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Acórdão 654/2006, de 19 de Janeiro

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Sumário

Julga insconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Consituição da República Portuguesa, o anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento revelante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento

Texto do documento

Acórdão 654/2006

Processo 840/2005

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório - 1 - Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal Cível de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 16 de Setembro de 2005, que recusou a aplicação do anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

2 - Carlos Miguel Mesquita Viseu da Costa impugnou judicialmente a decisão do Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa que indeferiu o pedido por si formulado de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários de patrono.

Pela sentença agora recorrida, foi concedido provimento à impugnação, nos seguintes termos:

"Carlos Miguel Mesquita Viseu Costa, residente na Rua de D. João de Castro, lote 3, rés-do-chão, B, em Lisboa, requereu benefício do apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, nomeação e pagamento de honorários de patrono, pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, de honorários de patrono e de remuneração de solicitador de execução, para a acção declarativa de que os presentes são apenso.

O Instituto de Segurança Social, I. P., informou o requerente da intenção de indeferir o pedido de apoio judiciário, porquanto 'pela aplicação da fórmula constante da Portaria 1085-A/2004, ao que foi documentado pelo requerente, este não comprova uma situação de insuficiência económica de forma a beneficiar de apoio judiciário, na modalidade requerida (dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários de patrono)'.

E informou o requerente que, "segundo o documentado por este, apenas terá direito a apoio judiciário, na modalidade 'de pagamento faseado', em conformidade com o anexo II da Lei 34/2004, de 29 de Julho, tendo em conta que: o rendimento líquido anual é de Euro 10 048, o rendimento mensal para efeitos de protecção jurídica é de Euro 398,74, a periodicidade da liquidação será mensal, o valor a liquidar será de Euro 60".

Consignou ainda que, 'caso queira beneficiar desta modalidade, deverá enviar uma carta com essa intenção'.

O requerente pronunciou-se dizendo que não auferia os rendimentos referidos, é estudante, não trabalha e sobrevive apenas com o apoio de uma pensão de sobrevivência de Euro 100, não dispondo de meios para suportar o pagamento de taxas de justiça e honorários com patrono, incluindo o pagamento faseado proposto, requerendo a alteração da decisão.

O Instituto de Segurança Social, I. P., indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade requerida, considerando que o requerente não aceitou a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado.

Deduziu o requerente impugnação judicial da referida decisão, dizendo, em síntese, que não dispõe de rendimentos que lhe permitam suportar a prestação mensal de Euro 60, pois é estudante, não exerce qualquer actividade remunerada, apenas recebendo Euro 100 de pensão de sobrevivência, não correspondendo à verdade que aufira o rendimento líquido anual de Euro 10 048, sobrevive com o apoio da avó e a sua mãe não lhe deixou qualquer património.

Termina requerendo a alteração da decisão do Instituto de Segurança Social, I. P., concedendo-se ao requerente o benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, nomeação e pagamento de honorários de patrono.

O Instituto de Segurança Social, I. P., pronuncia-se dizendo que decidiu em conformidade com o que consta da lei, pelo que a decisão deve ser mantida.

2 - Dos factos relevantes.

1) O requerente é estudante.

2) Aufere uma pensão de sobrevivência de Euro 100.

3) O requerente vive com a avó, Laura Pereira Mesquita Viseu, que é quem provê ao seu sustento.

4) A referida Laura aufere uma pensão de sobrevivência líquida mensal de Euro 776,59.

3 - Direito. - A compreensão da impugnação do requerente passa pela convocação das normas legais aplicáveis ao caso.

Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa - e que está integrado na parte relativa aos princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais - a "todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos".

Em termos de lei ordinária, o apoio judiciário é regulado pela Lei 34/2004, de 29 de Julho, em cujo artigo 1.º se dispõe que "o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos".

E nos termos do artigo 7.º, n.º 1, da mesma lei, "têm direito a protecção jurídica, nos termos da presente lei, os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica".

Até aqui não há qualquer inovação relativamente ao direito anterior.

No entanto, a Lei 34/2004 implementou uma profunda remodelação no que respeita à delimitação/concretização da insuficiência económica como pressuposto da concessão do benefício do apoio judiciário, remodelação que começa com o n.º 1 do artigo 8.º, o qual dispõe que "encontra-se em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo".

E nos termos do n.º 5 do mesmo preceito, "a prova e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei".

O conselheiro Salvador da Costa, in Apoio Judiciário, p. 64, entende que a "referida regulamentação em anexo não se consubstancia em delimitação do direito fundamental consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa".

Salvo melhor opinião, mas como resulta claro do citado n.º 5 do artigo 8.º e como resultará claro da simples leitura dos preceitos que a seguir serão citados, outra coisa não se faz que não seja delimitar o direito de acesso ao direito e aos tribunais, pois tal acesso depende de uma situação de insuficiência económica, cujos critérios de apreciação são fixados/tabelados, inclusive por recurso a uma fórmula matemática.

Mas continuando a analisar os preceitos relevantes, há que considerar o que consta do anexo e que tem o seguinte teor:

"[...]

Ou seja, a norma que constituía o artigo 7.º, n.º 1, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e que era preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente.

O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando estritos aspectos económico-financeiros, como resulta claro da adopção de uma fórmula matemática.

Sendo pressuposto da concessão do benefício do apoio judiciário uma situação de insuficiência económica, ao tabelarem-se os critérios de apreciação dessa situação, inclusive com recurso a uma fórmula matemática como resulta dos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, é manifesto que se procedeu a uma delimitação do direito de acesso ao direito e aos tribunais.

Tal delimitação não foi feita na norma que consagra o direito; foi feita ao nível da sua concretização.

O Instituto de Segurança Social, I. P., indeferiu o pedido de apoio judiciário ao requerente, considerando para tanto que o seu agregado familiar tinha um rendimento relevante que lhe dava direito ao benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado e porque o requerente recusou tal modalidade de apoio judiciário.

O conceito de 'economia comum' pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar em sentido familiar, moral e social, uma convivência conjunta com especial affectio ou ligação entre as pessoas co-envolvidas, com sujeição a uma economia doméstica comum, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns.

Neste conspecto não é possível deixar de considerar que o requerente vive em economia comum com a avó, integrando o seu agregado familiar.

A questão é que a aplicação do anexo à Lei 34/2004, que remete a apreciação da insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e da fórmula matemática previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra conforme o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, quer por que implica uma restrição intolerável de tal direito - violação do princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa 'justa medida', impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins tidos em vista - quer porque se traduz numa violação do princípio da igualdade - que obriga à diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica ou cultural (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 127).

Na verdade, o rendimento relevante assenta todo ele na pensão de reforma auferida pela avó do requerente, maior, estudante, que, para além de uma pensão de sobrevivência, não tem quaisquer rendimentos.

Refira-se que os alimentos a que a avó do requerente está obrigada são os necessários à alimentação, saúde, habitação e vestuário.

Não se incluem nos alimentos, 'despesas de demanda' - Moitinho de Almeida, in 'Os alimentos no Código Civil de 1966', Revista da Ordem dos Advogados, 1968, p. 94.

Ou seja, recusou-se o benefício do apoio judiciário ao requerente não com base na sua insuficiência económica, mas na suficiência económica de um terceiro obrigado a alimentos, alimentos que não incluem despesas de demanda, o que constitui uma clara distorção ao artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa nas vertentes já referidas: violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

O único rendimento relevante que deve ser considerado é o de Euro 100, que o requerente obtém de uma pensão de sobrevivência.

Considerando a alínea a) do anexo, que dispõe que o requerente cujo rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica seja igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo e considerando que o único rendimento que deve ser considerado relevante é o da pensão de sobrevivência auferida pelo requerente, considerando que essa pensão é de Euro 100 mensais, impõe-se conceder provimento ao recurso e em consequência conceder ao requerente o benefício do apoio judiciário nas modalidades peticionadas: dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com processo, nomeação e pagamento de honorários de patrono.

4 - Decisão. - Termos em que se decide:

Não aplicar o anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõem seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento daquela, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;

Conceder provimento ao recurso e em consequência e pelos fundamentos expostos, conceder ao requerente o benefício do apoio judiciário nas modalidades peticionadas: dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento de honorários de patrono"".

3 - Recebidos os autos neste Tribunal, alegou o recorrente, sustentando que deve confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões:

"1 - O acesso ao direito e aos tribunais não se configura, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, como mero direito a uma prestação social, traduzindo antes um direito fundamental, ligado à efectividade da protecção jurídica e dependente, em termos essenciais, dos critérios que delimitam e condicionam a apreciação da insuficiência económica invocada pelo requerente.

2 - Constitui restrição excessiva e desproporcionada a tal direito fundamental a obrigatória e tabelar ponderação do rendimento global, auferido por todas as pessoas que vivam em economia comum com o interessado, integrando o seu agregado familiar, independentemente da natureza da acção e da sua exclusiva conexão com interesses pessoais do próprio requerente.

3 - As normas constantes dos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, enquanto - em conexão com o anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho - estabelecem que o rendimento relevante do requerente do benefício de apoio judiciário é sempre tabelar e rigidamente calculado em função do rendimento líquido completo do respectivo agregado familiar, constitui restrição excessiva e desproporcionada àquele direito fundamental, proclamado pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, sendo materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 18.º da Constituição".

II - Fundamentação. - 1 - A decisão recorrida desaplicou o anexo à Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta. Segundo esta decisão, a aplicação do anexo à Lei 34/2004, que remete a apreciação da insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das fórmulas matemáticas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra conforme o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais.

Por força do disposto no n.º 5 do artigo 8.º e no n.º 1 do artigo 20.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho (altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios), a prova e a apreciação da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica devem ser feitas de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo àquela lei.

Compõem o anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:

"I - Apreciação da insuficiência económica

1 - A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:

a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo;

b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio judiciário;

c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º da presente lei.

2 - ...

3 - Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica." (Itálico aditado.)

Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, que procede à concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica, têm o seguinte conteúdo:

"SECÇÃO II

Apreciação do requerimento

Artigo 6.º

Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica

1 - Para efeitos do disposto no anexo da Lei 34/2004, de 29 de Julho, o rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (Y(índice AP)) é o montante que resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (Y(índice C)) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A), ou seja, Y(índice AP)=Y(índice C)-A.

2 - O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (Y(índice AP)) é expresso em múltiplos do salário mínimo nacional.

Artigo 7.º

Rendimento líquido completo do agregado familiar

1 - O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (Y(índice C)) resulta da soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado familiar (Y(índice R)), ou seja, Y(índice C)=Y+Y(índice R).

2 - Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores para a segurança social.

3 - O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no artigo 10.º da presente portaria.

Artigo 8.º

Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica

1 - O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H), ou seja, A=D+H.

2 - O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:

D= (1+((n-1)/10)) xdxY(índice C)

em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo I.

3 - O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (Y(índice C)), ou seja, H=hxY(índice C), em que h é determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.

4 - O cálculo do montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) apenas tem lugar se o seu valor for superior ao montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações para a sua aquisição ou no caso de não ter sido declarada qualquer despesa com a habitação do agregado familiar; caso o valor realmente despendido (B) seja inferior, é este o valor considerado.

Artigo 9.º

Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificada nos artigos anteriores e no anexo III, é a seguinte:

(ver documento original)

2 - Se, porém, o montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações para a sua aquisição (B) for inferior ao montante que resulte da aplicação do coeficiente de dedução de encargos com a habitação do agregado familiar previsto no artigo anterior, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica é a seguinte:

(ver documento original)

Artigo 10.º

Cálculo da renda financeira implícita

1 - O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor dos activos patrimoniais do agregado familiar.

2 - A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses, correspondente ao valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil em curso.

3 - Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.

4 - Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a Euro 100 000 e na estrita medida desse excesso.

5 - O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.

6 - Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado."

A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal Cível de Lisboa, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que dispõe o seguinte:

"A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos." (Itálico aditado.)

2 - Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes autos, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 98/2004 (Diário da República, 2.ª série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte:

"O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses".

O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do anexo que integra a Lei 34/2004, em conjugação com aos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à dimensão "prestacional" da garantia fundamental do acesso ao direito e aos tribunais, que se concretiza no "dever de o Estado assegurar meios (como o apoio judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios económicos" (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/91, Diário da República, 2.ª série, de 2 de Abril de 1992 - Assim, também, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, p. 501, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra Editora, anotação ao artigo 20.º, ponto VI).

3 - Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei 41/87, de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento do regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro diploma regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, configurando-o a partir de acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (artigos 1.º, n.os 1 e 2, e 6.º).

Muito embora esta configuração se tenha mantido até ao presente (cf. artigos 1.º, n.os 1 e 2, e 6.º da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 1.º, n.os 1 e 2, e 6.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho), foram introduzidas alterações significativas através da Lei 30-E/2000, que atribuiu aos serviços de segurança social, retirando tal competência aos tribunais, a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário (artigo 21.º), e da Lei 34/2004, que inovou em matéria de determinação da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica.

Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a quem, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo (cf. artigo 8.º, n.º 1, da Lei 34/2004) passou a depender do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8.º, n.º 5, e 20.º, n.º 1, e ponto 1 do anexo da Lei 34/2004), determinado a partir do rendimento do agregado familiar - ou seja, também a partir do rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica (n.os 1 e 3 do ponto 1 deste anexo) - e das fórmulas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto.

A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do requerente de protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. artigos 20.º, n.º 2, da Lei de 2004 e 2.º da referida portaria), diferentemente do que sucedia no direito anterior (cf. artigos 7.º, n.º 1, 20.º, n.os 1 e 2, e 23.º, n.º 2, do Decreto-Lei 387-B/87, artigos 7.º, n.º 1, e 20.º, n.os 1 e 2, da Lei 30-E/2000 e modelo de requerimento de apoio judiciário para pessoas singulares, aprovado pela Portaria 1223-A/2000, de 29 de Dezembro), relativamente ao qual é de salientar, a título exemplificativo, que o afastamento da presunção de insuficiência económica, legalmente estabelecida, dependia da circunstância de o requerente fruir outros rendimentos, próprios ou de terceiros.

Face a esta alteração, a sentença recorrida conclui que "a norma que constituía o artigo 7.º, n.º 1, da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e que era preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando estritos aspectos económico-financeiros, como resulta claro da adopção de uma fórmula matemática."; assinalando o Ministério Público junto deste Tribunal que aquela decisão recusa a aplicação das "normas delimitadoras e reguladoras do âmbito do apoio judiciário, na versão actualmente vigente, enquanto consideram rendimento relevante para aferir da invocada situação de insuficiência económica todos os rendimentos auferidos pelo "agregado familiar" do interessado - ou seja, pelo conjunto das pessoas que vivem em "economia comum" com o requerente de protecção jurídica, sendo tal insuficiência económica valorada, de modo rígido e tabelar, através da "fórmula matemática" contida nos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto." (Fls. 56 e seguintes dos autos.)

4 - Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, determinado a partir do rendimento do requerente e da avó, com quem vive e de quem recebe alimentos, e das fórmulas previstas na portaria que fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão daquela protecção, levava à inserção do caso em apreço nos presentes autos na alínea c) do n.º 1 do ponto I do anexo da Lei 34/2004 - concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º desta Lei - o tribunal recorrido desaplicou o anexo à Lei 34/2004, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, a aplicação conjugada deste anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o rendimento relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar-se que facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de protecção jurídica não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Para além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da economia comum, designadamente quanto ao objecto do processo, e de o requerente de protecção jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode não estar juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente de apoio judiciário.

Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003.º e 2005.º do Código Civil e 399.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e o que sobre isto se diz na decisão recorrida e nas alegações do recorrente, a fls. 59 e seguintes), não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe, efectivamente, de parte do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica - a parte correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos (a avó) -, o que consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e aos tribunais por insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar-se, neste mesmo sentido, o artigo 116.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, uma vez que em caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do requerente de protecção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive em economia comum; e o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum, previsto na Lei 6/2001, de 11 de Maio, já que as pessoas que integram esta economia não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão em causa nos presentes autos.

Pelo que se expôs, é de concluir que a norma desaplicada pela decisão recorrida, extraída do anexo que integra a Lei 34/2004, em conjugação com aos artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, não garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.

III - Decisão. - Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o anexo da Lei 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento;

b) Negar provimento ao recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida.

Sem custas.

28 de Novembro de 2006. - Maria João Antunes (relatora) - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria Helena Brito - Rui Manuel Moura Ramos - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1539056.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1987-12-23 - Lei 41/87 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a legislar sobre o estabelecimento do regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-29 - Decreto-Lei 387-B/87 - Ministério da Justiça

    Estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-20 - Lei 30-E/2000 - Assembleia da República

    Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-29 - Portaria 1223-A/2000 - Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e da Justiça

    Aprova e publica em anexo os modelos, para pessoas singulares e pessoas colectivas, respectivamente, do requerimento de apoio judiciário, previsto no nº 2 do artigo 23º da Lei nº 309-E/2000, de 20 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 2001-05-11 - Lei 6/2001 - Assembleia da República

    Estabelece o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum há mais de 2 anos.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

  • Tem documento Em vigor 2004-08-31 - Portaria 1085-A/2004 - Ministérios da Justiça e da Segurança Social, da Família e da Criança

    Fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão da protecção jurídica.

Ligações para este documento

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