Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - O Vice-Reitor da Universidade Técnica de Lisboa recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4 de Outubro de 2007, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do então Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto pelo ora recorrido José Manuel Dias de Jesus e anulou o despacho do recorrente, de 15.10.1997, que indeferiu o pedido do recorrido de criação de um lugar de Professor Catedrático, ao abrigo do disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro.
2 - Nas suas alegações para o Tribunal Central Administrativo Sul, o recorrente refutou a sentença da 1.ª instância, com base nas seguintes considerações, pertinentes para a compreensão do caso:
«[...]
IIIª) - A douta sentença recorrida violou, ainda, o artigo 25º da LPTA bem como o artigo 13º e 168º, n.º 2, da Constituição;
Na verdade,
[...]
VIª) - O artigo 18º do DL n.º 323/89, com a redacção dada pelo DL n.º 34/93, no sentido de ampliar o regime decorrente deste artigo aos docentes universitários é inconstitucional, por falta de autorização legislativa dado a autorização constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 2/92 não respeitar o regime constante do artigo 168.º, n.º 2 da Constituição;
Por outro lado,
VIIª) - A nomeação em categoria superior à que possuísse à data de nomeação para dirigente, depende da verificação dos requisitos especiais consagrados no respectivo Estatuto para os funcionários dos corpos especiais;
VIIIª) - Sendo os docentes universitários um corpo especial, a nomeação do Recorrente, finda a comissão de serviço, ao abrigo do artigo 18º do Decreto-Lei 323/89, depende do cumprimento, à data da nomeação, dos requisitos especiais;
IXª) - De acordo com o ECDU, os professores associados, para serem providos na categoria de professor catedrático, para além do tempo mínimo de serviço, devem possuir o título de agregado, ser aprovados em concurso documental sendo reconhecido ao seu currículo mérito científico e pedagógico compatível com a categoria de professor catedrático e ainda ser ordenados em lugar elegível em função do número de vagas para que foi aberto o concurso;
XIª) - Assim, os docentes que pretendiam ser providos, nos termos do artigo 18º do Decreto-Lei 323/89, por terem desempenhado cargos dirigentes, devem para além de tempo de serviço e do título de agregado, submeter, à data da nomeação, o seu currículo à apreciação de um Júri a fim de este se pronunciar sobre se o respectivo mérito científico e pedagógico é compatível com a categoria de acesso;
XIIª) - A apreciação do mérito científico e pedagógico do currículo tendo em vista o provimento em categoria superior é efectuada à altura do provimento nessa categoria por um Júri designado para o efeito;
XIIIª) - As eventuais apreciações do mérito científico e pedagógico dos currículos dos docentes no âmbito de anteriores concursos a que eventualmente se tenham candidatado não valem fora do respectivo concurso, não podendo ser tido em conta para efeitos do n.º 2, alínea a), e n.º 3 do artigo 18º do Decreto-Lei 323/89;
XIVª) - Em relação aos demais docentes a avaliação do mérito científico e pedagógico de um currículo não vale nos próximos concursos a que se apresentem, pois aquela aprovação apenas vale no âmbito do concurso em que for realizada;
XVª) - De igual modo se deverá verificar em relação aos docentes universitários que forem nomeados para cargos dirigentes;
XVIª) - Viola o princípio constitucional da igualdade o entendimento de que os docentes nomeados para cargos de chefia se podem aproveitar de aprovação em mérito científico e pedagógico ocorrido num concurso anterior, quando tal aproveitamento não se pode verificar em relação aos demais docentes;
XVIIª) - Não há qualquer fundamento para que os docentes nomeados para cargos dirigentes fora da Universidade - os que exerçam cargos dirigentes na Universidade, ainda que mais relevantes não usufruem de qualquer benefício - vejam a sua aprovação em qualquer concurso válida fora desse concurso e ilimitadamente enquanto em relação aos demais docentes tal aprovação apenas vale no respectivo concurso.»
Nas mesmas alegações, e a propósito da alegada violação do n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, o recorrente disse "estar[á] também em causa a autonomia das universidades consagrada no artigo 76.º da Constituição e que constitui reserva de lei".
3 - Na parte circunstancialmente relevante para a compreensão da questão de constitucionalidade, a decisão recorrida discreteou pelo seguinte modo:
«6 - De acordo com as conclusões das alegações, são as seguintes as questões a apreciar no recurso:
a) Inadmissibilidade de recurso contencioso do despacho em causa nos autos (conclusões IVª e Vª);
b) Violação do disposto nos n.os 2, alínea a) e 3 do artigo 18.º do DL n.º 323/89, de 29 de Junho, uma vez que o recorrido não preencheria os requisitos aí exigidos (conclusões VIIª a XVª);
c) Inconstitucionalidade do artigo 18.º do DL n.º 323/89, de 26 de Setembro, por falta de autorização legislativa no sentido de ampliar o regime decorrente deste artigo aos docentes universitários (conclusão VIª);
d) Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, ao aceitar-se que os docentes nomeados para cargos dirigentes se podem aproveitar de aprovação em mérito científico e pedagógico ocorrido num concurso anterior, quando tal aproveitamento não pode ter lugar quanto aos outros docentes (conclusões XVIª e XVIIª).
Comecemos por apreciar, em primeiro lugar, a questão da inadmissibilidade do recurso suscitada pelo recorrente.
5.1 - Esta questão foi tratada em 1ª instância nos seguintes termos:
"A autoridade recorrida alega que o acto impugnado não define a situação jurídica do recorrente, sendo meramente preparatório do procedimento de eventual provimento do recorrente, tal como o acto de designação do próprio júri.
O recorrente veio dizer que o acto recorrido indeferiu a sua pretensão de vir a ser nomeado sem concurso, definindo a sua situação jurídica, sendo recorrível.
Como salienta o Ministério Público, a fls. 37, para a resolução da questão há que averiguar do sentido da declaração contida no requerimento do recorrente, constatando-se que o mesmo "tem subjacente uma premissa: logo à data da formulação da pretensão estão reunidos todos os pressupostos dos quais depende o provimento, por nomeação, para o lugar de professor catedrático da UTL".
Assim, perante esta premissa a pretensão do recorrente é a do seu provimento no lugar, sem submissão à avaliação ao seu "mérito absoluto" por parte do júri.
Ora, como defende o Ministério Público, o despacho recorrido, ao nomear o júri para o efeito de ponderar do "mérito absoluto" do recorrente, "tem como pressuposto lógico um juízo da autoridade recorrida nos termos do qual não está preenchido tal requisito", pelo que o mesmo é lesivo da posição jurídica do recorrente, e, como tal, é recorrível, nos termos do artigo 268º, n.º 5 da Constituição da República.
Pelo exposto, julgo não verificada a questão prévia de irrecorribilidade do acto impugnado suscitada pela autoridade recorrida".
Concorda-se com o decidido, pelo que se julgam improcedentes as conclusões IVª e Vª).
5.2 - As questões de inconstitucionalidade acima identificadas foram apenas suscitadas pelo recorrente em sede de recurso.
É sabido que as partes não podem suscitar questões novas em sede de recurso, pois que estes visam apenas a reapreciação das decisões dos tribunais de grau hierárquico inferior e não decidir questões novas.
No entanto, a alegação de inconstitucionalidade tem sido admitida em sede de recurso, até porque se trata de questão de conhecimento oficioso (Neste sentido, entre outros, V. o Acórdão do STA (2ª Secção), de 13.12.2000 - Recurso n.º 24.319 e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 637/99, de 23.11.1999 - Processo 206/99 "in" Diário da República, 2.ª série, de 22.03.2000, págs. 5248 e segs.; em sentido idêntico v. os Acórdãos deste Tribunal n.os 173/88 e 41/92).
Assim sendo, vamos então conhecer das inconstitucionalidades citadas.
5.2.1 - Entende o recorrente que a autorização legislativa conferida pela alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 2/92, de 9 de Maio, não permitia a extensão do direito consagrado no artigo 18.º acima citado aos docentes universitários.
Aliás, na anterior redacção desse artigo 18.º, não estavam incluídos os corpos especiais.
O recorrido, por sua vez, - alegações de fls. 92-v.º - entende que tal artigo 18.º antes e depois da alteração introduzida pelo DL n.º 34/93, de 13 de Fevereiro, tem como epígrafe o direito à carreira, pelo que o objecto da autorização legislativa era o direito à carreira, acabando por se distinguir o pessoal oriundo da carreira geral e das carreiras especiais da função pública. Ora, a simples clarificação dessa matéria não pode constituir violação do sentido e alcance daquela autorização legislativa.
Quid juris?
É certo que a autorização legislativa não menciona os docentes universitários. Porém, reportando-se o artigo 18.º citado ao direito à carreira na função pública, não nos parece que a distinção ou explicitação feita quanto à carreira geral e a corpos especiais ofenda a autorização legislativa.
É que, tanto uns como outros se incluem na função pública, facto que a autorização tinha de ter em conta.
Por outro lado, integrando-se os docentes universitários nos corpos especiais da função pública, a terminologia legal utilizada passou também a abrangê-los, sob pena de discriminação relativamente a outros dirigentes, pertencentes a corpos especiais e não docentes.
Concluímos então no sentido da inverificação da invocada inconstitucionalidade do artigo 18.º, por violação da autorização legislativa ao abrigo da qual foi publicada aquela norma, improcedendo a conclusão VIª.
5.2.2 - E será que ocorre a violação do princípio constitucional da igualdade, na interpretação dada ao artigo 18.º pela decisão recorrida?
Vejamos.
Sustenta o recorrente que a interpretação dada pela sentença ao artigo 18.º, n.º 2, alínea a) citado viola o princípio da igualdade, ao reconhecer que o mérito anteriormente reconhecido em concurso satisfaz a exigência legal, quando é certo que os docentes não colocados na situação de dirigentes precisam de ver o seu mérito reconhecido de cada vez que se apresentam a concurso.
No entender do recorrente isto representaria para o recorrido um benefício de que estariam afastados os docentes universitários que não tivessem sido dirigentes.
Mas será que o legislador não quis mesmo estabelecer aqui um benefício aos dirigentes da função pública?
É evidente que a norma citada quis de algum modo recompensar os dirigentes que tivessem permanecido no cargo por determinado período de tempo e, por isso, veio determinar que "Os funcionários nomeados para cargos dirigentes têm direito, finda a comissão de serviço, ainda que seguida de nova nomeação:
a) Ao provimento em categoria superior à que possuíam à data da nomeação para dirigente... "
E o n.º 6 do mesmo artigo previu ainda que fossem criados nos quadros de pessoal dos serviços ou organismos de origem os lugares necessários à execução do disposto na citada alínea a) do n.º 2, sendo posteriormente extintos à medida que vagassem.
Quer então dizer que a referida norma criou um direito especial para dirigentes da função pública.
Ora, não existe nenhuma razão para este regime não se aplicar aos professores, também eles funcionários públicos, embora constituindo um corpo especial.
Sendo assim, os professores que tivessem sido dirigentes estavam em situação de vantagem relativamente aos que o não tivessem sido, gozando do disposto no artigo 18.º citado.
Então, as situações apontadas pelo recorrente são distintas.
E, como é sabido, o princípio da igualdade só é violado quando situações idênticas são tratadas de modo diferente. No caso, o tratamento desigual de situações diversas não contempla a violação do princípio constitucional da igualdade.
Isto que acabou de referir-se é o que resulta claramente de uma passagem do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 528/2006, de 27 de Setembro de 2006 - Processo 227/06, 3ª Secção, onde se escreveu o seguinte:
"Unanimemente reconhecido como princípio estruturante do Estado de Direito Democrático, o princípio da igualdade postula, na sua formulação mais sintética, que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento diferente para as situações de facto desiguais (cf. por todos, entre inúmeros neste sentido, os Acórdãos n.os 563/96, 319/90, 232/03 e 96/2005, disponíveis na página Internet deste Tribunal em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, que procederam, cada um no seu tempo, a uma síntese da abundante jurisprudência constitucional sobre o tema). Correctamente entendido, o princípio da igualdade não proíbe as distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento racional. Como se ponderou, por exemplo, no Acórdão 187/01 (igualmente disponível naquela página): "como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante". Em suma e no essencial, o que o princípio constante do artigo 13.º da Constituição impõe, sobretudo, é uma proibição do arbítrio e da discriminação sem razão atendível. O que importa, como afirma, sugestivamente, Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª edição, 2001, pág. 272) e tem sido repetido em inúmeras ocasiões pelo próprio Tribunal Constitucional, "(...) é que não se discrimine para discriminar".
Improcedem pelo exposto, as conclusões XVIª e XVIIª.»
4 - No seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recorrente disse pretender a apreciação da constitucionalidade "do artigo 18.º do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei 239/94, de 22 de Setembro, e pela Lei 13/97, de 23 de Maio, na interpretação dada de que o regime dele constante se aplica aos docentes universitários das Universidades Públicas, pois no entender do recorrente o mesmo é inconstitucional, quer por falta de autorização legislativa, quer por violação dos princípios constitucionais da justiça, igualdade e da autonomia universitária".
5 - Alegando, no Tribunal Constitucional, o recorrente concluiu as suas alegações do seguinte jeito:
«I - O douto Acórdão recorrido do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4 de Outubro de 2007, não fez uma correcta interpretação da Constituição e da lei aplicáveis;
II - Com efeito, os n.os 2, alínea a), e o n.º 3, do artigo 18º do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei 239/94, de 22 de Setembro e pela Lei 13/97, de 23 de Maio, são inconstitucionais por falta de autorização legislativa;
III - Na verdade, aquele artigo foi aprovado ao abrigo da autorização legislativa constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 2/92, de 9 de Março, diploma que aprovou o Orçamento de Estado para 1992, mas esta não cumpre os requisitos do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição, na redacção em vigor à data da publicação do diploma aqui em causa, segundo o qual as leis de autorização legislativa devem definir "o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização";
IV - A autorização legislativa da alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 2/92, de 9 de Março, limita-se a referir que o Governo é autorizado a "... alterar o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local ... tendo em vista definir com maior clareza o direito à carreira, bem como o direito à indemnização ... ", pelo que não cumpre os enunciados requisitos constitucionais, pois a mesma não contém de forma clara uma enunciação que possa servir de parâmetro e medida aos actos delegados;
V - A expressão "definir com maior clareza o direito à carreira" é vaga e não contém qualquer conteúdo delimitativo da autorização legislativa como exige a Constituição;
VI - Por outro lado, mesmo a entender-se que a referida autorização legislativa cumpre com os requisitos do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição, com o que não se concorda, o certo é que não decorre da mesma uma autorização para o Governo legislar sobre a carreira docente universitária, matéria que está sujeita a reserva de lei por força do artigo 76.º da Constituição por se enquadrar na autonomia das universidades;
VII - Assim, também por este facto, o citado artigo 18.º do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, na interpretação do Acórdão recorrido de que o regime de progressão extraordinária na carreira previsto no mesmo se aplica aos docentes universitários que tenham desempenhado cargos de chefia fora das universidades é inconstitucional;
VIII - Mas mesmo a entender-se, como no Acórdão do TCAS recorrido, que artigo 18.º do Decreto-Lei 323/89, de 26.09, ao conceder aos funcionários nomeados para cargos dirigentes o direito de finda a comissão de serviço serem providos em categoria superior àquela que possuíam à data da nomeação para dirigente se aplica aos docentes universitários, o mesmo viola ainda os princípio constitucionais da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, inerentes a um Estado de direito democrático, constantes dos artigos 13.º e 2.º da Constituição;
IX - Tal regime viola igualmente o princípio constitucional da autonomia das universidades, consagrado no artigo 76.º da Constituição, dado que consagra a imposição externa à universidade de um aumento dos seus quadros, com os correspondentes encargos financeiros, pelo que também por isso a sua consagração necessitava de autorização legislativa inequívoca, que, como ficou demonstrado, não existe;
X - Não há, pois, qualquer fundamento para que este "direito" que constitui um privilégio injustificado, seja concedido aos docentes universitários nomeados para cargos dirigentes fora da Universidade, quando os que exercem cargos dirigentes na Universidade, ainda que mais relevantes do que aqueles, como sejam os de Reitor, Vice-Reitor, Presidente do Conselho Directivo de Faculdade, Director de Faculdade, e outros equivalentes, não usufruem de qualquer regalia de natureza semelhante;
XI - O reconhecimento de uma tal situação constitui uma intromissão na autonomia universitária, permitindo a progressão na carreira universitária, à revelia dos critérios da avaliação universitária, em que não basta ter mérito absoluto para progredir na carreira mas é ainda necessário o mérito relativo, como decorre do regime consagrado para a carreira docente universitária constante do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), aprovado pelo Decreto-Lei 448/79, de 13 de Novembro, alterado, por ratificação, pela Lei 19/80, de 16 de Julho, concretamente dos seus artigos 37.º a 52.º, para além do aumento dos encargos financeiros.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, que se peticiona, deve ser considerado procedente o presente recurso e consequentemente:
(i) ser declarado inconstitucional o artigo 18.º, n.os 2, alínea a) e 3, do Decreto-Lei 323/89, de 26.09, na redacção do Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, na interpretação do Acórdão recorrido de o seu regime se aplicar ao corpo especial dos docentes universitários;
e
(ii) ser revogado o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4 de Outubro de 2007, devendo ser proferido novo acórdão, tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade referida em (i), de que artigo 18.º do Decreto-Lei 323/89, de 26.09, na redacção do Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, não se aplica à carreira docente universitária, com o que se fará a costumada justiça.»
6 - O recorrido contra-alegou defendendo o julgado.
Com esse sentido, sustenta que a norma constitucionalmente impugnada não extravasa o sentido da autorização legislativa conferida pela alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 2/92, de 9 de Março, como, de resto, foi decidido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 65/00 e 119/02, relativamente às carreiras especiais; que a questão da violação do princípio constitucional da autonomia universitária não foi suscitada de modo suficiente, nas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, porquanto, apenas, foi referida "de modo marginal", e "en passant", e sem a ter reflectido nas conclusões respectivas, mas que, de qualquer modo, ela não é beliscada uma vez que a disposição se aplica a todos os corpos especiais e a autonomia universitária está expressamente sujeita a reserva de lei; e que, finalmente, que as situações dos docentes do ensino superior que exercem funções nos termos do Decreto-Lei 323/89 são objectivamente desiguais das exercidas na carreira docente, reclamando por isso tratamento desigual.
B - Fundamentação. - 7 - Da delimitação do objecto do recurso.
No seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente diz pretender a apreciação da constitucionalidade do "artigo 18.º do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei 239/94, de 22 de Setembro, e pela Lei 13/97, de 23 de Maio, na interpretação segundo a qual o regime dele constante se aplica aos docentes universitários das Universidades Públicas, pois no entender do recorrente o mesmo é inconstitucional, quer por falta de autorização legislativa, quer por violação dos princípios constitucionais da justiça, igualdade e da autonomia universitária".
Ora, constata-se que a decisão recorrida apenas aplicou o artigo 18.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3 do Decreto-Lei 323/89, na redacção dada pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Janeiro.
Assim sendo, e constituindo o direito infraconstitucional, tal como foi aplicado, um dado para o Tribunal Constitucional, porquanto relativo à definição do objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, apenas dessa norma, e com o sentido com que foi aplicada, se poderá curar.
Por outro lado, questiona o recorrido a possibilidade do Tribunal Constitucional conhecer da questão de constitucionalidade do referido preceito, em função do princípio da autonomia universitária, já que este apenas foi convocado "em passant", nas alegações de recurso do recorrente e não foi levado às conclusões.
Entende-se, porém, não ser de atender à objecção do recorrido.
Na verdade, decorre das disposições conjugadas dos artigos 51.º, n.os 1 e 5, 75.º-A, n.º 1 e 79.º-C da LTC que o Tribunal Constitucional apenas se encontra vinculado ao pedido formulado pelo recorrente, mas, já, não aos seus fundamentos.
O apelo à autonomia universitária reporta-se, sem dúvida, a um parâmetro constitucional constante do artigo 76.º, n.º 2, da Constituição, tido como aplicável para a decisão da questão de constitucionalidade cingida à norma de direito infraconstitucional identificada, pelo que tem a natureza de um fundamento.
8.1 - Do mérito do recurso
O artigo 18.º do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei 239/94, de 22 de Setembro, tem o seguinte teor:
«Artigo 18.º
Direito à carreira
1 - O tempo de serviço prestado em cargos dirigentes conta para todos os efeitos legais, designadamente para promoção e progressão na categoria em que cada funcionário se encontrar integrado.
2 - Os funcionários nomeados para cargos dirigentes têm direito, finda a comissão de serviço, ainda que seguida de nova nomeação:
a) Ao provimento em categoria superior à que possuíam à data da nomeação para dirigente, a atribuir em função do número de anos de exercício continuado nestas funções, agrupados de harmonia com os módulos de promoção na carreira e em escalão a determinar, nos termos do artigo 19.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro;
b) Ao provimento na categoria de origem, caso não estejam em condições de beneficiar do disposto na alínea anterior.
3 - A aplicação do disposto na alínea a) do número anterior aos funcionários oriundos de carreira ou corpos especiais depende da verificação dos requisitos especiais de acesso previstos nas respectivas leis reguladoras, bem como das habilitações literárias exigidas.
4 - Para efeitos do cômputo do tempo de serviço estabelecido no n.º 2 releva, também, o prestado em regime de substituição.
5 - O disposto no n.º 2 não prejudica o direito de os funcionários que exerçam funções dirigentes se candidatarem aos concursos de acesso que ocorrerem na pendência da respectiva comissão de serviço, caso em que o provimento respectivo é determinante para efeitos da alínea a) do n.º 2.
6 - Serão criados nos quadros de pessoal dos serviços ou organismos de origem os lugares necessários à execução do disposto na alínea a) do n.º 2, os quais são extintos à medida em que vagarem.
7 - O disposto no número anterior pode ter lugar, a requerimento do interessado, independentemente da cessação de comissão de serviço, quando se trate da categoria mais elevada da carreira.
8 - A alteração dos quadros prevista no n.º 6 será feita por portaria dos Ministros das Finanças e da respectiva pasta a publicar na 2.ª série do Diário da República.
9 - Os funcionários que beneficiem do disposto na alínea a) do n.º 2 do presente diploma têm direito à remuneração pela nova categoria e escalão desde a data da cessação da respectiva comissão de serviço.
10 - No caso da cessação da comissão de serviço nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º, os dirigentes têm direito, desde que contem pelo menos 12 meses seguidos de exercício do respectivo cargo, a uma indemnização de montante igual à diferença entre a remuneração do cargo dirigente cessante e a remuneração da respectiva categoria calculada em função do tempo que faltar para o termo da comissão, a qual não pode ultrapassar a diferença anual das remunerações, nelas se incluindo os subsídios de férias e de Natal.
11 - O direito à indemnização prevista no número anterior só é reconhecido nos casos em que à cessação da comissão de serviço não se siga imediatamente nova nomeação em cargos dirigentes.
12 - A nomeação em cargos dirigentes no período a que se reporta a indemnização determina a obrigatoriedade da reposição da importância correspondente à diferença entre o número de meses a que respeite a indemnização percebida e o número de meses que mediar até à nova nomeação.»
Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei 2/92, de 9 de Março, dispõe do seguinte jeito:
«Artigo 5.º
Regime jurídico
1 - Prosseguindo na via de aperfeiçoamento e modernização do regime jurídico da função pública, fica o Governo autorizado a legislar no sentido de:
a) ...
b) ...
c) ...
d) Alterar o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local, constante do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Outubro, em especial os artigos 18.º e 19.º, tendo em vista definir com maior clareza o direito à carreira, bem como o direito à indemnização prevista nos n.os 7 e 8 do artigo 18.º do mesmo diploma.»
8.2 - A primeira questão que o recorrente coloca é a da inconstitucionalidade do artigo 18.º do Decreto-Lei 323/89, na redacção acima fixada, "quer por não respeitar o regime do n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, quer por nos termos do artigo 76.º as universidades se integrarem na administração autónoma, e que constitui reserva de lei". Segundo a sua argumentação, "o legislador limitou-se a referir que pretendia clarificar o direito à carreira e à indemnização", nada referindo "quanto ao âmbito de tais direitos, nem quanto a ampliar o regime legal aos corpos especiais".
De acordo com o disposto no referido no artigo 168.º, n.º 2, da Constituição, na redacção vigente ao tempo de edição do diploma que está em causa, "as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização".
A compreensão destes elementos condicionadores da sua validade constitucional ou "requisitos mínimos" das leis de autorização legislativa foi já abordada, por diversas vezes, pelo Tribunal Constitucional.
Assim no Acórdão 358/92, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, escreveu-se o seguinte:
«Após 1982, o modelo constitucional português aproxima-se do vigente na Lei Fundamental de Bonn onde, no seu artigo 80.º, se exige que a lei de autorização "contenha, em termos determinados, o conteúdo, o objecto e o alcance da autorização outorgada". A definição destes limites deve constar imediatamente da lei de autorização, não podendo ser determinados apenas a partir dos próprios diplomas autorizados, na medida em que é o próprio legislador delegante que tem a obrigação constitucional de estatuir as normas habilitantes, e deve fazê-lo em termos que, simultaneamente, orientem o legislador delegado e tornem reconhecível e até previsível pelo cidadão qual o sentido da legislação que vai ser emanada ao abrigo dos poderes delegados.
Como referem Maunz, Durig e Herzog ("Grundgesetz-Kommentar", Munchen, 1978, comentário ao artigo 80.º, nota 30) "o legislador tem que tomar decisões, segundo uma orientação que repute conveniente, relativa a domínios vitais do ordenamento, tem que ter querido alguma coisa e pensado no que queria, sem poder transferir o essencial dessa decisão para a entidade que emite o decreto."
Analisando esta questão, António Vitorino ("As autorizações legislativas..." cit., pág. 233), refere que "na doutrina alemã a conjugação dos três elementos referenciados, constantes da lei de autorização, prefiguram o "programa normativo" da delegação, susceptível de uma interpretação uniforme que possibilita que, a partir de uma das suas vertentes, o intérprete (ou o julgador) determine os elementos essenciais dos outros dois pressupostos ou limites da delegação. Essa faculdade, que relativiza a exigência de, logo na lei, se conter em detalhe todos os limites que presidem à delegação, constitui uma resultante do próprio posicionamento do Tribunal Constitucional Federal, cuja jurisprudência tem vindo progressivamente a afrouxar o grau de exigência desses elementos, em termos tais que tem tido por verificada a existência de cada elemento ou limite da autorização à luz e no contexto do restante conteúdo dessa autorização. Em contrapartida, a mesma doutrina alemã tem detectado que, no domínio do Direito Penal e do Direito Fiscal, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal tem vindo a impor exigências mais rígidas quanto às leis de autorização, atento o melindre de que revestem tais leis nesses domínios, face à defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.
Diversa é a situação nos ordenamentos jurídicos italiano e espanhol onde, nos artigos 76.º e 82.º, respectivamente, da Constituição da República italiana e da Constituição espanhola, o grau de exigência de especificação dos limites materiais da lei de delegação é bastante maior do que no caso alemão, dela devendo constar expressamente os "princípios e critérios directivos" orientadores do exercício dos poderes delegados, sendo, aliás, assinalável a polémica doutrinária acerca da profundidade com que a lei de autorização pode condicionar o exercício dos poderes autorizados.
O texto constitucional português, como já se deixou dito, aproxima-se mais do seu congénere alemão, podendo entender-se que o sentido de uma autorização legislativa, sendo um dos elementos do "conteúdo mínimo exigível" da lei de autorização, só é efectivamente observado quando as indicações a esse título constantes da lei de autorização permitam um juízo seguro de conformidade material do conteúdo do acto delegado em relação ao da lei delegante, pelo que, se o "sentido" não tem que exprimir-se em abundantes princípios ou critérios directivos, deverá, pelo menos, ser suficientemente inteligível para que o seu conteúdo possa preencher a função paramétrica que a Constituição lhe confere.
Nesta ordem de ideias escreveu António Vitorino (op. cit., pág. 238 e 239): "O sentido da autorização legislativa, sendo algo mais do que a mera conjugação dos elementos objecto (matéria ou matérias da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre que incidirão os poderes delegados) e extensão (aspectos da disciplina jurídica daquelas matérias que integram o objecto da autorização que vão ser modificados), não constitui, contudo, exigência especificada de princípios e critérios orientadores [...], mas algo mais modesto ou de âmbito mais restrito, que deve constituir essencialmente um pano de fundo orientador da acção do Governo numa tripla vertente:
- por um lado, o sentido de uma autorização deve permitir a expressão pelo Parlamento da finalidade da concessão dos poderes delegados na perspectiva dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem jurídica vigente (é o sentido na óptica do delegante);
- por outro lado, o sentido deve constituir indicação genérica dos fins que o Governo deve prosseguir no uso dos poderes delegados, conformando, assim, a lei delegada aos ditames do órgão delegante (é o sentido na óptica do delegado);
- e, finalmente, o sentido da autorização deverá permitir dar a conhecer aos cidadãos, em termos públicos, qual a perspectiva genérica das transformações que vão ser introduzidas no ordenamento jurídico em função da outorga da autorização (é o sentido na óptica dos direitos dos particulares, numa zona revestida de especiais cuidados no texto constitucional - as matérias que incluem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República)."
8.3 - O problema de inconstitucionalidade, imbricado com a falta, a invalidade ou a violação de lei de autorização legislativa, apenas, se coloca em relação às matérias da reserva relativa da Assembleia da República enunciadas, então, no artigo 168.º da Constituição.
O recorrente argumenta que a matéria regulada na norma impugnada se encontra abarcada na autonomia universitária contemplada no n.º 2 do artigo 76.º da Constituição.
Não importa à economia da decisão sobre esta questão saber qual a melhor qualificação a atribuir às universidades, dentro da função material administrativa do Estado, já que a resposta há-de derivar directamente da Lei Fundamental.
Não obstante, para enquadramento da questão, afigura-se útil uma breve abordagem da matéria.
Na vigência da Constituição de 1933, Marcello Caetano via as universidades como institutos públicos, do tipo de serviços personalizados, cujo substrato "se formou, desenvolveu e adquiriu personalidade jurídica historicamente à margem do Estado, segundo o Direito privado ou o Direito canónico, e que só em fase avançada da sua existência foi reconhecida como pessoa colectiva de direito público", correspondendo essa "evolução a uma estatização de certa iniciativa privada, em que a personalidade jurídica é conservada à corporação para evitar que com a sua absorção no Estado este fique sobrecarregado e se perturbem certos interesses tradicionais (patrimoniais e morais)" (Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 1991, pp. 188 e 189).
Freitas do Amaral, já na vigência da Constituição de 1976, qualificou-as como institutos públicos do tipo de estabelecimentos públicos, por disporem de serviços abertos ao público e por efectuarem prestações sociais e culturais individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam (Curso de Direito Administrativo, Vol. I, p. 401).
Para Marcelo Rebelo de Sousa (A Natureza Jurídica da Universidade no Direito Português, Publicações Europa-América, 1991, p. 44), "As Universidades foram, até 1976, legalmente pessoas colectivas de fins considerados decorrentes dos fins do Estado-Administração, sujeitas a poder de direcção (envolvendo o poder de supervisão), a poder de superintendência e a tutela de mérito e de legalidade, ou seja, Administração directamente dependente do Estado. De 1976 até à entrada em vigor da Lei 108/88, continuaram legalmente a ser tratadas como desprovidas de interesses próprios e sujeitas a poder de direcção - embora atenuado a partir do Decreto-Lei 188/82, de 17 de Maio, mas visível em matéria de estatuto e gestão de pessoal docente, em concreto, e de poder disciplinar - e também poder de superintendência, isto é, continuaram a integrar a administração directamente dependente do Estado [...]".
Pese embora a caracterização feita por este Autor, certo é que a Constituição de 1976 viera já, pela sua revisão de 1982, consagrar, no seu artigo 76.º, n.º 2, a autonomia universitária, dispondo que "as universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira".
E a Lei 108/88, de 24 de Setembro, veio regular essa autonomia, prevendo uma tutela de legalidade (artigo 28.º), "aliás rigorosa em matéria de estruturas e curricular", uma tutela de mérito em matéria financeira (artigos 11.º e 13.º) e a avaliação das universidades pelo Governo, de acordo com lei a definir pela Assembleia da República.
Perante o novo quadro legal, considerou o mesmo Autor que as "Universidades públicas podem e devem passar a ser cumulativamente associações, estabelecimentos públicos e Administração Autónoma", não afastando o tipo de autonomia em causa a possibilidade de existência de uma tutela de legalidade e de uma tutela de mérito (cf. op. cit. p. 48).
Por seu turno, José Casalta Nabais, discorrendo, a propósito do problema da autonomia financeira das universidades, já depois da referida revisão constitucional de 1982, e da sua ampliação efectuada na revisão constitucional de 1989, considera que só "o poder, de algum modo originário para se administrar - isto é, para regular os seus assuntos e resolver os seus problemas da forma por si julgada adequada, dispondo para tal dos meios necessários e gerindo com grande liberdade o seu funcionamento" é que "traduz a ideia de uma (verdadeira) autonomia às universidades: na verdade, estas só serão autónomas na medida em que lhes seja reconhecido um domínio de interesses (assuntos) próprios, um domínio relativamente ao qual a administração estadual se limite a exercer uma tutela de mera coordenação, ou seja, na medida em que constituam algo mais que meros instrumentos (ainda que dotados de personalidade jurídica pública - ainda que institutos públicos) da administração indirecta do Estado, como tem sido tradicional entre nós" («Considerações sobre a autonomia financeira das universidades portuguesas», in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Boletim da Faculdade de Direito, número especial, 1991, pp. 352 e 353).
E, logo, mais adiante sustenta o mesmo Autor que essa autonomia universitária "implica já, antes de mais, um domínio de autonomia universitária" que "pode assumir um sentido de autonomia constituinte (estatutária) e uma autonomia corrente (de normação corrente)", cabendo na primeira a elaboração "dos respectivos estatutos dentro dos parâmetros e limites que uma lei-quadro consagre", e, na segunda, a elaboração "dos regulamentos necessários à adequada gestão do núcleo de interesses que constituem o seu campus autonómico, no respeito pelas leis e pelos respectivos estatutos sem necessidade de uma prévia normação específica", dizendo a concluir que "as universidades portuguesas, na sua actual configuração constitucional, participam de uma dupla natureza: são pólos de administração autónoma (Selbstverwaltung) e pólos da administração indirecta do Estado (Staatverwaltung), ou seja, são simultaneamente corporações institucionais e estabelecimentos (ou institutos) públicos".
Já para Luís Pedro Pereira Coutinho (As Faculdades Normativas Universitárias no Quadro do Direito Fundamental à Autonomia Universitária, pp. 60 e segs.), a autonomia universitária assume na Constituição vigente a natureza de um direito fundamental, de âmbito superior ao institucional, devendo a Universidade pública "ser encarada como um «mixtum compositum» de duas organizações distintas, sendo uma de natureza "institucional" ou patrimonial e outra de natureza corporativa", identificando-se o primeiro aspecto com a "criação pelo Estado de um "estabelecimento público de ensino" e o segundo com a «formação, pelos ocupantes desse "estabelecimento" que titulam liberdades académicas (docentes, investigadores e estudantes) de uma corporação de direito público (a Universidade em sentido estrito) dotada de capacidade jurídica para gerir esse estabelecimento público, prosseguindo interesses de natureza científica e pedagogicamente indiferentes».
A autonomia das universidades é, também, um valor fundamental reconhecido em outros países e tema de vária doutrina e jurisprudência estrangeiras.
Assim, a Espanha consagra-a no artigo 27.º, n.º 10, da sua Constituição, de 1978.
E o Tribunal Constitucional espanhol teve, já, a ocasião de a considerar um autêntico direito fundamental (Sentencias 26/1987 e 106/1990), ainda que, na linguagem de Francisco de Borja López-Jurado Escribano (La autonomía de las Universidades como derecho fundamental: La construción del Tribunal Constitucional, Editorial Civitas, S. A., pp. 21 e segs.), um "direito fundamental light", já que, segundo a própria sentencia [refere-se à Sentencia 26/1987], "não é substancialmente distinto o protegido pela figura da garantia institucional do que se protege através da figura de direito fundamental nos termos que a lei estabeleça" (cf. também José Ramón Chaves García, Organización y Gestión de las Universidades Públicas, PPU, Barcelona, 1993, p. 26; Tomás Ramón Fernández, La autonomía universitaria:ámbito y limites, Editorial Civitas, S. A., p. 39 e segs.)
A Itália consagra-a no artigo 33.º da sua Constituição (cf. Domenico Fazio, Alberto Baretoni Arleri, Giovanni D'Addona, Fábio Matarazzo, L'Ordinamento Universitario Italiano, Raccolta sistemática delle Fonti Normative, vol. I).
Na Alemanha, a Lei Fundamental de Bonn reconhece o direito fundamental da liberdade de ciência.
E o direito de autonomia está garantido pela maior parte das Constituições dos Länder e pela Lei federal de 1976 (cf., entre vários, W. Thieme, Deutsches Hochschulrecht, 2.ª edição, Köln, 1986).
Segundo Georges Vedel (La experiência de la reforma universitária francesa: autonomía y participación, Cuadernos Civitas, Madrid, 1978, pp. 32-33), "o sistema universitário francês tornou-se, desde a III República, o único serviço público autogestionado da história francesa", tendo-se a autonomia afirmado, na prática, muito para além do previsto na lei relativa às atribuições ao Ministério da Educação.
A Constituição brasileira de 1988, constitucionalizando legislação ordinária anterior, prevê, no seu artigo 207, a autonomia das universidades em termos que não se distanciam muito dos da nossa Lei fundamental (Cf., entre vários, Palhares Moreira Reis, «A autonomia das universidades públicas na Constituição de 1988», Revista de Informação legislativa, Janeiro a Março 1990, pp. 99 e segs.; Giuseppi da Costa, «A autonomia universitária e seus limites jurídicos», Revista cit., Julho a Setembro 1990, pp. 61 e segs.; Edivaldo M. Boaventura, «A constitucionalização da autonomia universitária», Revista cit., Outubro-Dezembro 1990, pp. 297 e segs).
Regressando ao sistema pátrio, temos que, recentemente, a Lei 62/2007, de 10 de Setembro, veio estabelecer um regime jurídico global das instituições do ensino superior, incluindo as universidades, nesse tipo de instituições (artigo 5.º) e reconhecendo a todas as públicas o gozo "de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza (artigo 11.º, n.º 1), assumindo, no entanto que "a autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira das universidades encontra-se reconhecida pelo n.º 2 do artigo 76.º da Constituição", e recortando o âmbito dessa autonomia, em parte, em novos e inovadores termos relativamente aos vigentes até então, possibilitando até a transformação das instituições de ensino superior públicas em fundações públicas com regime de direito privado (artigo 129.º).
Não importa, todavia, à economia da decisão considerar o novo regime já que a decisão recorrida não fez dele qualquer aplicação.
Como adiante melhor se explicitará, não há dúvida que a norma constante do n.º 2 do artigo 76.º da Constituição assume a autonomia universitária como uma garantia fundamental cujo recorte subjectivo ultrapassa o mero plano institucional para se projectar, também, em alguma medida, no âmbito dos agentes universitários, nomeadamente, no que importa à liberdade de investigação, de ensino, de pensamento e de pedagogia, com respeito pela Constituição, abrangendo o que se costuma designar por "liberdade de cátedra".
Mas é também certo que ela a não densifica, tendo-se limitado a apontar os domínios materiais que a mesma abrange (autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira) e a remeter para a lei ordinária a definição do concreto âmbito em que a mesma se consubstancia.
Todavia, do preceito constitucional pode inferir-se, pelo menos, a ideia de que o legislador ordinário está obrigado a conferir conteúdo útil e constitucionalmente relevante à garantia de autonomia universitária, nos domínios enunciados, o que passa por ter de prever um regime que salvaguarde a protecção, nessas matérias, dos interesses específicos e próprios das universidades.
Os termos mais ou menos amplos em que essa autonomia se pode expressar, ou o recorte geral do âmbito normativo da autonomia, foram, assim, deixados, pelo legislador constitucional, para o legislador ordinário, a concretizar através de lei formal (a lei quadro da autonomia universitária).
Deste modo, a autonomia universitária é exercida dentro dos parâmetros e limites de uma lei-quadro que expressa a "delimitação geral do quadro dos diversos aspectos ou configurações em que essa autonomia se vai exprimir", diga ela respeito ao seu estatuto próprio de pessoa pública, ou ao modo como, para a prossecução dos seus interesses próprios, ela se auto-organiza.
E aí, as universidades "[...] só serão autónomas na medida em que lhes seja reconhecido um domínio de interesses (assuntos) próprios, um domínio relativamente ao qual a administração estadual se limite a exercer uma tutela de mera coordenação, ou seja, na medida em que constituam algo mais que meros instrumentos (ainda que dotados de personalidade jurídica pública - ainda que institutos públicos) da administração indirecta do Estado, como tem sido tradicional entre nós" (J. Casalta Nabais, op. cit., p. 353).
Ao tempo da norma constitucionalmente sindicada, essa autonomia universitária estava, como já se disse, regulada na Lei 108/88, definindo este diploma os termos da reserva de estatuto (artigo 5.º), da autonomia científica (artigo 6.º), da autonomia pedagógica (artigo 7.º), da autonomia administrativa e financeira (artigo 8.º) e da autonomia disciplinar (artigo 9.º). O legislador estabeleceu ainda a existência de património próprio e previu quais as receitas, financiamentos e isenções fiscais de que as universidades beneficiavam (artigos 10.º a 12.º).
Dispondo sobre os "meios necessários ao exercício da autonomia" - e cingindo-nos ao âmbito demandado pela economia do caso - o artigo 15.º de tal diploma estabelece que "cada universidade deve dispor dos meios humanos e técnicos necessários ao exercício da autonomia (n.º 1) e que "cabe às universidades o recrutamento e promoção dos seus docentes e investigadores, bem como do restante pessoal, nos termos da lei" (n.º 2).
Decorre, pois, do preceito que as universidades detêm o poder de auto-normação do recrutamento e promoção dos seus docentes e investigadores, mas apenas dentro "dos termos da lei".
Por outro lado, não tem esta matéria de constituir objecto de lei formal, bem podendo ser regulada por decreto-lei do Governo, a menos que contenda, em algum ponto, com o âmbito da reserva da Assembleia da República, então prevista nos artigo 167.º e 168.º da Constituição.
A regulação da matéria do recrutamento e promoção dos docentes universitários era, então, levada a cabo pelo Decreto-Lei 448/79, de 13 de Novembro (Estatuto da Carreira Docente Universitária), diploma este que foi objecto de onze alterações ocorridas até ao momento da edição da norma de autorização em causa no presente recurso (Lei 19/80, de 16 de Julho; Decretos-Leis n.os 316/83, de 2 de Julho; 381/85, de 27 de Setembro; 392/86, de 22 de Novembro; 145/87, de 24 de Março; 147/88, de 27 de Abril, 412/88; de 9 de Novembro; 35/85, de 1 de Fevereiro; 456/88, de 13 de Dezembro; 393/89, de 9 de Novembro; 408/89, de 18 de Novembro, e 388/90, de 10 de Dezembro).
8.4 - Põe-se, assim, a questão de saber se o legislador do Decretos-Lei n.os 34/93, de 13 de Fevereiro, agiu a descoberto de lei de autorização (no caso, a Lei 2/92, de 9 de Março).
É de relembrar que o legislador concedeu, pelo artigo 5.º deste diploma, autorização ao Governo para "alterar o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local, constante do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Outubro, em especial os artigos 18.º e 19.º, tendo em vista definir com maior clareza o direito à carreira, bem como o direito à indemnização prevista nos n.os 7 e 8 do artigo 18.º do mesmo diploma", numa linha de "prosseguimento na via de aperfeiçoamento e modernização do regime jurídico da função pública".
Pode dizer-se, desde logo, que o legislador ordinário não desconhecia a interpretação oficial do artigo 18.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, que fora levada a cabo pelo Parecer da Procuradoria Geral da República, de 14 de Maio de 1992, publicado no Diário da República 2.ª série, de 26 de Novembro de 1992, e homologado por despacho da Secretária de Estado Adjunta do Orçamento, de 26 de Junho de 1992, nos termos do qual "o direito ao provimento em categoria superior reconhecido pela referida alínea a) aos funcionários nomeados para cargos dirigentes, apenas em função do tempo de serviço nessa norma definido, não beneficia os funcionários oriundos da carreira de investigação científica do Laboratório Nacional de Engenharia Científica ou da carreira de Inspecção-Geral de Finanças, se não estiverem preenchidos os requisitos específicos a que está condicionada a progressão na respectiva carreira" e que, sendo assim, esse regime não se aplicava aos docentes universitários.
É sabido, por outro lado, que o legislador pretendeu, com a conformação de um regime especial de progressão da carreira da função pública fundado no exercício de funções em cargos dirigentes da função pública, favorecer a disponibilidade para o exercício de tais cargos por parte dos quadros qualificados da função pública, muitas vezes integrados em carreiras diferentes.
Ora, a abertura do regime constante do preceito impugnado às carreiras especiais apresenta-se, obviamente, como uma via que potencia o "aperfeiçoamento e modernização do regime jurídico da função pública", apontada como orientação material pelo legislador da lei de autorização ao legislador autorizado.
Por outro lado, tendo o legislador adoptado, ao regular a matéria no preceito sindicado, um regime dicotómico de qualificação das carreiras dos funcionários públicos, dividindo-os entre funcionários da carreira geral e dos corpos especiais, na senda, aliás, do anteriormente previsto no Decreto-Lei 248/85, de 15 de Julho, que distingue o regime das carreiras de regime geral da função pública do das carreiras de regime especial, não podem os docentes deixar de considerar-se incluídos, para tal efeito, na carreira especial.
Acresce que a expressão verbal utilizada, condensadora do cerne da definição do sentido da autorização legislativa - "alterar o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local, constante do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Outubro, em especial os artigos 18.º e 19.º, tendo em vista definir com maior clareza o direito à carreira" - pela referência que faz à alteração do estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local, e em "especial" ao seu conteúdo, então, constante do artigo 18.º, suporta inteiramente como sentido legislativo adequado, suficientemente expresso no texto, o de que essa alteração poderia abarcar também o pessoal da função pública integrado em carreiras especiais, desde que levadas em conta nessa alteração, como veio a acontecer (recorde-se que o n.º 2 do artigo 18.º, na redacção dada pelo DL. n.º 34/93 estatuiu que a aplicação do regime "aos funcionários oriundos de carreiras ou corpos especiais depende da verificação dos requisitos especiais de acesso previstos nas respectivas leis reguladoras, bem como das habilitações literárias exigidas"), as especificidades de preenchimentos dos requisitos próprios demonstrativos da competência profissional dessas carreiras.
Pode, assim, concluir-se que cabe, no sentido da lei de autorização, a concessão, ao Governo, de poderes legislativos para estender, com as adaptações postuladas pela natureza especial das respectivas carreiras, o regime antes contemplado no DL. n.º 323/89, aos corpos especiais da função pública e entre estes se podendo contar os docentes universitários.
Não padece, pois, a norma sindicada da apontada inconstitucionalidade orgânica.
Mas mesmo que se chegasse a outra conclusão interpretativa relativamente ao preceito do artigo 5.º da Lei 2/92, sempre seria de chegar ao mesmo resultado de não violação de competência legislativa constitucionalmente estabelecida.
É que a alínea v) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição apenas inclui na reserva relativa da Assembleia da República a definição das "bases gerais e âmbito da função pública".
Ora, na falta de lei que defina esses princípios gerais, tem entendido sempre o Tribunal Constitucional que tal reserva inclui, apenas, "o estabelecimento do quadro dos princípios básicos fundamentais" da regulação da função pública (cf. Acórdãos n.os 78/84, 142/85, 190/87, e 340/92, publicados no Diário da República, respectivamente, 2.ª série, de 11 de Janeiro de 1985 e de 7 de Setembro de 1985, 1.ª série, de 2 de Julho de 1987, e 2.ª série, de 17 de Novembro de 1992, e n.º 494/99, in Diário da República 2.ª série, de 1 de Setembro de 1999).
Não pode, porém, considerar-se um princípio geral que perpasse o regime da função pública o estabelecimento de um regime de incentivo do exercício de funções públicas em cargos dirigentes como é aquele que subjaz à norma impugnada.
Como se disse no Acórdão 65/00, publicado no Diário da República 2.ª série, de 23 de Outubro de 2000, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 46.º, p. 351 (no mesmo sentido, cf. Acórdão 119/02, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), em que se analisou a mesma questão relativamente ao corpo especial da Inspecção-Geral de Finanças, deve entender-se que "a intervenção do legislador governamental, circunscrita e limitada como o foi, não interferiu na área de reserva da Assembleia da República, e, portanto, não carecia de credencial parlamentar habilitante".
8.5 - Importa, agora, afrontar as questões de inconstitucionalidade material invocadas, "por violação dos princípios constitucionais da justiça, igualdade e da autonomia universitária".
A resposta demanda que nos voltemos a debruçar sobre o sentido constitucional da autonomia universitária e dos seus limites, agora enquanto parâmetros que o legislador ordinário, seja ele o da autorização legislativa seja o do diploma autorizado, está obrigado a respeitar.
E temos de regressar, necessariamente, a esta análise, desde logo pelo facto de a abordagem do problema, nos outros domínios, pressupor a compreensão da realidade normativa onde há que situar as questões da igualdade e da justiça.
A autonomia universitária afirmou-se ao longo dos tempos, essencial e prevalentemente, enquanto liberdade de pensar, de investigar e de ensinar. Mas uma liberdade institucionalizada, na comunidade social, ou exercida, de modo objectivo, por um concreto corpus científico.
Ao reconhecer às universidades, no n.º 2 do artigo 76.º, a autonomia estatutária, científica e pedagógica, administrativa e financeira, a nossa Constituição não deixou de estar a recuperar o acervo axiológico-histórico que verdadeiramente as identifica: como instituições que praticam e assentam a sua actividade na liberdade de pensar e de investigar e que transmitem o conhecimento assim obtido aos estudantes universitários e à comunidade social.
O artigo 42.º da Constituição reconhece como direitos fundamentais a liberdade de criação intelectual, artística e científica, compreendendo também essa liberdade o "direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor".
Por seu lado, o seu artigo 43.º garante a liberdade fundamental de aprender e ensinar, proíbe o dirigismo estadual da educação e da cultura "segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas" e consagra a não confessionalidade do ensino público.
Ora, a autonomia das universidades visa garantir, institucionalmente, o exercício dessa liberdade de investigação e de ensino, reconhecidos como direitos pessoais fundamentais.
Nesta medida, a universidade apresenta-se simultaneamente como instituição que se afirma na liberdade científica e na liberdade de ensinar o conhecimento assim obtido - no que se costuma designar por "liberdade de cátedra" - , como corpo, essencialmente constituído pelos "professores universitários" que exercem pessoalmente essa liberdade científica e de ensino e que transmitem o conhecimento, por si alcançado, aos alunos universitários.
É certo que esse ensino concretiza, também, o direito à educação e ao ensino, de tipo superior [cf. artigos 73.º, 74.º, n.os 1 e 2, alínea d) e 76.º, n.º 1] e que, nesta medida, ele corresponde à dimensão prestativa das universidades enquanto serviços públicos.
Mas, trata-se de um serviço prestado em termos e de natureza distinta dos demais estabelecimentos públicos, mesmo que integrantes do sistema educativo.
No dizer de Tomás Ramón Fernández (La autonomía universitaria:ámbito y limites, Editorial Civitas, S. A., p. 46), perante idêntico quadro normativo da Constituição espanhola, a diferença "é que na Universidade se ensina e se investiga e para a aprendizagem e a investigação, que são a razão de ser deste particular serviço público, a liberdade é rigorosamente essencial. [...]. Na Universidade ensina-se porque se investiga. [...]. O específico da universidade, e o que a distingue das demais instituições integrantes do sistema educativo, é que é nela que se faz a Ciência, boa ou má, de um país, onde se produz, em consequência esse corpus científico em perpétuo fieri que as restantes instituições se limitam a transmitir e propagar de acordo com as orientações que os responsáveis do sistema importem. O professor universitário transmite, ao invés, aquilo que ele mesmo está aprendendo dia a dia, é por isso algo mais que um mero transmissor, é um sujeito activo do processo científico, cuja actuação como tal resulta em hipótese incompatível com a existência de quaisquer orientações, que se chegassem a impor-se desvirtuariam, pura e simplesmente, a sua função social, transladando automaticamente o seu próprio papel de autor daquelas".
Essa liberdade científica ou de "cátedra", ínsita no sentido da autonomia científica e pedagógica, reconhecida constitucionalmente às universidades, postula, de um lado, que o acesso à docência e à investigação universitária e a progressão na carreira sejam feitas, apenas, segundo o critério do mérito e da capacidade científica e pedagógica universitárias, e, do outro, que no processo dessa avaliação, os docentes universitários, enquanto agentes dessa liberdade científica, tenham necessariamente de intervir.
A liberdade científica, pressuposta pela autonomia científica das universidades, não pode deixar, assim, de excluir tanto as intervenções "vindas de fora" que tenham como efeito a limitação no exercício dessa liberdade científica, como as próprias intervenções "vindas de dentro susceptíveis de produzir idêntica limitação" (Tomás Ramón Fernández, Op. cit., p. 52).
Por outro lado, não pode o legislador desconhecer que a autonomia das universidades, na sua dimensão de autonomia administrativa e financeira confere, à instituição universitária, o poder de decidir sobre a afectação dos seus recursos, poder esse que fica coarctado pela imposição externa de promoção de um docente à categoria superior.
O direito fundamental de acesso aos cargos públicos em condições de igualdade e de liberdade, consagrado no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, vale, por inteiro, também, no acesso à docência e nos concursos previstos para a progressão na carreira universitária.
Ora, não pode esquecer-se que o Tribunal Constitucional tem, a respeito do artigo 47.º da Constituição, uma vasta jurisprudência onde afirma que o acesso à função pública (e a progressão na mesma) compreende o direito de nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outro motivo que não seja a falta dos requisitos adequados à função (v. g. idade, habilitações académicas e profissionais); o respeito pela igualdade e liberdade, não podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em factores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade e, por fim, a obrigatoriedade da adopção da regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso (cf., entre muitos, os Acórdãos n.os n.º 53/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pág. 303 e segs; 371/89, disponível em www.tribunalconstitucional.pt; 683/99, publicado no Diário da República 2.ª série, n.º 28, de 3 de Fevereiro de 2000; 368/00, publicado no Diário da República 1.ª série-A, n.º 277, de 30 de Novembro de 2000, pág. 6886; 406/2003 e 61/04, estes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
A propósito de um caso relativo à progressão na carreira, escreveu-se no referido Acórdão 371/89 o seguinte, cuja bondade, aqui, se reafirma:
«Na óptica deste preceito constitucional, o princípio da igualdade, quer ao nível da liberdade de escolha de profissão quer ao nível do direito de acesso à função pública e de progressão dentro da respectiva carreira, é perfeitamente compatível, nestes domínios, com uma preferência, objectivamente definida, em favor dos mais habilitados e capazes. Mais: tal preferência, alicerçada numa maior habilitação e capacidade profissional, é constitucionalmente considerada, nestas particulares situações, não como um factor de discriminação mas antes como uma garantia do próprio princípio da igualdade.
E compreende-se que assim haja de ser, pois que, se é exacto que os homens, enquanto homens, têm algo em comum, naturalmente decorrente da sua própria dignidade como pessoas humanas, devendo, em consequência, ser igualmente tratados, designadamente pelo legislador, nos limites desse elemento comum, não menos exacto é que há elementos de diferenciação que, pela sua razoabilidade objectiva, postulam indubitavelmente uma correspondente diferenciação normativa. Um desses elementos de diferenciação, justificativo de um desigual tratamento legislativo ao nível das respectivas carreiras, é o da diversa habilitação e capacidade profissional de dois grupos de seres humanos, situação essa que a própria CRP, como se viu, declaradamente reconhece e protege.»
Deste modo, a igualdade, no acesso à docência e à progressão da carreira, deve fazer-se, apenas, através de métodos de selecção em que relevem, apenas, o mérito e a capacidade científicas, em provas abertas a todos aqueles que, ao tempo, se possam a elas apresentar.
É claro que esses métodos podem ser os mais diversos.
Constituindo a autonomia um atributo de todas as universidades - donde ter, simultaneamente, um carácter de direito pessoal e de direito institucional colectivo (do conjunto das universidades) - não pode deixar de reconhecer-se, ao legislador ordinário, a competência e a discricionariedade constitutivas para conformar um método de carácter geral que "com carácter geral, também, garanta a todos a igualdade de chance e a confrontação pública dos seus respectivos méritos e capacidades" (referindo-se ao respectivos sistemas, cf. Tomás Ramón Fernández, Op. cit., p. 59 e Giuseppi, A. e Op. cit.,.p. 69).
Essa "confrontação" pressupõe o carácter aberto de toda a forma de acesso e de progressão na carreira universitária, sob pena de claudicar o princípio da liberdade científica e de "liberdade de cátedra" ou seja, não só do mérito absoluto, como do mérito relativo.
Importa, então saber, se os preceitos sindicados respeitam esses parâmetros constitucionais [Também a doutrina brasileira fala de dimensões da autonomia (Edivaldo, A. e Op. cit., pp. 301 e segs) e de limites jurídicos da autonomia (Giuseppi, A. e Op. cit., pp. 69 e segs)].
O acórdão recorrido respondeu afirmativamente à pergunta, com base, em síntese, na consideração de que a exigência da igualdade não é igualitarismo, pelo que "o princípio da igualdade não proíbe as distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento material" e que, no caso, não existe razão material para que não seja aplicada "aos professores, também eles funcionários públicos, embora constituindo um corpo especial", do "direito especial para os dirigentes da função pública", criado pelo legislador para os recompensar pelo exercício de funções dirigentes durante determinado período de tempo.
O princípio da igualdade tem tido um larguíssimo tratamento na jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo considerar-se existir consenso sobre certos termos da sua formulação.
Entre eles se contam, seguramente, os seguintes, expressos no Acórdão 180/99 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43.º vol., pp. 135 e segs.):
«[...] o princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos n.os 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16.º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, p.125 e ss.].»
E, seguindo na mesma linha axiológico-argumentativa, disse-se no Acórdão 409/99 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 44.º, pp. 461 e segs.):
«O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos n.os 186/90,187/90,188/90,1186/96 e 353/98, publicados in "Diário da República", respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de Fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito).»
Discreteando, por seu lado, sobre o método de controlo negativo do princípio da igualdade, "feito a partir do fim que [as normas] visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio (Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade", afirmou-se, por sua vez, no Acórdão 232/03, publicado no Diário da República 1.ª série, de 17 de Junho de 2003, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º vol., p. 7, em termos que, aqui, inteiramente, se renovam:
«(...) é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se poderá avaliar se a mesma possui uma "fundamentação razoável" (vernünftiger Grund), tal como sustentou o "inventor" do princípio da proibição do arbítrio, Gerhard Leibholz (cf. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419 e ss). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria da Glória Ferreira Pinto: "[E]stando em causa [...] um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela 'ratio' do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério" (cf. «Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?», sep. do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais adiante, opina a mesma Autora: "[O] critério valorativo que permite o juízo de qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da igualdade, indissoluvelmente ligado à 'ratio' do tratamento jurídico que o determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a 'ratio' do tratamento jurídico exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro, para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão entre o critério adoptado e a 'ratio' do tratamento jurídico. Assim, se se pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável à subsistência familiar numa determinada sociedade" (ob. cit., pp. 31-32).»
É bom de ver que a ratio do concreto preceito sindicado assenta, como bem nota o acórdão recorrido, no desiderato de motivar os funcionários públicos a aceitarem o exercício de funções públicas dirigentes, na medida em que estas não se integram na sua carreira profissional. É que, terminado o tempo de serviço no cargo dirigente, o funcionário é provido, na sua carreira de origem, em categoria superior àquela que possuía à data da nomeação para dirigente.
E, relativamente aos docentes universitários, poder-se-ia até acrescentar que esse exercício de funções fora da universidade corresponderia a uma evidente realização do sentido da referida lei de autorização legislativa, de "prosseguimento na via de aperfeiçoamento e modernização do regime jurídico da função pública", por potenciar, nesses domínios materiais da Administração Pública, a aplicação de diferentes competências profissionais e de elevados conhecimentos técnicos e científicos adquiridos na função universitária que muito podem beneficiar a Administração Pública, mormente quanto às possibilidades de inovação e de adaptação às exigências de modernidade, na medida em que se considere que as universidades deterão, por via de regra, a ponta do conhecimento científico actual.
Todavia, o exercício nessas funções de fora, e, porventura, o mérito nelas alcançado, apenas poderá interessar no acesso ou na progressão da carreira universitária nos exactos termos públicos em que pode ser apreciado o mérito e a capacidade científica dos demais docentes.
A autonomia universitária e a liberdade científica e de cátedra, que vão nela implicadas, exigem que a avaliação para a docência e a progressão na carreira se continue a fazer segundo o mesmo método geral, de confrontação pública da capacidade e de mérito, ou seja, portanto, segundo a regra de avaliação do mérito absoluto e relativo.
Nesta medida, o acquis, mesmo de natureza científico ou pedagógico, porventura adquirido fora da universidade pelo docente que exerceu um cargo dirigente da função pública, apenas pode alcançar alguns efeitos dentro da própria aplicação do método geral estabelecido para a avaliação do mérito e da capacidade científica.
Temos, portanto, de concluir que a ratio do preceito impugnado é exterior à autonomia universitária, na sua dimensão acima caracterizada de autonomia estatutária, científica e pedagógica.
A ratio do critério normativo que está em causa é completamente exterior à do critério de avaliação segundo o mérito e a capacidade científica, postulado pela autonomia universitária, não tendo, por isso, com ele qualquer conexão.
Não existe, pois, razão material bastante para dispensar o docente universitário do concurso em que possa ser apreciado, absoluta e relativamente, o seu mérito e capacidade científicas.
Sendo assim, torna-se evidente que o artigo 18.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3 do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, é inconstitucional por violar, conjugadamente, os princípios da igualdade de acesso à função pública, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade (artigos 47.º, n.º2, e 13.º) e da autonomia das universidades (artigo 76.º, n.º 2, todos da CRP).
C - Decisão. - 9 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação conjugada do princípio de acesso à função pública, consagrado no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade consagrado no seu artigo 13.º, e do princípio da autonomia universitária afirmado no seu artigo 76.º, n.º 2, a norma do artigo 18.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3 do Decreto-Lei 323/89, de 26 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei 34/93, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual a promoção dos docentes universitários, nas Universidades Públicas, pode ser feita com dispensa de concurso em que seja apreciado o seu mérito absoluto e relativo;
b) Conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida em função do precedente juízo de inconstitucionalidade;
c) Condenar o recorrido nas custas, por ter contra-alegado, fixando a taxa de justiça em 25 UCs.
Lisboa, 7 de Outubro de 2008. - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.