de 5 de Setembro
A tarefa de adequação do Código Penal à nova Constituição em matéria de direitos, liberdades e garantias reconduz-se, por ora, à proposta de alteração de um só artigo e à revogação de outro. Isto por duas principais razões: a de que o Código Penal português se encontra desactualizado, mas não é inconstitucional, e a de que, encontrando-se em fase avançada os trabalhos de preparação do projecto do novo Código Penal, não se julgou aconselhável, nesta fase, deitar o clássico remendo novo em pano velho.Foi já, com efeito, aprovada em Conselho de Ministros e enviada à Assembleia da República a proposta de lei relativa à parte geral do novo Código, e espera-se que antes do fim do ano possa completar-se a parte especial.
E é tão profunda a modificação da estrutura do actual diploma que se não julgou avisado introduzir neste alterações pontuais de curta vigência. Se, por um lado, poderiam melhorar os pontos retocados, por outro, ameaçavam o equilíbrio do conjunto e comprometiam a sua sistemática.
Constitui clara excepção à constitucionalidade do actual diploma a matéria dos artigos 123.º e 124.º Com efeito, a pura e simples conversão em prisão da pena de multa colidiria frontalmente com a prescrição do artigo 27.º da Constituição.
Neste se exige que ninguém seja privado da liberdade «a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão», o que não é, obviamente, o caso da pura e simples condenação em multa.
Este é um aspecto, sendo outro o de saber até que ponto é conveniente, do ponto de vista da administração da justiça, deixar de todo em todo sem sanção penal a falta de pagamento de multa aplicada. Muitas vezes deixaria de ser paga, não por impossibilidade de fazê-lo, mas por acto consciente de recusa. Nem sempre, por outro lado, seria fácil, ou viável, coagir o condenado a pagá-la por simples recurso à execução forçada. E a dificuldade acabaria por se volver contra os infractores, através da tendência, que fatalmente surgiria, da substituição da pena de multa pela de prisão.
Ora, a multa continua a constituir uma muito importante medida substitutiva da cada vez mais condenada pena de prisão.
De vários quadrantes, surgiu no entanto, e no plano prático, uma viva reacção contra a pura e simples inconvertibilidade em prisão da pena de multa não paga. Além da sua função preventiva e intimidativa, a multa constitui também uma importante fonte de receita, nomeadamente para as autarquias locais. E a perspectiva da indiferença do que não possui bens penhoráveis perante a força intimidativa da pena de multa é, pelo menos, tão receável quanto a perspectiva tradicional, segundo a qual só cumpre pena de cadeia o que não tem meios para pagar a multa.
Foram estas as determinantes causais da solução encontrada, na base da aplicação da pena de multa em alternativa com a de prisão correspondente. Fica assim satisfeita a exigência constitucional. Mas não o ficariam, sem mais, justificadas preocupações de justiça social.
Daí que o sistema proposto seja algo mais complexo, desdobrando-se em diversas fases. Em primeiro lugar, procura-se que seja cumprida a pena de multa e só quando este cumprimento se revele inviável se cogita do cumprimento da pena alternativa de prisão. Mas do não cumprimento voluntário da pena de multa transita-se, antes de mais, para a tentativa da sua cobrança coerciva e, após isso, para a sua substituição por dias de trabalho, só sendo cumprida a pena de prisão quando a pena de multa não puder ser executada nem remida com trabalho.
Prevê-se, no entanto, a redução da pena de prisão a uma duração mínima, ou mesmo a isenção da pena, quando o condenado provar que o não pagamento da multa lhe não é imputável.
Preconiza-se assim um sistema maleável, que, por um lado, dá satisfação à exigência constitucional e, por outro, não deixa de atender às implicações práticas da sua consagração pura e simples.
Assim, no uso da autorização legislativa conferida pela Lei 52/77, de 26 de Julho, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º O artigo 123.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:
Art. 123.º As infracções punidas nas leis penais com multa passam a ser punidas, em alternativa, com a multa cominada e com o correspondente tempo de prisão reduzido a dois terços.
§ 1.º Quando a multa for de quantia taxada por lei, fixar-se-á a equivalência à razão de 100$00 por dia.
§ 2.º Quando a multa não for paga nem puder ser executada ou substituída por dias de trabalho nos termos da lei de processo penal, será cumprida a pena de prisão aplicada na sentença em alternativa.
§ 3.º Se, todavia, o condenado provar que a razão do não pagamento da multa, directo ou por substituição por dias de trabalho, lhe não é imputável, pode, excepcionalmente, a prisão fixada em alternativa ser reduzida até seis dias ou mesmo decretar-se a isenção da pena.
§ 4.º O disposto nos parágrafos anteriores será aplicável aos casos em que a infracção for punida com prisão e multa.
§ 5.º Em qualquer caso, a prisão fixada em alternativa da multa não pode exceder a duração de dois anos, quando aplicada por qualquer crime, de seis meses, no caso de multa aplicada a contravenções previstas nas leis, e de um mês, no caso de multa aplicada a contravenções previstas em regulamentos ou posturas.
Art. 2.º É revogado o artigo 124.º do Código Penal.
Art. 3.º O presente diploma entra em vigor quinze dias após a sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Mário Soares - António de Almeida Santos.
Promulgado em 15 de Agosto de 1977.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.