Decreto-Lei 219/88
de 27 de Junho
O paul de Arzila, a cerca de 13 km de Coimbra, encontra-se na margem esquerda do rio Mondego, junto à povoação do mesmo nome, com uma orientação aproximada NNO. para SSE.
É uma zona alagadiça que fica para jusante do Casal dos Figueiros, local a partir do qual a vala do Meio (ou do paul de Arzila) tem um traçado absolutamente rectilínio até quase à Barroca Sargenta, um pouco antes da confluência com o rio Mondego. Aquela vala, juntamente com a vala dos Moinhos, a nascente, e a vala da Costa, a poente, drenam esta zona, cuja área envolvente constitui um vale relativamente aberto de encostas cortadas por linhas de água temporárias descendo para o paul.
Trata-se de uma zona húmida na qual se encontra uma comunidade botânica aquática, com dominância de Sirpus lacustris e Phragmites australis, ocupada nas valas principalmente por Typha latifolia, que cria condições para que o paul de Arzila desempenhe funções tão importantes como:
Área de abrigo de numerosas espécies de aves aquáticas e migradoras (cerca de 30) originárias do Norte e do Centro da Europa, que passam o Inverno no paul;
Área de nidificação de numerosas espécies de aves sedentárias (cerca de 40), de visitantes de Verão (cerca de 20), provenientes do continente africano, que no paul permanecem na Primavera e no Verão, e de visitantes de passagem (8), que utilizam o paul temporariamente no decorrer dos seus movimentos migratórios;
Área natural onde vive e se desenvolve a lontra.
É ainda de salientar a possibilidade de, pela circunstância de se encontrar próximo de Coimbra, o paul de Arzila poder facilmente vir a funcionar como laboratório natural para estudos biológicos no âmbito de actividades da Universidade de Coimbra.
Não só pelas suas características intrínsecas mas também pelo facto de muitas espécies que aí ainda se encontram serem consideradas, em convenções internacionais de que o Estado Português é signatário na qualidade de Parte Contratante, espécies protegidas, estritamente protegidas ou em estado de conservação desfavorável, constata-se a imprescindibilidade de promover o paul de Arzila a reserva natural.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º É criada a Reserva Natural do Paul de Arzila, adiante designada por Reserva.
Art. 2.º - 1 - Os limites da Reserva são os indicados no mapa anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante.
2 - Os originais do mapa anexo são feitos à escala de 1/25000 e ficam arquivados no Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, adiante designado por SNPRCN.
3 - São definidas duas áreas principais, denominadas «zona de protecção» e «núcleo central», com os limites indicados no mapa anexo.
Art. 3.º A criação da Reserva tem por fins:
a) Proteger e conservar os valores naturais e científicos nela contidos;
b) Proteger os elementos geomorfológicos e da flora e fauna específicas, residente e migrante, e os respectivos habitats;
c) Promover o ordenamento do seu território para que o seu uso seja feito sem prejuízo dos fins referidos nas alíneas anteriores;
d) Promover a divulgação dos seus valores naturais, estéticos e científicos e criar condições para que seja visitada de forma ordenada para fins recreativos e científicos pelo público nacional e estrangeiro.
Art. 4.º - 1 - A Reserva será dotada com um plano de ordenamento onde se definirão os usos adequados do território e dos seus recursos naturais.
2 - No plano de ordenamento poderão ser definidas zonas de protecção integral, onde não seja permitida a intervenção humana, salvo para fins científicos.
3 - Os proprietários de terrenos e áreas húmidas situados nas zonas referidas no número anterior poderão requerer ao SNPRCN uma renda equivalente ao rendimento líquido que obteriam de tais prédios, quando utilizados para fins agrícolas, florestais ou aquáticos tradicionais na zona.
4 - Poderão também ser definidos refúgios ornitológicos, onde não sejam permitidas actividades que prejudiquem o livre desenvolvimento das aves silvestres.
5 - O plano de ordenamento será elaborado pelo SNPRCN, ouvidos os órgãos da Reserva.
6 - O plano de ordenamento será aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
Art. 5.º - 1 - São órgãos da Reserva:
a) O director;
b) O conselho geral;
c) A comissão científica.
2 - O director é nomeado pelo presidente do SNPRCN de entre funcionários e agentes do mesmo com reconhecida competência na administração do ambiente, em comissão de serviço, nos termos da lei geral que regula as funções de direcção e chefia na função pública.
3 - O conselho geral é o órgão consultivo de carácter geral que integra o director, um representante do governador civil do distrito de Coimbra, representantes das autarquias locais, serviços regionais do Estado e associações de defesa do ambiente.
4 - A comissão científica é o órgão consultivo de carácter especializado e dela fazem parte, além do director, representantes do Departamento de Zoologia da Universidade de Coimbra, do Departamento de botânica da Universidade de Coimbra e do Centro Regional de Investigação Agrária da Beira Litoral.
5 - A composição, a forma de designação dos representantes e o funcionamento dos órgãos constarão de regulamento aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área do ambiente.
Art. 6.º A prossecução dos fins da Reserva referidos no artigo 3.º e a administração dos interesses específicos asseguradas pelo director, sob a superintendência do SNPRCN, pelo conselho geral e pela comissão científica.
Art. 7.º - 1 - Ao director compete, em geral, a administração dos interesses relativos à prossecução dos fins da Reserva estabelecidos no artigo 3.º do presente diploma.
2 - Compete, em especial, ao director o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e sanções acessórias previstas neste diploma.
Art. 8.º - 1 - Na Reserva é proibido:
a) Lançar águas residuais, industriais ou de uso doméstico, poluentes e não devidamente tratadas;
b) Captar ou desviar águas de forma que prejudique o nível normal das águas no paul;
c) Caçar;
d) O sobrevoo por aeronaves circulando com um tecto de voo inferior a 200 m;
e) Fazer campismo fora dos locais a esse fim destinados, salvo com fins científicos devidamente autorizados pelo director;
f) Transitar com quaisquer veículos, salvo em serviço da Reserva ou das explorações agrícolas situadas na sua área ou ainda por motivos imprevistos ou com autorização do pessoal afecto à Reserva.
2 - A proibição constante da alínea a) do número anterior é extensiva a áreas fora da Reserva em relação aos cursos de água que nela passem ou desagúem.
Art. 9.º Na área do núcleo central da Reserva é proibido:
a) Edificar, construir ou reconstruir quaisquer construções ou equipamentos;
b) Enxugar quaisquer terrenos ou superfícies húmidas para além das já agricultadas à data da publicação do presente diploma;
c) Alterar a morfologia do solo e áreas húmidas e fazer aterros ou depósitos de lixo ou sucata;
d) Fazer fogo;
e) Pescar;
f) Introduzir espécies zoológicas exóticas, domésticas ou não, salvo em casos excepcionais autorizados pelo director, com fins científicos ou para restabelecimento do equilíbrio entre as espécies;
g) Cortar ou colher espécies botânicas não cultivadas, salvo a colheita de bunho feita de forma tradicional pela população local, e introduzir espécies botânicas exóticas de cultivo ou silvestres.
Art. 10.º - 1 - Na área da zona de protecção da Reserva dependem de autorização do director as actividades ou actos enunciados no artigo anterior.
2 - Consideram-se autorizados os actos ou actividades relativamente aos quais não tenha sido comunicada, por escrito, ao requerente decisão expressa em contrário no prazo de 60 dias após a recepção do pedido de autorização.
3 - As autorizações a que se referem os números anteriores não dispensam as licenças, autorizações ou pareceres exigíveis nos termos da lei e, por outro lado, a existência destes não legitima a prática das actividades ou actos condicionados ou proibidos pelo presente diploma.
Art. 11.º - 1 - Constituem contra-ordenação punível com coima:
a) De 200000$00 a 3000000$00 a infracção ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8.º, no n.º 2 do mesmo artigo e na alínea b) do artigo 9.º;
b) De 100000$00 a 1000000$00 a infracção ao disposto nas alíneas a) e c) do artigo 9.º;
c) De 100000$00 a 500000$00 a infracção ao disposto na alínea f) do artigo 9.º;
d) De 50000$00 a 250000$00 a infracção ao disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º;
e) De 5000$00 a 100000$00 a infracção ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º e nas alíneas d), e) e g) do artigo 9.º;
f) De 5000$00 a 50000$00 a infracção ao disposto nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 8.º
2 - A infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 10.º constitui contra-ordenação punível com coima de montante igual a metade do montante da coima que seria aplicável no caso de o acto ter sido praticado na área do núcleo central da Reserva.
3 - A negligência é punível.
4 - Na graduação da coima ter-se-á em consideração, nomeadamente, a gravidade da contra-ordenação, atendendo ao perigo ou dano causado no ambiente da Reserva ou em quaisquer dos seus elementos.
5 - Poderão ser apreendidos e declarados perdidos a favor do SNPRCN os objectos utilizados ou produzidos durante a infracção.
Art. 12.º - 1 - Por decisão do presidente do SNPRCN, sob proposta do director e ouvido o conselho geral, pode ser requerida judicialmente a remoção de elementos construídos pelo homem, preexistentes à data deste diploma, bem como a cessação de quaisquer actividades industriais ou outras que tenham impacte negativo no ambiente da Reserva.
2 - Nos casos de remoção e cessação referidos no número anterior, os titulares de direitos legalmente constituídos serão indemnizados pelos prejuízos sofridos.
Art. 13.º - 1 - O policiamento e fiscalização do disposto neste diploma competem aos funcionários das entidades representadas no conselho geral e à GNR.
2 - Para os efeitos previstos no número anterior o conceito de funcionário é o do artigo 437.º do Código Penal.
3 - Os autos de notícia, participações e denúncias serão enviados ao director.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 12 de Maio de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Luís Francisco Valente de Oliveira - José António da Silveira Godinho - Joaquim Fernando Nogueira - Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto - João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Promulgado em 9 de Junho de 1988.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 16 de Junho de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
(ver documento original)