de 25 de Março
O Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio, e demais legislação subsequente, veio regular a actividade de produção independente de energia mediante a utilização de combustíveis fósseis, recursos renováveis ou resíduos industriais, agrícolas ou urbanos.Permitiu-se, assim, a abertura do mercado a novos operadores e posteriormente garantiu-se a sua integração no Sistema Eléctrico Nacional (SEN) no âmbito do Sistema Eléctrico Independente (SEI).
Sem pôr em causa a linha condutora da organização do sector eléctrico nacional, e muito especialmente dos pequenos produtores cujo contributo não pode ser descurado numa perspectiva de optimização dos recursos energéticos, torna-se necessário ter em conta a natural evolução do mercado da electricidade entretanto ocorrida, onde surgiram novas tecnologias para a produção descentralizada de energia eléctrica. Com efeito, hoje em dia já é possível constatar a existência de uma nova realidade: os produtores-consumidores em baixa tensão, os quais utilizam, entre outros equipamentos, geradores síncronos, geradores assíncronos, painéis fotovoltaicos produzindo energia eléctrica de forma autónoma, na justa medida das suas necessidades.
Por sua vez o Programa E4 - Eficiência Energética e Energias Renováveis, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 154/2001, de 19 de Outubro, veio dar corpo a um vasto conjunto de objectivos de política energética, visando, nomeadamente, potenciar o aproveitamento de recursos endógenos, aumentar a eficiência energética e modernizar tecnologicamente o sistema energético nacional.
Deste modo, há que adaptar a legislação para acolhimento de novas soluções de produção de energia descentralizada e da inovação tecnológica, dando-se, assim, espaço a que também em Portugal possa surgir, integrado no SEI, a figura de produtor-consumidor de energia eléctrica em baixa tensão (ou do produtor em autoconsumo), sem prejuízo de continuar a manter a ligação à rede pública de distribuição de energia eléctrica, na tripla perspectiva de autoconsumo, de fornecimento a terceiros e de entrega de excedentes à rede.
Para além de enquadrar a respectiva actividade, este diploma é de importância significativa porque estabelece o regime dos direitos e dos deveres dos produtores-consumidores. Por outro lado, a sua urgência decorre da existência de apoios no âmbito do MAPE (Medida de Apoio ao Aproveitamento do Potencial Energético e Racionalização do Consumo) do Programa Operacional de Economia (POE), que pressupõe o presente enquadramento legal. Este diploma também concretiza a directiva do mercado interno de electricidade, constituindo um avanço na liberalização da produção de energia eléctrica.
Considera-se ainda que o sistema remuneratório aplicável à entrega de excedentes à rede pública deverá assumir um nível incentivador do envolvimento dos agentes económicos na concretização de instalações previstas no presente diploma, proporcionar uma suficiente estabilidade às receitas que o produtor-consumidor vai auferir ao longo do período normal de recuperação do investimento na instalação de produção e permitir que haja uma partilha de benefícios entre o mesmo e o operador da rede eléctrica pública.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Objecto e definições
1 - O presente diploma regula a actividade de produção de energia eléctrica em baixa tensão (BT) destinada predominantemente a consumo próprio, sem prejuízo de poder entregar a produção excedente a terceiros ou à rede pública.2 - A potência a entregar à rede pública em cada ponto de recepção, nos termos do número anterior, não poderá ser superior a 150 kW.
3 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
«Microgerador» - equipamento principal autónomo de produção de energia:
motores, microturbinas ou pilhas de combustível, que utilizem geradores síncronos, geradores assíncronos, painéis solares fotovoltaicos e outros equipamentos autónomos de produção de energia eléctrica;
«Instalação de produção» - conjunto ou conjuntos de equipamentos principais (microgeradores) e auxiliares de produção e consumo de energia e obras que os servem pertencentes ao produtor-consumidor, incluindo, quando necessário, as linhas directas e o ramal de ligação ao SEP até ao ponto de interligação;
«Produtor-consumidor» - entidade detentora de uma ou mais instalações de produção nos termos deste diploma;
«Ponto de recepção» - ponto de rede do SEP onde se vai ligar o ramal da instalação de produção;
«Potência de ligação» - potência activa máxima que o produtor-consumidor pode injectar na rede do SEP;
«SEP» - Sistema Eléctrico de Serviço Público;
«SEI» - Sistema Eléctrico Independente.
Artigo 2.º
Exercício da actividade
1 - A actividade de produção de energia com autoconsumo de energia regulada pelo presente diploma integra-se no SEI e pode ser exercida por pessoas singulares ou colectivas, patrimónios autónomos e outras entidades, mesmo que destituídas, de personalidade jurídica, de direito público ou de direito privado.2 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por produção com autoconsumo de energia eléctrica ou de energia eléctrica e térmica a actividade de produção em que pelo menos 50% da energia eléctrica produzida seja destinada a consumo próprio ou de terceiros, nos termos do número anterior, para fins domésticos, comerciais, industriais ou de prestação de serviços.
Artigo 3.º
Condições de produção
1 - A instalação de produção pode ser constituída por um ou mais microgeradores que cumpram as condições referidas no n.º 1 do artigo 1.º 2 - A instalação de produção carece de projecto que deve ser aprovado pelas direcções regionais do Ministério da Economia (DRE) territorialmente competentes, nos termos do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas.3 - A entidade que pretenda instalar um sistema de produção deve solicitar à entidade titular da licença vinculada de distribuição de energia eléctrica em BT a operar na zona a que se pretende interligar, adiante designada também por entidade que explora a rede do SEP, as informações necessárias para a elaboração do projecto, designadamente as relativas ao ponto de recepção, tensão, potência e dispositivos de segurança, fazendo acompanhar o pedido de uma descrição sumária do projecto de instalação de produção.
4 - A entidade que explora a rede do SEP deve responder à solicitação no prazo máximo de 30 dias.
Artigo 4.º
Autorização de instalação
1 - Os processos de autorização das instalações abrangidas pelo presente diploma são instruídos pela direcção regional do Ministério da Economia (DRE) territorialmente competente.2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deverá apresentar o respectivo pedido na DRE acompanhado do projecto da instalação de produção, da resposta da entidade que explora a rede do SEP prevista no n.º 4 do artigo anterior e demais elementos referidos no presente diploma e na regulamentação aplicável.
3 - A entrada em funcionamento das instalações depende de licença de exploração a conceder pela DRE competente após vistoria que permita concluir que as mesmas estão de acordo com todas as normas e regulamentos técnicos em vigor.
4 - Pela apreciação e decisão dos processos de autorização das instalações abrangidas pelo presente diploma e pelas respectivas vistorias e inspecções serão cobradas taxas previstas no Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas.
5 - As DRE deverão comunicar à Direcção-Geral da Energia (DGE) as autorizações concedidas no âmbito do presente diploma.
Artigo 5.º
Direitos do produtor-consumidor
No âmbito do exercício da sua actividade, o produtor-consumidor tem o direito de:a) Consumir ou ceder a terceiros a energia eléctrica por si produzida;
b) Entregar ao SEP, através da entidade titular de licença vinculada de distribuição de energia eléctrica em BT a operar na respectiva zona, a parte da energia eléctrica produzida que exceder o respectivo consumo nas condições estabelecidas no presente diploma;
c) Ligar-se, quando necessário, por ramal à rede da distribuidora referida na alínea anterior.
Artigo 6.º
Deveres do produtor-consumidor
Sem prejuízo do cumprimento da legislação e regulamentação aplicáveis, o produtor-consumidor deve:a) Entregar e receber a energia eléctrica em conformidade com as normas técnicas aplicáveis e de modo a não causar perturbação no normal funcionamento do SEP;
b) Estabelecer um contrato de venda e aquisição de energia eléctrica com a entidade titular de licença de distribuição vinculada em BT a operar na respectiva zona;
c) Prestar à DGE, à DRE competente e à entidade que explora a rede do SEP com que estiver interligado todas as informações que lhe forem solicitadas;
d) Fornecer anualmente à DGE dados informativos sobre os quantitativos de energia eléctrica produzidos, os quantitativos de energia eléctrica adquirida e vendida ao SEP e os quantitativos consumidos e vendidos a terceiros, se for o caso, no 1.º trimestre do ano seguinte ao da informação prestada;
e) Permitir e facilitar o livre acesso do pessoal técnico da DGE, da DRE e da entidade que explora a rede do SEP com que estiver interligado à instalação de produção e suas dependências, bem como aos equipamentos de medida, e prestar-lhe todas as informações e auxílio de que careçam para o desempenho das suas funções de fiscalização.
Artigo 7.º
Fornecimento de energia eléctrica ao SEP
1 - O tarifário de venda de energia eléctrica pelo produtor-consumidor à rede do SEP é estabelecido por portaria do Ministro da Economia, a qual determinará o respectivo período de vigência.
2 - O tarifário referido no número anterior deve atender designadamente aos custos evitados pelo SEP com o recebimento da energia eléctrica do produtor-consumidor e aos benefícios de natureza ambiental resultantes da maior eficiência da instalação de produção na utilização de energia primária.
3 - A ligação da instalação de produção ao SEP é feita a expensas do produtor-consumidor.
4 - O ponto de recepção deve corresponder à solução mais económica que respeite as condições técnicas aplicáveis.
5 - A potência de ligação deve constar do contrato de venda e de aquisição de energia eléctrica previsto na alínea b) do artigo 6.º
Artigo 8.º
Normas técnicas e de segurança
1 - As normas técnicas e de segurança necessárias à execução do presente diploma são objecto de despacho do director-geral da Energia.2 - O despacho previsto no número anterior deve estabelecer os condicionamentos técnicos básicos que a construção e exploração da instalação de produção deve respeitar para garantir a observância dos critérios de segurança e assegurar a manutenção da qualidade de serviço da rede do SEP, sem prejuízo de assegurar a viabilidade de soluções que permitam minimizar os investimentos do produtor-consumidor.
Artigo 9.º
Equipamentos de medida
1 - Para efeitos de facturação da energia fornecida à entidade titular de licença vinculada de distribuição de energia eléctrica em BT pelo produtor-consumidor e da energia consumida por este e fornecida por aquela, as medições serão feitas por contadores independentes, sem prejuízo de adopção de outra solução acordada entre o produtor-consumidor e a entidade titular da licença vinculada de distribuição em BT.2 - Os equipamentos e regras técnicas de medida serão definidos no contrato de venda e aquisição de energia eléctrica a que se refere a alínea b) do artigo 6.º
Artigo 10.º
Regime sancionatório
1 - Qualquer infracção ao disposto no n.º 3 do artigo 4.º e no artigo 6.º do presente diploma constitui contra-ordenação punível com coima de (euro) 250 a (euro) 5000.2 - A negligência e a tentativa são puníveis.
3 - No caso de a infracção ser praticada por pessoa singular, o máximo de coima a aplicar é de (euro) 1250.
4 - Conjuntamente com a coima prevista neste artigo e de acordo com a natureza e gravidade da infracção, nomeadamente no caso de reincidência, pode ser aplicada a sanção acessória de suspensão da autorização de instalação.
5 - O processamento das contra-ordenações e aplicação das coimas compete à DGE ou à DRE competente, consoante aquela que tiver notícia da infracção.
Artigo 11.º
Distribuição do produto das coimas
O produto das coimas resultantes das contra-ordenações previstas no artigo 10.º reverte, em 60%, para o Estado e, em 40%, para a DGE ou DRE competente.
Artigo 12.º
Regime de opção
1 - As instalações existentes que se encontrem ao abrigo das condições previstas neste diploma podem requerer à DRE territorialmente competente a integração no regime nele estabelecido.2 - Verificado o cumprimento das condições previstas neste diploma, a DRE territorialmente competente deverá emitir uma licença de exploração com base na qual será estabelecido o contrato entre o produtor-consumidor e a entidade titular da licença vinculada de distribuição de energia eléctrica em BT.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Fevereiro de 2002. - António Manuel de Oliveira Guterres - Guilherme d'Oliveira Martins - Luís Garcia Braga da Cruz.
Promulgado em 11 de Março de 2002.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 14 de Março de 2002.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.