Acórdão 483/2000/T. Const. - Processo 670/98. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - José da Costa Pimenta, melhor identificado nos autos, requereu em 3 de Abril de 1998 à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 30 de Março de 1998 que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva.
Em 15 de Abril de 1998, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais deliberou ratificar o despacho do presidente desse Conselho de 7 de Abril do mesmo ano, proferido no âmbito do incidente de suspensão de eficácia deduzido, que reconhecera a grave urgência para o interesse público na imediata execução do acto cuja suspensão de eficácia fora pedida.
Por intermédio de pedido que deu entrada no Supremo Tribunal Administrativo em 27 de Abril de 1998, o requerente veio questionar esta decisão, terminando por requerer, ao abrigo do disposto no artigo 81.º, n.º 3, do Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho, "que o tribunal adopte, com urgência, 'as providências convenientes', nomeadamente, as seguintes: a) que ordene à entidade ré que diligencie pelo processamento dos vencimentos do requerente; b) que ordene à entidade ré que diligencie no sentido de repor imediatamente o vencimento subtraído da conta do requerente, respeitante ao corrente mês de Abril."
Em 13 de Maio de 1998, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia requerida e decidiu "não conhecer do pedido de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida ou relativo à reposição de vencimentos."
2 - Desta decisão pretendeu o requerente interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82 (Lei do Tribunal Constitucional), com vista à apreciação da constitucionalidade das normas contidas nos seguintes preceitos:
Artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril, na redacção do Decreto-Lei 229/96, de 29 de Novembro;
Artigo 80.º, n.º 1, da LPTA, aprovada pelo Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho;
Artigo 170.º, n.º 2, do EMJ, aprovado pela Lei 21/85 de 30 de Julho, na redacção da Lei 10/94, de 5 de Maio.
O relator no Tribunal Constitucional, por despacho de 13 de Outubro de 1998, depois de ponderar que "no momento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente não gozava - como seria necessário, não tendo constituído advogado (artigo 83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional) - do direito de advogar em causa própria, por o acto de aplicação da pena de aposentação compulsiva estar a produzir efeitos", fixou ao recorrente o prazo de 10 dias para constituir mandatário, vindo este ajuntar aos autos procuração forense.
3 - Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
"1.ª - A alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril, [Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)], na parte em que defere ao Supremo Tribunal Administrativo a competência para conhecer dos actos praticados pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, chama a decidir um 'tribunal' cujos juízes estão na absoluta dependência e subordinação à parte contrária, já porque estão sujeitos à respectiva 'acção disciplinar', já porque estão sujeitos à 'acção pedagógica' dos respectivos agentes, já porque são por ela livremente 'distribuídos' e amovíveis, e não tem a garantia de que receberão o seu vencimento ao fim do mês, já porque podem ver as suas contas bancárias particulares congeladas por elementos da entidade ré.
2.ª Por outro lado, a questionada alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um 'tribunal' que forneceu e fornece, pagou e paga, todos os funcionários da parte contrária, a quem fornece igualmente instalações, telefone, faxes e dinheiro do seu orçamento e deixa utilizar gratuitamente a sala de sessões do mesmo e faculta que os membros da parte contrária se sentem nas cadeiras dos juízes.
3.ª Acresce que a questionada alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um 'tribunal' que, em violação do artigo 216.º, n.º 3, da Constituição, aceitou que um juiz seu desempenhasse funções administrativa ao serviço da parte contrária e deixasse presidir pela mesma pessoa que preside à parte contrária, e que tem poder disciplinar sobre os funcionários judiciais, encarregados de tramitar o processo.
4.ª A questionada alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um 'tribunal' que daria, como deu, acesso total e permanente aos autos por banda da parte contrária, dispondo deles vinte e quatro horas por dia, sem ter necessidade de os pedir a ninguém, Não assim por parte do requerente.
5.ª A questionada alínea c) do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um 'tribunal' no qual um magistrado do Ministério Público interviria, como interveio, em apoio da parte contrária, e que deu parecer no sentido de 'indeferir-se o pedido' feito pelo recorrente, aduzindo argumentos novos, sobre os quais o recorrente nada pôde dizer, por nem sequer lhe ter sido notificado, e que se destinou a influenciar, a decisão do tribunal.
6.ª Sendo certo que o requerente jamais foi convocado para qualquer audiência ou para a leitura do acórdão e jamais usou da palavra, a questionada alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um 'tribunal' em que o magistrado do Ministério Público seria como, convocado para a sessão secreta em que o tribunal decidiu o processo e tomou parte nela, sendo 'ouvido', defendendo posição todo favorável à posição da parte contrária e desfavorável à posição do requerente. Ademais, o magistrado do Ministério Público que esteve presente até tinha poderes de mover processo crime aos juízes que estavam a decidir e, sendo caso disso, podia prendê-los. Vincando bem a sua presença, o magistrado do Ministério Público assinou também o acórdão do 'tribunal'.
7.ª A decisão recorrida (como aliás, o despacho do Exmo. Conselheiro Relator, de 13 de Outubro de 1998) considerou que a 'resolução fundamentada' prevista no n.º 1 do artigo 80.º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos [LPTA], constituída pelo Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho, pode ser emitida pela 'autoridade administrativa' contra um juiz.
8.ª Todavia, uma tal solução viola o princípio do Estado de direito, que exige a subordinação da Administração Pública à jurisdição, assim como viola a garantia da inamovibilidade dos juízes e o princípio constitucional que se extrai dos artigos 2.º, 130.º, n.os 2 e 3, 157.º, n.os 2 a 4, 160.º, n.º 1, alíneas a) a d), 196.º, n.os 1 e 2, 216.º, n.º 1, e 222.º, n.º 5 e 6, da lei fundamental, segundo o qual os titulares de órgãos de soberania só podem perder o cargo em virtude de acto de outro órgão de soberania. Se assim não fosse, a entidade ré seria, com o CSM, a autoridade máxima no País e seria legal a sua prática de desligar juízes do serviço com efeitos retroactivos, deste modo tornando inexistentes ou, pelo menos, nulas e de nenhum efeito as respectivas sentenças.
9.ª Além disso, na situação dos autos, o n.º 1 do artigo 80.º da LPTA é orgânica e formalmente inconstitucional quando feito valer contra um juiz, pois foi emitido pelo Governo, exercendo, aliás, competência legislativa própria.
10.ª A decisão recorrida aplicou o n.º 2 do artigo 170.º da Lei 21/85, na interpretação segundo a qual o recurso interposto das decisões expulsivas de juízes não tem, por si só, efeito suspensivo, tendo o interessado de interpor processo de suspensão de eficácia da decisão.
11.ª Ora, o recurso só teria efeito meramente devolutivo se a Administração Pública fruísse do privilégio de execução prévia contra o juiz, o que resulta já demonstrado não ser o caso, tanto mais que os juizes têm um estatuto constitucional próprio, sendo que a Constituição, nos seus precisos termos e mais não permitindo, apenas defere ao CSTAF o 'exercício da acção disciplinar' e não o 'poder disciplinar', ou seja, o CSTAF tem a faculdade de actuar 'apenas como promotor de justiça junto de um órgão independente que, atendida a defesa do arguido, profere uma sentença', não lhe cabendo exercer o poder de condenar, o poder de julgar e punir.
12.ª O douto acórdão recorrido violou as seguintes normas e princípios constitucionais:
a) Quanto à alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF, mostram-se violadas as normas dos artigos 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei 65/78, de 13 de Outubro, e 8.º, n.os 1 e 2, da Constituição, os princípios do Estado de direito e separação de poderes consagrados no artigo 2.º da Constituição, o disposto no artigo 203.º da Constituição, que consagra o direito do recorrente a 'tribunais [que sejam] independentes', o direito de defesa, consagrado nos artigos 32.º, n.º 1, e 269.º, n.º 3, da Constituição e o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição que confere ao requerente o direito a um 'processo equitativo';
b) Quanto ao n.º 1 do artigo 80.º da LPTA, mostram-se violadas as normas dos artigos 2.º, 167.º, alínea g) (versão de 1982), e 216.º, n.º 1, da Constituição, e o princípio constitucional, que se extrai dos artigos 2.º, 130.º, n.os 2 e 3, 157.º, n.os 2 a 4, 160.º, n.º 1, alíneas a) a d), 196.º, n.os 1 e 2, 216.º, n.º 1, e 222.º, n.os 5 e 6, da lei fundamental, segundo o qual os titulares de órgãos de soberania só podem ser afastados do cargo por outro órgão de soberania;
c) Quanto ao n.º 2 do artigo 170.º da Lei 21/85, foram violadas as normas dos artigos 2.º e 216.º, n.º 1, da Constituição, e o princípio constitucional, que se extrai dos artigos 2.º, 130.º, n.os 2 e 3, 157.º, n.os 2 a 4, 160.º, n.º 1, alíneas a) a d), 196.º, n.os 1 e 2, 216.º, n.º 1, e 222.º, n.os 5 e 6, da lei fundamental, segundo o qual os titulares de órgãos de soberania só podem ser afastados do cargo por outro órgão de soberania."
Por seu turno, o presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais contra-alegou, entre o mais suscitando as questões prévias da ilegitimidade do recorrente, relativamente à disposição contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), e da não aplicação pela decisão recorrida dos artigos 170.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e 80.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (LPTAF), na interpretação que o recorrente imputa de inconstitucional.
Ouvido sobre as questões prévias deste modo suscitadas, o recorrente veio requerer a este Tribunal que:
"a) Seja o escrito apresentado em 15 de Janeiro de 1999, notificado ao recorrente como 'contra-alegações do recorrido', desentranhado e devolvido ao seu apresentante, que é terceiro;
b) Não se tome conhecimento das 'questões prévias' constantes do referido escrito, por ilegitimidade do apresentante;
c) Caso assim se não entenda, não se tome conhecimento das 'questões prévias' constantes do mesmo escrito, por as mesmas não constarem de 'alegações';
d) Caso assim se não entenda, sejam desatendidas tais questões prévias."
Sem vistos, cumpre, neste momento, apreciar e decidir.
II - Fundamentos
A) Questões prévias e delimitação do objecto do recurso
4 - Antes de mais, importa resolver as questões prévias suscitadas pelas partes.
Alegou a entidade recorrida que o recorrente não tinha legitimidade para sustentar, perante a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, a inconstitucionalidade da norma que lhe atribuía competência para julgar o recurso e a suspensão de eficácia que ele próprio para ela interpusera: ao intentar o recurso (e a suspensão de eficácia) o recorrente reconhecia uma competência que não poderia subsequentemente pôr em causa.
Mesmo sem invocar o simile do artigo 102.º do Código de Processo Civil, como fez o recorrente na sua resposta, há-de, porém, concluir-se de forma diversa: no tribunal prima facie competente pode sustentar-se a sua incompetência, decorrente de inconstitucionalidade da norma atributiva de competência, sem por essa forma reconhecer de forma implícita a competência de tal tribunal. Dir-se-á mesmo, aliás, que qualquer tribunal que não pudesse convocar imediatamente a norma impugnada para estabelecer a sua competência tenderia logo a considerar-se incompetente antes de proceder à análise da constitucionalidade da norma atributiva da competência a outro tribunal.
Improcede, pois, a primeira questão prévia suscitada pela entidade recorrida quanto à alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
5 - Alegou esta, igualmente, que o n.º 1 do artigo 80.º na interpretação tida por inconstitucional pelo recorrente a de que a resolução fundamentada aí prevista pode ser emitida contra um juiz - não foi aplicada na decisão recorrida.
E, efectivamente, o trajecto argumentativo do acórdão recorrido, no que diz respeito à questão da suspensão de eficácia da decisão proferida no processo disciplinar instaurado ao recorrente, omite qualquer referência a uma tal norma.
Tal norma apenas vem referida na decisão recorrida a propósito da questão prévia aí sustentada pela entidade recorrida: a da perda de estatuto de juiz e, portanto, também do direito de litigar por si. A esse propósito, escreveu-se na decisão recorrida a fl. 106 dos presentes autos:
"O pedido de suspensão de eficácia deu entrada no tribunal em 3 de Abril de 1998 [...]
Como, de acordo com o preceituado no artigo 80.º da LPTA, a entidade requerida terá que suspender provisoriamente a execução do acto, logo que recebido o duplicado do requerimento de suspensão e a deliberação que reconheceu grave urgência na execução só ocorreu em 15 de Abril de 1998, há que concluir que houve um período em que a execução do acto esteve paralisada."
Conclui-se, portanto, que esta norma do n.º 1 do artigo 80.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não foi aplicada para decidir a suspensão de eficácia da decisão proferida no processo disciplinar instaurado ao recorrente.
Ela apenas é referida quanto à questão prévia relativa ao direito do recorrente de advogar por si, para se apurar que o acto esteve com a eficácia paralisada durante um certo período. Mas tal norma não constituiu ratio decidendi, sequer implícita, da decisão sobre o pedido de suspensão de eficácia formulado pelo requerente com base no artigo 76.º, n.º 1, da LPTA, sendo certo que, além do mais, a questão prévia relativamente à qual se refere a aplicação do artigo 80.º - ou seja, a do direito de advogar por si próprio - foi decidida em sentido favorável ao recorrente.
A norma em questão não foi, pois, aplicada como ratio decidendi pela decisão recorrida.
Ora, sabendo-se que o presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e para conhecimento de tal recurso se torna necessária a verificação, como requisitos específicos, não só do esgotamento dos recursos ordinários e da suscitação da questão de constitucionalidade normativa durante o processo, mas também da aplicação da norma (ou dimensão normativa) impugnada pelo tribunal a quo como critério de decisão, fácil é concluir que a questão prévia suscitada pela entidade recorrida relativamente ao n.º 1 do artigo 80.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos deve considerar-se procedente.
O Tribunal não tomará, pois, conhecimento do recurso, relativamente a esta norma.
6 - Finalmente, vem alegado pela entidade recorrida que também o sentido impugnado da norma do n.º 2 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - o de que "o recurso interposto das decisões expulsivas dos juízes não tem, por si só, efeito suspensivo, tendo o interessado de interpor processo de suspensão de eficácia da decisão" - não teria sido aplicado, por faltar um dos pressupostos do deferimento desse efeito suspensivo (a possibilidade de aquilatar da existência, para o recorrente, de prejuízo irreparável ou de difícil reparação).
Não assiste razão à entidade recorrida, porquanto logo o mero facto de se exigir a verificação de tal requisito para atribuição de efeito suspensivo - se é que não mesmo a verificação dos requisitos do "meio processual acessório regulado nos artigos 76.º e seguintes da LPTA" (questão que a decisão recorrida deixou em aberto) - é, por si só, demonstrativo da aplicação do sentido impugnado sub specie constitutionis.
Na verdade, o sentido que é pelo recorrente tido como não desconforme à lei fundamental dispensaria, para o caso dos juízes, qualquer outra indagação prévia à atribuição do efeito suspensivo, para além do recurso interposto da decisão expulsiva.
Improcede, portanto a terceira e última questão prévia suscitada pela entidade recorrida (o que não quer dizer que esse sentido impugnado e ainda imputável à decisão recorrida haja de ter-se por inconstitucional).
7 - Ouvido o recorrente sobre estas questões prévias, veio este suscitar, por sua vez, outras questões, entre as quais uma questão de constitucionalidade.
Em primeiro lugar, considerou que as questões prévias invocadas pela entidade recorrida se limitavam a discutir o despacho de admissão do recurso, concluindo daí que, como tal decisão só podia ser impugnada nas alegações das partes e não havia alegações nenhumas (fora as questões prévias que visavam "pôr em crise o despacho que admitiu o recurso"), não teria havido intervenção processual válida, até porque, como escreve, tal "escrito não foi identificado pela entidade apresentante como sendo a peça processual denominada 'alegações' ou 'contra-alegações'".
Uma vez, porém, que esta formalidade identificativa não é indispensável resultando do contexto que se tratava das contra-alegações da entidade recorrida - e que a "resposta" referida no n.º 2 do artigo 698.º não tem necessariamente que contraditar os argumentos da outra parte para contrariar a pretensão desta, tem-se por indiscutível que o "escrito" (no dizer do recorrente) apresentado pela entidade recorrida constitui as suas (contra)-alegações.
E, tendo sido as questões prévias antes abordadas suscitadas nestas contra-alegações da entidade recorrida, há-de concluir-se que o foram da forma e no momento adequados, pelo que improcede esta questão prévia.
8 - Em segundo lugar, considerou o recorrente não estar apurado que a entidade recorrida - o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais - fosse responsável pelas referidas alegações, uma vez que:
a) Não estava demonstrado que a entidade recorrida tivesse "deliberado apresentar contra-alegações neste recurso perante o TC";
b) "Nem que os tenha aprovado";
c) Nem que "o assinante do escrito" invocasse qualquer delegação de poderes.
Uma vez que a delegação de poderes para "responder à matéria dos incidentes de suspensão de eficácia deduzidos pelo licenciado José da Costa Pimenta relativamente, quer à 'decisão' do Conselho datada de 30 de Março de 1998, que aplicou ao requerente a 'pena de aposentação compulsiva', quer para praticar, no âmbito desses incidentes, quaisquer actos processuais que legalmente caibam a este Conselho" consta a fl. 63 dos autos, ficam, porém, prejudicadas as dúvidas manifestadas pelo recorrente (não obstante a falta da menção prevista no artigo 38.º do Código do Procedimento Administrativo): a deliberação da entidade recorrida dá cobertura à decisão de apresentação de contra-alegações e ao seu conteúdo, constando do processo que o subscritor das contra-alegações estava mandatado pela entidade recorrida para as apresentar, em termos de se poder ter por desnecessária a reiterada invocação da delegação de poderes.
9 - Em terceiro lugar, considerou o recorrente que, cometendo o n.º 2 do artigo 217.º da Constituição ao Conselho Superior (dos Tribunais Administrativos e Fiscais) "nos termos da lei a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da acção disciplinar" - e prevendo o n.º 3 do artigo 98.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) que apenas possa ser delegada no presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais a "competência para actos de gestão corrente relativos a juízes"- uma tal delegação de competências seria nula, nas palavras do recorrente, porque: "apresentar 'contra-alegações' ao presente recurso, em que está em jogo a inexistência, a nulidade ou a anulabilidade dos actos do CSTAF, bem como a eventual responsabilidade disciplinar, civil e criminal dos seus membros e, bem assim, todo o sistema de jurisdição administrativa e fiscal, não configura, obviamente, 'acto de gestão corrente'."
Antes de considerar este argumento, acrescente-se que o recorrente invocou que mesmo a norma do artigo 98.º, n.º 3, do ETAF seria inconstitucional "por violação do artigo 217.º, n.º 2, da lei fundamental" já que, "à luz da Constituição, nada pode delegar".
Cumpre, assim, preliminarmente apurar o relevo desta questão de inconstitucionalidade: deverá ser atendida pelo Tribunal? E, se o for, há-de configurar-se como questão prévia do recurso em causa?
É certo que na suscitação da questão de constitucionalidade não foi invocada alínea alguma do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, como teria para se poder a sua apreciação configurar como objecto de recurso (n.º 1 do artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro). Mas é igualmente certo que uma questão de constitucionalidade incidentalmente suscitada nas alegações de um recurso há-de ser discutida neste. O próprio Tribunal Constitucional já entendeu que lhe cabia fazer oficiosamente o controlo de constitucionalidade da norma-parâmetro, se dela dependesse a decisão de ilegalidade a formular sobre a norma objecto de recurso (cf. Acórdão 624/97, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Novembro de 1997), e também de normas reguladoras da legitimidade processual para interpor recurso de constitucionalidade (Acórdão 553/94, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Julho de 1995). No caso, a norma impugnada é, como no caso do Acórdão 553/94, pressuposto de intervenção de uma das partes perante o Tribunal Constitucional, já que a terem-se por inconstitucionais, face à lei fundamental, as delegações de competências do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, haveria de se ter a intervenção processual do seu presidente como ilegítima.
Assente, portanto, que há que ponderar a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente - e que há-de fazê-lo no presente processo como questão prévia ao seu prosseguimento -, pode-se agora ultrapassá-la sem dificuldade: é que o n.º 2 do artigo 217.º comete, desde a 2.ª revisão constitucional, a um Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais a nomeação, colocação e transferência dos juizes de tais tribunais, bem como o exercício da acção disciplinar "nos termos da lei", nada obstando a que uma fracção dessas atribuições seja exercida por delegação.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, p. 826, anotação II ao artigo 219.º da Constituição - que corresponde exactamente ao actual artigo 217.º da lei fundamental), "quanto ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (n.º 2), a Constituição é omissa, remetendo o seu regime, incluindo a sua composição, para a lei". Estando prevista na lei (n.º 3 do artigo 98.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) a delegação de poderes do Conselho no seu presidente, sendo essa possibilidade, aliás, a regra (cf., o n.º 3 do artigo 35.º do Código do Procedimento Administrativo), e dependendo a norma constitucional de preenchimento pelo legislador ordinário, para o qual remete, cai pela base a imputação de inconstitucionalidade à norma do n.º 3 do artigo 98.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Coisa diversa é saber se a previsão de delegação de poderes prevista nessa norma cobre ou não a situação sub iudicio: alega o recorrente, como já se viu, que não, na medida em que a apresentação de contra-alegações de recurso exorbita dos actos de gestão corrente admitidos delegar. Embora esta não seja uma questão de constitucionalidade - se bem que estivesse dependente da questão de constitucionalidade acabada de esclarecer -, é outra das questões prévias ao conhecimento do recurso. Como é unânime, "o recurso para o TC é sempre restrito a uma [questão de constitucionalidade] [...] que consiste em saber se determinada norma aplicável a uma causa pendente no tribunal é ou não inconstitucional" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob, cit., p, 1016, anotação V ao artigo 280.º, que invocam os Acórdãos n.os 353/86 e 45/88 deste Tribunal, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Abril de 1987 e de 9 de Maio de 1988, para acrescentarem que não são questões de constitucionalidade a apreciação de erros de julgamento ou a qualificação da matéria de facto). Acontece, porém, que não está aqui em causa a reapreciação de uma decisão de constitucionalidade proferida por um outro Tribunal nem, sequer, a aplicação do direito infraconstitucional por um outro tribunal: está em causa a apresentação de alegações, cabendo a este Tribunal a aplicação do direito (infraconstitucional) que regula a intervenção das partes no processo. Estando em causa a legitimidade de uma peça processual apresentada por um dos intervenientes processuais, tem o Tribunal Constitucional de se pronunciar sobre a sua aceitação ou não.
Ora, não pode dizer-se que as intervenções processuais do presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais em recursos de decisões desse Conselho não possam ser incluídas nos "actos de gestão corrente" que integram a previsão da norma de delegação. Mais a mais, quando uma tal intervenção se faz na sequência de outras, em processos expressamente identificados na decisão de delegação (de 15 de Abril de 1998), e nos quais tais actos tendem a multiplicar-se, e quando, como é o caso, dizem estreitamente respeito a um pedido de suspensão de eficácia de uma decisão disciplinar de aposentação compulsiva. Assim, e tendo em conta que a função de representação em juízo dos órgãos colegiais é correntemente atribuída ao seu presidente, considera este Tribunal improcedente, também nesta parte, a questão suscitada pelo recorrente.
10 - Resolvidas, desta forma, as questões prévias, importa ainda delimitar mais precisamente o objecto do recurso.
Atendendo à redacção da alínea g) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF ("Compete à Secção de Contencioso Administrativo, pelas suas subsecções, conhecer: [...] g) Dos pedidos de suspensão da eficácia dos actos a que se refere a alínea c)", há, na verdade, ainda uma outra questão prévia a dirimir, para tal delimitação: uma vez que a norma impugnada foi a alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF, e que os presentes autos se referem a um pedido de suspensão de eficácia (e também a um pedido de declaração de ineficácia de um acto de execução indevida, mas que ficou prejudicado pelo indeferimento do pedido de suspensão de eficácia), em que, portanto, a norma aplicável seria a da alínea g) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF, há-de começar por apurar-se se a norma impugnada [a da alínea c)] foi efectivamente aplicada na decisão recorrida.
No pedido de suspensão de eficácia, o requerente suscitou as reservas de constitucionalidade em relação ao órgão jurisdicional que teria de decidir os recursos de actos administrativos praticados pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais [a referida alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF], sem questionar a constitucionalidade da alínea g) do mesmo normativo, que era a norma especificamente atributiva de competência ao tribunal face à espécie processual em causa - o pedido de suspensão de eficácia. O acórdão recorrido deu-se conta do problema "[...] a proceder a descrita alegação do recorrente a consequência poderia ser eventualmente a incompetência do presente Tribunal para conhecer do recurso e, consequentemente, da presente providência cautelar." (itálico aditado).
De facto, uma vez que a determinação da competência para o conhecimento dos pedidos de suspensão de eficácia remete para o conhecimento dos recursos dos actos administrativos, a impugnação da constitucionalidade de um certo segmento da norma que prevê o conhecimento destes implicaria uma paralela inconstitucionalidade da norma que, nos mesmos termos, prevê o conhecimento dos pedidos de suspensão de eficácia. E daí que o acórdão recorrido tenha conhecido da questão de competência que lhe fora colocada (em relação à alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF), não porque essa norma fosse directamente aplicável nos autos, mas porque a determinação da competência do tribunal no caso dos autos se fazia de modo inteiramente idêntico, em consequência de uma norma não autónoma que para ela remetia [a da alínea g) do mesmo normativo]. Ao fazê-lo, porém, o único juízo relevante para efeitos do presente recurso de constitucionalidade reporta-se a esta última norma, sendo as considerações referentes à alínea c) meros obiter dicta (se bem que em tudo paralelos ao juízo emitido sobre a norma aplicável nos autos).
Sendo um dos requisitos do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, que a norma impugnada haja sido aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi, poderia concluir-se que a norma impugnada não foi aplicada e que a norma aplicada não foi impugnada, para se excluir o conhecimento desta questão de constitucionalidade.
Dado o evidente paralelismo das disposições normativas, afigura-se mais adequado, porém, admitir que existiu um simples lapso de identificação da norma por parte do recorrente (cf., por exemplo, o Acórdão 53/97, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 5 de Março de 1997), tanto mais que tal lapso foi consolidado pela omissão de referências, na decisão recorrida, à alínea efectivamente aplicada [a alínea g) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF].
Concluir-se-á, assim, corrigindo este lapso, que nada obsta ao conhecimento do recurso de constitucionalidade das normas da alínea g) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF [remetendo esta para a norma da alínea c) do mesmo normativo] - naturalmente enquanto respeite a actos administrativos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais -, e do n.º 2 do artigo 170.º do EMJ.
Vejamos cada uma destas normas.
B) A alínea g) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais
11 - Preceituam as alíneas c) e g) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redacção do Decreto-Lei 229/96, de 29 de Novembro:
"Artigo 26.º
Competência da secção pelas subsecções
1 - Compete à Secção de Contencioso Administrativo, pelas suas subsecções, conhecer:
...
c) Dos recursos de actos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelo Presidente da República, pela Assembleia da República e seu Presidente, pelo Governo, seus membros, Ministros da República e Provedor de Justiça, todos com excepção dos relativos ao funcionalismo público, pelos Presidentes do Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal de Contas, pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e seu Presidente, pelo Procurador-Geral da República, pelo Conselho Superior do Ministério Público e pela comissão de eleições prevista na Lei Orgânica do Ministério Público:
...
g) Dos pedidos de suspensão da eficácia dos actos a que se refere a alínea c);
..."
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recorrente considerou que a norma em causa "na parte em que defere ao Supremo Tribunal Administrativo a competência para conhecer dos actos praticados pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais" viola:
a) O disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei 65/78, de 13 de Outubro;
b) Os princípios do estado de direito e separação de poderes, consagrados no artigo 2.º da Constituição;
c) O direito a tribunais independentes, acolhido no artigo 203.º da Constituição:
d) O direito de defesa consagrado nos artigos 32.º, n.º 1, e 269.º, n.º 3, da Constituição; e
e) O direito a um processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição.
12 - Em relação à invocação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem como parâmetro de constitucionalidade das leis (e uma vez que não está em causa um recurso de legalidade), já este Tribunal teve ocasião de considerar que - não se justifica uma consideração autónoma" dos seus preceitos onde estes nada acrescentem às "normas ou princípios constitucionais pertinentes" (cf. os Acórdãos n.os 75/99, 935/96, 186/92 e 124/90, publicados, respectivamente no Diário da República, 2.ª série, de 6 de Abril de 1999, de 11 de Dezembro de 1996 e de 8 de Fevereiro de 1991, em que se invocava, justamente, o n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), De resto, o que tal disposição contempla é que qualquer pessoa tem o direito a que "a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá [...] sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra si" (itálico aditado).
Ora, não estando em causa, nos presentes autos, acusação em matéria penal - nem quaisquer outras, já que o presente recurso de constitucionalidade emerge de um processo de suspensão de eficácia de uma deliberação proferida no termo de um processo disciplinar - é patente, além do mais, a falta de correspondência do caso à previsão da norma invocada.
13 - Em relação à invocação do princípio do Estado de direito, referiu o recorrente nas suas alegações (artigo 54.º, citando um artigo de M, Galvão Telles na Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado) que só há verdadeiramente Estado de direito quando "se encontrem reconhecidos e efectivamente assegurados os direitos fundamentais do Homem, a independência dos Tribunais e a legalidade da administração" (itálico aditado).
A ofensa ao Estado de direito dependeria, portanto, da invocada violação do direito a tribunais independentes, que se considerará a seguir.
Do mesmo modo, a alegada violação da separação de poderes (artigo 4.º das alegações) aparece dependente da existência de "um tribunal que não é independente nem imparcial" (artigo 4.º bis das alegações), pelo que também a violação deste princípio seria um efeito da violação invocada de outro princípio constitucional. O que, aliás, corresponde ao ensinamento comum da doutrina segundo a qual, "tendo essencialmente uma função aglutinadora e sintetizadora, a regra do Estado de direito democrático, em princípio, não produz normas de per si, ou seja, normas que não encontrem tradução em outras disposições constitucionais" (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed, Coimbra, 1993, p, 63, anotação V ao artigo 2.º). O próprio princípio da separação e independência dos órgãos de soberania encontra, como se sabe, consagração autónoma no texto do artigo 114.º da Constituição.
Porém, mesmo abstraindo da referência ao artigo 2.º da Constituição, e erigindo o princípio da separação de poderes em parâmetro de constitucionalidade, em resultado do seu acolhimento no texto do artigo 114.º, dele não se poderia concluir, sem mais, que o pleno uso dos poderes de gestão e disciplina da magistratura administrativa e fiscais por parte do seu Conselho Superior, previsto como está no n.º 2 do artigo 217.º da Constituição, fosse lesivo de tal princípio.
Tal só poderia ocorrer, justamente, se com isso ficasse afectada a independência dos tribunais - mas isso é o que se irá apurar a seguir.
O que acaba de dizer-se permite concluir que as invocadas violações dos princípios do Estado de direito e da separação de poderes não irão mais longe do que a alegada violação da independência dos tribunais, razão pela qual a eventual verificação de que a regra impugnada não contende com a independência dos tribunais levará ao afastamento destas pretensas violações, tal como a eventual verificação de que a regra impugnada põe em causa a independência dos tribunais já implicará, só por si, inconstitucionalidade, tornando redundante a invocação daquelas.
14 - Os artigos 7.º a 60.º das alegações do recorrente neste Tribunal elencam situações das quais resultaria a falta de independência dos juizes que integravam o tribunal recorrido em relação à entidade ré (artigo 7.º a 43.º), a não imparcialidade do tribunal nos casos em que intervém a entidade ré (artigos 44.º a 49.º), a não imparcialidade do processo de suspensão de eficácia do acto administrativo (artigos 50.º a 53.º) e a não independência e imparcialidade do tribunal (artigos 54.º a 60.º).
Em relação à invocada sujeição dos juízes que integram o tribunal recorrido aos poderes da entidade ré, há que dizer que tais juízes atingiram já o patamar máximo das suas carreiras, pelo que, no que toca à progressão na sua carreira, já não dependem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e, decisivamente, que este nenhum poder tem de condicionar a sua intervenção processual concreta.
Aliás, mesmo em relação a outras matérias - designadamente disciplinares - em relação às quais os juízes que integram o tribunal recorrido se encontram sujeitos às decisões do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estas decisões são sempre susceptíveis de reapreciação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Como referia o artigo 3.º, n.º 2, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei 38/87, de 23 de Dezembro), citado na decisão recorrida (e que corresponde ao actual artigo 4.º, n.º 2, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro), "a independência dos tribunais é garantida pela existência de um órgão privativo de gestão e disciplina da magistratura judicial, pela inamovibilidade dos respectivos juízes e pela sua não sujeição a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores". E depois desta citação concluía o acórdão do tribunal a quo: "Assim, os conselhos superiores visam precisamente garantir a independência dos juízes, jamais lhes podendo dar quaisquer ordens ou instruções sobre a função de julgar, não podendo interpretar-se o seu poder de gestão e disciplinar como interferência relativa àquela função."
O recorrente assaca ainda à norma em questão uma consequência de não imparcialidade do processo (artigos 50.º a 53.º das alegações), na medida em que anteriormente à decisão interveio o Ministério Público tendo-se pronunciado em desfavor da pretensão do recorrente sem que este tivesse sido notificado.
Só que, na medida em que não há procedimento especial a aplicar ao caso de pedidos de suspensão de eficácia dirigidos a actos administrativos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tal falta de imparcialidade não seria específica da norma em causa no presente processo, antes decorrendo do disposto no artigo 15.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, norma que não constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade, mas que já foi, entretanto, julgada inconstitucional por este Tribunal (Acórdão 345/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Fevereiro de 2000) justamente por pôr em causa a aparência de imparcialidade das decisões obtidas, Esta decisão não pode, porém, constituir argumento para sustentar as alegações formuladas no presente processo sobre a falta de imparcialidade da entidade decisora, já que a competência do Tribunal Constitucional, em recursos, é limitada à apreciação da constitucionalidade de normas, e não havendo impugnação durante o processo de uma norma tida por inconstitucional (ou, ao menos, a impugnação de uma norma já anteriormente julgada inconstitucional), não pode o Tribunal converter as alegações das partes num juízo de inconstitucionalidade.
Como se escreveu no Acórdão 186/92, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Setembro de 1992:
"O recorrente veria, de resto, igualmente frustados os seus intentos, se, ao colocar a questão do modo como o fez, pretendesse que este Tribunal ajuizasse da conformidade constitucional de uma outra norma legal, que não a que se contém no mencionado artigo [...]
É que objecto deste recurso é apenas a questão de inconstitucionalidade do artigo [...], interpretada como o foi pelo Supremo Tribunal de Justiça, e não a de qualquer outra norma legal, pois que foi essa - e só essa - a questão de constitucionalidade que ele suscitou e que o Supremo Tribunal decidiu".
15 - Sobre a invocada violação do direito de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição ("O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso"), a mais não se tratar no caso de um processo criminal - apenas de um processo de suspensão de eficácia de um acto administrativo adoptado em processo disciplinar - nada alegou o recorrente. E também nada alegou sobre a invocada - no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade violação do direito de defesa consagrado no artigo 269.º, n.º 3 ("Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa"), certamente por não ser nestes autos que tal questão tem cabimento.
Em todo o caso, na falta de substanciação de tais violações, não descortina este Tribunal em que é que a norma da alínea g) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF as pudesse traduzir.
É certo que o recorrente refere que a norma da alínea c) desse normativo [e, portanto, a da alínea g)] "chama a decidir um 'tribunal' em que praticamente o resultado da lide já é conhecido" e que "nunca ninguém aí ganhou recurso contra [a] entidade ré" mas tais argumentos, a serem mais do que meras profissões de fé do seu autor, têm antes a ver com o igualmente invocado direito a um processo equitativo (que se considerará a seguir), do que com os direitos de defesa em processo criminal e com o direito de audiência e defesa em processo disciplinar.
16 - Invocou e alegou o recorrente que, em casos como o seu, do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF - e, portanto, na alínea g) do mesmo normativo - resultaria violação do "direito fundamental do recorrente a um processo justo" reconhecido no artigo 4.º da Constituição ("Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo"), sendo esse "um direito global e abrangente, que pode ser invocado no caso de violação de direitos processuais não protegidos por nenhum dos direitos processuais fundamentais individualizados na Constituição".
Esta violação decorreria da injustiça da organização judiciária, "como a presente, cuja estrutura conduz à desigualdade das partes".
E decorreria também, como já se referiu, da pré-determinação do resultado nos litígios em que uma das partes fosse a entidade recorrida, em razão da desigualdade substancial em relação aos recorrentes.
Na medida em que se ponha em causa a independência e a imparcialidade dos tribunais em questões que envolvam como uma das partes o respectivo Conselho Superior, o que se põe em causa é o próprio figurino constitucionalmente estabelecido para as relações entre os tribunais e os seus conselhos: é que cabendo a estes a nomeação, colocação, transferência, promoção e exercício da acção disciplinar, a inexistência da reapreciação jurisdicional das suas decisões implicaria violação dos princípios constitucionais. A questão há-de pôr-se, portanto, mais que no plano dos princípios (uma vez que nesse plano já houve opção constitucional), no da concretização de tais princípios. Será que a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, em subsecção não especializada, não dá garantias de isenção, independência e imparcialidade nas causas em que uma das partes seja o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais?
Note-se que esta mesma questão se pode colocar, mutatis mutandis, em relação às causas em que uma das partes seja o Conselho Superior da Magistratura, a propósito do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei 10/94, de 5 de Maio), normas essas que, no entanto, já foram tidas por não inconstitucionais nos Acórdãos deste Tribunal n.os 687/98, 64/99, 234/99 e 373/99, ainda inéditos, e 40/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Maio de 1999.
De resto, a própria alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais já foi julgada não inconstitucional por este Tribunal (Acórdão 235/2000, ainda inédito, mas proferido num outro processo do mesmo recorrente) que considerou, designadamente, que: "referentemente à composição da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, a mesma se deve considerar, sem equívocos, como estando sujeita a um critério objectivo e estritamente vinculado, sendo de realçar que, perante os transcritos normativos dos artigos 14.º, 15.º e 27.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não poderá o Presidente daquele Supremo Tribunal que, afinal, também é o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, movimentar os juízes daquela Secção e das subsecções senão nos precisos termos constitucionais e legais".
Naturalmente, atenta a redacção da alínea g) do n.º 1 do mesmo normativo, o que se estabeleceu para a alínea c) vale aqui nos mesmos exactos termos, podendo concluir-se, de igual modo, pela não inconstitucionalidade.
C) O n.º 2 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei 10/94, de 5 de Maio
17 - Dispõe a norma do n.º 2 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado pela Lei 21/85, de 30 de Julho, e na redacção da Lei 10/94, de 5 de Maio):
"Artigo 170.º
1 - O recurso tem efeito meramente devolutivo.
2 - O recurso terá, porém, efeito suspensivo quando interposto de decisão, proferida em processo disciplinar, que aplique pena prevista nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 85.º, ou da execução do acto recorrido resultar para o recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação."
As penas previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 desse artigo 85.º são as seguintes: advertência, multa, transferência, suspensão de exercício e inactividade. Além destas, encontram-se previstas as das alíneas f) e g): aposentação compulsiva e demissão.
18 - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 216.º da Constituição, "os juízes são inamovíveis, não podendo ser suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei".
Ora, o que a lei determina - e, por força do disposto na alínea m) do artigo 164.º da Constituição tal "lei" há-de ser lei formal da Assembleia da República - é que o recurso das decisões em matéria disciplinar tem efeitos suspensivos, no caso de ter sido aplicada "pena prevista nas alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 85.º, ou de da execução do acto recorrido resultar para o recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação" (n.º 2 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Nos termos do n.º 1 do artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o recurso interposto das deliberações do Conselho Superior da Magistratura faz-se para o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto que o recurso interposto dos actos administrativos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais se faz - como se viu, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - para o Supremo Tribunal Administrativo (para a Secção de Contencioso Administrativo, pelas subsecções).
Podia eventualmente, face à existência de duas diferentes jurisdições e de diferentes características dos recursos, admitir-se que a norma do n.º 2 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais é de aplicação limitada aos magistrados judiciais da ordem dos tribunais comuns, mas tal não foi o entendimento da decisão recorrida, que expressamente convocou a norma para considerar não estar preenchido um dos seus pressupostos.
Daqui não decorre, porém, que haja de ter-se por inconstitucional a interpretação professada na decisão recorrida. De facto, a redacção da lei - para que a Constituição remete - distingue duas situações: a das decisões proferidas em processo disciplinar que apliquem penas não expulsivas da magistratura e a dos actos recorridos de cuja execução resulte para o recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
Ora, mesmo admitindo que as decisões proferidas em processo disciplinar que apliquem penas expulsivas da magistratura ainda coubessem nesta última previsão, não resulta, porém, da lei que a atribuição do efeito suspensivo tenha de ser automática (como terá de ser no primeiro caso). É que, ao contrário do que ocorre na primeira situação, em que a verificação da previsão da norma é puramente genérica e objectiva, na segunda situação tal previsão é de verificação casuística e valorativa.
E foi esse, justamente, o sentido que a decisão recorrida imputou à norma impugnada, não aplicando o efeito suspensivo requerido por considerar não verificados os pressupostos de que dependia a sua atribuição.
É inequívoco que a alteração introduzida - legitimamente, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista material - pelo legislador da Lei 10/94, de 5 de Maio, no artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, foi justamente no sentido de diferenciar o regime da suspensão das decisões sancionatórias do Conselho Superior da Magistratura em caso de penas expulsivas e não expulsivas - recorde-se que a redacção original de tal artigo referia que "o recurso não tem efeito suspensivo, salvo quando, não se tratando de suspensão preventiva de exercício, for interposto em matéria disciplinar ou da execução do acto recorrido resultar para o arguido prejuízo irreparável ou de difícil reparação".
Ora, uma interpretação da norma que faz depender da verificação casuística dessa condição (de existência de um prejuízo irreparável ou de difícil reparação) e, portanto, de uma avaliação concreta pelos tribunais (seja na sequência do próprio requerimento de recurso, seja de um autónomo pedido de suspensão de eficácia), não pode ter-se como inconstitucional. Nem se vê em que é que tal interpretação pode afectar o princípio do Estado de direito democrático ou as garantias dos juízes - ou, mesmo, um princípio, extraído da Constituição e invocado pelo recorrente, segundo o qual os titulares de órgãos de soberania só podem ser afastados do cargo por outro órgão de soberania -, uma vez que nunca será da inexistência de imediato e automático efeito suspensivo do recurso - rectius, do condicionamento deste à avaliação in concreto da existência de um prejuízo irreparável ou de difícil reparação que resulta o afastamento do cargo do magistrado a que seja aplicada uma pena expulsiva, mas antes logo da aplicação desta pena.
Assim, a interposição do recurso contra a aplicação de penas a magistrados judiciais implicará a suspensão da execução da medida disciplinar não expulsiva que tenha sido aplicada, e a aferição do prejuízo irreparável, ou de difícil reparação, da execução do acto recorrido, se estiver em causa uma pena expulsiva. Sendo este o caso - como é -, e tendo o tribunal recorrido concluído, como concluiu, que se não verificava a condição de a execução da decisão disciplinar importar tal tipo de prejuízos, há que manter tal decisão, não se tendo ela fundamentado em qualquer norma inconstitucional.
III - Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do recurso no que diz respeito à norma do n.º 1 do artigo 80.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovada pelo Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho;
b) Não julgar inconstitucional as normas da alínea g) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril, e do n.º 2 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei 10/94, de 5 de Maio;
c) Em consequência, negar parcial provimento ao recurso e condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 22 de Novembro de 2000. - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Guilherme da Fonseca - Maria Fernanda Palma - Luís Nunes de Almeida.