Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Relatório. - 1.1 - Por despacho do juiz do 2.º Juízo do Tribunal da Comarca da Covilhã de 19 de Março de 2004 (a fl. 3457 do processo principal e a fl. 89 destes autos), foi determinado o desentranhamento das alegações do recurso de apelação que BEIRALÃ - Lanifícios, S. A., na qualidade de credora, interpusera do despacho de 26 de Novembro de 2003, que homologara a deliberação da assembleia definitiva de credores no processo especial de recuperação de empresa requerido por Nova Penteação e Fiação da Covilhã, S. A. Essa ordem de desentranhamento fundou-se no facto de a recorrente, apesar de "devidamente notificada [...] para proceder ao pagamento omitido da taxa de justiça e multa com a cominação inserta no n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC", ter apenas pago a multa devida, omitindo o pagamento da taxa de justiça em falta.
A BEIRALÃ, notificada deste despacho, apresentou o requerimento de fl. 3463 a fl. 3470 do processo principal (de fl. 89 a fl. 96 destes autos), em que requereu a sua revogação, com base, além do mais (falta de uma notificação essencial para o cumprimento do acto omitido e invocação de justo impedimento), em dever ser recusada a aplicação do disposto no artigo 690.º-B, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), por padecer de inconstitucionalidade material, bem como do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, que o aditou, por enfermar de inconstitucionalidade orgânica.
Este requerimento foi indeferido por despacho de 28 de Abril de 2004 (a fl. 3671 do processo principal e a fl. 97 destes autos), que manteve "o despacho proferido a fl. 3457 nos seus precisos termos".
1.2 - Notificada do novo despacho, a BEIRALÃ veio interpor recurso, "que aparenta ser de agravo, mas que é de apelação por se suscitarem as inconstitucionalidades de normas" (requerimento a fl. 3694 do processo principal e a fl. 101 destes autos).
Remetido ao Tribunal da Relação de Coimbra, o respectivo desembargador relator, por despacho de 12 de Outubro de 2004 (de fl. 154 a fl.156), qualificou o recurso como de agravo e - após consignar não ter a recorrente interposto recurso do despacho que determinou o desentranhamento das alegações, mas caber recurso do segundo despacho (de 28 de Abril de 2004), por, apesar de não se ter pronunciado expressamente (como devia) pelo menos quanto à arguição de nulidade e à invocação de justo impedimento, ter mantido a arguida nulidade da omissão de uma notificação -, constatando ter a recorrente, nas suas alegações, arguido a nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito e por não ter conhecido das questões antes suscitadas, determinou a remessa dos autos à 1.ª instância, a fim de o juiz a quo, querendo, se pronunciar quanto às arguidas nulidades.
O juiz a quo, por despacho de 21 de Outubro de 2004 (a fl. 160), limitou-se a exarar que "por não se verificarem as alegadas nulidades, subam os autos ao venerando Tribunal da Relação".
1.3 - Por Acórdão de 19 de Abril de 2005 (de fl. 204 a fl. 225), o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
"Como é também sabido, proferido o despacho fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
Sendo, porém, lícito ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes no despacho e reformá-lo nos termos legais - artigo 666.º, n.os 1 e 2, do CPC, aplicável aos despachos ex vi n.º 3 do mesmo preceito legal (sendo todas as disposições a seguir citadas, sem referência expressa, do mesmo diploma legal).
Pelo que, tal como já dito no despacho preliminar do relator, não tendo havido recurso do despacho que mandou a ora agravante desentranhar as alegações antes apresentadas (a fl. 3457), transitou o mesmo, em princípio, em julgado.
Sendo certo não terem sido arguidas nulidades do próprio despacho, tal como se encontram previstas no artigo 668.º, n.º 1, as quais, a sê-lo, deveriam ter sido suscitadas no recurso que sobre ele viesse a recair e que não foi, na realidade, interposto - n.º 3 deste mesmo preceito legal.
Mas, posteriormente a tal despacho, e sem dele recorrer, veio a ora agravante arguir a falta de uma notificação essencial para o cumprimento, por sua banda, do acto omitido, o justo impedimento em relação ao mesmo acto, a inconstitucionalidade material do artigo 690.º, n.º 2 (deverá querer dizer artigo 690.º-B, n.º 2, também aqui se relevando tal lapso), e a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro.
Ora, a arguição de tais inconstitucionalidades têm directamente a ver com a aplicação do disposto no artigo 690.º-B, n.º 2, que o juiz a quo antes fez no dito despacho que transitou em julgado.
Pelo que neste recurso, e tal como são pela parte arguidas, não deverão ser conhecidas, esgotado que ficou, com o mesmo despacho, o poder jurisdicional do juiz de 1.ª instância - estamos a falar da aplicação do preceituado no dito artigo 690.º-B, o qual, no entender da ora agravante, depende de uma norma habilitante, o artigo 28.º do CCJ. Não podendo também tal despacho ser reapreciado por esta Relação na falta de recurso.
Restaria, porém, ao juiz a quo pronunciar-se sobre a nulidade e o justo impedimento arguidos.
Não o fez, de todo em todo, tendo omitido pronúncia sobre tal matéria, ao proferir o seu sucinto despacho que ora está em apreço (a fl. 3671) - artigo 158.º Sendo esse - e apenas esse, que não também o de fl. 3457 - de que a seguir curaremos.
Tal omissão, nos termos do preceituado no citado artigo 668.º, n.º 1, alínea d), acarreta a nulidade de tal despacho (o de fl. 3671).
Devendo o Tribunal de recurso conhecer, de qualquer modo, do objecto do agravo, para tal dispondo os autos de elementos artigo 715.º, n.os 1 e 2, ex vi do disposto no artigo 749.º
Desnecessário sendo ouvir as partes, em obediência ao preceituado no n.º 3 do citado artigo 715.º, pois as mesmas sobre as questões em apreço já se pronunciaram, quer na alegação do recurso, quer na contra-alegação.
Não se podendo defender que tendo transitado o despacho de fl. 3457, o agravo perde o seu interesse, já que, provido eventualmente que ele seja, pode tal despacho ser anulado (não revogado, naturalmente).
Vejamos, pois:
Quanto à falta da notificação sucessiva da parte pela omissão do pagamento da taxa de justiça:
A omissão de tal formalidade, a verificar-se, é susceptível de constituir nulidade do respectivo acto - artigo 201.º
Tendo a mesma sido suscitada mediante reclamação da interessada, no prazo legal - artigos 202.º, 205.º e 153.º
Competindo, pois, conhecê-la.
O questionado artigo 690.º-B, tal como os artigos 150.º-A, 486.º-A e 512.º-B, todos eles relacionados quer com a comprovação do pagamento da taxa de justiça, quer com as consequências da sua omissão, foram aditados ao CPC pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 e que, além de ter alterado o CCJ, alterou ainda normas do CPC e do CPP.
Dispondo o aludido Decreto-Lei 324/2003 que, sem prejuízo do disposto numa sua norma transitória, que aqui não releva, as alterações do CCJ nele constantes só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor. E que os pagamentos e depósitos a efectuar nos processos pendentes à data da sua entrada em vigor são efectuados de acordo com o disposto no mesmo - artigo 14.º, n.os 1 e 3.
Devendo, porém, entender-se que as normas do processo civil atrás aludidas, embora insertas no diploma que também alterou o CCJ, que estabelecem preclusões de carácter processual, nada regendo sobre a origem ou montante da dívida tributária nem sobre o modo do respectivo pagamento, não são uma mera alteração ao CCJ, mas antes uma alteração (in casu por aditamento às normas já existentes) ao CPC.
Aplicando-se as mesmas imediatamente, quer pela sua natureza publicística [...], quer pelo seu carácter instrumental.
Escrevendo, a propósito, Alberto dos Reis: 'Quando se publica uma lei nova, isso significa que o Estado considera a lei anterior imperfeita e defeituosa para a administração da justiça ou para o regular funcionamento do poder judicial. Tanto basta para que a lei nova deva aplicar-se imediatamente' - Processo Ordinário e Sumário, 2.ª ed., p. 32.
Ensinando, a propósito, e em idêntica posição, Manuel de Andrade que o princípio da imediata aplicabilidade das leis do processo é justificado ainda pelo facto de as leis conterem implícito um doravante, um daqui para o futuro, o qual, quando aplicado às leis do processo, 'significa naturalmente que os diversos actos processuais devem ter como lei reguladora a lei vigente ao tempo da sua prática' - Noções Elementares de Processo Civil, pp. 42 e 43. Navegando nas mesmas águas, entre outros, Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 47.
Daqui resultando que os preceitos atrás mencionados, tendo iniciado a sua vigência no dito dia 1 de Janeiro de 2004, se aplicam de imediato aos processos pendentes, aos actos neles praticados depois de tal entrada em vigor e que não contendam com aqueles cuja regularidade já foi aferida pelo anterior regime.
Ora, e aqui entramos propriamente no objecto do recurso, à data da apresentação da alegação pela também ora agravante já vigorava, seguramente, a obrigatoriedade da autoliquidação da taxa de justiça, devendo o documento comprovativo do respectivo pagamento ser entregue ou remetido ao Tribunal, nomeadamente, com a apresentação de tal peça processual - artigos 23.º e 24.º, n.º 1, alínea c), do CCJ, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei 320-B/2000, de 15 de Dezembro, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 2001.
A agravante apresentou a sua alegação de recurso em 23 de Janeiro de 2004 (a fl. 3402), não tendo apresentado qualquer documento comprovativo da autoliquidação devida.
Por carta de 5 de Fevereiro de 2004, com referência ao processo ora em causa, foi pela secretaria judicial notificada - naturalmente através do seu mandatário constituído - nos seguintes termos:
'Assunto: Omissão do pagamento da taxa de justiça inicial/subsequente - artigo 690.º-B do CPC.
Fica notificado, na qualidade de mandatário do credor BEIRALÃ - Lanifícios, S. A., para no prazo de 10 dias efectuar, relativamente ao processo supra-identificado, o pagamento omitido da taxa de justiça bem como da multa - n.º 1 do artigo 690.º do CPC, de acordo com os montantes e prazos da guia anexa - sob pena de desentranhamento da alegação/resposta - n.º 2 do mesmo normativo.
A taxa de justiça em dívida deverá ser paga no mesmo prazo, por autoliquidação, da qual deverá fazer prova junto da secretaria deste Tribunal.'
Foi junta uma guia, no montante de Euro 890, com a descrição de alusivo a 'Multas do CGT - multa do artigo 690.º-B do CPC', com data limite de pagamento até 19 de Fevereiro de 2004 (o destaque, agora, é apenas nosso).
Montante esse que foi pago em 19 de Fevereiro de 2004, através da CGD - a fls. 86 e 87.
Não tendo sido autoliquidada a taxa de justiça devida dentro do prazo que havia sido facultado pela notificação mencionada, de tal informou a secretaria o juiz do processo, que proferiu despacho a, por via de tal omissão, e ao abrigo do disposto no citado artigo 690.º-B, ordenar o desentranhamento da alegação da recorrente.
Ora, tendo em conta o teor da notificação ora relatada - e deixemos de lado o irrelevante e notório lapso da referência, no seu texto, que não na sua epígrafe, ao artigo 690.º do CPC, em vez de artigo 690.º-B, que a ora agravante bem entendeu e que expressamente diz ter relevado - a verdade é que o seu conteúdo, lido com a atenção devida e que naturalmente merecia - para além do não desconhecimento da própria lei por banda do mandatário forense - é perfeitamente compreensível, não podendo dar lugar a equívocos.
Não se podendo deixar de nela se alcançar que o montante e prazo indicados na guia anexa se referem apenas à multa devida pela falta de oportuna autoliquidação.
E que a cominação do desentranhamento da alegação era relativa quer à falta do pagamento omitido da taxa de justiça, quer à falta do pagamento da multa que aquela outra originou.
Constando da guia anexa a referência expressa a 'Multas do CGT - multa do artigo 690.º-B do CPC'.
Devendo tal pagamento ser acrescido, através da devida autoliquidação por banda da agravante, da taxa de justiça omitida. A qual, por ser autoliquidada, não consta de qualquer guia passada pela secretaria.
Não havendo, pois, qualquer erro na redacção do ofício/notificação, nem qualquer contradição no seu teor.
Mas, defende, ainda, a agravante - e é de tal arguida nulidade que aqui curamos agora - que foram também omitidas duas notificações, uma delas constante no n.º 4 e outra no n.º 5, ambos do artigo 486.º-A. E, embora tal também não aceite, só perante o incumprimento desta última é que, em seu entender, poderia haver lugar, segundo a própria lei, ao desentranhamento da alegação.
Devendo o omitente do pagamento da taxa de justiça em causa ter sido, assim, sucessivamente notificado.
Mas, salvo o devido respeito, não é assim.
Como é sabido, o Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, consagrou várias medidas de combate à morosidade processual civil e, entre elas, a da desoneração das secretarias dos tribunais das tarefas de liquidação, emissão de guias e contabilidade da taxa de justiça inicial e subsequente ao longo do processo, limitando-se as mesmas a verificar a junção dos documentos comprovativos do seu devido pagamento ou da sua isenção.
O Decreto-Lei 320-B/2000, de 15 de Dezembro, mantendo o elenco dos actos ou diligências que importam o pagamento da taxa de justiça inicial e subsequente, alterou o momento, a forma de cálculo e os meios da sua realização, passando o respectivo pagamento a ser responsabilidade do interessado, que deverá realizá-lo antes da prática do acto ou nos 10 dias subsequentes a determinadas notificações do Tribunal (sic) - preâmbulo do citado diploma legal.
Tendo sido, entre outros, alterados os artigos 23.º e 24.º do CCJ, determinando, na parte que ora importa, o primeiro, que para a promoção dos recursos é devido o pagamento da taxa de justiça autoliquidada nos termos da tabela anexa, impondo o segundo que o documento comprovativo de tal taxa seja entregue ou remetido ao Tribunal com a apresentação das alegações de recurso.
Ora, é certo dizer-nos o preâmbulo do aludido Decreto-Lei 324/2003 que 'volta a ser consagrada a regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito' (o destaque é nosso).
Assim rezando os preceitos ora em análise:
O artigo 150.º-A (comprovativo do pagamento da taxa de justiça):
'1 - Quando a prática de um acto processual exija, nos termos do Código das Custas Judiciais, o pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos.
2 - Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º-A, 512.º-B e 690.º-B.
3 - Quando a petição inicial seja enviada através de correio electrónico ou outro meio de transmissão electrónica de dados, o documento comprovativo da taxa de justiça inicial deve ser remetido a tribunal no prazo referido no n.º 3 do artigo anterior, sob pena de desentranhamento da petição apresentada.
4 - Nos casos previstos no número anterior, a citação só é efectuada após a junção aos autos do referido documento comprovativo.'
O artigo 486.º-A (documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça):
'1 - É aplicável à contestação, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do artigo 467.º, podendo o réu, se estiver a aguardar decisão sobre a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total ou parcial do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, juntar apenas documento comprovativo da apresentação do respectivo requerimento.
2 - No caso previsto na parte final do número anterior, o réu deve juntar ao processo o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário.
3 - Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
4 - Após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo referido no n.º 2, sem que o documento aí mencionado tenha sido junto ao processo, a secretaria notifica o réu para os efeitos previstos no número anterior.
5 - Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n.º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial e da multa por parte do réu, o juiz profere despacho nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 508.º, convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 10 UC.
6 - Se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão, o Tribunal determina o desentranhamento da contestação e, se for caso disso, da tréplica.'
O artigo 690.º-B (omissão do pagamento das taxas de justiça):
'1 - Se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
2 - Se, no termo do prazo referido no número anterior, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o Tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.
3 - [Apenas referente à situação de apoio judiciário.]'
O artigo 150.º, n.º 3, atrás mencionado, determina que a parte que proceda à apresentação do acto processual através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão electrónica de dados remeta ao Tribunal, no prazo de cinco dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual.
O n.º 3 do artigo 487.º, também antes aludido, determina que o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça.
O n.º 1, alínea b), do artigo 508.º determina que o juiz, findos os articulados, se for caso disso, profira despacho a convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos que a seguir enumera.
O artigo 512.º-B, atrás citado, preceitua sobre a omissão do pagamento da taxa de justiça subsequente, ordenando que, na falta da junção do documento comprovativo do respectivo pagamento, a secretaria notifique o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa.
Assim, da conjugação de todos estes preceitos verifica-se, com facilidade, que os mesmos, versando embora sobre a obrigatoriedade da apresentação pela parte do documento comprovativo do pagamento da taxa devida e das consequências da respectiva omissão, disciplinam procedimentos a seguir em relação a actos diferentes, com diferentes cominações:
a) Em relação à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento determina, sem qualquer notificação prévia, a recusa do seu recebimento ou o seu desentranhamento - artigos 474.º, alínea f), e 150.º-A, n.º 3;
b) Em relação à contestação ou à tréplica, tal falta dá lugar, decorridos 10 dias, à notificação do interessado pela secretaria para efectuar o pagamento omitido (a taxa não autoliquidada), com o acréscimo da multa. E, findos os articulados - o n.º 4 do citado artigo 486.º-A só se aplica aos casos em que tenha sido pedido o apoio judiciário, com indeferimento, e não a todos os demais, como a agravante defende - se, não obstante a anterior notificação, o réu se mantiver relapso, o juiz, por despacho, convida-o a proceder ao pagamento em falta - a taxa de justiça e a multa já aplicada - acrescido de nova multa. E só depois, caso o réu persista na omissão, ordenará o desentranhamento da contestação ou da tréplica;
c) Em relação aos recursos, no caso da omissão em referência, impõe a lei apenas uma notificação do faltoso para proceder ao pagamento da taxa de justiça omitida (sempre necessariamente através de autoliquidação, sem guia passada pela secretaria para o efeito - que só a emitirá quanto à multa que também for devida para a prática do acto fora do seu momento normal). E, persistindo o mesmo na omissão - a multa só é devida se o pagamento for efectuado (citado artigo 486.º-A, n.º 7) -, o Tribunal determina o desentranhamento da alegação ou da resposta apresentada pela parte em falta.
Verificando-se, de facto, no caso da contestação ou da tréplica, a imposição de duas notificações judiciais sucessivas para que o desentranhamento da defesa e oposição tenha lugar.
E, bem se compreende tal 'generosidade' do legislador - se bem que o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, a todos consagrado pela nossa lei fundamental (cf. o artigo 20.º, n.º 1), não estivesse necessariamente posto em causa, já que se a parte tivesse insuficiência de meios para o pagamento devido sempre poderia pedir a concessão de apoio judiciário - pois está então em causa a defesa do réu em relação aos factos que pelo autor lhe são imputados e que terão, em princípio, repercussão na sua esfera jurídica, com as gravosas consequências da sua falta, considerando-se, em princípio, confessados os factos articulados pelo autor (artigo 484.º), com a possibilidade até, quanto aos processos sumário e sumaríssimo, de condenação imediata no pedido (artigos 784.º e 464.º).
Já assim não sucedendo, quer em relação à propositura da acção, podendo o autor, em princípio, sempre propor nova acção, não obstante a recusa da anterior petição inicial ou do seu desentranhamento, quer em relação aos recursos, os quais têm por objecto sempre uma decisão judicial já proferida (sem embargo de se reconhecer que o direito de recurso é também uma forma essencial do direito à justiça (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 339/90).
Assim, para situações diferentes, previu a lei soluções diferentes.
Que nela estão bem expressas, provindo todas as prescrições atrás mencionadas e que se transcreveram para melhor compreensão - da mesma alteração legislativa, a qual, logo no n.º 2 do citado artigo 150.º-A, adverte que a parte deve proceder à junção do documento comprovativo da taxa de justiça nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º-A, 512.º-B e 690.º-B.
E, não obstante a talvez não inteira correcção do preâmbulo do Decreto-Lei 324/2003 quando genericamente alude às notificações sucessivas da parte relapsa para que tenha lugar o desentranhamento das peças processuais então em causa, a verdade é que não deveremos, só por isso, na interpretação da norma, dar-lhe o relevo que aquele não tem.
E, sendo certo que a lei, com os seus conceitos e palavras, de acordo com o seu sentido, o seu sistema intrínseco e os seus objectivos, é sempre o fundamento e directiva para ponderações, actuações e decisões do jurista, que a ela deve fidelidade (Heinrich Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, p. 27), haverá de atender, na sua interpretação - sem se cair nos excessos em que tantas vezes se deixaram cair os autores objectivistas e subjectivistas - às prescrições do artigo 9.º do Código Civil. Havendo, desde logo, que reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada, com pouco relevo, in casu, para a nota actualista da interpretação, tendo em conta a proximidade temporal entre a sua feitura e a sua aplicação. Devendo ser apurado não propriamente o sentido da mens legislatoris, mas sim o conteúdo da vontade que alcançou expressão em forma constitucional (a mens legis) - Manuel de Andrade, Interpretação e Aplicação das Leis, pp. 134 e 135; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pp. 58 e 59; e Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. I, p. 38.
Contudo, se a interpretação não se deve cingir à letra da lei, não pode também ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha nela um mínimo de correspondência real, devendo ainda o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento de forma adequada (n.os 2 e 3 do citado artigo 9.º).
Por tudo isto, não pode deixar de se considerar que o legislador, tendo em conta as diferentes situações, preveniu e estatuiu soluções diferentes.
Não havendo, no caso dos recursos, lugar às sucessivas notificações prescritas no artigo 486.º-A, mas sim apenas a uma, a feita pela secretaria, dando ao devedor relapso mais uma hipótese de cumprir a norma - a do artigo 690.º-B - e não sofrer a cominação que a mesma expressamente impõe.
Não havendo, pois, como já dito, erro de acto praticado pela secretaria judicial, ao qual alude o artigo 161.º, n.º 6.
Não havendo, assim, qualquer nulidade a este respeito cometida.
Quanto ao justo impedimento também alegado pela parte em relação à omissão do pagamento da taxa de justiça devida:
A notificação recebida pela ora agravante - que continha a cominação ora em causa - é clara, sendo perfeitamente compreensível para o comum cidadão.
Não tendo de alertar a parte sobre a forma de efectuar a autoliquidação em falta, que é da sua única responsabilidade.
Tendo, aliás, advertido a mesma, de forma destacada, que, no mesmo prazo do pagamento da multa devida, cujo exacto montante era também indicado na guia anexa, deveria pagar a taxa de justiça em dívida, por autoliquidação, comprovando tal na secretaria.
Tal notificação é dirigida ao mandatário da parte, advogado, que bem tem de conhecer a lei, não justificando a ignorância ou a má interpretação desta a falta do seu cumprimento, nem a isentando das sanções nela estabelecidas (artigo 6.º do Código Civil).
Não sendo a mesma notificação susceptível de induzir o seu destinatário em erro.
Tendo o acto processual em apreço, no fundo, a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponde aos fins que com ele se pretende atingir - dar, mediante o pagamento de uma multa cujo montante é expressamente indicado e que consta da guia que se faz juntar, uma segunda oportunidade ao interessado na manutenção do acto, de autoliquidar a taxa de justiça omitida. Assim observando o preceituado no artigo 138.º, n.º 1.
Não havendo qualquer erro praticado pela secretaria que pudesse ter prejudicado a parte - artigo 161.º, n.º 6.
Sendo certo que a autoliquidação da taxa de justiça já era exigida desde 1 de Janeiro de 2001.
De nada importando, salvo o devido respeito, saber se a ora agravante, com errada leitura do teor da notificação e, ao que se tem de depreender, com desconhecimento da lei há muito já vigente a respeito da autoliquidação da taxa de justiça devida pela apresentação da sua alegação de recurso, pagou a multa cujo valor constava da guia anexa, convicta de que este representava também a taxa de justiça omitida. A qual, como já dito e redito, teria sempre de ser autoliquidada.
Não se podendo concluir, tal como a mesma agravante pretende, que para o não pagamento da taxa de justiça devida - e pesando sobre ela tão gravosa cominação - não tivesse havido qualquer negligência sua.
Não se podendo, pois, julgar verificado qualquer impedimento da parte que tivesse obstado à prática atempada do acto (artigo 146.º).
Não se podendo, assim, contrariamente ao requerido, admitir a requerente a praticar o acto fora de prazo.
Conhecidas que são as questões objecto do agravo interposto e não obstante a parte dever ter arguido a eventual inconstitucionalidade material do artigo 690.º-B, n.º 2, e a eventual inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003 no recurso que viesse a interpor do despacho judicial que tal diploma e norma legal aplicou, sempre se dirá, a respeito, já que o juiz, oficiosamente, não deve aplicar lei ferida do invocado vício.
Contrariamente ao expendido pela agravante, quanto a nós, pelas razões já atrás aludidas, não se verifica qualquer desequilíbrio na cominação do citado artigo 690.º-B, n.º 2, nem violação de qualquer direito fundamental da pessoa jurídica, designadamente o do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, expressamente previsto no artigo 20.º da CRP. O qual inculca a universalidade do respectivo reconhecimento, quando diz que a 'todos' é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais (cf., entre outros, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 560/2004, de 15 de Setembro - Diário da República, 2.ª série, de 12 de Novembro de 2004).
Tratando-se da prescrição para uma situação diferente da atinente à mera oposição do réu, esta 'merecedora' de duas notificações sucessivas prévias ao desentranhamento da defesa.
Não havendo qualquer desequilíbrio entre o interesse 'meramente' patrimonial do Estado no recebimento da taxa de justiça em causa e o acesso da parte aos tribunais para defesa do seu direito.
Não se vislumbrando qualquer violação do princípio da proporcionalidade que entre tais interesses deve existir.
Procurando-se, antes, com tal cominação - com a consagração do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas - moralizar o acesso aos tribunais (preâmbulo do citado Decreto-Lei 324/2003), sendo certo que aquela que seja economicamente insuficiente sempre disporá do benefício do apoio judiciário que lhe permitirá litigar (incluindo o recurso aos tribunais superiores) gratuitamente.
Não sendo, aliás, tal cominação muito diferente - nos seus efeitos - das estatuídas no artigo 690.º, quer pela falta da alegação, quer pela falta ou vício das conclusões respectivas. Não estando aí as mesmas relacionadas com qualquer vertente economicista do acesso à justiça e aos tribunais.
Dizendo a lei qual o formalismo a adoptar, com sanções para os que não o cumpram.
Não se vislumbrando, assim, na norma em apreço, qualquer sentido que não seja compatível ou conforme com o sentido objectivo da correspondente norma constitucional.
Não se verificando, pois, qualquer inconstitucionalidade material do citado preceito legal.
Como também não se verifica, ainda a nosso ver, e pese embora o diploma em questão ter sido decretado pelo Governo, nos termos do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003. Por não se verificar, in casu, com o aí legislado, designadamente tendo em conta as normas em apreço, infracção da reserva de competência legislativa da Assembleia da República consagrada no artigo 165.º da CRP - cf., embora a propósito do Decreto-Lei 387-D/87, de 29 de Dezembro, os Acórdãos do Tribunal Constitucional de 31 de Maio de 1989 (Diário da República, de 15 de Setembro de 1989), de 14 de Março de 1990 (Diário da República, de 17 de Julho de 1990), de 28 de Março de 1990 (Messias Bento), de 3 de Maio de 1990 (Mário de Brito), de 22 de Maio de 1990 (Ribeiro Mendes) e de 28 de Novembro de 1990 (Diário da República, de 4 de Março de 1991).
[...]
Face a todo o exposto, acorda-se nesta Relação em se negar provimento ao agravo e, em consequência, embora se anulando o despacho recorrido, julga-se improcedente quer a arguida nulidade, quer o justo impedimento da parte, assim se indeferindo o por ela requerido."
1.4 - Contra este acórdão interpôs a agravante recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas como, nas respectivas alegações (de fl. 392 a fl. 464), além do mais, arguira, ao abrigo do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidades do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia - i) por não ter conhecido nem apreciado o recurso do despacho de fl. 3457, que, contrariamente ao decidido, não teria transitado em julgado; ii) por nada ter dito sobre as consequências processuais decorrentes da declaração de nulidade do despacho de fl. 3671; iii) por não se ter pronunciado sobre a aplicação no tempo do artigo 690.º-B do CPC introduzido pelo Decreto-Lei 324/2003, de 17 de Dezembro, em face das alterações introduzidas ao Código das Custas Judiciais, nem sobre a falta de notificação sucessiva da parte pela omissão do pagamento da taxa de justiça; e iv) por não se ter pronunciado sobre a questão da verificação do justo impedimento, pela recorrente arguida -, o Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos dos artigos 668.º, n.º 4, e 716.º, n.º 2, do CPC, procedeu à apreciação dessa arguição de nulidades da decisão, indeferindo-a, por Acórdão de 9 de Novembro de 2005 (de fl. 519 a fl. 522, rectificado pelo Acórdão de 7 de Fevereiro de 2006 - a fl. 529), com a seguinte fundamentação:
"Quanto à primeira delas:
É um facto que este Tribunal da Relação não conheceu nem apreciou o recurso do despacho de fl. 3457, por termos aqui entendido, pelas razões que melhor então explicitámos, ter o mesmo transitado em julgado.
Já que, cabendo dele recurso ordinário, entendeu antes a parte - por razões que não nos cumpre apreciar - arguir, perante o juiz de 1.ª instância, a incorrecta aplicação do artigo 690.º-B do CPC, o justo impedimento, a inconstitucionalidade material do artigo 690.º, n.º 2, do CPC e a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro.
Apenas tendo interposto recurso do despacho judicial que indeferiu tal requerimento, ou seja, do despacho de fl. 3671.
Sempre se dizendo, contudo, não se ver ter a ora recorrente arguido expressamente a nulidade do referido despacho de fl. 3457, contrariamente ao que agora afirma.
Tendo-se explicitado as razões porque em nosso entender o despacho em apreço não foi aqui apreciado.
Não se podendo, assim, alegar, salvo o devido respeito, e não obstante a expressa discordância da recorrente, ter havido a propósito omissão de pronúncia.
Passemos à segunda das ora arguidas nulidades:
Entendeu-se aqui que haveria de se conhecer do recurso interposto do despacho de fl. 3671, o qual, sem qualquer fundamentação do juiz de 1.ª instância, se limitou a manter nos seus precisos termos o despacho de fl. 3457, sem se ter pronunciado sobre as questões que haviam sido pela BEIRALÃ suscitadas no seu requerimento de fl. 3463 a fl. 3470.
Sendo esse, quanto a nós, o despacho recorrido.
Tendo-se, de facto, considerado o mesmo nulo, nos termos do também agora citado artigo 668.º, n.º 1, alínea d), por omissão de pronúncia do juiz de 1.ª instância sobre toda a matéria constante do requerimento que a ora recorrente entendeu por bem submeter à sua apreciação.
Adiantando-se desde logo que, anulado tal despacho da 1.ª instância, iria o Tribunal da Relação conhecer do objecto do agravo, já que, provido o mesmo, ou seja, dando razão à(s) pretensão(ões) da agravante, aduzida(s) no seu aludido requerimento de 29 de Março de 2004, poderia, se tal fosse também ainda possível, ordenar-se o reentranhamento das alegações desentranhadas, com as legais consequências.
Agora, a terceira nulidade suscitada:
Cremos não se poder duvidar que nos pronunciamos expressamente - bem ou mal, não cabe agora aqui saber - sobre a aplicação no tempo do artigo 690.º-B do CPC, introduzido pelo Decreto-Lei 324/2003, de 17 de Dezembro, e sobre a falta de notificação sucessiva da parte pela omissão do pagamento da taxa de justiça - de fl. 8 a fl. 19 do nosso acórdão recorrido.
Finalmente, a quarta nulidade ainda pela recorrente suscitada:
Cremos, também, não se poder pôr em causa - mau grado a discordância sobre o aqui decidido - termo-nos expressamente debruçado sobre o justo impedimento pela recorrente invocado - fls. 19 e 20 do nosso acórdão."
1.5 - Ao recurso de agravo foi negado provimento pelo Acórdão do STJ de 27 de Junho de 2006, com a seguinte fundamentação:
"II - Em processo de recuperação de empresa teve lugar uma assembleia definitiva de credores, onde foi votada e aprovada por credores com 68,0185% dos créditos aprovados uma proposta de recuperação, que veio a ser homologada por sentença.
A ora recorrente, um dos muitos credores, não se conformando com a sentença homologatória, interpôs recurso.
A recorrente juntou a sua alegação em 23 de Janeiro de 2004, não tendo apresentado qualquer documento comprovativo da autoliquidação devida.
Por carta de 5 de Fevereiro de 2004 foi a recorrente notificada nos seguintes termos:
'Assunto: Omissão de pagamento da taxa de justiça inicial subsequente 690.º-B do CPC.
Fica notificado, na qualidade de mandatário do credor BEIRALÃ - Lanifícios, S. A., para no prazo de 10 dias efectuar, relativamente ao processo supra-identificado, o pagamento omitido da taxa de justiça bem como da multa - n.º 1 do artigo 690.º do CPC, de acordo com os montantes e prazos da guia anexa - sob pena de desentranhamento da alegação/resposta n.º 2 do mesmo normativo.
A taxa de justiça em dívida deverá ser paga no mesmo prazo, por autoliquidação, da qual deverá fazer prova junto da secretaria deste Tribunal.'
Foi junta uma guia no montante de Euro 890, com a descrição de 'Multas do CGT - multa do artigo 690.º-B do CPC'. A secretaria veio a lavrar, em 19 de Março de 2004, a informação 'de que a recorrente BEIRALÃ apenas procedeu ao pagamento da multa prevista no artigo 690.º-B do CPC, não tendo efectuado o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, apesar de notificada para o efeito, cf. fl. 3430'.
A juíza ordenou em seguida o desentranhamento das alegações da recorrente.
Notificada desse despacho, BEIRALÃ veio requerer 'a recusa de aplicação do artigo 690.º-B do CPC, com todas as legais consequências, designadamente revogando o despacho de fls. [...] que ordenou o desentranhamento das alegações', o que foi indeferido.
BEIRALÃ interpôs então recurso, que veio a ser admitido como de agravo.
A partir desta evolução processual, o Tribunal da Relação negou provimento ao agravo.
Inconformada, recorre BEIRALÃ para este Tribunal, referindo, além das várias questões aqui suscitadas, ainda a problemática de um outro agravo que subiu em separado, constituindo um apenso, e onde foi decidido que era inútil a instância de recurso por prejudicada pelo curso do processo principal.
Face ao 'mar' de certidões que compõem este agravo e às 92 (!) conclusões das alegações, importa definir e clarificar o objecto do recurso.
A recorrente suscita, em síntese, as seguintes questões:
Admissibilidade e espécie do recurso para o Supremo;
Nulidade do acórdão recorrido;
Apreciação da decisão da 1.ª instância que ordenou o desentranhamento das alegações de recurso;
Violação das regras e princípios expressos na Constituição da República Portuguesa;
Denegação de acesso ao direito e ao recurso para o Tribunal Europeu.
Saliente-se, antes de mais, que está em causa somente o recurso interposto no processo 3058/04-2 da Relação de Coimbra (neste Tribunal com o n.º 1162702-1) e não o que foi decidido no processo 3033/02 da mesma Relação. Decisão que surge repetidamente referida nestes autos, mas que, obviamente, não faz parte da matéria a analisar.
Vejamos então os problemas levantados.
O recurso foi interposto para este Supremo como de agravo e como tal recebido. A decisão que admite o recurso, fixa a sua espécie ou determina o efeito que lhe compete não vincula o Tribunal Superior, e as partes só a podem impugnar nas suas alegações (artigo 687.º, n.º 4, do CPC). Entendeu-se, contudo, que o despacho de recebimento estava correcto e recebeu-se o recurso igualmente como de agravo. Não há qualquer razão para alterar o decidido.
Por um lado, porque aquilo que aqui está em causa não é a homologação da deliberação da assembleia sobre o meio de recuperação aprovado, caso em que caberia recurso somente para o Tribunal da Relação (artigo 56.º, n.º 2, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência). O que aqui é posto em causa é sim o despacho da 1.ª instância que mandou desentranhar as alegações.
Por outro lado, não está em apreciação sentença ou despacho saneador que decidam do mérito da causa, nem há motivo para rejeição do recurso (artigos 691.º e 754.º do Código de Processo Civil).
Mantém-se, pois, o que já foi decidido, ou seja, o recebimento do agravo.
Invoca a recorrente a nulidade do acórdão recorrido.
Na sua tese, o acórdão é nulo porque, tendo considerado que o despacho recorrido transitou em julgado, não apreciou as questões suscitadas pela recorrente, ou seja, a errada aplicação do disposto no artigo 690.º-B do CPC, a não verificação da notificação nos termos legais, o justo impedimento, a inconstitucionalidade do referido artigo 690.º-B.
Socorre-se a recorrente do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Aí se estipula que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Disposição essa que está em consonância com o disposto no artigo 660.º, n.º 2, que determina dever o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outra.
É jurisprudência firme - com raízes no Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 5.º vol., p. 54 - a que defende que só a falta de apreciação das questões (que se ligam directamente ao fundamento ou razão do pedido feito), é motivo de nulidade, e não já a falta de análise das razões, argumentos, opiniões, doutrina, pareceres apresentados.
Dentro deste entendimento não se verifica a invocada nulidade. Considerou-se na decisão em causa que o despacho impugnado (fl. 3457) tinha transitado em julgado e daí que perdesse interesse a apreciação de algumas das questões levantadas pela recorrente. Essa omissão de pronúncia não constitui nulidade, resultando directamente da lei, já que o juiz não deve apreciar as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil).
Mas, para além disso, no acórdão recorrido analisou-se a notificação, em causa, da aplicação do artigo 690.º-B, a problemática do chamado 'justo impedimento' e a pretendida inconstitucionalidade.
Não há, claramente, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Chega-se assim ao cerne da questão, ao que verdadeiramente aqui está em causa, que deu origem ao recurso e à discussão da problemática enunciada, ou seja, o despacho ordenando o desentranhamento das alegações apresentadas pela recorrente e referentes à decisão homologatória da proposta de recuperação aprovada em assembleia de credores.
Em causa a aplicação do artigo 690.º-B do CPC.
O n.º 1 determina que:
'Se o documento comprovativo de pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente ou da concessão de benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.'
No n.º 2 estipula-se que:
'Se, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido junto no processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o Tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentada pela parte em falta.'
A notificação feita à recorrente, pela forma já referida, foi-o em termos inequivocamente claros e em rigorosa consonância com o disposto no artigo 690.º-B do CPC, pelo que carece de fundamento a invocação do artigo 228.º, n.º 3, do CPC.
Também não se pode falar de justo impedimento, que só existiria se a notificação fosse feita em termos de não permitir a perfeita compreensão, o que não é o caso.
Onde a questão pode suscitar algumas interrogações é na aplicação do artigo 690.º-B do CPC, disposição aditada pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro.
Clarifique-se que está em causa somente o recurso, e o que a esse respeito dispõe o artigo 690.º-B. Não é, assim, de extrapolar para o regime comprovativo do pagamento da taxa de justiça referente à petição inicial ou à contestação e as consequências de tais omissões (artigos 150.º-A e 486.º-A, ambos do Código de Processo Civil).
No que respeita ao recurso, a omissão do pagamento do pagamento da taxa de justiça acarreta, no que aqui importa, o desentranhamento das alegações, não existindo a pretendida notificação sucessiva, como resulta claramente do texto legal (artigo 690.º-B do Código de Processo Civil).
O Decreto-Lei 394/2003, de 27 de Dezembro, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004, tendo as alegações em questão sido apresentadas em 23 de Janeiro, sendo, obviamente, posterior a notificação feita e aqui posta em causa.
Relativamente à aplicação no tempo da lei processual civil, a regra é a que vigora na teoria geral do direito, ou seja, a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva. Exceptuar-se-á, evidentemente, o disposto em normas transitórias.
Não há no Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro (com as rectificações introduzidas pela Declaração de Rectificação 26/2004, publicada no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 46, de 24 de Fevereiro de 2004) norma transitória que impeça a aplicação do enunciado princípio.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos respeitem a acções pendentes, ou seja, a causas já intentadas.
A razão desse entendimento consiste no facto de o direito processual ser um ramo do direito público, logo acima dos interesses dos particulares, e na circunstância de o direito processual ser um ramo de direito adjectivo, que regula tão-somente o modo como as partes podem fazer valer em juízo os seus direitos, não sendo com base nele que o juiz decide sobre a existência ou inexistência do direito, cabendo tal ao direito substantivo.
No que especificamente respeita aos recursos, entende-se que são imediatamente aplicáveis as normas que regulam as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso. Os trâmites do recurso são regulados pela lei processual nova, que tem aplicação imediata - Em sentido próximo: Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 47, 48, 55, 56 e 57; Prof. Teixeira de Sousa, Estudos de Processo Civil, 2.ª ed., pp. 14 e seguintes; Acórdão do STJ de 6 de Junho de 2000, Agravo n.º 202/00, 6.ª Secção, Sumários, 2000, p. 201; Acórdão do STJ de 2 de Junho de 1999, Agravo n.º 305/99, 2.ª Secção, Sumários, 1999, p. 230.
No caso em análise, não se trata da admissibilidade ou não admissibilidade do recurso, ou eventual limitação na admissão do mesmo, mas sim do cumprimento ou não cumprimento de uma condição necessária à sua apreciação.
Defende a recorrente que da conjuntura do artigo 28.º do Código das Custas (aprovado pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro) com o artigo 690.º-B do CPC, tem de se concluir que a sua imediata aplicabilidade ao caso em apreço é contrária aos princípios do acesso ao direito e da confiança, de onde resultará a sua inconstitucionalidade. Acresce, diz, que estava vedado ao Governo invocar competência legislativa própria para aprovar o Decreto-Lei 324/2003.
O acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, engloba vários direitos, entre os quais se inclui o direito de recurso das decisões jurídicas, objectivado no direito ao duplo grau de jurisdição.
Não existe, contudo, preceito constitucional a consagrar o 'duplo grau de jurisdição' em termos gerais. Embora o recurso das decisões judiciais, que afectem direitos fundamentais, se apresente como uma garantia imprescindível desses direitos, a verdade é que o legislador dispõe de 'liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso', embora não possa 'regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma excessiva' - Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed, p. 164.
Em concreto, não se trata de decisão que afecte direitos fundamentais, estando em causa um despacho homologatório de aprovação de uma medida de recuperação de empresa, que é posto em causa por um único dos vários credores.
Por outro lado, o recurso foi recebido e as alegações desentranhadas por não ter sido cumprido o comando do artigo 690.º-B do CPC, que determina a junção de documento comprovativo do pagamento de uma taxa de justiça, sendo certo que nada na nossa lei impõe uma justiça gratuita, pelo menos para todos.
Não se vê assim qualquer inconstitucionalidade.
Igualmente não se nos afigura possível falar em violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A obrigatoriedade de pagamento de uma taxa de justiça (a quem a lei não isentar de tal) não colide com nenhum dos direitos discriminados no referido artigo 6.º A gratuitidade de justiça para todos não é consagrada em parte alguma da mencionada Convenção.
Assim, nega-se provimento ao agravo."
1.6 - Notificada deste acórdão, veio a recorrente, em 12 de Julho de 2006, através de requerimentos separados, arguir a sua nulidade (de fl. 566 a fl. 580) - arguição desatendida pelo Acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2006 (a fl. 631) - e dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional (de fl. 598 a fl. 611), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade material (por violação do artigo 20.º, n.os 1, 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa - CRP) do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, e a inconstitucionalidade orgânica [por violação do artigo 165.º, n.º 1, alíneas b), i) e p), da CRP] deste decreto-lei, na interpretação que aos mesmos foi dada pelo acórdão recorrido.
Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, formulando a final as seguintes conclusões:
"1 - O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro.
2 - Pois pretende a ora recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade material do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, e a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, na interpretação que aos mesmos foi dada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra e confirmada pelo acórdão do STJ.
3 - Já que, em seu entender, a interpretação e aplicação dada às invocadas disposições legais, sustentada pelo acórdão sub judice, viola frontal e ostensivamente o disposto no artigo 20.º, n.os 1, 4 e 5, da CRP.
4 - Na verdade, perante tal preceito constitucional, é inquestionável a garantia de todos os cidadãos e, no caso concreto, da ora requerente, do direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e, de igual modo, o direito a um processo equitativo.
5 - Assegurando, desta forma, a protecção contra a violação deste direito, quando as leis de processo aplicadas carecem de clareza ou se o efeito delas é perverso do ponto de vista dos cidadãos.
6 - O recurso intentado para o Tribunal da Relação de Coimbra abrangia não só o despacho de fl. 3671, que veio a ser declarado nulo por este Tribunal, mas também o despacho de fl. 3457, absorvido pelo anterior.
7 - O despacho de fl. 3457 não transitou em julgado, porquanto foi o mesmo impugnado e posto em 'crise' através do requerimento da recorrente de 29 de Março de 2004 (cf. de fl. 3463 a fl. 3471 dos autos), onde invocou a sua nulidade, invocou o justo impedimento e arguiu a inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC e a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Novembro, e pelo requerimento de fl. 3694, com base no n.º 2 do artigo 669.º, onde se invocou a ilegalidade do despacho de fl. 3457, por aplicação do actual artigo 28.º do CCJ, inaplicável aos presentes autos por imposição expressa do artigo 14.º do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Novembro.
8 - As nulidades invocadas sobre um despacho emitido por juiz do tribunal de 1.ª instância devem ser arguidas junto desse mesmo tribunal através de requerimento e não perante o tribunal de 2.ª instância em sede de recurso.
9 - Permitindo assim que o tribunal de 1.ª instância possa 'sanar' a nulidade cometida ou, caso contrário, fundamentar a decisão de manutenção do despacho atacado pela parte.
10 - Só depois de o tribunal se pronunciar e de dar a conhecer à parte a sua decisão sobre a verificação ou não verificação das nulidades invocadas pode, então, a parte recorrer da decisão proferida (cf. os artigos 686.º, n.º 1, e 677.º do CPC).
11 - O mesmo ocorre quando contra um despacho é apresentado requerimento onde se recorre ao artigo 669.º do CPC (cf. o artigo 677.º do CPC).
12 - E, caso o tribunal venha reformar a sua decisão, esta passa a fazer parte integrante do despacho assim impugnado (cf. o n.º 2 do artigo 670.º do CPC), podendo, nessa altura, a parte prejudicada com a alteração da decisão recorrer, para manifestar a sua discordância (cf. o artigo 670.º, n.º 4, do CPC).
13 - Pelo que os requerimentos apresentados pela ora recorrente e dirigidos contra o despacho de fl. 3457, ou seja, o requerimento de fl. 3463 a fl. 3471 e o requerimento de fl. 3713 a fl. 3714, obstaram ao seu trânsito em julgado, pois visavam obter a reforma da decisão ali impugnada (cf. o artigo 677.º do CPC).
14 - Não se pode falar em trânsito em julgado do despacho de fl. 3457, enquanto não existisse a decisão definitiva sobre o requerimento apresentado contra ele, pela recorrente, o que ocorreu através do despacho de fl. 3671, sendo que, mesmo aí, a recorrente obstou ao trânsito em julgado de ambos os despachos, ao interpor recurso que configurou como de apelação e que abrangia ambos os despachos, porquanto o despacho de fl. 3671 é consumido pelo próprio despacho de fl. 3457.
15 - Assim, a interpretação e aplicação que o Acórdão do Tribunal da Relação fez do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, no sentido de que a não interposição de recurso sobre o despacho a fl. 3457 [fez] com que tal despacho transitasse em julgado afronta, como se invocou e se reitera, o artigo 205.º da CRP e bem assim os preceitos constitucionais com ele correlacionados, a saber: artigos 20.º, n.º 2, 113.º, 206.º e 208.º, e, por consequência, tal interpretação é materialmente inconstitucional.
16 - Devendo, antes, interpretar-se, em face do disposto no n.os 2 e 3 do artigo 666.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 669.º, [artigo] 670.º, n.os 2 e 4, e n.º 1 do artigo 686.º, todos do CPC, que, tendo a parte requerido a reforma do despacho a fl. 3457 (o mesmo que ordenou o desentranhamento das alegações de recurso), tal pedido obsta ao trânsito em julgado daquele despacho, impondo-se que seja conhecido e objecto de pronúncia, o que se invocou sobre o facto de o preceituado no artigo 690.º-B do CPC depender de uma norma habilitante, o artigo 28.º do CCJ.
17 - Por força desta declaração de inconstitucionalidade, deve ser declarado nulo o acórdão do Tribunal da Relação por desconformidade com a lei e os princípios [c]onstituciona[is].
18 - O Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, procedeu à revisão do CCJ e, por via desta, introduziu importantes alterações no regime processual e respectivos princípios orientadores do CPC, originado pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro.
19 - E voltou a reintroduzir todos os preceitos legais que, por via do não cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de legislação sobre custas, tinham sido eliminados pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro.
20 - Para acautelar esta transição de regimes, distintos entre si, o artigo 14.º do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, estabeleceu, expressamente, que 'as alterações ao CCJ constantes deste diploma só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor'.
21 - A norma aplicada pelo despacho a fl. 3457 dos autos, que ordenou o desentranhamento das alegações de recurso, o n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC, foi aprovada e introduzido no actual Código de Processo Civil por via do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro.
22 - Sendo que a aplicabilidade do artigo 690.º-B, n.º 2, mais não é do que a cominação a que se refere o artigo 28.º do CCJ (na redacção dada pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro).
23 - Norma habilitante que só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004 e cuja aplicabilidade se destina aos processos instaurados após tal data.
24 - Atendendo que o novo regime de custas apenas se aplica aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2004 e o artigo 28.º do actual CCJ só se aplica aos processos igualmente iniciados em 1 de Janeiro de 2004 e não aos pendentes, seria de aplicar no presente caso o artigo 28.º do CCJ na sua anterior versão, a qual se conjuga com o artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, estabelecendo, assim, uma consequência da omissão de pagamento essencialmente diversa da que foi aplicada pelo tribunal de 1.ª instância.
25 - Face ao mencionado regime aplicável ao recurso da ora recorrente, constatada a omissão de junção atempada do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, a secção de processos deveria ter notificado para, em cinco dias, efectuar o pagamento do valor omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
26 - Se a parte obrigada ao pagamento da taxa de justiça sancionatória persistisse no incumprimento da obrigação que sobre ela recaía, o processo é concluso ao juiz para aplicação da multa prevista no n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, que a deve graduar consoante as circunstâncias concretas do caso entre o triplo e o décuplo da taxa de justiça em divida, com o limite máximo de 20 UCS.
27 - E nunca o desentranhamento das alegações de recurso ex vi do actual regime preconizado pela conjugação do novo artigo 28.º do CCJ e artigo 690.º-B do CPC, aplicável aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2004.
28 - Pelo que se afirma mais uma vez a inconstitucionalidade da interpretação da norma constante no artigo 28.º do CCJ (aprovado pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro) e no artigo 690.º-B do CPC (de igual modo aditado ao Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro), nos termos da qual seja literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em processos pendentes, ou seja, instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004.
29 - Devendo, antes, interpretar-se, em face do disposto no n.º 1 do artigo 14.º do próprio Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, conjugadamente com o disposto no artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, no sentido de não serem aplicáveis aos recursos interpostos em processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004, por constituir manifesta violação do princípio do acesso ao direito, este enquanto direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
30 - A interpretação da norma constante no actual artigo 28.º do CCJ, conjugada com o artigo 690.º-B do CPC, no sentido da sua aplicação literal ao recurso intentado pela ora recorrente viola, desta feita, os artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP, o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º [da Carta dos] Direitos Fundamentais da União Europeia.
31 - Acresce ainda que a norma (cuja inconstitucionalidade deve ser declarada) retirada da conjugação dos artigos 28.º do CCJ (aprovado pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro) com o artigo 690.º-B do CPC (aditado ao CPC pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro), na interpretação da sua imediata aplicabilidade ao caso em apreço, é contrária aos princípios do acesso ao direito e da confiança, este último ínsito no princípio do Estado de direito democrático.
32 - É de igual modo evidente a inadequação e desproporcionalidade da norma consagrada no n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC, pela violação dos propósitos do legislador, que, no próprio preâmbulo do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, impõe que a cominação de desentranhamento só possa ser ordenada após o interessado ter sido 'sucessivamente notificado para o efeito'.
33 - O artigo 486.º-A do CPC prevê e respeita tal objectivo, porquanto:
a) O réu deve juntar o comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça (artigo 486.º-A, n.º 1);
b) Se o não fizer, a secretaria notifica-o para efectuar o pagamento e uma multa (n.º 3 do preceito);
c) Se mantiver a omissão, a secretaria volta a notificá-lo (n.º 4 do preceito);
d) Findos os articulados e perante a omissão, o juiz profere despacho convidando ao pagamento da taxa e de uma multa (n.º 5);
e) Só perante o incumprimento deste despacho o tribunal desentranha a contestação (n.º 6).
34 - Esta sucessão estabelece algum equilíbrio entre um crédito patrimonial do Estado e a destruição de um direito fundamental com dignidade constitucional, o que não ocorre no artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC.
35 - Neste preceito é feita uma - e só uma - notificação e, perante a omissão de pagamento é logo destruído o direito de recorrer.
36 - Afigura-se ostensivo, pois, que um crédito de natureza puramente material do Estado possa destruir o direito de aceder aos tribunais e à justiça e promover a amputação do direito de defender os seus direitos e de alcançar a tutela efectiva e em tempo útil desses mesmos direitos.
37 - Estamos, assim, perante regimes contraditórios, originados pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, que, em obediência ao espírito do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, preconiza a sucessiva notificação da parte no artigo 486.º-A em detrimento de uma única notificação à parte no artigo 690.º-B, com a imediata aplicação da sanção: desentranhamento das alegações de recurso.
38 - Do exposto decorre que as preclusões processuais não podem emergir de um incumprimento de natureza patrimonial, ou, no mínimo, as preclusões que envolvam consequências que atinjam a exclusão de direito de acesso aos tribunais e a um processo justo e equitativo têm de se mostrar gritantemente inconstitucionais, por ofensa aos artigos 2.º e 20.º, n.os 1, 4 e 5, da CRP.
39 - No mesmo sentido e com igual intensidade, a norma em causa agride o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cuja violação se invoca nos mesmos termos e finalidades que estribam a arguida violação do artigo 20.º da lei fundamental.
40 - Consequentemente, não deveria ter sido aplicada tal cominação e recusada a aplicação do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC, por violação das citadas normas constitucionais.
41 - Entende-se, pois, que deve ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC, recusada a sua aplicação e, consequentemente, revogado o acto de desentranhamento das alegações.
42 - Para além disso, a cominação e preclusão impostas emergiram de uma comunicação feita pelo Tribunal Judicial da Covilhã com o seguinte teor:
'Fica notificado, na qualidade de mandatário do credor BEIRALÃ - Lanifícios, S. A., para no prazo de 10 dias efectuar, relativamente ao processo supra-identificado, o pagamento omitido da taxa de justiça, bem como da multa - n.º 1 do artigo 690.º do CPC, de acordo com os montantes e prazos da guia anexa - sob pena de desentranhamento da alegação/resposta n.º 2 do mesmo normativo.'
43 - Desta notificação retira-se:
Que há um pagamento omitido;
Que arrasta o pagamento da taxa de justiça em falta;
Bem como da multa;
Cujos montantes se identificam na guia anexa.
44 - O que a recorrente cumpriu quando pagou a quantia constante da guia que, como se dizia na notificação, tal quantia representava:
A taxa de justiça em falta;
Bem como a multa.
45 - Coloca-se aqui uma questão de interpretação da notificação em causa, de forma a aferir se efectivamente a mesma cumpre ou não os requisitos consagrados no artigo 228.º do CPC.
46 - De acordo com jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional, não cabe ao juiz avaliar e decidir sobre a legibilidade ou ilegibilidade das cópias ou fotocópias dos textos de despachos, sentenças ou acórdãos.
47 - Aliás, igual entendimento sufragou o Tribunal Constitucional sobre a norma do artigo 259.º do CPC, tendo sido considerado inconstitucional a interpretação deste preceito legal, em termos de caber ao juiz avaliar e decidir sobre a legibilidade ou ilegibilidade das cópias ou fotocópias dos textos de despachos, sentenças ou acórdãos por si manuscritos, enviados ou entregues às partes juntamente com a notificação (Acórdão 444/91 do Tribunal Constitucional - in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 411, p. 155).
48 - Daí que a interpretação dada ao artigo 146.º do CPC segundo a qual é o juiz que decide sobre a inteligibilidade de uma notificação, quando a parte justificadamente invocou a sua ininteligibilidade, põe em crise o artigo 20.º da CRP, razão porque aquele preceito, interpretado naquele sentido e conteúdo, afronta o artigo 20.º da CRP e deve ser julgado materialmente inconstitucional.
49 - De igual modo, a interpretação e aplicação que se fez do artigo 146.º do CPC, no sentido de que a errónea notificação da secretaria do tribunal judicial de 1.ª instância não configura justo impedimento, afronta o artigo 20.º da CRP e, por consequência, tal norma, nesta acepção, é, igualmente, materialmente inconstitucional.
50 - Invocou ainda a ora recorrente que o diploma legal - o Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro - que aprovou as alterações ao CCJ e por via do qual foram introduzidas alterações ao CPC, alterações que criaram as cominações e preclusões supra-citadas no caso concreto, o n.º 2 do artigo 690.º-B - foi aprovado no âmbito e sob a invocação da competência legislativa do Governo - e própria dele - ou seja, sob invocação do artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da CRP.
51 - A matéria em causa não só não é da competência legislativa própria do Governo, mas, ao invés, é da competência reservada à Assembleia da República.
52 - Este diploma legal consagrou novas taxas de justiça, novos critérios de tributação, novos critérios para a cobrança das taxas e impostos judiciais, amputação de direitos fundamentais, criação de um novo conceito de taxa de justiça distinto de sujeito processual (artigos 21.º, 32.º e 33.º do CCJ), alargou a competência dos tribunais ao permitir que recusem peças processuais e extraiam consequências substantivas e de mérito para tal recusa.
53 - Matérias que se subsumem à disciplina do artigo 165.º da CRP, alíneas b), i) e p), e, consequentemente, da competência exclusiva da Assembleia da República, pelo que estava vedado ao Governo invocar a sua competência legislativa própria para aprovar o referido diploma legal.
54 - Só munido da competente autorização legislativa é que o Governo obteria legitimidade constitucional para produzir tais normas sobre tais matérias.
55 - Sendo inequívoca a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, fundamento suficiente para a recusa de aplicação da cominação prevista no artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC.
56 - A decisão proferida pelo Tribunal da Comarca da Covilhã é nula por se encontrar ferida de inconstitucionalidade, pois não recusou a aplicação do n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC e não revogou o acto de desentranhamento das alegações de recurso de apelação da ora recorrente, por via da destruição da cominação e preclusão nela consagradas.
57 - Não pode, pois, ter acolhimento o entendimento sustentado pelo acórdão sub judice de que a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância que ordenou o desentranhamento das alegações de recurso de apelação da ora recorrente não enferma de qualquer nulidade por força da invocada inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC e da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro.
58 - A decisão recorrida é, pois, nula, por se encontrar ferida de morte por agressão à lei fundamental.
59 - Interpretação inversa - tal como a sustentada no acórdão recorrido - viola, de forma expressa e ostensiva, o disposto no artigo 20.º, n.os 1, 4 e 5, da CRP e ainda o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
I - Deve ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 28.º do CCJ (aprovado pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro) quando conjugado com o n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC (de igual modo aditado ao Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro), por violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP (e também o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE), se interpretado, como o foi, no sentido de esta norma, quando conjugada com o n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC, ser literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em processos pendentes, ou seja, instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004, em detrimento do artigo 28.º do CCJ, na sua anterior versão, conjugada com o artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro.
II - Deve ser declarada a inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP (e também o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE), se interpretado, como o foi, por permitir que o incumprimento, de natureza patrimonial, de crédito de natureza puramente material do Estado possa destruir o direito de acesso aos tribunais e a um processo justo e equitativo, para além de consagrar um regime sancionatório mais gravoso que o preconizado para a contestação, expresso no artigo 486.º-A do CPC, onde se consagra a sucessiva notificação à parte, em obediência ao espírito consagrado no Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro.
III - Ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 146.º do CPC, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP (e também o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE), se interpretado, como o foi, no sentido de caber ao juiz avaliar e decidir sobre a inteligibilidade de uma notificação, quando a parte justificadamente invocou a sua ininteligibilidade.
IV - Ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 146.º do CPC, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP (e também o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE), se interpretado, como o foi, no sentido de que a errónea notificação da secretaria do tribunal judicial de 1.ª instância não configura justo impedimento.
V - Ser declarada a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, porque foi aprovado pelo Governo no âmbito de competência legislativa própria, sob a invocação do artigo 198.º, n.º 1 alínea a), da CRP, quando a matéria em causa é da competência reservada da Assembleia da Republica."
1.7 - A recorrida Nova Penteação e Fiação da Covilhã, S. A., contra-alegou (de fl. 726 a fl. 755), sustentando a inadmissibilidade do recurso por a decisão (o despacho de fls. 3457) que aplicou a norma neste impugnada - a do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC - já ter transitado em julgado e por, relativamente ao despacho de fl. 3671 e decisões dos tribunais superiores que o confirmaram, não ter sido adequadamente suscitada a questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 146.º do CPC e 28.º do CCJ, apenas levantada no próprio recurso para o Tribunal Constitucional. Mais aduziu que, a ser conhecido o mérito do recurso, ao mesmo devia ser negado provimento, por insubsistência das questões de inconstitucionalidade suscitadas.
Determinada pelo relator a notificação da recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a questão prévia da inadmissibilidade do recurso suscitada nas contra-alegações da recorrida, aquela apresentou requerimento (de fl. 760 a fl. 777) sustentado a sua improcedência.
A recorrida veio requerer o desentranhamento dessa resposta, por legalmente inadmissível (de fl. 798 a fl. 799), o que foi contrariado pela recorrente (de fl. 801 a fl. 802).
Tudo visto, cumpre apreciar de decidir.
2 - Fundamentação. - 2.1 - Carece de razão a recorrida ao pretender o desentranhamento da resposta da recorrente à questão prévia da inadmissibilidade do recurso, suscitada nas contra-alegações daquela, pois tal resposta foi emitida, aliás na sequência de notificação para esse efeito expressamente determinada pelo relator, de acordo com o comando do artigo 704.º, n.º 2, do CPC (aplicável por força do artigo 69.º da LTC), que determina que se a questão do não conhecimento do recurso for suscitada pelo apelado (leia-se: recorrido), na sua alegação, se aplica o disposto no n.º 2 do artigo 702.º do CPC, a propósito da questão do erro na espécie de recurso, que impõe, quando tal questão seja levantada por alguma das partes na sua alegação, a audição da parte contrária que não tenha tido oportunidade de responder.
2.2 - Quanto à admissibilidade e delimitação do objecto do recurso, há que começar por referir que este objecto se cinge à questão da inconstitucionalidade (material) da norma do n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC, aditado pelo Decreto-Lei 324/2003, e da inconstitucionalidade (orgânica) deste decreto-lei na parte em que aditou aquela norma. Foi essa a delimitação do objecto do recurso expressamente feita pela recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, sendo certo que, apesar de se referir globalmente ao Decreto-Lei 324/2003, apenas está em causa no presente recurso, atenta a sua natureza instrumental, a parte desse diploma que aditou o artigo 690.º-B ao CPC. Sendo sabido que, delimitado o objecto do recurso pelo respectivo requerimento de interposição, é lícito às partes, nas subsequentes alegações, restringi-lo mas nunca ampliá-lo, é óbvio, desde logo por essa razão, ser inadmissível a apreciação das questões de inconstitucionalidade reportadas às normas dos artigos 28.º do CCJ e 146.º e 668.º do CPC.
Assim delimitado o objecto do recurso, a sua admissibilidade depende do juízo que se faça quanto à efectiva aplicação, pelo acórdão recorrido, da norma do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC, aditado pelo Decreto-Lei 324/2003. A resposta a esta questão seria inequivocamente negativa se o acórdão recorrido fosse o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra. Na verdade, este acórdão é claro na afirmação de que a única decisão da 1.ª instância que aplicou tal norma foi o despacho de fl. 3457, que considerou transitado em julgado (juízo este que é insindicável por este Tribunal, não vindo suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa pela recorrente a propósito desse juízo). A Relação conheceu apenas do recurso do despacho de fl. 3671, que anulou por não ter conhecido das questões da nulidade por falta de uma segunda notificação e do justo impedimento suscitadas no requerimento em que se solicitava a revogação do despacho de fl. 3457, mas já não por não ter conhecido das questões da inconstitucionalidade do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC e do Decreto-Lei 324/2003 (questões que expressamente entendeu que o despacho de fl. 3671 não tinha obrigação - nem podia - conhecer). Apesar de reafirmar que o despacho de fl. 3457 não podia ser revogado, por se dever considerar transitado em julgado, a Relação conheceu do recurso do despacho de fl. 3671 por da sua eventual procedência, com o consequente reconhecimento da ocorrência de uma nulidade processual (seja por falta da "segunda notificação", seja pela efectiva existência de uma situação de justo impedimento) poder reflexamente derivar a anulação do processado ulterior, abrangendo o próprio despacho de fl. 3457. Mas, não tendo a Relação reconhecido a verificação dessas nulidades (por entender não ser legalmente exigível segunda notificação para pagamento da taxa de justiça e não ter ocorrido situação de justo impedimento), ficou afastada a eventualidade de insubsistência do despacho de fl. 3457, que continuou a ser tido como transitado em julgado, pelo que as considerações que nesse acórdão se tecem sobre a constitucionalidade da norma do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC, constituem mero obter dictum, que não integra a ratio decidendi desse aresto.
Há, no entanto, que reconhecer que a situação é menos clara no que tange ao acórdão do STJ e é esse o acórdão ora recorrido. Embora, numa primeira fase, reitere o entendimento da Relação quanto ao trânsito em julgado do despacho de fl. 3457, o certo é que, posteriormente, parece conhecer do mérito desse despacho, que determinou o desentranhamento da alegação, apreciando sucessivamente, de forma expressa, a aplicação no tempo do regime do artigo 690.º-B, n.º 2, do CPC e a sua conformidade constitucional, em termos que se assumem como razão da decisão e não mera argumentação ad ostentationem.
Sendo, assim, defensável que o STJ terá feito aplicação, como ratio decidendi, das dimensões normativas impugnadas pela recorrente, entende-se, na dúvida e em homenagem ao princípio do privilegiamento das decisões de mérito sobre as decisões de forma, justificar-se o conhecimento do objecto do presente recurso, tal como foi delimitado.
2.3 - Mas, aqui chegados, pouco mais resta do que reconhecer a manifesta falta de fundamento das questões de inconstitucionalidade suscitadas.
Contrariamente ao que a recorrente pretende fazer crer, a interpretação normativa impugnada não padece de desproporcionalidade ou de desrazoabilidade por pretensamente sacrificar injustificadamente um relevante direito processual da parte. É sabido que não é constitucionalmente imposta a gratuidade da justiça, mas apenas que ninguém veja a justiça ser-lhe denegada por insuficiência de meios económicos (n.º 1 do artigo 20.º da CRP), o que, manifestamente, não é o caso da recorrente, que não sentiu necessidade de recorrer ao instituto do apoio judiciário. Por outro lado, a jurisprudência deste Tribunal tem reiteradamente afirmado a admissibilidade da imposição legal de ónus processuais às partes. Como se recordou no recente Acórdão 277/2007, desta 2.ª Secção, da análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a garantia da via judiciária, sob o prisma da exigência constitucional do processo equitativo, apura-se que o juízo de proporcionalidade a emitir neste domínio tem de tomar em conta três vectores essenciais: i) a justificação da exigência processual em causa; ii) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e iii) a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus.
No presente caso, não sendo questionada a constitucionalidade da exigência do pagamento de taxa de justiça no decurso do processo como condição de admissão da prática válida de actos processuais, nem a capacidade económica da recorrente para satisfazer esse pagamento, não é manifestamente excessivo ligar o desentranhamento de peça processual apresentada pela parte (no caso, a apresentação de alegação de recurso de apelação) ao reiterado incumprimento desse ónus. Na verdade, são exclusivamente imputáveis à recorrente duas falhas de diligência processual: primeiro, não procedeu à autoliquidação da taxa de justiça a que estava legalmente obrigada, por alteração legislativa entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2001 e, portanto, que não podia desconhecer; depois, notificada para proceder a essa autoliquidação e ao pagamento de multa, com a cominação do desentranhamento das alegações, apenas pagou esta última. Contrariamente ao que a recorrente sustenta, e de acordo com o entendimento unânime das instâncias, dessa notificação resultava, para um destinatário minimamente atento e diligente, que eram devidos dois pagamentos: um da multa, através da guia, que expressamente referia respeitar apenas à multa; e outro da taxa de justiça em dívida, através de autoliquidação, como consta - com sublinhado na parte final da notificação, parte essa que a recorrente omite na sua alegação.
Neste contexto de reiterado incumprimento, ou cumprimento defeituoso, pela parte, dos seus ónus processuais, a consequência do desentranhamento da peça processual, que a recorrente não podia desconhecer que tinha a sua validade dependente desse cumprimento, cuja satisfação não representava para ela excessiva onerosidade, não constitui restrição excessiva ou intolerável ao direito de acesso aos tribunais nem viola os restantes princípios constitucionais invocados pela recorrente.
Igualmente improcedente é a alegação - aliás nem sequer adequadamente consubstanciada - da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 324/2003, na parte em que aditou o artigo 690.º-B ao CPC. Em matéria processual - como este Tribunal tem reiterada salientado - a Constituição só integra expressamente na reserva de competência legislativa da Assembleia da República o processo no Tribunal Constitucional [artigo 164.º, alínea c)], o processo criminal e o regime geral do processo contra-ordenacional [alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 165.º], sendo descabida a invocação das alíneas b), i) e p) deste preceito, já que a normação em causa, versando sobre os efeitos processuais civis do incumprimento de ónus processuais, não respeita directamente à categoria constitucional dos "direitos, liberdades e garantias", nem ao sistema fiscal, nem à organização e competência dos tribunais.
3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar materialmente inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 690.º-B do Código de Processo Civil, aditado pelo Decreto-Lei 324/2003, de 27 de Dezembro, nem organicamente inconstitucional este decreto-lei, na parte em que procedeu ao aditamento daquele preceito; e, consequentemente b) Negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 29 de Maio de 2007. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Rui Manuel Moura Ramos.