Decreto-Lei 92/2004
de 20 de Abril
A Lei 107-B/2003, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2004, concedeu ao Governo, na alínea d) do n.º 1 do artigo 47.º, autorização para legislar em matéria de interconexão de dados a efectivar entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social.
A interconexão dos dados que o presente diploma consagra incide sobre o acesso e o tratamento da informação de natureza tributária e contributiva essencial para prosseguir alguns dos principais objectivos do XV Governo Constitucional, designadamente em matéria fiscal e social.
Desde logo, o controlo activo do cumprimento das obrigações fiscais e contributivas. Só uma cobrança efectiva de todas as contribuições devidas permite ao Estado sustentar os encargos de uma política social e redistributiva justa.
Com efeito, a interconexão entre os serviços da administração fiscal e da segurança social é decisiva nesse combate, mas tal instrumento só poderá dar um verdadeiro contributo para a justiça social se for aplicado no escrupuloso respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Por último, importa referir que, para além da adequação e da diferenciação das prestações e dos apoios a conceder, a realização efectiva da justiça social compreende também a atribuição rigorosa das prestações sociais. Aliás, um dos principais propósitos da reforma da segurança social que tem vindo a ser concretizada desde a entrada em vigor da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, que aprovou as bases da segurança social, consiste, precisamente, em dotar todo o sistema de maior rigor, justiça e celeridade na atribuição das prestações. Só assim será possível uma verdadeira equidade social.
O presente decreto-lei constitui o desenvolvimento dessa autorização legislativa e é tributário das preocupações enunciadas. Assim, estabelece a forma, extensão e limites da interconexão a efectivar entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social e a Inspecção-Geral de Finanças, atentas as suas competências de âmbito nacional, enquanto serviço de controlo da administração financeira do Estado, em matéria de controlo financeiro e tributário das entidades públicas e privadas, no cumprimento da autorização legislativa ao abrigo da qual é emitido e nos termos da Lei 67/98, de 26 de Outubro, relativa à protecção de dados pessoais.
Para além de enunciar de forma precisa o seu objecto e finalidade, este diploma identifica com meridiana clareza as categorias de dados objecto da interconexão. Esta interconexão faz-se mediante a transmissão entre as bases de dados actualmente existentes na Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros e no Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade, resultando na criação de duas bases de dados autónomas, a base de dados interconectados com a segurança social e a base de dados interconectados com a administração fiscal, às quais só poderão aceder as entidades para tal devidamente autorizadas.
O procedimento de interconexão e o acesso aos dados foi definido em consonância e no escrupuloso respeito pelos princípios da adequação, proporcionalidade, pertinência e complementaridade como se pode aferir, nomeadamente, pelas medidas de segurança e tratamento de dados a que acrescem as matérias relativas ao sigilo e direito de acesso e rectificação.
Foi ouvida a Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pela alínea d) do n.º 1 do artigo 47.º da Lei 107-B/2003, de 31 de Dezembro, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto e finalidade
O presente diploma regula a forma, extensão e limites da interconexão a efectivar entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social no domínio do acesso e tratamento da informação de natureza tributária e contributiva relevante para assegurar o controlo do cumprimento das obrigações fiscais e contributivas, garantindo a atribuição rigorosa das prestações sociais e a concessão de benefícios fiscais, bem como promovendo a eficácia na prevenção e combate à fraude e evasão fiscal e contributiva no âmbito das respectivas competências.
Artigo 2.º
Cooperação e coordenação
Os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social coordenam as suas acções nas respectivas áreas de intervenção e trocam entre si as informações necessárias à prossecução das finalidades previstas no artigo 1.º do presente diploma, no respeito pelos princípios da adequação, proporcionalidade, pertinência e complementaridade.
Artigo 3.º
Categorias de dados objecto de interconexão
1 - Para efeitos do disposto no artigo 1.º, são objecto de interconexão as seguintes categorias de dados relativas às pessoas singulares e colectivas:
a) Cadastro e identificação;
b) Tributos fiscais ou parafiscais, designadamente as contribuições e quotizações para a segurança social;
c) Rendimentos e despesas;
d) Património imobiliário e mobiliário;
e) Obrigações acessórias, designadamente início, reinício, alteração, suspensão e cessação da actividade.
2 - Os dados integrados nas categorias referidas no número anterior constam da base de dados da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA), da base de dados do Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade (IIES) ou de ambas as bases de dados.
3 - Outras categorias de dados de natureza tributária e contributiva não previstas no presente diploma poderão dele ser objecto, mediante autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Artigo 4.º
Interconexão de dados
1 - Para os fins estipulados no presente diploma, a DGITA e o IIES transmitem entre si os dados integrados nas categorias referidas no artigo 3.º
2 - É criada junto da DGITA uma base de dados interconectados com a segurança social (BDISS) e é criada junto do IIES uma base de dados interconectados com a administração fiscal (BDIAF).
3 - As entidades responsáveis pelo tratamento da BDISS e da BDIAF, nos termos da alínea d) do artigo 3.º da Lei 67/98, de 26 de Outubro, são, respectivamente, a DGITA e o IIES.
Artigo 5.º
Acesso às bases de dados
1 - As entidades com acesso, em tempo real, às bases de dados criadas pelo presente diploma são a Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, a Inspecção-Geral de Finanças, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
2 - A Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e a Inspecção-Geral de Finanças ficam autorizadas a aceder à BDISS através da DGITA.
3 - O Instituto de Solidariedade e Segurança Social e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ficam autorizados a aceder à BDIAF através do IIES.
4 - É vedada a utilização dos dados para qualquer fim diverso do fixado no artigo 1.º
Artigo 6.º
Conservação de dados
Os dados pessoais constantes das bases de dados são conservados apenas durante o tempo necessário para a prossecução dos fins a que se destinam, sendo obrigatoriamente destruídos decorrido o prazo de cinco anos após a sua recolha, sem prejuízo da existência de processos judiciais em curso.
Artigo 7.º
Medidas de segurança e tratamento dos dados
1 - A transmissão dos dados é efectuada mediante controlo de acesso entre os sistemas informáticos e com prévia autenticação das entidades responsáveis pelo tratamento das bases de dados criadas por este diploma.
2 - O acesso aos dados só é permitido a pessoas devidamente credenciadas pelas entidades referidas no número anterior, mediante atribuição de código de utilizador e de palavra-passe.
3 - Sem prejuízo de lei especial que contemple a utilização dos dados para finalidades distintas das referidas no artigo 1.º, o acesso aos dados fica subordinado à identificação de uma das seguintes finalidades:
a) Atribuição de prestações sociais;
b) Concessão e controlo de usufruição de benefícios, designadamente fiscais;
c) Acções de fiscalização;
d) Concessão de apoio judiciário;
e) Processos de regularização e cobrança de dívidas;
f) Verificação de informações relativas ao início, reinício, alteração, suspensão e cessação da actividade.
4 - A DGITA e o IIES registam, em média, pelo menos 1 em cada 10 consultas de dados pessoais, para efeitos de controlo da sua legitimidade.
Artigo 8.º
Actualização de dados
A DGITA e o IIES comunicam mensalmente as actualizações dos dados transmitidos no âmbito do presente diploma.
Artigo 9.º
Sigilo
As entidades responsáveis pelo tratamento dos dados, bem como todas as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados ao abrigo do presente diploma, ficam obrigadas aos deveres de sigilo e confidencialidade, mesmo após a cessação daquelas funções.
Artigo 10.º
Direito de acesso e rectificação
1 - É reconhecido o direito de acesso dos titulares dos dados às informações que lhes digam respeito registadas nas bases de dados criadas no presente diploma, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 11.º da Lei 67/98, de 26 de Outubro, bem como o direito a exigir a rectificação de informações inexactas e a inclusão de informações total ou parcialmente omissas.
2 - O direito de acesso e rectificação às informações constantes das bases de dados criadas por este diploma pode implicar o acesso e eventual rectificação das informações contidas nas bases de dados que estão na origem do cruzamento da informação.
3 - O exercício dos direitos de acesso e rectificação nos termos do número anterior não prejudica o exercício dos mesmos, no que respeita às bases de dados originárias, nos termos gerais.
4 - Nas situações previstas nos números anteriores deste artigo devem as entidades com acesso às bases de dados garantir que seja dada satisfação ao requerimento do titular dos dados ou comunicar-lhe o que tiverem por conveniente no prazo de 30 dias.
Artigo 11.º
Auditorias técnicas
A DGITA e o IIES realizam auditorias técnicas anuais para garantir que a transmissão, interconexão e acesso aos dados se realize com a observância de todos os procedimentos e garantias previstos no presente diploma.
Artigo 12.º
Protocolo
A concretização da cooperação, coordenação e procedimentos entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social é objecto de protocolo.
Artigo 13.º
Direito subsidiário
É subsidiariamente aplicável o disposto na Lei 67/98, de 26 de Outubro.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 26 de Fevereiro de 2004. - José Manuel Durão Barroso - Maria Manuela Dias Ferreira Leite - Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona - António José de Castro Bagão Félix.
Promulgado em 6 de Abril de 2004.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 12 de Abril de 2004.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.