação na área da Gestão; iii) num défice de dois doutores e de um mestre em regime de tempo integral com formação na área da Psicologia [cf. alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto, conjugada com as alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 51.º do mesmo Estatuto]."
6 - No mesmo despacho, considerando que "a prossecução do interesse público exige, neste tipo de processos, uma actuação ponderada e determinada, que, sem mais delongas, clarifique a situação comprovada nos termos expostos supra e as suas consequências legais"
(n.º 20), fixou-se em 30 dias o prazo para a ora requerente da providência cautelar regularizar a situação.
7 - Ora, considerando, por um lado, que:
a) "O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei" (cf.
artigo 75.º, n.º 2, da Constituição), competindo-lhe "no domínio do ensino superior particular ou cooperativo garantir o elevado nível pedagógico, científico e cultural do ensino" [cf. alínea c) do artigo 8.º do Estatuto];
b) No domínio do ensino superior são claras as atribuições conferidas ao Estado, por forma a serem garantidos o elevado nível pedagógico, científico e cultural do ensino ministrado, assegurando-se o cumprimento da lei e a fiscalização dos estabelecimentos de ensino, para cuja prossecução a lei comete ao Governo e mais concretamente ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior as correspondentes competências (cf. artigos 2.º do Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior, aprovado pela Lei 1/2003, de 6 de Janeiro, 61.º da Lei de Bases do Sistema Educativo e 9.º do Estatuto, conjugados com o artigo 23.º do Decreto-Lei 79/2005, de 15 de Abril);
c) "O funcionamento de estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo onde se pretendam ministrar cursos que confiram o grau de bacharel, licenciado, mestre, doutor ou o diploma de estudos superiores especializados só pode ter lugar após o reconhecimento de interesse público do estabelecimento" (cf. artigo 50.º do Estatuto);
d) O reconhecimento de interesse público é concedido no termo de um processo a tanto dirigido, onde a respectiva entidade instituidora fornece os elementos necessários à sua apreciação e solicita a autorização de funcionamento dos cursos que se propõe ministrar (cf.
artigo 51.º do Estatuto);
e) A apreciação do pedido versa sobre os domínios científico e pedagógico e, bem assim, sobre as condições de salubridade e segurança das instalações, a sua adequação e do equipamento disponível ao fim previsto, bem como a viabilidade económico-financeira do projecto, a garantia de cobertura de custos e a existência de estruturas e formas de apoio social a alunos carenciados, aspectos relativamente aos quais devem também ser ouvidos especialistas de reconhecido mérito (cf. artigo 52.º do Estatuto);
f) "O reconhecimento de interesse público de um estabelecimento de ensino considera-se conferido enquanto se verificarem os pressupostos de facto e de direito subjacentes à sua atribuição, determinando a falta superveniente de algum desses pressupostos a caducidade do reconhecimento", que "carece de confirmação pelo Ministro [...] a qual deve ser feita decorridos seis meses após a comprovação de falta superveniente dos pressupostos referidos no número anterior", a efectuar "por despacho do Ministro [...], publicado no Diário da República, no qual deve ser fixado um prazo, não superior a dois meses, para a regularização da situação" (cf. artigo 55.º do Estatuto);
g) O despacho, cujos efeitos se pretendem suspender na citada providência cautelar, limita-se a verificar a falta superveniente de alguns dos pressupostos de facto e de direito subjacentes à atribuição do reconhecimento de interesse público e a fixar um prazo para a entidade instituidora do estabelecimento de ensino regularizar a situação;
h) Esse processo comporta duas fases: uma primeira, em que a administração averigua se os pressupostos de que depende o reconhecimento se mantêm e, em caso negativo, fixa um prazo, não superior a dois meses, para a situação ser regularizada e uma segunda fase, em que a administração verifica se a situação já foi regularizada e, em caso negativo, comprova definitivamente a falta dos pressupostos de que o reconhecimento depende, o que apenas pode ser feito decorridos seis meses após o primeiro acto;
i) O acto suspendendo apenas obriga a entidade instituidora, ora requerente, à demonstração de que se mantêm os pressupostos do reconhecimento do interesse público; não comprova definitivamente a sua falta, nem determina a caducidade do reconhecimento;
j) A suspensão dos seus efeitos equivaleria, assim, a admitir a dispensa, por parte de um estabelecimento de ensino superior, do cumprimento dos pressupostos de facto e de direito subjacentes à atribuição do reconhecimento do seu interesse público, que aquele está obrigado, em permanência, a manter e comprovar, quando solicitado para tal.
8 - Considerando, por outro lado, que o XVII Governo Constitucional inscreveu no seu programa, que submeteu à aprovação da Assembleia da República, a reforma do ensino superior, como uma das prioridades da sua acção governativa, a qual assenta, entre outros vectores de intervenção, na promoção da qualidade do sistema do ensino superior num quadro que garanta a sua integração no actual contexto europeu, assim como a qualificação dos portugueses no espaço europeu. Para tanto, foi desencadeada a avaliação internacional de todo o nosso sistema de ensino superior, público e privado, universitário e politécnico, e das suas instituições, de forma independente, transparente, exigente, à luz de padrões internacionais, recorrendo a organizações internacionais de experiência e idoneidade reconhecidas, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Rede Europeia para a Garantia da Qualidade no Ensino Superior (ENQA), a Associação Europeia das Universidades (AEU) e a Associação Europeia de Instituições de Ensino Superior (EURASHE).
9 - A implementação da avaliação global do sistema de ensino superior e das suas instituições, complementada, designadamente, pela revisão dos regimes jurídicos da avaliação do ensino superior e das instituições de ensino superior, recentemente aprovada, espelham parte essencial de uma estratégia consolidada para garantir o seu reconhecimento nacional e internacional, assim como a total integração ao nível europeu da rede de instituições do ensino superior português.
10 - Concomitantemente, no âmbito das suas funções de regulação, o ministério da tutela deve zelar pelo cumprimento dos requisitos de qualidade para cursos e instituições e da responsabilidade própria das instituições privadas face aos seus alunos.
11 - Neste quadro, o Ministério desenvolveu, através da sua Inspecção-Geral, já no ano em curso, um conjunto de acções inspectivas de controlo nas universidades particulares e cooperativas, abrangendo, entre outras, a Universidade Internacional de Figueira da Foz, para verificação do cumprimento das determinações legais relativas a cursos e áreas científicas exigidas para deter a denominação de universidade e corpo docente actual, suas habilitações, efectividade e actuais acumulações.
12 - A qualidade tem de constituir um requisito fundamental de qualquer instituição, sem o que não poderá a mesma sobreviver, nem no contexto nacional e muito menos no europeu ou internacional.
13 - Antes de tudo, porém, cada instituição, consoante a sua natureza e projecto científico, pedagógico e cultural, tem de respeitar, a todo o tempo, os requisitos mínimos de funcionamento estabelecidos no quadro legal aplicável, os quais estão sujeitos a um escrutínio sistemático por parte dos serviços técnicos e de inspecção e fiscalização do ministério responsável pelo ensino superior, visando defender padrões aceitáveis de qualidade no ensino leccionado, de exigência e de dignidade do ensino superior face aos superiores interesses dos alunos e da sociedade em geral, assim como a integração das diversas instituições, independentemente da sua natureza e denominação, de forma harmónica e equilibrada no sistema de ensino superior.
14 - Ora, o cumprimento dos requisitos mínimos para manter o reconhecimento de interesse público como estabelecimento de ensino superior universitário está, neste caso, conforme se constatou no mencionado despacho, seriamente posto em causa.
15 - Com efeito, as universidades têm de ministrar, no mínimo, seis cursos de licenciatura de três diferentes áreas científicas, dois dos quais técnico-laboratoriais; têm de dispor, para cada curso, no mínimo, de um docente habilitado com o grau de doutor por cada 200 alunos e de um mestre por cada 150 alunos, não podendo, em qualquer caso, o número de doutores e o número de mestres ser inferior ao número de anos do respectivo plano de estudos; sendo, ainda, que, metade dos docentes habilitados com o grau de doutor e metade dos habilitados com o grau de mestre devem prestar serviço em regime de tempo integral nesse estabelecimento de ensino; devendo, por último, os mesmos docentes ter obtido o grau académico - licenciado, mestre ou doutor - na área científica do curso em causa.
16 - No requerimento da providência cautelar, a entidade instituidora da Universidade Internacional da Figueira da Foz não nega, na essência, os factos apurados ao longo do processo - nem poderia fazê-lo de boa fé, já que os mesmos são dados objectivos, indesmentíveis, apurados, além do mais, na referida acção inspectiva de controlo cujo relatório e conclusões integram o processo administrativo - pese embora devolva responsabilidades ao ministério pela não aprovação de autorização de funcionamento de cursos, cujo mérito, porém, não logrou provar aqui e em sede própria, nem sequer alegou, e afirme que a situação quanto ao seu corpo docente melhorou significativamente (v. artigos 24.º e 138.º da providência), sem, contudo, uma vez mais, demonstrar como e em que aspectos se registaram essas alegadas melhorias.
17 - O despacho suspendendo não tem outro sentido senão o de constatar uma situação, objectiva, de falta de requisitos mínimos legais de funcionamento da Universidade Internacional da Figueira da Foz e de conceder à requerente, sua entidade instituidora, a oportunidade para, dentro do prazo legal, corrigir ou regularizar a situação detectada e prosseguir com a sua missão, que reveste um cunho de utilidade pública.
18 - À requerente cabe, pois, conformar-se com a legalidade, demonstrando, para o efeito, em sede de processo de reapreciação do interesse público, como logrou regularizar a situação de falta de pressupostos de atribuição do reconhecimento do interesse público, nomeadamente quanto à existência de um número de cursos abaixo do limite mínimo legal e da qualificação e efectividade do seu corpo docente, relativamente a cada um dos três cursos de licenciatura em funcionamento, cumprindo os requisitos legais a que alude o mesmo despacho, revertendo, se possível, a situação em benefício do mérito da posição que defende nesta acção.
Nestes termos, como se compreenderá, a suspensão do procedimento e o consequente diferimento dos actos de execução subsequentes seria gravemente prejudicial para o interesse público, pois equivaleria a admitir o funcionamento de um estabelecimento de ensino superior manifestamente à margem dos padrões mínimos de exigência por que se regem outros estabelecimentos de ensino de natureza congénere, numa situação em que, comprovadamente, não se verificam alguns dos pressupostos de facto e de direito subjacentes à atribuição do reconhecimento do seu interesse público, que a lei considera a todo o tempo indispensáveis ao seu funcionamento.
Esta situação afectaria gravemente o prestígio do ensino superior, sendo susceptível de acarretar prejuízos graves para os alunos que frequentam o estabelecimento de ensino e para a credibilidade do ensino superior privado, pois, a admitir-se, evidenciaria a impotência do Estado para prosseguir uma actividade que constitucionalmente lhe foi atribuída.
Face ao exposto, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 128.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, reconheço que o diferimento da execução dos actos consequentes do acto suspendendo seria gravemente prejudicial para o interesse público que incumbe prosseguir ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, pelo que determino que, não obstante a requerida suspensão de eficácia, o procedimento em curso deva continuar os seus termos, assim decorrendo o prazo de 30 dias úteis, após publicação do despacho, concedido à SIPEC, retirando-se as devidas consequências se, no prazo assinalado, não for regularizada a situação e preenchidos os pressupostos subjacentes à atribuição do reconhecimento do interesse público em falta.
21 de Junho de 2007. - O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, José
Mariano Rebelo Pires Gago.