Acórdão 679/2005/T. Const. - Processo 498/2004. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - O pedido e os seus fundamentos:
1.1 - O Provedor de Justiça veio, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, requerer a apreciação e declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º, na sua aplicação conjugada, e também com o anexo I e o mapa III do anexo II, do Decreto-Lei 413/99, de 15 de Outubro.
1.2 - Estas normas dispõem o seguinte:
"Artigo 3.º
Transição para as novas escalas indiciárias
1 - ...
2 - ...
3 - O pessoal provido na categoria de auxiliar de acção médica que em 30 de Junho de 2000 se encontre posicionado nos escalões 5, 6, 7 e 8 da respectiva escala indiciária transita, em 1 de Julho de 2000, para, respectivamente, os escalões 1, 2, 3 e 4 da categoria de auxiliar de acção médica principal, de acordo com o mapa II do anexo II ao presente diploma.
4 - ...
5 - ...
6 - ...
7 - ...
Artigo 7.º
Contagem de tempo de serviço
O tempo de serviço prestado na categoria e escalão actualmente detidos conta como prestado na categoria e escalão de transição, desde que no desempenho efectivo das correspondentes funções."
ANEXO I
Tabelas
(ver documento original)
ANEXO II
MAPA III
Tabelas a aplicar a partir de 1 de Dezembro de 2000
(ver documento original)
1.3 - Para fundamentar o pedido, o Provedor de Justiça começou por situar historicamente as normas impugnadas, recordando, desde logo, que o Decreto-Lei 231/92, de 21 de Outubro, veio regular as carreiras e categorias profissionais do pessoal dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde, aprovando os respectivos escalões e correspondentes índices, de acordo com a tabela constante do anexo I ao mesmo diploma (cf., ainda, a nova estrutura salarial aprovada pelo Decreto Regulamentar 30-B/98, de 31 de Dezembro).
Posteriormente, o Decreto-Lei 413/99, de 15 de Outubro, promoveu uma revisão do regime das carreiras e categorias do pessoal do regime geral dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde, o que incluiu a aprovação de uma nova estrutura salarial, constante do respectivo anexo I, com entrada em vigor faseada a partir de 1 de Junho de 1999 (cf. o artigo 10.º), de acordo com o esquema por sua vez constante do anexo II do diploma. No âmbito da revisão do regime em apreço, foi criada, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2000, uma nova categoria dentro da carreira de auxiliar de acção médica, a categoria de auxiliar de acção médica principal, convertendo assim o legislador essa carreira, até então horizontal, numa carreira vertical (cf., designadamente, o artigo 1.º do Decreto-Lei 413/99, na parte em que altera o artigo 6.º do Decreto-Lei 231/92, anexo I e mapas II e III do anexo II do diploma).
Previu o legislador que os lugares de auxiliar de acção médica principal seriam providos, mediante concurso de acesso, de entre auxiliares de acção médica com, pelo menos, três anos de serviço efectivo e classificação não inferior a Bom (artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei 231/92, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 413/99). Quanto às regras respeitantes à transição para a nova estrutura salarial, determinou o legislador que o pessoal provido na categoria de auxiliar de acção médica que em 30 de Junho de 2000 se encontrasse posicionado nos escalões 5, 6, 7 e 8 da respectiva escala indiciária transitaria, em 1 de Julho de 2000, respectivamente, para os escalões 1, 2, 3 e 4 da nova categoria de auxiliar de acção médica principal (cf. o artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei 413/99). Em simultâneo, determinava o artigo 7.º do mesmo diploma que o tempo prestado na categoria e escalão detidos no momento da transição contaria como prestado na categoria e escalão de transição, desde que no desempenho efectivo das correspondentes funções.
O Provedor de Justiça considera que a aplicação conjugada dos comandos vertidos nos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º do Decreto-Lei 413/99 e dos anexo I e mapa III do anexo II do diploma, na parte para aqui relevante, viria a produzir distorções no sistema remuneratório em apreciação, fazendo que, em algumas situações, funcionários colocados na nova categoria de auxiliar de acção médica principal viessem a auferir remuneração superior à de funcionários com igual ou superior antiguidade na carreira de auxiliar de acção médica, mas que haviam sido, em data anterior a 1 de Julho de 2000, providos em lugares de chefia dentro daquela mesma carreira.
Para ilustrar essas distorções, o Provedor de Justiça avançou o seguinte exemplo: dois funcionários, A e B, da carreira de auxiliar de acção médica, com igual antiguidade na carreira, colocados em 30 de Junho de 2000 no escalão 8 daquela carreira, ainda horizontal, com o índice 210. Nesse mesmo dia, o funcionário A era provido num lugar de chefia, mais propriamente o de encarregado de sector, ficando colocado no 1.º escalão daquela categoria de chefia, a que correspondia, na mesma data, o índice 230. Por aplicação da já mencionada norma do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei 413/99, o acima referido funcionário B transitaria, no dia seguinte, 1 de Julho de 2000, para o escalão 4 da nova categoria de auxiliar de acção médica principal, com o índice 215.
Ora, quando, a partir de 1 de Dezembro de 2000, a categoria de auxiliar de acção médica principal viria a ter mais dois escalões e a progressão na mesma passaria a operar-se, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 413/99, por módulos de três anos, o referido funcionário B, que detinha pelo menos 6 anos de antiguidade na carreira de auxiliar de acção médica, viria a ser colocado, por aplicação, desta feita, do disposto no artigo 7.º do referido Decreto-Lei 413/99, no último escalão da categoria de auxiliar de acção médica principal, o escalão 6, com o índice 245.
Assim sendo, em 1 de Dezembro de 2000, o funcionário B passou a ser remunerado de acordo com o índice 245, ao passo que o funcionário A, com a mesma antiguidade na carreira, promovido, em data anterior a 1 de Julho de 2000, a um lugar de chefia dentro da mesma carreira, era remunerado, naquela mesma data, pelo índice 235.
Mesmo após a progressão para o 2.º escalão da categoria, em cargo de chefia, de encarregado de sector, o funcionário A continuará a auferir vencimento inferior ao do funcionário B, tal situação apenas se invertendo quando - e se - progredir para o 3.º escalão daquela categoria de chefia, volvidos seis anos sobre a data em que foi ultrapassado, em termos remuneratórios, pelo funcionário B.
Com base neste exemplo - e noutro que apresenta -, o requerente, que alega ainda a possibilidade de a norma vir inclusivamente a "penalizar" funcionários mais antigos na carreira, considera, em síntese, que "não parece consentâneo com o princípio da igualdade, na sua expressão genérica constante do artigo 13.º da lei fundamental e na manifestação mais específica decorrente do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), do texto constitucional, que o funcionário provido num lugar de chefia possa perceber, na situação particular descrita, remuneração inferior à remuneração de funcionários colocados em categorias que não podem deixar de considerar-se inferiores".
2 - Resposta do autor das normas. - Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o Primeiro-Ministro respondeu, concluindo do seguinte modo:
"Nada no texto da norma cuja constitucionalidade se impugna permite afirmar que o legislador discrimina trabalhadores já que, pelo contrário, aquela norma 'aplica-se a todos aqueles que reúnam as condições aí previstas'.
A norma questionada visa unicamente estabelecer regras de reposicionamento de funcionários da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras, tendo em conta não apenas a antiguidade nos seus vários contornos mas ainda o critério do escalão de posicionamento de origem quando tem lugar a promoção. O novo sistema retributivo da função pública corresponde a um sistema misto de promoção (mudança de categoria) e progressão (mudança de escalão dentro de cada categoria), que funciona de forma articulada e complementar de modo que a evolução por progressão venha a reflectir-se, directamente, na evolução por promoção.
Nesse contexto, uma das preocupações fundamentais do Governo foi a de salvaguardar as expectativas decorrentes da progressão na carreira, garantindo que a promoção se faça para o escalão seguinte àquele que resultaria das normas de promoção sempre que o escalão a obter por progressão seja superior. É esse o motivo pelo qual existem índices sobrepostos e a razão por que se prevêem ainda últimos índices da escala da categoria inferior superiores aos primeiros da categoria imediatamente superior, já que um funcionário que se encontre nos últimos escalões de determinada categoria detém mais tempo e experiência que outro funcionário dessa mesma categoria. A promoção deste funcionário terá de revelar a sua situação de origem, estando ele situado nos primeiros escalões da categoria antecedente, pelo que a promoção não poderá desvirtuar a 'proporcionalidade continuada' que o sistema quis imprimir relativamente à antiguidade detida pelo outro na mesma categoria antecedente.
Assim, o novo sistema retributivo da função pública acautela a posição desigual que os funcionários detinham na origem, dando através das suas normas continuidade à protecção da antiguidade nos seus vários contornos, e que não passa unicamente pelo processo de promoção. Deste modo, resulta salvaguardado o comando constitucional da igualdade, que impõe que se trate de modo igual situações de facto iguais e de modo desigual situações de facto desiguais, ou seja, aportando em diferentes soluções em função de situações de base com características diversas.
A norma impugnada mostra-se, assim, materialmente fundada do ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade. Por outro lado, o tertium comparationis para efeitos de avaliação do princípio da igualdade não resulta apenas do critério da antiguidade na categoria, mas ainda do critério do escalão de posicionamento de origem quando tem lugar a promoção, assim se salvaguardando a 'relação de proporcionalidade' entre as responsabilidades de cada cargo e as correspondentes remunerações e, bem assim, a harmonia remuneratória entre cargos, que exige que a promoção - e respectiva escala e índice salarial - não seja regulada em termos isolados, sem protecção e garantia da situação de origem e da proporcionalidade aí existente. A norma impugnada, mais do que uma 'regra de transição', deverá ser interpretada como uma 'cláusula de salvaguarda' do próprio sistema retributivo.
Por fim, caso o Tribunal conclua pela inconstitucionalidade, deverá ponderar se imperativos de segurança jurídica não justificarão o uso da faculdade de restrição dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 282.º da Constituição."
3 - Discutido em plenário o memorando apresentado pelo Vice-Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 63.º, n.º 1, e 39.º, n.º 2, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.
B - Fundamentação. - 4 - Enquadramento legislativo do objecto do pedido. - Quanto ao diploma em que se integram as normas sub judicio, o Decreto-Lei 413/99, importa atentar, desde logo, em que o mesmo vem proceder à "revisão de alguns aspectos essenciais" das carreiras do pessoal dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde, as quais se encontram reguladas pelo Decreto-Lei 231/92, de 21 de Outubro, alterado pelo Decreto Regulamentar 30-B/98, de 31 de Dezembro (cf., ainda, a Portaria 112/95, de 3 de Fevereiro). Por sua vez, o Decreto-Lei 231/92, de 21 de Outubro, veio revogar o Decreto 109/80, de 20 de Outubro, diploma que institucionalizou as carreiras do pessoal de apoio geral dos estabelecimentos e serviços de saúde. Posteriormente, o Decreto Regulamentar 30-B/98, de 31 de Dezembro, veio alterar as escalas salariais das carreiras do pessoal dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde, previstas no Decreto-Lei 231/92, de 21 de Outubro, e constantes do anexo n.º 4 do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1998.
O Decreto-Lei 231/92, de 21 de Outubro, regula as carreiras profissionais do pessoal dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde (artigo 1.º, n.º 1), aplicando-se ainda à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, relativamente ao pessoal dos estabelecimentos e serviços da área da saúde que optou pela manutenção do regime da função pública (artigo 1.º, n.º 2).
O artigo 2.º determina a estruturação das respectivas carreiras profissionais de acordo com as seguintes áreas de actuação: a) acção médica; b) alimentação; c) tratamento de roupa; d) aprovisionamento e vigilância. O anexo II do Decreto-Lei 213/92 define o conteúdo funcional de cada uma das categorias da carreira do pessoal dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde, devendo destacar-se os auxiliares de acção médica e os lugares de chefia:
"1 - Ao auxiliar de acção médica compete, em especial:
a) Colaborar, sob supervisão técnica, na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes;
b) Proceder ao acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé dentro e fora do estabelecimento;
c) Auxiliar nas tarefas de alimentação no sector respectivo, nomeadamente preparar refeições ligeiras e distribuir dietas, do regime geral e terapêuticas;
d) Preparar o material para a esterilização;
e) Ajudar nas tarefas de recolha de material para análise;
f) Preparar e lavar o material dos serviços técnicos;
g) Transportar e distribuir as balas de oxigénio e os materiais esterilizados pelos serviços de acção médica;
h) Velar pela manutenção do material utilizado nos cuidados prestados aos doentes;
i) Proceder à recepção, arrumação e distribuição de roupas lavadas e à recolha de roupas sujas e suas entregas;
j) Assegurar o serviço externo e interno de transporte dos medicamentos e produtos de consumo corrente necessários ao funcionamento dos serviços;
l) Assegurar o serviço de mensageiro e proceder à limpeza específica dos respectivos sectores, assim como dos seus acessos;
m) Colaborar com os respectivos serviços na realização dos trâmites administrativos relacionados com as suas actividades;
n) Efectuar o transporte de cadáveres;
o) Proceder à limpeza das macas nos respectivos locais de trabalho;
p) Assegurar a manutenção das condições de higiene nos respectivos locais de trabalho.
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - ...
6 - ...
7 - ...
8 - ...
9 - Aos profissionais das carreiras dos serviços gerais, na sua área de actuação, compete ainda, sem embargo do cumprimento das funções enunciadas neste artigo, o exercício de todas as tarefas genericamente correspondentes às necessidades de apoio geral dos serviços e sectores a que estejam adstritos, sempre que tais tarefas não sejam da competência de outrem ou assumam carácter urgente.
10 - Os encarregados dos sectores de acção médica, alimentação, tratamento de roupas e apoio, vigilância e aprovisionamento são responsáveis pelo eficiente desempenho das funções atribuídas aos trabalhadores destes sectores, competindo-lhes, designadamente:
a) Coordenar e distribuir o pessoal de acordo com as necessidades dos serviços do respectivo sector;
b) Distribuir as tarefas específicas de cada área de actuação pelo pessoal e verificar o seu desempenho, zelando pelo cumprimento das regras de segurança e higiene no trabalho;
c) Verificar periodicamente os inventários e as existências e informar superiormente as necessidades de reparação, substituição ou aquisição dos bens ou equipamentos necessários ao normal funcionamento do respectivo sector.
11 - O encarregado de serviços gerais é responsável pela coordenação dos encarregados de sector, competindo-lhe, designadamente:
a) Organizar, coordenar e orientar, com os encarregados de sector, as áreas de actuação sob a sua responsabilidade;
b) Organizar os horários dos trabalhadores e o funcionamento dos serviços, com a colaboração dos encarregados de sector, estabelecendo escalas e dispensas de pessoal;
c) A responsabilidade pela recepção e existência dos produtos destinados a todas as secções dos sectores que lhes estão atribuídos e verificar se correspondem em quantidade e qualidade aos descritos nas guias de remessa;
d) Manter em ordem os inventários dos quais são responsáveis.
12 - O chefe de serviços gerais depende hierarquicamente do órgão de gestão do respectivo estabelecimento ou serviço ou de dirigente por este designado e superintende em todas as chefias das áreas de actuação referidas no presente diploma, competindo-lhe, designadamente:
a) Assegurar a interligação com as chefias dos outros grupos profissionais;
b) Pronunciar-se sobre a organização e o funcionamento dos respectivos serviços."
No respeitante a chefias, o artigo 4.º, n.º 1, dispôs que as categorias de chefe de serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde são as seguintes: a) chefe de serviços gerais; b) encarregado de serviços gerais; c) encarregado de sector. O n.º 2 daquele preceito estipulou que, na criação dos referidos lugares, deveriam observar-se as seguintes regras: a) um encarregado de sector por cada 15 trabalhadores da respectiva área de actuação; b) um encarregado de serviços gerais por cada três encarregados de sector; c) um chefe de serviços gerais nos hospitais gerais com mais de 100 camas e nos hospitais especializados com mais de 250 camas. Os n.os 3 e 4 fixaram regras especiais nesta matéria.
As condições de acesso e ingresso foram reguladas pelo artigo 6.º, nos seguintes termos:
"1 - O provimento nas categorias de ingresso das carreiras dos serviços gerais faz-se de entre indivíduos habilitados com a escolaridade obrigatória.
2 - ...
3 - ...
4 - Os lugares de encarregado de sector são providos, mediante provas de selecção, de entre profissionais com, pelo menos, 10 anos de serviço no respectivo sector e com classificação não inferior a Bom.
5 - Os lugares de encarregado de serviços gerais são providos, mediante provas de selecção, de entre encarregados de sector com, pelo menos, três anos na categoria.
6 - Os lugares de chefe de serviços gerais são providos, mediante provas de selecção, de entre encarregados de serviços gerais habilitados com o 9.º ano de escolaridade ou equivalente."
Tendo criado uma nova figura - a dos auxiliares de acção médica principal - o Decreto-Lei 413/99, de 15 de Outubro, aditou uma norma a este artigo 6.º, o n.º 4, do seguinte teor: "Os lugares de auxiliar de acção médica principal são providos, mediante concurso de acesso, de entre auxiliares de acção médica com, pelo menos, três anos de serviço efectivo e classificação não inferior a Bom."
Sublinhe-se, por outro lado, que o artigo 2.º do Decreto-Lei 413/99 alterou as escalas indiciárias aprovadas pelo Decreto-Lei 231/92, e o artigo 3.º definiu o regime de transição para as novas escalas indiciárias nos seguintes termos:
"1 - O pessoal provido nas carreiras e categorias abrangidas pelo presente diploma transita, em 1 de Junho de 1999, para as novas escalas indiciárias, na mesma categoria e escalão e de acordo com o mapa I do anexo II ao presente diploma, sem prejuízo do disposto nos números seguintes deste artigo e nos artigos 4.º e 5.º
2 - ...
3 - O pessoal provido na categoria de auxiliar de acção médica que em 30 de Junho de 2000 se encontre posicionado nos escalões 5, 6, 7 e 8 da respectiva escala indiciária transita, em 1 de Julho de 2000, para, respectivamente, os escalões 1, 2, 3 e 4 da categoria de auxiliar de acção médica principal, de acordo com o mapa II do anexo II ao presente diploma.
4 - ...
5 - ...
6 - ...
7 - ..."
5 - Delimitação do objecto do pedido. - O Provedor de Justiça requer a apreciação e declaração de inconstitucionalidade da aplicação conjugada dos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º e dos anexo I e mapa III do anexo II do Decreto-Lei 413/99, de 15 de Outubro. O anexo I do citado diploma define as tabelas indiciárias a que correspondem as diversas carreiras e categorias profissionais do pessoal dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços do Ministério da Saúde, estando prevista uma nova categoria dentro da carreira de auxiliar de acção médica - a de auxiliar de acção médica principal. Por sua vez, o anexo II é composto por três mapas: o primeiro compreende as tabelas a aplicar entre 1 de Junho de 1999 e 30 de Junho de 2000; o segundo, as tabelas a aplicar entre 1 de Julho e 30 de Novembro de 2000 e, enfim, o terceiro, as tabelas aplicáveis a partir de 1 de Dezembro de 2000.
Como se vê, os mapas I e II do anexo II já não se encontram em vigor - e, de resto, já não se encontravam na data em que foi formulado o pedido. Assim - e como, aliás, já foi decidido numa situação em tudo idêntico (cf. o Acórdão 405/2003, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 15 de Outubro de 2003) -, se acaso o pedido tivesse abrangido a fiscalização da constitucionalidade dos mapas I e II do anexo II, o Tribunal dela não deveria tomar conhecimento, por inutilidade superveniente. Deste modo, o pedido abrange tão-somente as tabelas salariais que ainda se encontram em vigor, ou seja, a "matriz indiciária" global constante do anexo I e o mapa que lhe corresponde no anexo II, o mapa III.
Simplesmente, o pedido abrange uma norma - o n.º 3 do artigo 3.º - que dispõe o seguinte: "o pessoal provido na categoria de auxiliar de acção médica que em 30 de Junho de 2000 se encontre posicionado nos escalões 5, 6, 7 e 8 da respectiva escala indiciária transita, em 1 de Julho de 2000, para, respectivamente, os escalões 1, 2, 3 e 4 da categoria de auxiliar de acção médica principal, de acordo com o mapa II do anexo II do presente diploma" (itálico acrescentado).
Poderia pensar-se, assim, que a circunstância de a norma citada possuir uma referência a um mapa que já não se encontra em vigor levaria, consequentemente, à inutilidade do conhecimento do pedido também quanto a essa norma. Sucede, porém, que o fim visado pela norma do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei 413/99 é o de determinar o modo de transição para uma nova categoria. E, nesse sentido, tendo o legislador optado por um esquema faseado na aplicação de tabelas salariais - em três etapas (de 1 de Junho de 1999 a 30 de Junho de 2000, de 1 de Julho a 30 de Novembro de 2000 e a partir de 1 de Dezembro de 2000) -, haveria naturalmente que prever o destino que caberia a quem transitou da categoria de auxiliar de acção médica para a categoria de auxiliar de acção médica principal.
Note-se, ademais, que o que, na sua literalidade, a norma estabelece é que a colocação na nova categoria se faz "de acordo com o mapa II do anexo II do presente diploma", que era o mapa em vigor no momento da transição. Mas daí não decorre, naturalmente, que a norma do artigo 3.º, n.º 3, uma vez operada a transição para a nova categoria, haja deixado de estar em vigor - ou, noutra perspectiva, haja exaurido a sua virtualidade normativa logo que se realizou a passagem para a categoria de auxiliar de acção médica principal, isto é, em 1 de Julho de 2000. Os seus efeitos, justamente por via da transição operada, prolongam-se nos subsequentes posicionamentos, que ainda actualmente têm lugar.
Levado às últimas consequências, o raciocínio que aponta para uma ideia de inutilidade superveniente do conhecimento do pedido implicaria que, em rigor, só até ao dia 1 de Julho de 2000 pudesse ser conhecida a constitucionalidade da norma do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei 413/99, no que se reporta aos auxiliares de acção médica principal. Na verdade, essa norma, recorde-se de novo, determina que "o pessoal provido na categoria de auxiliar de acção médica que em 30 de Junho de 2000 se encontre posicionado nos escalões 5, 6, 7 e 8 da respectiva escala indiciária transita, em 1 de Julho de 2000, para, respectivamente, os escalões 1, 2, 3 e 4 da categoria de auxiliar de acção médica principal, de acordo com o mapa II do anexo II ao presente diploma". Assim, a transição efectua-se no seio do pessoal que detinha uma dada categoria em 30 de Junho e opera através de um reposicionamento que tem lugar no dia 1 de Julho. Daqui resulta que em 2 de Julho esse reposicionamento já está efectuado, o que implicaria que nessa altura deixaria de poder conhecer-se da constitucionalidade do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei 413/99, independentemente de ser precisamente a partir daí que a norma começou a produzir os seus efeitos "perversos" - a aceitar-se a tese do requerente - do ponto de vista do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º e concretizado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa. Antes dessa data não existiam quaisquer efeitos "perversos", porquanto ainda não havia ocorrido qualquer transição para a nova categoria; depois dessa data a transição estava realizada, e, por esse motivo, já a norma do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei 413/99, tendo cumprido a sua função, não se encontraria em vigor.
Não pode, de igual modo, afirmar-se que o pedido só teria sentido se integrasse a norma do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei 413/99, que determina: "A partir de 1 de Dezembro de 2000, a progressão nas carreiras a que se refere o número anterior faz-se com observância do módulo de três anos aplicável às carreiras verticais, nos termos da lei."
É certo que, no seu requerimento, o Provedor de Justiça alude a essa norma para ilustrar alguns dos exemplos que apresenta daquilo que, na sua perspectiva, constituem situações de desigualdade (cf., por exemplo, o artigo 12.º do requerimento).
No entanto, a norma do artigo 5.º, n.º 2, não é essencial na economia do presente pedido de apreciação e declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Ao prever a progressão na carreira por módulos de três anos, ela é, por assim dizer, "instrumental" em relação a uma hipotética inconstitucionalidade; contribuirá para ela ao determinar o modo de progressão na carreira de auxiliar de acção médica principal, mas não é do artigo 5.º, n.º 2, que nascem eventuais situações de desigualdade entre funcionários.
Existe, todavia, um ponto em que o pedido carece de ser delimitado. O Provedor de Justiça solicita a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º, aplicados em conjugação, e também com o anexo I e o mapa III do anexo II do Decreto-Lei 413/99, de 15 de Outubro. Sucede, porém, que, como o próprio requerente admite, da conjugação dessas normas não resultarão sempre, de forma automática e necessária, situações de violação do princípio da igualdade. Não por acaso, o Provedor de Justiça vem afirmar, no seu requerimento, que "a aplicação conjugada dos comandos vertidos nos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º do Decreto-Lei 413/99 [...] e dos anexo I e mapa III do anexo II ao diploma, na parte para aqui relevante, viria a produzir distorções no sistema remuneratório em apreciação, fazendo que, em algumas situações, funcionários colocados na nova categoria de auxiliar de acção médica principal viessem a auferir remuneração superior à de funcionários com igual ou superior antiguidade na carreira de auxiliar de acção médica, mas que haviam sido, em data anterior a 1 de Julho de 2000, providos em lugares de chefia dentro daquela mesma carreira" [itálico acrescentado].
O pedido deve, pois, ser circunscrito às situações, atrás assinaladas, em que funcionários que transitaram para a categoria de auxiliar de acção médica principal aufiram remuneração superior à de funcionários que, com igual ou superior antiguidade na carreira de auxiliar de acção médica, haviam sido, em data anterior a 1 de Julho de 2000, providos em lugares de chefia.
6 - Apreciação da questão decidenda:
6.1 - Como acima se referiu, o Provedor de Justiça considera que a aplicação conjugada dos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º do Decreto-Lei 413/99 e dos anexo I e mapa III do anexo II do mesmo diploma, na parte que aqui releva, é susceptível de produzir distorções no sistema remuneratório em apreciação, fazendo que, em algumas situações, funcionários colocados na nova categoria de auxiliar de acção médica principal possam vir a auferir remuneração superior à de funcionários com igual ou superior antiguidade na carreira de auxiliar de acção médica, mas que haviam sido, em data anterior a 1 de Julho de 2000, providos em lugares de chefia dentro daquela mesma carreira, e assim, violando os artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
E o requerente intenta demonstrar a possibilidade de verificação de um tal resultado normativo, constitucionalmente insolvente, não só através do exemplo já enunciado como ainda de uma outra situação que descreve do seguinte modo:
"Dois funcionários, C e D, transitam, em 1 de Janeiro de 1995, por progressão normal na carreira, para o 8.º escalão da categoria de auxiliar de acção médica, à data com o índice 200 (v. o anexo I do Decreto-Lei 231/92).
Em 18 de Novembro de 1997, o funcionário C é nomeado encarregado de sector, após concurso interno geral de acesso, e colocado no escalão 1 da categoria, com o índice 220 (v. o mesmo anexo I do Decreto-Lei 231/92). Por aplicação das regras do Decreto-Lei 413/99, é colocado, em 1 de Junho de 1999, no mesmo escalão 1 daquela categoria, que passou a ter o índice 230 (v. o mapa I do anexo II do diploma). Em 1 de Julho de 2000, é colocado no mesmo escalão 1 daquela categoria, desta feita, e de acordo com o mapa II daquele anexo, com o índice 235. Finalmente transita, por progressão normal na carreira, para o escalão 2 daquela categoria de encarregado de sector, com o índice 240, em 16 de Novembro de 2000. Mantém esta posição remuneratória com a entrada em vigor da escala salarial incluída no mapa III do anexo II do Decreto-Lei 413/99.
Por seu turno, o funcionário D, que se manteve na categoria de auxiliar de acção médica, veio, por aplicação da regra do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei 413/99, a ser colocado, em 1 de Julho de 2000, no escalão 4 da nova categoria de auxiliar de acção médica principal, com o índice 215 (v. o mapa II do anexo II do diploma). Por efeito da aplicação da acima referida regra contida no artigo 7.º do mesmo Decreto-Lei 413/99, veio este funcionário D a transitar, em 1 de Dezembro de 2000, para o escalão 5 daquela categoria, com o índice 230, e em 1 de Janeiro de 2001 para o escalão 6, já que perfazia, nesta data, seis anos (desde 1 de Janeiro de 1995) na categoria, ficando a auferir remuneração pelo índice 245 (v. o mapa III do anexo II do diploma).
No exemplo real acima dado, o funcionário D, com igual antiguidade na carreira que o funcionário C e não promovido a categoria de chefia, passa a perceber, a partir de 1 de Janeiro de 2001, remuneração superior à recebida pelo funcionário C, que havia antes sido promovido a uma categoria de chefia. Tendo em atenção que este mesmo funcionário C só progrediria para o escalão 3 da categoria de encarregado de sector em 16 de Novembro de 2003, o funcionário D continuará a receber, até essa data, remuneração superior à daquele. Se este funcionário D for, até essa mesma data, nomeado na categoria de encarregado de sector, passará então definitivamente a auferir remuneração superior à do funcionário C, mantendo-se, neste caso, sempre à frente daquele em termos remuneratórios (a menos que C seja entretanto promovido à categoria de chefia superior)."
6.2 - O Tribunal Constitucional já teve o ensejo de se pronunciar, várias vezes, sobre o conteúdo do princípio constitucional da igualdade, na dimensão densificada de "para trabalho igual salário igual", na maioria dos casos a respeito de normas limitadoras, no tempo, do âmbito de normas integradoras em novos sistemas retributivos.
Aconteceu isso, para além de em outros, nos Acórdãos n.os 584/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 30 de Março de 1999, 254/2000, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 23 de Maio de 2000 (este proferido em sede de fiscalização abstracta, consequente de decisões de inconstitucionalidade proferidas em processos de fiscalização concreta - Acórdãos n.os 180/99, 409/99 e 410/99, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Julho e de 10 de Março de 1999), e 356/2001, 405/2003 e 323/2005, publicados no Diário da República, 1.ª série-A, de 7 de Fevereiro de 2002, de 15 de Outubro de 2003 e de 14 de Outubro de 2005.
Caracterizando o conteúdo do princípio da igualdade, na dimensão de trabalho igual, salário igual, escreveu-se no referido Acórdão 584/98:
"O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa - ao preceituar que 'todos os trabalhadores [...] têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, a natureza e a qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual, de forma a garantir uma existência condigna' - impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
Ora, a justiça exige que quando o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade seja igual a remuneração. E reclama (em alguns casos apenas consentirá) que a remuneração seja diferente, pagando-se mais a quem tiver melhores habilitações ou mais tempo de serviço. Deste modo se realiza a igualdade, pois que, como se sublinhou no Acórdão 313/89 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º vol., t. II, pp. 917 e segs.), do que no preceito constitucional citado se trata é um direito de igualdade.
Escreveu-se neste aresto:
'O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade - mas de uma igualdade material que exige que se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam -, e não de uma igualdade meramente formal e uniformizadora.' (Cf. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, pp. 62 e segs.)
Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, à natureza e à qualidade do trabalho, deve garantir uma existência condigna, e a trabalho igual - igual em quantidade, natureza e qualidade - deve corresponder salário igual.
O princípio 'para trabalho igual salário igual' não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho e têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço.
O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas.
Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias [...]"
E, discreteando por referência a esta última dimensão do princípio da igualdade, disse-se, ainda, no referido Acórdão 323/2005:
"A esta luz, não será constitucionalmente vedado ao legislador, face ao referido princípio, ordenar o sistema retributivo por forma a reflectir, na determinação da remuneração dos trabalhadores da Administração Pública, o tempo de serviço na carreira, ainda que daí resulte o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria.
Com efeito, a carreira é o conjunto hierarquizado de categorias às quais correspondem funções da mesma natureza a que os funcionários terão acesso de acordo com a antiguidade e o mérito evidenciado no desempenho profissional (cf. o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei 248/85, de 19 de Abril; definição que já não será inteiramente exacta porque dos anexos aos Decretos-Leis n.os 404-A/98 e 412-A/98 resulta a existência de carreiras unicategoriais). Embora se diferenciem em exigência, complexidade e responsabilidade (carreiras verticais) ou apenas pela maior eficiência na execução das respectivas tarefas (carreiras horizontais), as categorias da função pública, designadamente aquelas a que se aplica o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei 353-A/89, partilham a identidade funcional correspondente a uma dada profissão.
Deste modo, não se apresenta como solução normativa destituída de fundamento material face ao princípio da igualdade a diferenciação remuneratória na categoria superior, mesmo que implique o recebimento de remuneração superior pelo funcionário menos antigo nessa categoria, que resulte do diferente posicionamento atingido nos escalões da categoria de origem, desde que isso corresponda a um factor objectivo, susceptível de repercutir-se nas características do trabalho prestado ou nas capacidades e qualificações profissionais dos trabalhadores em causa, como sucede com a maior antiguidade na carreira. Face à substancial homogeneidade do conteúdo funcional das diversas categorias que a compõem, a valorização da experiência profissional inerente ao maior tempo de serviço na carreira não colide com os parâmetros da igualdade retributiva da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, visto que não é desrazoável presumir que essa maior experiência global possa traduzir-se num melhor desempenho. Por outro lado, não se trata de uma solução dirigida a beneficiar ou desfavorecer uma classe de funcionários determinada segundo um elemento arbitrariamente fixado, porque a antiguidade ou tempo de serviço na carreira é uma característica que todos compartilham e com que todos contam na melhoria da sua situação retributiva."
6.3 - Antes de mais, importa notar que a ocorrência da última situação descrita pelo Provedor de Justiça resulta tão-só da circunstância de o funcionário D, por aplicação da regra do artigo 7.º do Decreto-Lei 413/99, ter progredido em 1 de Dezembro de 2000 para o escalão 5 da categoria de auxiliar de acção médica principal e em 1 de Janeiro de 2001 para o escalão 6 da mesma categoria, já que nessa última data haviam decorrido seis anos na categoria de origem (auxiliar de acção médica).
Isso decorre de uma dada interpretação da norma do artigo 7.º do Decreto-Lei 413/99, que, recorde-se, dispõe assim: "[o] tempo de serviço prestado na categoria e escalão 'actualmente detidos' conta como prestado na categoria e escalão de transição, desde que no desempenho efectivo das respectivas funções".
A norma visa, naturalmente, impedir que os funcionários que transitem para a nova categoria de auxiliar de acção médica principal vejam perdido, para efeitos de progressão na carreira, o tempo de serviço prestado na categoria e no escalão que detinham no momento da transição.
É este último aspecto - a fixação do tempo de serviço existente no momento da transição, que resulta de forma clara da expressão "actualmente" ["o tempo de serviço prestado na categoria e escalão actualmente detidos"] - que imprime um sentido à norma do artigo 7.º completamente distinto daquele que lhe foi conferido no caso citado pelo Provedor de Justiça. O artigo 7.º permite ao funcionário "beneficiar" - ou não "perder" - do tempo de serviço que possuía na categoria anterior, mas daí não pode resultar uma subversão da regra do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei 413/99, nos termos da qual "[a] partir de 1 de Dezembro de 2000, a progressão nas carreiras a que se refere o número anterior faz-se com observância do módulo de três anos aplicável às carreiras verticais, nos termos da lei" (artigo 19.º).
Explicando melhor, a ponderação, para efeitos de progressão na carreira, do tempo de serviço anteriormente prestado no escalão de origem esgota-se na primeira progressão após a transição, não permitindo impulsos sucessivos que equivalessem ou a uma dupla contagem da antiguidade - na categoria de origem e na nova categoria - ou, noutra abordagem, que foi a que teve lugar no caso do funcionário D, a uma dupla aplicação da norma do artigo 7.º Na verdade, nessa situação, por efeito da norma do artigo 7.º do Decreto-Lei 413/99, o funcionário D em 1 de Dezembro de 2000 progrediu para o escalão 5 da categoria de auxiliar de acção médica principal, e um mês depois, em 1 de Janeiro de 2001, para o escalão 6, igualmente em razão do tempo de serviço prestado na categoria anterior, isto é, também por aplicação do citado artigo 7.º
É esta aplicação anómala da norma do artigo 7.º do Decreto-Lei 413/99 - que, desde logo, o seu teor literal não permite - que conduz à disparidade remuneratória que, no final, vem a verificar-se entre os funcionários C e D. Tal anomalia resulta, quer na hipótese dos funcionários C e D quer na dos funcionários A e B, de se ter tomado a norma do artigo 7.º como aplicável a situações de progressão na carreira, quando, pelo seu teor e pela sua justificação, ela se encontra pensada exclusivamente para preservar o tempo de serviço em situações de transição, pois só aqui ganha sentido que ao funcionário, no momento em que transita para uma nova categoria então criada, seja contado o tempo de serviço prestado na anterior categoria, quando no desempenho efectivo das correspondentes funções.
Fixado o exacto alcance da norma do artigo 7.º do Decreto-Lei 413/99, perde sentido a questão de constitucionalidade colocada pelo Provedor de Justiça, já que a norma com aquele alcance não é susceptível de produzir os efeitos - mais precisamente, a pretensa violação do princípio da igualdade, na acepção acima densificada - que o requerente lhe atribui.
Na verdade, não podendo o artigo 7.º aplicar-se à progressão na carreira, na nova categoria de auxiliar de acção médica principal, quer do funcionário B (não devendo este beneficiar, de novo, do regime dessa norma para efeitos de progressão, o que terá ocorrido na sua colocação, em 1 de Dezembro de 2000, no escalão 6) quer do funcionário D (colocado nos escalões 5 e 6 da mesma categoria, respectivamente em 1 de Dezembro de 2000 e 1 de Janeiro de 2001), não se produz a inversão de posições remuneratórias alegada pelo requerente. Ademais, como as normas dos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º do Decreto-Lei 413/99 se aplicam tão-só a situações de transição para a nova categoria de auxiliar de acção médica principal, não se vê como pudessem, face às tabelas anexas àquele diploma, mesmo além dos exemplos concretos avançados pelo Provedor de Justiça, conduzir a uma inversão de posições remuneratórias que fosse susceptível de afrontar o princípio constitucional da igualdade.
Anote-se, de resto, que é uma tal compreensão normativa que justifica que não exista evidência de aplicação administrativa ou judicial sistemática da norma com o alcance pressuposto nos exemplos dados pelo Provedor de Justiça.
De tudo flui que as normas em causa não violam o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, na acepção concretizada como seu corolário no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), ambos os preceitos da Constituição da República Portuguesa.
C - Decisão. - 7 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 3.º, n.º 3, e 7.º, na sua aplicação conjugada, e também com o anexo I e o mapa III do anexo II do Decreto-Lei 413/99, de 15 de Outubro.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2005. - Benjamim Rodrigues (relator) - Rui Manuel Moura Ramos - Gil Galvão - Bravo Serra - Maria Helena Brito - Maria João Antunes - Mário José de Araújo Torres - Vítor Gomes - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida quanto ao conhecimento) - Carlos Pamplona de Oliveira (vencido, conforme declaração junta) - Artur Maurício.
Declaração de voto
Pronunciei-me no sentido do não conhecimento porque entendo que era a esse resultado que deveria ter conduzido a fundamentação que levou ao julgamento de não inconstitucionalidade: a norma questionada, interpretada com o sentido que o acórdão lhe atribuiu, que se me afigura correcto, não conduz aos efeitos que o requerente considera constitucionalmente inaceitáveis, mas não coincide com a que o mesmo requerente identificou como objecto do pedido. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
Declaração de voto
Em meu entender, as normas em apreço não são inconstitucionais, tal como se afirma no acórdão.
No entanto, essas normas foram apreciadas com um sentido normativo diverso daquele que é identificado no pedido, e que conduziria à sua desconformidade constitucional. Por esse motivo, depois de corrigir o sentido normativo impugnado, o Tribunal, em meu entender, deveria ter-se recusado a conhecer do pedido, pois na execução dessa tarefa acabou por conhecer de normas substancialmente diversas das que constituem o objecto do pedido. - Carlos Pamplona de Oliveira.