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Acórdão 629/2006, de 3 de Janeiro

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Sumário

Não julga organicamente inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 141.º do Código da Estrada, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro

Texto do documento

Acórdão 629/2006

Processo 515/2006

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - Relatório. - 1 - O Ministério Público na comarca de Viana do Castelo recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 3, e 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da sentença do 2.º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo de 8 de Maio de 2006, que recusou, com base na sua inconstitucionalidade orgânica, a aplicação da norma contida no artigo 141.º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, na dimensão segundo a qual não é permitida a aplicação jurisdicional da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves previstas no Código da Estrada.

2 - A decisão recorrida julgou parcialmente procedente, suspendendo a sanção acessória de inibição de conduzir por um ano, a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrido contra a decisão da autoridade administrativa de 29 de Junho de 2005 que lhe aplicou a sanção acessória, especialmente atenuada, de 30 dias de inibição de conduzir pela prática de uma contra-ordenação, prevista e punida pelos artigos 60.º, n.º 1, e 65.º, alínea a), do Regulamento de Sinalização do Trânsito, e pelos artigos 146.º, alínea o), 139.º, 137.º, 140.º e 141.º do Código da Estrada, por, no local e circunstâncias de tempo e com o veículo nela precisados, haver pisado e transposto a linha longitudinal contínua, M1, separadora de sentidos de trânsito.

3 - No que importa à melhor compreensão do caso, discorreu a sentença recorrida do seguinte jeito:

"Importa, assim, apreciar da justeza da sanção imposta.

O que referir quanto à sanção acessória de inibição de conduzir estabelece o artigo 138.º, n.º 1, do Código da Estrada, na redacção anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, aplicável ao caso:

'As contra-ordenações graves e muito graves são sancionadas com coima e com sanção acessória'.

Verificada, pois, a prática da infracção, a aplicação da sanção acessória é consequência que se impõe, apenas podendo haver lugar à sua atenuação especial ou suspensa na sua execução.

A atenuação especial da sanção acessória mostra-se regulada pelo artigo 140.º do CE e quanto a esta importa referir que se afigura, em abstracto, susceptível de aplicação ao presente caso considerando os seus pressupostos legais e a factualidade provada. Esta só é susceptível de ser aplicada para as contra-ordenações muito graves.

Tal suspensão está sujeita à verificação dos pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução da pena (artigo 141.º, n.º 1, do Código da Estrada) e desde que se encontre paga a coima, sendo que a mesma só é susceptível de ser aplicada às contra-ordenações graves.

Tais pressupostos assentam na conclusão de que, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior aos factos e às circunstâncias destes, a simples censura do facto e a ameaça da execução realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cf. o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).

Ora, no caso, verifica-se que o arguido praticou, efectivamente, a infracção pela qual foi autuado e que a mesma é classificada como contra-ordenação muito grave.

Por outro lado, o recorrente não praticou, nos últimos cinco anos, qualquer contra-ordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e a coima mostra-se paga.

Além disso, estamos perante uma típica infracção de perigo abstracto em que o bem jurídico tutelado é a segurança rodoviária em geral e não a de cada condutor em particular, não se exige, para a sua verificação, a prova de que se criou algum perigo para os demais utentes da via, enquanto resultado espácio-temporalmente cindido da conduta. Nem sequer se exigirá a prova da perigosidade objectiva da conduta em si mesma considerada, caso em que estaríamos já perante uma infracção de perigo abstracto-concreto.

Na verdade, relativamente à infracção sob exame, o perigo para a circulação rodoviária funciona apenas como fundamento pré-legal da sua previsão, não integrando qualquer elemento da sua tipicidade objectiva.

O arguido requer que lhe seja relevada a sanção aplicada.

Considerando que se mostram reunidos os pressupostos que à luz da lei anterior levariam este tribunal a aplicar a suspensão da execução da sanção acessória, designadamente por o arguido não ter antecedentes estradais, importa analisar a constitucionalidade da nova redacção dada ao artigo 141.º, n.º 1, do CE.

A norma em causa foi aditada ao regime inicial do Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, pelo Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro.

Assim sendo, e tendo em conta o tipo de diploma legal - decreto-lei -, verifica-se que a sua proveniência orgânica é o Governo.

Nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da CRP vigente, 'Reserva relativa de competência legislativa':

'1 - É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo [...]

d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo [...]

2 - As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.

3 - As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada.

4 - As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República.

5 - As autorizações concedidas ao Governo na Lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.'

Tal significa que o Governo, para poder legislar sobre tais matérias, porque da reserva relativa da AR, tem que se ver munido da respectiva autorização legislativa e observar a mesma nos seus estritos preceitos e limitações, tais quais aquelas que genericamente o próprio corpo do artigo da CRP fixa.

Com inobservância dessas regras cai-se no âmbito da inconstitucionalidade orgânica.

O Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, surgiu por via da Lei 53/2004, de 4 de Novembro, de autorização legislativa.

Essa lei permitia ao Governo criar o corpo do artigo 141.º?

A resposta é negativa.

De facto da referida lei não consta qualquer referência que permita sustentar a actuação do Governo a afastar a aplicação da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir às contra-ordenações muito graves. Daquela resulta, na parte que interessa ao caso em análise, que:

'm) A previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado;

n) A consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória possa ser condicionada, além da prestação de caução de boa conduta, à frequência de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em legislação própria.'

Verifica-se, deste modo, uma violação do objecto.

Padecerá, assim, a referida norma de inconstitucionalidade orgânica.

Nos termos do artigo 204.º da CRP vigente, 'Apreciação da inconstitucionalidade':

'Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.'

Face à constatada violação da CRP, por inconstitucionalidade orgânica, de que padece a norma do artigo 141.º do Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, pelo Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, está o Tribunal impedido de a aplicar na parte que exclui a sua aplicação às contra-ordenações muito graves.

A determinação da medida e do regime de execução da sanção faz-se em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos.

Quanto à fixação do montante da coima, seu pagamento em prestações e fixação da caução de boa conduta, além das circunstâncias acima referidas deve ainda ser tida em conta a situação económica do infractor, quando for conhecida.

Finalmente, e quando a contra-ordenação for praticada no exercício da condução, além dos critérios já referidos, deve atender-se, como circunstância agravante, aos especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor, designadamente quando este conduza veículos de socorro ou de serviço urgente, de transporte colectivo de crianças, táxis, pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas (artigo 139.º do Código da Estrada).

IV - Decisão. - Nestes termos e por tudo o exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência:

Condenamos o arguido José Miguel de Ancêde Ayres de Azevedo na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, suspensa pelo período de um ano."

4 - Alegando, neste Tribunal Constitucional, o procurador-geral-adjunto concluiu o seu discurso dizendo:

"1 - Por não se reportar a matéria atinente ao regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social, a que alude o artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, a norma do artigo 141.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, ao não prever a suspensão da execução de sanção acessória de inibição de conduzir nas contra-ordenações muito graves, não é organicamente inconstitucional.

2 - Termos em que deverá proceder o presente recurso."

5 - O recorrido contra-alegou defendendo o julgado e abonando-se na sua linha argumentativa.

B - Fundamentação. - 6.1 - O artigo 141.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, na parte cuja aplicação foi recusada pela sentença recorrida (n.º 1), dispõe do seguinte jeito:

"Artigo 141.º

Suspensão da execução da sanção acessória

1 - Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes:

2 - ...

3 - ...

4 - ...

5 - ...

6 - ..."

A decisão recorrida interpretou este preceito no sentido de a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir poder ser decretada apenas quando estiverem em causa contra-ordenações graves, excluindo, dessa possibilidade de suspensão, a inibição de conduzir aplicada por contra-ordenações muito graves.

Para recusar a aplicação do preceito, a mesma sentença abonou-se no entendimento de que este padecia de inconstitucionalidade orgânica, por a competência para regular a matéria caber à Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), e a sua edição, por banda do Governo, extravasar o sentido da lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi editado o referido Decreto-Lei 44/2005, ou seja, da Lei 53/2004, de 4 de Novembro.

Vejamos se esta tese é de acolher.

6.2 - Dispõe o artigo 165.º, n.º 1, da CRP que "é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:

a) ...

b) ...

c) ...

d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo; [...]"

Como resulta do preceito constitucional, a reserva relativa da Assembleia da República queda-se pela matéria da definição do regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo.

Desta sorte, a primeira tarefa a encetar é a de saber se a alteração que o preceito introduziu, na interpretação acolhida pela decisão recorrida e na parte que aqui releva (qual seja, a da exclusão da providência relativamente às contra-ordenações muito graves), relativamente ao regime imediatamente anterior vigente se inclui ou não no âmbito do "regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo".

Na verdade, no regime imediatamente anterior, emergente do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, e editado sob invocação da autorização concedida pela Lei 97/97, de 23 de Agosto, poderia ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir, prevista como sanção acessória para as contra-ordenações graves e muito graves (artigo 139.º, n.º 1, do Código da Estrada - CE -, repetindo, porém, a norma vinda do artigo 141.º, n.º 1, do novo CE, editado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei 63/93, de 21 de Agosto), no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas.

Anote-se que, na versão saída do Decreto-Lei 44/2005, a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir ficou dependente, ainda, do pagamento da coima correspondente à contra-ordenação grave.

6.3 - O regime geral das contra-ordenações consta do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, editado no uso da autorização legislativa constante da Lei 24/82, de 23 de Agosto, com as alterações posteriormente introduzidas pelos Decretos-Leis 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro, igualmente no uso de autorizações legislativas, e pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro.

No artigo 21.º desse regime prevê-se a possibilidade de a lei determinar as sanções acessórias nele apontadas, em função da gravidade da infracção e da culpa do agente, contando-se entre elas [alínea g)] a "suspensão de autorizações, licenças e alvarás", em cuja categoria se insere a licença de condução a que respeita a inibição.

Todavia, nem nesse preceito nem em outro local do mesmo regime, nada, expressamente, se diz quanto à possibilidade da lei prever a suspensão da execução da sanção acessória.

A única conclusão que, relativamente a tal matéria, o preceito permite adiantar é a de que não veda a outro legislador que preveja a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória.

Se o regime geral consente a esse legislador que estabeleça a aplicação das sanções acessórias previstas no preceito, há-de entender-se caber nessa sua competência a possibilidade de poder prever a suspensão da sua execução, pois este é um aspecto muito menos gravoso do que a opção legislativa da previsão de aplicação das sanções acessórias.

Deste modo, tais circunstâncias só poderão ser entendidas como correspondendo à concepção do legislador desse regime geral de que o instituto de suspensão da execução de medida de medidas acessórias não integra esse regime geral.

É certo que o artigo 32.º do regime geral contém uma norma prescritora do direito subsidiário aplicável, "em tudo o que não for contrário à presente lei" e "no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações", remetendo para "as normas do Código Penal" e que este diploma substantivo prevê o instituto de suspensão da execução da pena de prisão.

Mas este preceito tem o carácter de norma de remissão genérica, não podendo sustentar, sem quaisquer reservas, o entendimento de que as normas subsidiariamente aplicáveis do Código Penal constituam, igualmente, normas integrantes do regime geral das contra-ordenações. Na verdade, a natureza de norma integrante do regime geral poderá ver-se cingida, apenas, ao aspecto da prescrição de qual é o regime subsidiário aplicável, estando a determinação da existência de caso omisso e do direito subsidiário concretamente aplicável fora do sentido da norma.

Por outro lado, estando, no Código Penal, o instituto da suspensão previsto apenas para as penas de prisão aplicadas em medida não superior a três anos, não poderá falar-se na existência de caso paralelo que deva ser regulado por aplicação do regime subsidiário.

6.4 - Diz-se no Acórdão 436/2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Novembro de 2000:

"A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem [...] perfilhado este entendimento: ao Governo compete, concorrentemente com a Assembleia da República, definir, alterar e eliminar contra-ordenações e, bem assim, modificar a sua punição, enquanto constitui matéria reservada do Parlamento, integrando o regime geral do ilícito de mera ordenação, a definição da natureza do ilícito contra-ordenacional, a definição do tipo de sanções aplicáveis às contra-ordenações e a fixação dos respectivos limites e das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções, como, por exemplo, se decidiu nos Acórdãos n.os 56/84 e 74/95, publicados no Diário da República, 1.ª série, de 9 de Agosto de 1984, e 2.ª série, de 12 de Junho de 1995, bem como no Acórdão 472/97, ainda inédito."

Tal entendimento foi, igualmente, acolhido pela jurisprudência posterior (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 461/2000 e 236/2003, publicados, respectivamente, no referido jornal oficial de 29 de Novembro de 2000 e 24 de Julho de 2003), assumindo-se aqui o mesmo novamente.

Sendo assim, há-de convir-se caber na competência concorrente da Assembleia da República e do Governo a previsão de existência de sanções acessórias, dentre as dos tipos previstos no n.º 1 do artigo 21.º do regime geral das contra-ordenações, bem como da possibilidade de suspensão da sua execução. E se assim for quanto à opção legislativa do estabelecimento da possibilidade de aplicação de sanções acessórias e da suspensão da sua execução, não poderia deixar de ser diferente quando a opção legislativa seja de eliminação, modificação ou estabelecimento de condições de execução, desde que se quedassem dentro do regime geral.

Teríamos, portanto, de concluir que o legislador do Decreto-Lei 44/2005, ao excluir, através da alteração introduzida no artigo 141.º, n.º 1, do CE, da possibilidade de suspensão de execução as sanções acessórias de inibição de conduzir aplicadas pela prática de infracções muito graves, não estaria a invadir a reserva de competência da Assembleia da República, mas no exercício de uma competência concorrente.

Consequentemente, a norma em causa não padece de inconstitucionalidade orgânica.

6.5 - Mas, mesmo para quem não acompanhe estas razões, outras existem que levam a afastar a conclusão a que aportou a decisão recorrida.

É que, ao contrário do que aí se entendeu, mesmo admitindo-se que a matéria em causa pudesse ser havida como integrante do regime geral das contra-ordenações, sempre haverá de considerar-se que o legislador do Decreto-Lei 44/2005 não extravasou da autorização legislativa no uso da qual foi editado.

Como dele se verifica, o diploma em causa foi decretado "no uso da autorização legislativa concedida pela Lei 53/2004, de 4 de Novembro, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição", ou seja, no exercício de competência em matéria não reservada à Assembleia da República e no uso de competência em matéria de reserva relativa da Assembleia, mediante autorização desta.

Ora, o artigo 1.º da Lei 53/2004 autorizou o Governo "a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis 2/98, de 3 de Janeiro e 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei 20/2002, de 21 de Agosto, e ainda a criar um regime especial de processo para as contra-ordenações emergentes de infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação complementar".

E no artigo 2.º, definindo-se o sentido dessa autorização, dispõe-se que esta "é concedida para permitir a criação de um regime jurídico em matéria rodoviária em conformidade com os objectivos definidos no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, com as normas constantes de instrumentos internacionais a que Portugal se encontra vinculado e com as recomendações das organizações internacionais especializadas com vista a proporcionar índices elevados de segurança rodoviária para os utentes".

Por seu lado, ao precisar a extensão, o artigo 3.º da mesma lei prescreve que a autorização contempla, entre outras matérias: "a qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação do regime contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas elas" [alínea g)]; "a determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus regulamentos" [alínea j)]; "a previsão de atenuação especial e de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir condicionadas ao prévio pagamento da coima e ao facto de o infractor não ter praticado outras infracções no período fixado" [alínea m)]; "a consagração do princípio de que a suspensão da execução da sanção acessória possa ser condicionada, além da prestação de boa conduta, à frequência de acções de formação ou ao cumprimento de deveres específicos previstos em legislação própria" [alínea n)], e "a alteração dos limites mínimo e máximo da caução de boa conduta para, respectivamente, Euro 500 e Euro 5000" [alínea o)].

Não desconhecia o legislador parlamentar, ao definir, pelo modo descrito, o sentido e a extensão da autorização legislativa, que a inibição de conduzir estava prevista no regime então vigente do novo CE saído da alteração feita pelo Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, à versão originária (emitido no uso da autorização concedida pela Lei 97/97, de 23 de Agosto), como sanção acessória de que eram passíveis as contra-ordenações graves e muito graves (artigo 139.º), e que esse mesmo regime previa a possibilidade de "ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas".

Não obstante isso, o legislador parlamentar autorizou o Governo a proceder à revisão do CE, nos termos amplos acima transcritos, sem o subordinar, na definição do âmbito da extensão da autorização, concernente à matéria em causa, à observância de outros limites que não sejam os, nele, expressamente contemplados.

Dispondo o legislador parlamentar que a autorização concedida, com o sentido de "proporcionar elevados índices de segurança rodoviária para os utentes", contempla, máxime, "a determinação da medida e regime de execução das sanções tendo em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou seus regulamentos", sem recortar quaisquer limitações pelo estabelecido anteriormente, há que concluir que a autorização possibilita a determinação, como se fora originariamente, das sanções principais e acessórias e do regime da sua execução, nesta se tendo de incluir a possibilidade de suspensão ou de não suspensão da inibição de conduzir prevista como sanção acessória para as contra-ordenações graves e muito graves (artigo 138.º do CE), tanto mais que a opção legislativa tomada, pelo legislador autorizado, se afigura adequada àquele sentido da autorização.

Na verdade, independentemente de a suspensão de execução de uma pena poder ser vista, não como uma forma funcionalizada à sua execução, mas antes como uma pena de substituição em sentido próprio (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 337 e segs., e Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.º vol., p. 639), o efeito jurídico-prático que a suspensão da inibição de conduzir importa é a possibilidade de não cumprimento da sanção aplicada e isso tem que ver com a definição do "regime da sua execução".

Ora, o legislador da norma questionada estava autorizado a definir esse regime sem respeito ou subordinação pelas regras vindas do passado.

Temos, assim, de concluir que o Governo não excedeu a autorização concedida na Lei 53/2004 quando editou, pela mão do Decreto-Lei 44/2005, a norma aqui em causa.

O recurso merece, pois, provimento:

C - Decisão. - 7 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar organicamente inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 141.º do Código da Estrada, na versão dada pelo Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, e conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida de harmonia com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.

Lisboa, 16 de Novembro de 2006. - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1536146.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-08-23 - Lei 24/82 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a legislar com vista a um novo Código Penal e a adoptar as disposições adequadas de direito criminal, de processo criminal e de organização judiciária, bem como a legislar em matéria de contravenções e contra-ordenações e ainda sobre o regime penal de jovens.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-17 - Decreto-Lei 356/89 - Ministério da Justiça

    Introduz alterações ao Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1993-08-21 - Lei 63/93 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a aprovar um novo Código da Estrada.

  • Tem documento Em vigor 1994-05-03 - Decreto-Lei 114/94 - Ministério da Administração Interna

    Aprova o Código da Estrada, cujo texto se publica em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-14 - Decreto-Lei 244/95 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça

    ALTERA O DECRETO LEI NUMERO 433/82, DE 27 DE OUTUBRO (INSTITUI O ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL E RESPECTIVO PROCESSO), COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEI NUMERO 356/89, DE 17 DE OUTUBRO. AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO PRESENTE DIPLOMA INCIDEM NOMEADAMENTE SOBRE OS SEGUINTES ASPECTOS: CONTRA-ORDENAÇÕES, COIMAS EM GERAL E SANÇÕES ACESSORIAS, PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO E PRESCRIÇÃO DAS COIMAS, PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO (COMPETENCIA TERRITORIAL DAS AUTORIDADES ADMINISTR (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-08-23 - Lei 97/97 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio. A presente autorização legislativa tem a duração de 180 dias.

  • Tem documento Em vigor 1998-01-03 - Decreto-Lei 2/98 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 2001-09-28 - Decreto-Lei 265-A/2001 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Dec Lei 114/94 de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 2001-12-24 - Lei 109/2001 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo), em matéria de prescrição.

  • Tem documento Em vigor 2002-08-21 - Lei 20/2002 - Assembleia da República

    Altera o Código da Estrada, considerando sob influência do álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5g/l e fixando as respectivas coimas para os infractores.

  • Tem documento Em vigor 2004-11-04 - Lei 53/2004 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio.

  • Tem documento Em vigor 2005-02-23 - Decreto-Lei 44/2005 - Ministério da Administração Interna

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio e posteriormente alterado. Republicado na íntegra com todas as alterações.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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