Acórdão 430/2000/T. Const. - Processo 761/99. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - Palma Carlos, Sociedade de Advogados, interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Novembro de 1998 que negou provimento ao recurso que a recorrente tinha interposto da sentença do juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 4 de Julho de 1997.
A sentença de 4 de Julho de 1997, por sua vez, negara provimento ao recurso que a recorrente tinha interposto do Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 27 de Janeiro de 1995, que declarou "a nulidade do acto resultante da decisão que autorizou o uso e o registo da razão social Palma Carlos, Sociedade de Advogados".
Pretende a recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, e 7.º do Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, e do artigo 157.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados, "na interpretação que lhes foi dada nas decisões recorridas, no sentido de que a simples similitude parcial entre a razão social de uma sociedade de advogados e o nome abreviado de um advogado impede que os sócios daquela possam utilizar o seu nome na referida razão".
Tal inconstitucionalidade - diz - "emerge da violação do disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República".
A recorrente apresentou a sua alegação, que não continha conclusões. Foi, por isso, convidada a apresentá-las, ao abrigo do disposto no artigo 690.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (aqui aplicável ex vi do que preceitua o artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional), o que ela fez do modo que segue:
"a) Reconhecendo o artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa o direito à identidade pessoal, cujo sentido é o de garantir aquilo que identifica cada pessoa como indivíduo, abrangendo, nomeadamente, o direito ao nome, o conteúdo essencial deste direito ficará ofendido quando o respectivo uso, parcial ou total, seja impedido;
b) O artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, preceitua que a razão social de sociedade de advogados a adoptar não seja igual ou de tal forma semelhante a outra já registada que com ela possa confundir-se;
c) O artigo 7.º daquele mesmo diploma prescreve que a razão social da sociedade de advogados deve individualizar todos os sócios da sociedade, ou, pelo menos, alguns deles, e conter a expressão sociedade de advogados;
d) Do artigo 157.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados resulta não ser admissível o uso de nomes abreviados de advogados singularmente considerados susceptível de provocar confusão;
e) Havendo disposição expressa no que se refere às razões sociais das sociedades de advogados, nada justifica a sua aplicação analógica a alegadas hipóteses de confusão entre razões sociais e nomes de advogados singularmente considerados;
f) A decisão recorrida, confirmativa das anteriores, interpretando aqueles preceitos legais no sentido de que a simples similitude parcial entre a razão social de uma sociedade de advogados e o nome abreviado de um advogado impede que os sócios daquela possam utilizar o seu nome na referida razão, pronunciou-se pela nulidade da decisão que autorizara a razão social da recorrente;
g) Interpretados nesse sentido, os referidos preceitos legais afectam o núcleo essencial do direito ao nome dos advogados João Norberto da Palma Carlos e Manuel João da Palma Carlos, únicos sócios da recorrente, que assim ficam impedidos de usar o seu apelido (que integra o seu nome) na razão social desta;
h) Nessa interpretação - no sentido de que a simples similitude parcial entre a razão social de uma sociedade de advogados e o nome abreviado de um advogado impede que os sócios daquela possam utilizar o seu nome na referida razão -, o citado artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República;
i) Por isso, se pede e espera que, em provimento deste recurso, seja reconhecido tal vício de inconstitucionalidade, determinando-se em conformidade a reformulação da decisão recorrida."
O Conselho Superior da Ordem dos Advogados, por sua vez, concluiu a sua alegação dizendo que "devem [...] as normas dos artigos 2.º, n.º 1, e 7.º do Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, e 1571.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados serem julgadas não inconstitucionais, com as legais consequências". E, notificado das conclusões da recorrente, nada veio dizer.
2 - Cumpre decidir.
II - Fundamentos. - 3 - O objecto do recurso:
O Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, contém o regime jurídico das sociedades de advogados, dispondo, no n.º 1 do seu artigo 1.º, que "os advogados podem constituir ou ingressar em sociedades civis de advogados, cujo objectivo exclusivo é o exercício em comum da profissão de advogado, com o fim de repartirem entre si os respectivos resultados".
O artigo 2.º deste Decreto-Lei 513-Q/79 preceitua no n.º 1, aqui sub iudicio, que "o projecto de pacto social é submetido à aprovação da Ordem dos Advogados, a qual, por intermédio do conselho geral, se deverá pronunciar sobre se o mesmo está de harmonia com os princípios deontológicos e as regras fixadas neste diploma e, bem assim, se a razão social a adoptar não é igual ou por tal forma semelhante a outra já registada que com ela possa confundir-se.
Da deliberação do conselho geral cabe recurso para o Conselho Superior da Ordem".
E, no n.º 2, acrescenta esse mesmo artigo 2.º que, "se o Conselho Geral ou o Conselho Superior não se pronunciarem sobre as questões que lhes forem submetidas dentro do prazo de 30 dias, considerar-se-á, para todos os efeitos, como aprovado o projecto de pacto social".
De sua parte, o artigo 7.º do mesmo Decreto-Lei 513-Q/79, também aqui em apreciação, dispõe, no n.º 1, que "a razão social deve individualizar todos os sócios da sociedade de advogados, ou, pelo menos, alguns deles, e conter a expressão 'sociedade de advogados'". No n.º 2 acrescenta que, "quando não individualiza todos os sócios, a razão social deve conter a expressão 'e associados'". E no n.º 3 prescreve que "a razão social deve constar da correspondência e de todos os documentos que emanem da sociedade e dos escritos profissionais dos sócios enquanto ajam como tais. No papel timbrado da sociedade de advogados devem constar os nomes completos ou abreviados de todos os associados".
Por último, o artigo 157.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo Decreto-Lei 84/84, de 16 de Março, rectificado no Diário da República, 1.ª série, n.º 126, de 31 de Maio de 1984, e alterado pelos Decretos-Leis 119/86, de 28 de Maio e 325/88, de 23 de Setembro, e pela Lei 33/94, de 6 de Setembro) regula a inscrição na Ordem. Reportando-se ao requerimento de inscrição, que deve ser pedida ao conselho distrital em que o advogado pretenda ter o domicílio para o exercício da profissão (cf. o n.º 1), reza assim o n.º 4 deste artigo 157.º: "No requerimento pode o interessado indicar o uso de nome abreviado, que não será admitido se susceptível de provocar confusão com outro anteriormente requerido ou inscrito, excepto se o possuidor deste com isso tenha concordado, e que, após a inscrição, poderá usar no exercício da profissão."
Para se ver o exacto sentido e alcance com que o acórdão recorrido interpretou - e aplicou - os artigos 2.º, n.º 1, e 7.º do Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, e o artigo 157.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados, acabados de transcrever e aqui sub iudicio, é necessário fazer uma resenha do que se passou até se chegar à prolação daquele aresto.
Vejamos, então:
A sociedade de advogados João Norberto da Palma Carlos e Associado (composta pelos advogados João Norberto da Palma Carlos e José Luís de Sousa Guerreiro) tendo, na sequência da saída do último e da entrada do advogado Manuel João da Palma Carlos, decidido alterar a razão social para Palma Carlos, Sociedade de Advogados, submeteu o projecto do pacto social assim alterado ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados. Com a concordância de um vogal desse Conselho Geral, foi lavrado o registo da Palma Carlos, Sociedade de Advogados. Do despacho respectivo foi, no entanto, interposto recurso para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados pelo respectivo bastonário. O Conselho Superior da Ordem dos Advogados, por Acórdão de 27 de Janeiro de 1995, declarou "a nulidade do acto resultante da decisão que autorizou o uso e o registo da razão social Palma Carlos, Sociedade de Advogados, por infringir o disposto no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 513-Q/79, conjugado, analogicamente, com o n.º 4 do artigo 157.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei 84/84, o que se traduz numa ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, qual seja o direito ao uso do nome, que aquela violação acaba por impedir devido à confusão originada". Na sequência dessa declaração de nulidade, o dito Conselho Superior determinou, no mesmo acórdão, o cancelamento do registo relativo à referida sociedade civil de advogados e convidou "os respectivos sócios a procederem, no prazo de 30 dias, à adopção de uma nova razão social da qual conste, pelo menos, o nome completo de um dos sócios".
Como atrás se disse, o acórdão recorrido, ao negar provimento ao recurso interposto da sentença do juiz da 1.ª instância que recusou provimento ao recurso apresentado contra o dito acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, sancionou este entendimento do Conselho: depois de tecer várias considerações sobre o direito ao nome e, bem assim, sobre as sociedades de advogados, ponderou, a dado passo:
"A deliberação em causa acabou, assim, por, de acordo com a legislação aplicável e admitindo o uso do apelido Palma Carlos, exigir a individualização completa de pelo menos um dos advogados da referida sociedade. Pela forma descrita, a Ordem dos Advogados acabou por, respeitando a manutenção do apelido Palma Carlos, permitir o respeito pelo nome e identidade de outro advogado com o apelido Palma Carlos e nome próprio diferenciado [refere-se ao advogado Guilherme da Palma Carlos], equilibrando, desta forma, os direitos ao nome em conflito, face à existência de prenomes diferenciados, que têm um apelido ou patronímico familiar comum por pertencerem ao mesmo núcleo familiar."
Mais adiante, acrescentou o mesmo aresto:
"É que a 'razão social' em causa dá ideia, ou pode dar a ideia, de que todas as pessoas abrangidas pelo apelido Palma Carlos são advogados na referida sociedade. Tal menção, com tal conteúdo, dá, ou pode dar a entender, que o recorrido particular [o referido advogado Guilherme da Palma Carlos] está ligado à sociedade em causa, o que o pode lesar profissionalmente, na medida em que a actividade desenvolvida pelas pessoas que constituem aquela sociedade possa ser descredibilizada, reflectindo-se, dessa forma, o uso de tal razão social na actividade do advogado que individualmente exerce a mesma profissão, mas não se encontra 'agrupado' na referida sociedade. Por outro lado, e na perspectiva inversa, que é a focada pelo advogado recorrido, a sociedade de advogados com o nome existente pode colher o benefício de credibilidade de nome de advogado que não faz parte dessa sociedade."
Disse, depois, um pouco à frente:
"Do que resulta, sem dúvida, que a 'razão social' que os recorrentes pretendiam ver aceite para além de prejudicar, ou poder prejudicar, os interesses ligados ao nome do recorrido particular, que tem um nome parcialmente idêntico e exerce a mesma actividade profissional, é susceptível de afectar a certeza e a segurança jurídica e a confiança do público quanto à veracidade dos elementos de identificação constantes da referida 'razão social', colidindo desta forma com o denominado princípio da verdade."
A concluir, sublinhou o acórdão recorrido:
"Na actuação que foi referida pode, pois, concluir-se ter agido a Ordem dos Advogados visando a prossecução de um interesse público, não ofendendo tal actuação o conteúdo essencial do direito ao nome da sociedade recorrida, mas, antes, procurando respeitá-lo na medida e na proporção da existência de outro direito de conteúdo idêntico que lhe cabia tutelar, procurando o necessário equilíbrio e respeito entre dois direitos parcialmente coincidentes e colidentes. E, ao fazê-lo na forma explicada, a decisão recorrida e a sentença recorrida, mantendo tal decisão, não ofenderam os princípios constitucionais decorrentes dos artigos 26.º, n.º 1, 205.º, n.º 1, e 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa [...]"
Significa isto que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Novembro de 1998 não fez daqueles normativos, exactamente, a interpretação que, perante esse Tribunal, a recorrente acusa de sofrer de inconstitucionalidade: de facto, segundo ela, o acórdão recorrido interpretou os ditos normativos no sentido de que "a simples similitude parcial entre a razão social de uma sociedade de advogados e o nome abreviado de um advogado impede que os sócios daquela possam utilizar o seu nome na referida razão". Ora, o acórdão recorrido o que decidiu foi que a referida similitude apenas impede os sócios de usarem o seu nome de família na razão social, isoladamente, ou seja, se esse apelido aí aparecer desacompanhado do nome de um dos sócios. Dizendo de outro modo: o aresto não considerou, propriamente, que, perante a existência de tal similitude, haja impedimento ao uso do nome de família na razão social. O que decidiu é que, para poderem usar o nome de família na razão social, os advogados associados têm de incluir aí, pelo menos, o nome completo de um deles. Esse é o exacto sentido de se ter admitido "o uso do apelido Palma Carlos" e de se exigir "a individualização completa de pelo menos um dos advogados da referida sociedade".
Como o acórdão recorrido não fez dos normativos aqui sub iudicio, exactamente, a interpretação que, perante este Tribunal, a recorrente acusa de sofrer de inconstitucionalidade, poderia pensar-se em não conhecer do recurso por falta de um dos pressupostos do mesmo.
Esse resultado seria, porventura, excessivo, pois a interpretação acusada de inconstitucionalidade pela recorrente coincide, em parte, com a que o acórdão recorrido adoptou: na verdade, o aresto proibiu o uso do apelido Palma Carlos na razão social da sociedade de advogados se tal apelido aí estiver desacompanhado do nome completo de um dos sócios da sociedade.
Há, então, que ver se, com a interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo, os aludidos preceitos legais são inconstitucionais.
4 - A questão de constitucionalidade.
4.1 - Pretende a recorrente que uma tal interpretação viola o disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, "que reconhece o direito à identidade pessoal, cujo sentido é o de garantir aquilo que identifica cada pessoa como indivíduo": é que - diz - "o conteúdo essencial do direito ao nome ficará, sim, ofendido quando o respectivo uso, parcial ou total, seja impedido". E acrescenta: "tal proibição afecta, realmente, o núcleo essencial do direito ao nome dos advogados João Norberto da Palma Carlos e Manuel João da Palma Carlos".
4.2 - A recorrente não tem, porém, razão, como vai ver-se.
O artigo 26.º, n.º 1, da Constituição reza assim:
"1 - A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra qualquer outra forma de discriminação."
Todas as pessoas têm direito a que se lhes garanta o que verdadeiramente identifica cada uma delas como ser único e irrepetível. Esse é, em direitas contas, o sentido e o alcance do direito à identidade pessoal. Tal direito abrange, por isso, "além do direito ao nome, um direito à 'historicidade pessoal'" (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 179).
"O direito ao nome (cf. Código Civil, artigo 72.º) consiste no direito a ter um nome, de não ser privado dele, de o defender e de impedir que outrem o utilize (sem prejuízo dos casos de homonímia)" - precisam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição cit.
O nome de uma pessoa - preceitua o artigo 103.º, n.º 2, do Código do Registo Civil - é composto por um conjunto de vocábulos gramaticais, no máximo de seis, "simples ou compostos, dos quais só dois podem corresponder ao nome próprio e quatro a apelidos".
No que respeita às pessoas colectivas, do respectivo registo deve constar, entre o mais, a firma ou denominação - prescreve a alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 144/83, de 31 de Março, que regula o Registo Nacional das Pessoas Colectivas. E, no que concretamente concerne às sociedades comerciais, preceitua o artigo 9.º, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais (aprovado pelo Decreto-Lei 262/86, de 2 de Setembro, e alterado por vários outros diplomas legais posteriores) que, do respectivo contrato - que está sujeito a registo [cf. artigo 3.º, alínea a), do Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei 403/86, de 3 de Dezembro, posteriormente alterado] - há-de constar a firma da sociedade. Tal firma, quando for constituída exclusivamente por nomes ou firmas de todos, algum ou alguns dos sócios, "deve ser completamente distinta das que já se acharem registadas (cf. o n.º 2 do artigo 10.º do Código das Sociedades Comerciais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 257/96, de 31 de Dezembro). E mais: quando for constituída por denominação particular ou por denominação e nome ou firma de sócio, "não pode ser idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro, e deve dar a conhecer quanto possível o objecto da sociedade" - dispõe o n.º 3 do mesmo artigo 10.º Acresce que a firma das sociedades em nome colectivo, "quando não individualizar todos os sócios", deve "conter, pelo menos, o nome ou firma de um deles" (cf. o artigo 177.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais).
Quanto às sociedades de advogados, como atrás se viu, também nenhuma razão social pode ser "igual ou por tal forma semelhante a outra já registada que com ela possa confundir-se" - prescreve o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro. E mais: quando não individualiza todos os sócios da sociedade, deve a razão social individualizar, pelo menos, alguns deles (cf. o n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Decreto-Lei 513-Q/79).
O nome da pessoa (física ou colectiva) é, pois, algo que identifica essa pessoa: individualiza-a, distinguindo-a das outras pessoas, com quem ela tem o direito de não ser confundida.
Por isso, só quem for titular de determinado nome tem o direito de o usar. A pessoa a quem o nome pertence tem o direito de se opor a que outrem o use, seja para se identificar, seja com outras finalidades (cf. o n.º 1 do artigo 72.º do Código Civil). E, nos casos de homonímia, especialmente quando está em causa o exercício de uma actividade profissional, o titular de determinado nome não pode usá-lo "de modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decretará as providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesses em conflito" (cf. o n.º 2 do citado artigo 72.º).
O interesse primeiro na atribuição de um nome é, assim, um interesse da pessoa a quem esse nome é dado, pois se trata da sua própria identificação: é que todas as pessoas têm direito a ser chamadas (ou denominadas) em termos de não serem confundidas com os restantes membros da comunidade a que pertencem. Mas, subjacente a esse interesse individual ou pessoal, existe na identificação das pessoas, que se faz pela atribuição de um nome, um interesse público - um interesse da própria communitas civium: de facto, nas sociedades actuais, constitui uma necessidade colectiva que todas as pessoas tenham um nome, desde logo porque elas, além de direitos, têm deveres a cumprir, tanto para com as outras pessoas como para com o Estado. Ora, para esse efeito, é absolutamente essencial que a identificação das pessoas não seja susceptível de dar azo a confusões (cf., sobre o tema, Antunes Varela, "Alterações legislativas do direito ao nome", in Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 114.º e segs., a partir da p. 207).
O nome das pessoas, incluindo o nome das sociedades de advogados, tem, pois, entre outras, uma função de identificação: serve para as denominar e distinguir das outras pessoas, marcando a respectiva identidade.
O direito ao nome, enquanto dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, é protegido justamente também nessa sua função de identificação da pessoa a quem ele foi atribuído.
Sendo isto assim - e atendo-nos, agora, ao nome profissional dos advogados, quer eles exerçam a profissão individualmente, quer a exerçam integrados numa sociedade -, esse nome profissional (razão social, no caso das sociedades) não pode ser constituído em termos tais que crie dúvidas sobre a pessoa a quem pertence ou dê azo a que se confunda essa pessoa com outra ou outras. De contrário, o nome deixa de desempenhar a função que lhe é própria de contradistinguir o respectivo titular. Ora, o certo é que, numa profissão como a advocacia, em que os advogados vivem do prestígio profissional e do bom nome que vão conquistando, é essencial que o nome profissional de determinado advogado ou a razão social de certa sociedade de advogados os identifique cabalmente, por forma a não subsistir qualquer dúvida acerca de quem são os profissionais que se abrigam sob determinado nome ou denominação: é que, qualquer confusão, por mínima que seja, pode ser lesiva dos interesses desses profissionais.
Por isso, em situações como a dos autos, em que vários advogados têm o mesmo nome de família (no caso, Palma Carlos) e um deles (o advogado Guilherme da Palma Carlos) exerce a advocacia individualmente, exercendo-a os outros (os advogados João Norberto da Palma Carlos e Manuel João da Palma Carlos) em sociedade, é perfeitamente justificado, ratione constitutionis, que a sociedade não possa adoptar como razão social aquele patronímico isoladamente, antes devendo ajuntar-lhe, pelo menos, o nome próprio de um dos advogados associados, ou seja: do ponto de vista da Constituição, está perfeitamente justificado que, como decidiu o Conselho Superior da Ordem dos Advogados - decisão que o acórdão recorrido sancionou -, da razão social da sociedade recorrente tenha de constar, além do apelido Palma Carlos, "pelo menos o nome completo de um dos sócios".
Trata-se de uma limitação da liberdade de composição do nome da sociedade, que é essencial para eliminar as confusões que se podiam gerar entre a denominação da sociedade e o nome profissional do advogado que exerce individualmente a profissão e que tem direito também a usar o apelido Palma Carlos. E é uma limitação que, por outro lado, se fica pelo estritamente necessário, pois permite a todos os interessados o uso do nome de família que a todos pertence. É, por isso, uma limitação que, como se diz no acórdão recorrido, respeita o direito ao nome de todos os interessados, "na medida e na proporção da existência de outro direito de conteúdo idêntico que lhe cabia tutelar, procurando o necessário equilíbrio e respeito entre dois direitos parcialmente coincidentes e colidentes".
4.3 - Em conclusão: a interpretação que o acórdão recorrido fez dos artigos 2.º, n.º 1, e 7.º do Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, e do artigo 157.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual a similitude entre a razão social de uma sociedade de advogados e o nome profissional de um advogado impede que os sócios daquela sociedade possam utilizar, isoladamente, na razão social, o nome de família, que é comum a todos eles, não viola o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição.
Tem, por isso, de negar-se provimento ao recurso.
III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade;
b) Condenar a recorrente nas custas, com 15 unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 11 de Outubro de 2000. - Messias Bento - Alberto Tavares da Costa - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - José de Sousa e Brito - Luís Nunes de Almeida.