Despacho 21 531/2006
Encontra-se em tramitação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, sob o n.º 758/06.3BECBR, um processo relativo a providências cautelares intentado pelo município de Coimbra, em que é solicitada a suspensão da eficácia do despacho 16 447/2006, do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, de 21 de Julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto de 2006.
O despacho 16 447/2006, exarado ao abrigo e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 69/2000, de 3 de Maio, na redacção dada pelo Decreto-Lei 197/2005, de 8 de Novembro, dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental o projecto de co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) no Centro de Produção de Souselas (CPS), pertencente à CIMPOR - Indústria de Cimentos, S. A., adiante designada por CIMPOR, ficando tal dispensa condicionada ao cumprimento integral das medidas de minimização ao mesmo anexas.
De acordo com o n.º 1 do artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o requerimento de suspensão de eficácia de um acto administrativo impede a continuação da sua execução, salvo se for reconhecido que tal diferimento resulta gravemente prejudicial para o interesse público.
Ora, tal é o caso.
Assim, considerando que:
A CIMPOR pretende implementar no CPS, mais concretamente na linha n.º 3, com a capacidade de produção de 4200 t/dia de clínquer, a valorização energética de RIP que sejam compatíveis com a produção de cimento, com a garantia de um correcto desempenho ambiental, bem como da não afectação dos parâmetros de saúde pública, especialmente para as populações envolventes, tendo para o efeito requerido a dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental (AIA), ao abrigo do artigo 3.º do Decreto-Lei 69/2000, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 197/2005;
Os RIP, cuja valorização é objecto desse projecto, são os já considerados no projecto sujeito a AIA em 1998, integrado no Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro - no qual se incluíam os Centros de Produção de Alhandra e Souselas da CIMPOR - , do qual não resultaram questões de carácter técnico inibidoras da localização de qualquer das componentes do projecto, tendo até o CPS sido uma das instalações propostas pela comissão de avaliação do referido procedimento de AIA;
A Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Incineração, adiante designada por CU, criada nos termos da Lei 20/99, de 15 de Abril, e do Decreto-Lei 120/99, de 16 de Abril, recomendou o processo de co-incineração em fornos de unidades cimenteiras por este não implicar um acréscimo previsível de emissões nocivas para a saúde quando comparado com a utilização de combustíveis tradicionais, por ter menores impactes ambientais que as incineradoras dedicadas, contribuir para um decréscimo do efeito de estufa, conduzir a uma maior recuperação de energia, por não ter impactes ambientais acrescidos em relação à produção de cimento quando respeitados os limites fixados, por razões económicas mais favoráveis em termos de investimentos e de custos de operação e por se revelar como uma solução mais flexível para a gestão dos RIP, permitindo acompanhar melhor a evolução tecnológica;
O grupo de trabalho médico para o estudo específico do impacte sobre a saúde pública dos processos de queima de RIP, criado pela Lei 22/2000, de 10 de Agosto, emitiu parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais, nomeadamente no CPS, concluindo que a co-incineração de RIP em cimenteiras, realizada de acordo com os mais recentes normativos tecnológicos, contribui globalmente para uma franca redução dos riscos para a saúde das populações que resultam da contaminação de solos ou da queima não controlada;
O CPS registou, nos últimos anos, uma melhoria significativa no seu desempenho ambiental, detendo um sistema de gestão ambiental certificado desde 2003 pela norma ISO 14001:1999 e registado no EMAS em 2006, estando tal melhoria também associada à assinatura em 1999, pela CIMPOR, do contrato de melhoria contínua de desempenho ambiental para o sector cimenteiro nacional com os ministérios responsáveis pelas áreas do ambiente e da economia, que decorreu entre 1999 e 2004;
Ao abrigo do referido contrato de melhoria de desempenho ambiental foram realizadas, no CPS, 292 acções de cariz ambiental, destacando-se, em termos de qualidade do ar, a instalação de filtros de mangas nos fornos de clínquer, em substituição dos anteriores electrofiltros, os quais constituem uma melhor tecnologia disponível;
Os testes de co-incineração de resíduos industriais perigosos (serraduras impregnadas com lamas oleosas das bacias de Santo André), realizados em Julho de 2001, sob supervisão da CCI apoiada por um consultor independente, permitiram confirmar a não influência da co-incineração nas emissões das fábricas de cimento e a sua inocuidade relativamente ao ambiente e à saúde pública;
O relatório de actualização dos processos de co-incineração de resíduos em articulação com os centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos (CIRVER), datado de Dezembro de 2005, conclui que, como processo de destruição de moléculas ambientalmente perigosas, a co-incineração no queimador principal das cimenteiras continua a ser um dos processos que oferece melhores garantias ambientais e plena salvaguarda da saúde pública;
Portugal exporta actualmente cerca de metade da sua produção anual de RIP, contrariando o princípio da auto-suficiência que norteia a política europeia de resíduos, orientada para a redução da exportação;
O processo de pré-contencioso comunitário relativo ao tratamento de RIP em Portugal reforça a necessidade de serem tomadas medidas urgentes, ao nível nacional, para o tratamento adequado destes resíduos;
A valorização energética de RIP por co-incineração é uma solução flexível e facilmente adaptável à evolução dos quantitativos a tratar, apresentando capacidade para a resolução imediata do significativo passivo destes resíduos acumulado ao longo de anos;
O actual enquadramento sócio-económico e ambiental da gestão de RIP, com destaque para as restrições à deposição de resíduos orgânicos em aterros, o aumento do custo dos combustíveis fósseis, as decisões comunitárias que determinam os processos de co-incineração como operações de valorização energética, favorece a opção pela co-incineração de resíduos;
O Decreto-Lei 85/2005, de 28 de Abril, que regula a incineração e co-incineração de resíduos perigosos e não perigosos, preconiza um elevado nível de protecção do ambiente e da saúde humana, na esteira da Directiva n.º 2000/76/CE, que transpôs, visando o estabelecimento e a manutenção rigorosa de condições de exploração, requisitos técnicos, valores limites de emissão e condições de monitorização para as instalações, de incineração e de co-incineração de resíduos perigosos e não perigosos;
No que se refere à valorização energética, o Decreto-Lei 85/2005 faz eco da importância dada à recuperação energética dos resíduos ao determinar a aplicação dos mesmos valores limite às emissões geradas por estas operações independentemente do tipo de resíduos em causa, uma vez que a distinção entre resíduos perigosos e resíduos não perigosos se baseia essencialmente nas propriedades que possuem antes da sua valorização energética e não nas diferenças de emissões que estão associadas a essa valorização;
O Instituto dos Resíduos, na qualidade de entidade competente de licenciamento da operação ao abrigo do Decreto-Lei 85/2005, de 28 de Abril, emitiu parecer favorável à dispensa de AIA solicitada pela CIMPOR, tendo considerado que no âmbito da política de gestão de resíduos, designadamente dos perigosos, a realização de operações de co-incineração no CPS contribuirá para a redução da dependência de unidades similares externas ao nosso país actualmente existente, permitindo desse modo a aplicação dos princípios da auto-suficiência e da proximidade;
Foi ainda realçado por aquele Instituto que o cumprimento do quadro legislativo nacional e comunitário em vigor permite garantir que a gestão destes resíduos nas unidades de co-incineração corresponde a um elevado nível de protecção da saúde humana e do ambiente:
O Instituto do Ambiente, na qualidade de autoridade de AIA, emitiu parecer favorável à dispensa do procedimento de AIA, tendo considerado que o pedido apresentado pela CIMPOR se encontrava tecnicamente justificado e propôs um conjunto de medidas de minimização dos impactes ambientais considerados relevantes.
Considerando o percurso difícil do processo de implementação desta vertente da política de gestão de resíduos, a qual contribui decisivamente para a execução da tarefa fundamental do Estado de defender a natureza e o ambiente, que a Constituição lhe confia (cf. artigos 9.º e 66.º) e que a Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril) desenvolve no seu artigo 24.º, bem se compreende a gravidade do prejuízo para o interesse público ambiental com a suspensão requerida, traduzida, na prática, na dilação do processo de co-incineração de RIP - onde se incluem os necessários actos preparatórios e de licenciamento - durante todo o tempo necessário à prolação da decisão judicial no processo cautelar.
Face ao enquadramento decisório do despacho 16 447/2006, do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, de 21 de Julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto de 2006, assente numa factualidade científica e técnica que o conforma em termos de oportunidade, resulta claro que a possibilidade de se suspender a sua eficácia, diferindo-se o processo de co-incineração de RIP durante todo o tempo necessário à prolação da decisão judicial no processo cautelar, apresenta-se como totalmente inadmissível e altamente prejudicial para os interesses públicos subjacentes à sua emissão, designadamente:
A urgência na execução de uma política global de gestão de resíduos perigosos, em território nacional e que complemente os CIRVER, em cumprimento das obrigações constitucionais atribuídas ao Estado e desenvolvidas pela Lei de Bases do Ambiente;
A resolução do passivo ambiental de resíduos industriais, incluindo perigosos, existente no País e indevidamente acumulado em diversos locais, alguns dos quais há muito referenciados e para o qual urge encontrar solução eficaz, sob pena do agravamento dos inerentes impactes para o ambiente e para a saúde, quer ao nível da contaminação de solos e águas subterrâneas, quer ao nível das emissões atmosféricas decorrentes da queima não controlada;
O cumprimento do princípio da auto-suficiência que norteia a política europeia de resíduos, orientada para a redução da exportação e a consequente redução dos movimentos transfronteiriços de resíduos;
O cumprimento do princípio da hierarquia das operações de gestão de resíduos, consagrado no Decreto-Lei 178/2006, de 5 de Setembro (regime geral da gestão de resíduos), em conformidade com a Directiva n.º 75/442/CEE, do Conselho, de 15 Julho, o qual estabelece que deve ser dada prioridade à prevenção, reutilização, reciclagem ou outras formas de valorização em detrimento da eliminação definitiva de resíduos;
A adopção da valorização energética de RIP por co-incineração em cimenteiras como solução adequada para a fracção destes resíduos não susceptível de operações prioritárias à luz do princípio da hierarquia acima referido, a qual, desde que realizada de acordo com os mais recentes normativos tecnológicos, contribui globalmente para uma franca redução dos riscos para a saúde das populações que resultam da contaminação de solos ou da queima não controlada;
A resolução do processo de pré-contencioso comunitário por incumprimento da Directiva n.º 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro, relativa aos resíduos perigosos, designadamente quanto à falta de adopção das medidas necessárias ao tratamento adequado dos RIP em Portugal.
A suspensão dos efeitos do despacho em crise, mais do que inconveniente, é gravemente lesiva para os interesses públicos subjacentes à sua emissão, acima enunciados, os quais contribuem para a concretização de uma política global de gestão de resíduos perigosos, em território nacional, tarefa fundamental do Estado para a defesa da natureza e do ambiente, constitucionalmente consagrada.
Assim, por tudo quanto ficou exposto, determino:
1 - Reconhecer, para efeitos do n.º 1 do artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, os graves prejuízos para o interesse público resultantes de um eventual diferimento na execução do meu despacho 16 447/2006, de 21 de Julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto de 2006.
2 - Em consequência, determinar a continuação da execução do referido despacho.
28 de Setembro de 2006. - Pelo Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, Humberto Delgado Ubach Chaves Rosa, Secretário de Estado do Ambiente.