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Assento 3/83, de 23 de Julho

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Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: o perdão referido nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 3/81, de 13 de Março, abrange as penas de prisão aplicadas em alternativa das de multa.

Texto do documento

Assento 3/83
Processo 36471. - Autos de tribunal pleno vindos da Relação de Lisboa, em que são recorrente o ministério público e recorrido Manuel Augusto de Oliveira.

Acordam no plenário do Supremo Tribunal de Justiça:
O Sr. Procurador-Geral adjunto à Relação de Lisboa recorreu para o pleno do Acórdão de 28 de Outubro de 1981, que, confirmando despacho proferido no 1.º Juízo de Polícia, declarara perdoados, face ao artigo 2.º, n.º 1, alínea b), da Lei 3/81, de 13 de Março, 4 dias de prisão que Manuel Augusto de Oliveira ia cumprir como alternativa de 600$00 de multa.

Disse estar em oposição com o de 24 de Junho do mesmo ano e da mesma Relação que, revogando despacho do Tribunal de Cascais, decidira não abranger o mencionado preceito o dia de prisão a expiar por Pedro Alexandre como alternativa de 125$00 de multa.

Realmente a secção criminal achou os julgados opostos, daí resultando o prosseguimento dos autos com vista ao representante do ministério público junto do Supremo, que aderiu à segunda posição.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.
Começaremos pela existência da oposição, já que o ponto de vista da secção pode aqui não merecer acolhimento (artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força dos artigos 668.º e 669.º e seus §§ únicos do Código de Processo Penal).

Não é esse, porém, o caso.
Os acórdãos supracitados debruçaram-se efectivamente sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja a de saber se as penas de prisão a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 3/81 abrangem ou não as que o artigo 123.º do Código Penal de 1886 criou como alternativa das de multa.

E fizeram-no no domínio da mesma legislação, precisamente esses dois preceitos.

A situação de facto em que se apoiaram era, no que interessava ao desfecho, muito semelhante - em ambos os casos, os transgressores não pagaram as multas e havia sido ordenada a sua prisão, por se mostrarem inviáveis a execução e a substituição por trabalho.

Deram finalmente soluções opostas: o de Junho decidiu que a mencionada lei não abrangia a pena de prisão quando alternativa de multa, ao passo que o de Outubro foi pela inversa.

É também pela afirmativa que vamos, tantas e tão valiosas são as razões que lhe assistem.

Desde logo, a letra da lei, que, como sabemos, é o ponto de partida de qualquer trabalho interpretativo (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil). As tais alíneas do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 3/81 falam genericamente de penas de prisão, sem distinguir as principais das alternativas.

E o legislador, ao usar tal expressão, aliás de utilização corrente, não podia ignorar que, há relativamente pouco tempo, se servira dela para designar a dita alternativa. Pena de prisão lhe chamou no relatório do Decreto-Lei 371/77, de 5 de Setembro, assim como nos §§ 2.º e 3.º do artigo 123.º do Código Penal de 1886 (nova redacção).

Portanto, se quisesse excluir esta pena do perdão, tê-lo-ia dito. Porque não o fez, teremos, em princípio, de pensar que preferiu o englobamento. "Na fixação do alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir-se em termos adequados» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Para nos decidirmos por tal sentido englobante, muito concorre ainda o tratamento que ao problema foi dado no Código Penal de 1982 e principalmente na Lei 17/82, de 2 de Julho. O n.º 3 do artigo 47.º daquele diploma lá volta a falar na pena de prisão aplicada em alternativa e o n.º 4 do artigo 5.º deste último veio dizer expressamente que nas penas de prisão referidas no n.º 1 (corresponde a igual número do artigo 2.º da Lei 3/81) estavam abrangidas as penas de prisão previstas no apontado artigo 123.º

Em qualquer das duas leis não há palavras ou preceito que inculquem para a mesma expressão - penas de prisão - âmbitos diferentes, o que permite tomar a segunda como, de certo modo, interpretativa da primeira.

E ao afirmarmos a similitude dos diplomas, estamos já a combater os argumentos em que se apoia a doutrina contrária.

Diz ela que a Lei 3/81, para perdoar a prisão de alternativa, teria logicamente de perdoar a multa de que é o anverso. Diz ainda que, se nas alíneas h) e l) do artigo 1.º a palavra "prisão» é empregada no sentido restrito de pena principal, não iria, logo adiante, tê-lo por mais largo. Finalmente, uma pena autónoma, efectiva e actual como a prisão cominada por lei nada tem de comum com a de alternativa, sempre na dependência da multa e meramente eventual.

A estas três razões bastaria responder com o texto da Lei 17/82: esta perdoa a prisão de alternativa e não perdoa a multa; mutatis mutandis, repete nas alíneas p) e q) do artigo 1.º o que a antecessora dizia nas alíneas h) e l) acima citadas e, todavia, logo no artigo 5.º abrange nas penas de prisão a do artigo 123.º; finalmente vai para este conceito amplo, sem mexer, como aliás lhe não competia, nas características da prisão de alternativa.

Há, contudo, muitos outros motivos para incluir esta pena no perdão concedido pela Lei 3/81 e concomitantemente para invalidar a argumentação em contrário.

É desde logo interessante a lição do passado. Lendo-se os diplomas que, de há 20 anos para cá, têm distribuído igual benesse, extraem-se duas conclusões: ela respeita muito mais às regras de prisão que às pecuniárias e, sobretudo, associa frequentemente às primeiras a que resulta da conversão de multas (cf. Decretos-Leis n.os 37386, 38018, 39187, 40184 e 47702, respectivamente de 26 de Abril de 1949, 30 de Outubro de 1950, 25 de Abril de 1953, 3 de Junho de 1955 e 15 de Maio de 1967).

Justifica-se a linha tradicional. Por um lado, os motivos que levam a perdoar uma pena privativa da liberdade são diversos dos que conduzem ao perdão de uma pena pecuniária; consequentemente, não há razão para os dois benefícios andarem juntos. Pelo outro, apresentando a prisão de alternativa (como dantes a de conversão) os mesmos inconvenientes da prisão principal (encargos financeiros, traumatismos da personalidade, contactos indesejáveis, sofrimento já desnecessário), não se vê por que se há-de perdoar esta e não aquela. Dir-se-á até que quem perdoa o mais perdoa o menos e, por regra, a prisão de alternativa é a mais curta e mais perniciosa.

Contra esta equiparação, objecta-se com o facto de a prisão de alternativa aparecer ligada à multa, quer historicamente, quer na medida, quer na execução.

A objecção não procede.
Primeiro, porque a dita ligação não lhe tira o carácter de pena privativa da liberdade, denominador comum - diz Eduardo Correia - de todas as formas possíveis de prisão (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 146, p. 257).

Segundo, porque a dependência não é assim tão grande. Começam logo ambas as penas por ter duração diferente, o que denuncia a maior gravidade da prisão. Por sua vez, esta figura na norma incriminadora ao lado das outras penas, nomeadamente da multa (artigo 123.º do Código velho e artigo 46.º, n.º 3, do novo); aliás, só desse modo se cumpriria o mandamento constitucional de se não prender ninguém sem sentença judicial e com base em acto punido por lei com pena de prisão. Por fim, a alternativa da sanção coloca-se, por conceito, a par e não abaixo das outras.

Portanto, é doutrinalmente errado considerar a prisão de alternativa como fenómeno da fase executiva.

Sucede apenas que o seu cumprimento fica dependente de uma condição suspensiva - a falta de pagamento ou resgate da multa.

Mas é no mesmo pé que fica uma prisão de execução suspensa e, todavia, nunca ninguém pensou excluí-la do perdão, até a pretexto de assim se manter o estímulo de boa conduta. Quer isto dizer que não é aqui de invocar a força coagente da prisão de alternativa, para mais sabendo-se que a não sofrem os condenados carecidos de meios económicos (artigo 123.º, § 3.º, do Código Penal de 1886 e artigo 47.º, n.º 4, do de 1982).

E o paralelo acima estabelecido afasta, outrossim, a acusação de que a pena em causa não é efectiva e actual. Se reservarmos, como parece razoável e já tem sido decidido, a aplicação do perdão para o momento em que se verifique a condição supra, a prisão de alternativa será nessa altura tão certa, tão imediata e tão inexorável como outra qualquer.

Por fim, não deixaremos de responder aos dois últimos argumentos da doutrina contrária: o tal conceito restrito de prisão utilizado nas alíneas h) e l) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei 3/81 e o carácter excepcional das leis que concedem o perdão.

Relativamente a este, diremos que nos limitamos a fazer uma interpretação declarativa da Lei 3/81; mas, extensiva que fosse, ela não brigaria com a natureza da norma e até se justificaria por favorecer o réu.

No que concerne àquele, há duas coisas que o invalidam: a primeira, não ser de boa técnica interpretar a regra de um instituto (o perdão) recorrendo à de outro (amnistia) inteiramente diferente; a segunda, haverem as alíneas h) e l) do artigo 1.º restringido o conceito de prisão (pena principal) pela aposição das palavras "com ou sem multa», que, todavia, não aparecem nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º

Nestes termos se lavra o assento seguinte:
O perdão referido nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 3/81, de 13 de Março, abrange as penas de prisão aplicadas em alternativa das de multa.

Não é devido imposto de justiça.
Lisboa, 14 de Abril de 1983. - Manuel Alves Peixoto (relator) - Ruy Corte Real - Amílcar Moreira da Silva - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - José Fernando Quesada Pastor - Orlando de Paiva Vasconcelos Carvalho - José Luís Pereira - Manuel Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - Augusto Victor Coelho - José dos Santos Silveira - Manuel Baptista Dias da Fonseca - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - João Fernandes Lopes Neves - Antero Pereira Leitão - Licurgo Augusto dos Santos - Manuel Flamino dos Santos Martins - António Júdice de Magalhães Barros Baião - Raul José Dias Leite de Campos - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos - Abel Vieira de Campos Carvalho Júnior - António Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Júnior - Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro - Manuel dos Santos Victor (vencido, pois que em nosso modo de ver o recurso não seria de admitir em virtude de, em qualquer dos arestos, em processo de transgressão, só não haver recurso ordinário por motivo de alçada, o que no caso se verificou, uma vez que a multa aplicada ser de quantia inferior a 40000$00 - artigos 646.º, n.º 6, do Código de Processo Civil e 764.º, parte final, do Código de Processo Civil. Nos dois casos se tratava de transgressores que não pagaram as multas que eram de quantitativo inferior ao referido).

Está conforme.
Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Abril de 1983. - O Escrivão, António dos Santos Rodrigues.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/191133.dre.pdf .

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