de 3 de Agosto
Regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das
entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos
conexos.
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
A presente lei regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos, adiante designadas por entidades.
Artigo 2.º
Constituição
1 - A criação de entidades é da livre iniciativa dos titulares do direito de autor e dos direitos conexos.2 - As entidades são dotadas de personalidade jurídica, prosseguem fins não lucrativos e revestem a natureza de associações ou cooperativas de regime jurídico privado.
3 - O número mínimo de associados ou cooperadores é de 10.
Artigo 3.º
Objecto
1 - As entidades têm por objecto:a) A gestão dos direitos patrimoniais que lhes sejam confiados em relação a todas ou a algumas categorias de obras, prestações e outros bens protegidos;
b) A prossecução de actividades de natureza social e cultural que beneficiem colectivamente os seus associados ou cooperadores.
2 - As entidades de gestão poderão exercer e defender os direitos morais dos seus associados ou cooperadores, quando estes assim o requeiram.
Artigo 4.º
Princípios
A actividade das entidades respeitará os seguintes princípios e critérios de gestão:a) Transparência;
b) Organização e gestão democráticas;
c) Participação dos associados ou cooperadores;
d) Justiça na repartição e distribuição dos rendimentos cobrados no exercício da gestão colectiva;
e) Equidade, razoabilidade e proporcionalidade na fixação de comissões e tarifas;
f) Gestão eficiente e económica dos recursos disponíveis;
g) Moderação dos custos administrativos;
h) Não discriminação entre titulares nacionais e estrangeiros;
i) Controlo da gestão financeira, mediante a adopção de adequados procedimentos na vida interna das instituições;
j) Informação pertinente, rigorosa, actual e acessível aos terceiros interessados na celebração de contratos;
l) Reciprocidade no estabelecimento de relações com entidades congéneres sediadas no estrangeiro;
m) Fundamentação dos actos praticados;
n) Celeridade no pagamento das quantias devidas aos legítimos titulares dos direitos;
o) Publicidade dos actos relevantes da vida institucional.
Artigo 5.º
Autonomia das instituições
As entidades de gestão escolhem livremente os domínios do objecto da sua actividade e prosseguem autonomamente sua acção, no âmbito dos seus estatutos e da lei.
Artigo 6.º
Registo
1 - É condição necessária para o início da actividade da entidade a efectivação do registo junto da Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC).2 - O requerimento a solicitar o registo deve ser dirigido ao inspector-geral das Actividades Culturais, acompanhado da documentação prevista na legislação aplicável ao registo.
3 - A IGAC pode solicitar os elementos complementares de informação que se mostrem necessários.
4 - O despacho sobre o pedido de registo é proferido no prazo de 40 dias, interrompendo-se a contagem sempre que se verifique o disposto no número anterior.
Artigo 7.º
Recusa do registo
1 - A recusa do registo é sempre fundamentada e precedida de um prévio parecer jurídico elaborado pelo Gabinete do Direito de Autor, do Ministério da Cultura.2 - Do acto de indeferimento do registo cabe recurso, nos termos da lei.
Artigo 8.º
Utilidade pública
As entidades registadas nos termos dos artigos anteriores adquirem a natureza de pessoas colectivas de utilidade pública, com dispensa das obrigações previstas no Decreto-Lei 450/77, de 7 de Novembro.
Artigo 9.º
Legitimidade
As entidades, obtido o competente registo, estão legitimadas, nos termos dos respectivos estatutos e da lei aplicável, a exercer os direitos confiados à sua gestão e a exigir o seu efectivo cumprimento por parte de terceiros, mediante o recurso às vias administrativas e judiciais.
Artigo 10.º
Entidades não registadas
1 - São anuláveis os actos de gestão colectiva praticados por entidade não registada ou cujo registo foi cancelado.2 - A entidade que exerça a gestão colectiva em violação da lei, nos termos do número anterior, incorre em contra-ordenação punível com coima de 500 000$00 a 5 000 000$00.3 - A negligência é punível.
4 - O processamento da contra-ordenação é da competência da IGAC.
5 - A aplicação das coimas é da competência do inspector-geral das Actividades Culturais.
6 - O produto das coimas previstas no presente artigo reverte 60% para o Estado e o restante para a IGAC.
Dever de gestão
As entidades de gestão colectiva estão obrigadas a aceitar a administração dos direitos de autor e dos direitos conexos que lhes sejam solicitados, de acordo com a sua natureza e atribuições, nos termos dos respectivos estatutos e da lei.
Artigo 12.º
Contrato de gestão
1 - A gestão dos direitos pode ser estabelecida pelos seus titulares a favor da entidade mediante contrato cuja duração não pode ser superior a cinco anos, renováveis automaticamente, não podendo prever-se a obrigação de gestão de todas as modalidades de exploração das obras e prestações protegidas, nem da produção futura destas.2 - A representação normal dos titulares de direitos pela entidade resulta da simples inscrição como beneficiário dos serviços, conforme é estabelecido nos estatutos e regulamentos da instituição e nas condições genéricas enunciadas no número anterior.
Artigo 13.º
Função social e cultural
1 - As entidades de gestão colectiva deverão afectar uma percentagem não inferior a 5% das suas receitas à prossecução de actividades sociais e de assistência aos seus associados ou cooperadores, bem como a acções de formação destes, promoção das suas obras, prestações e produtos, e ainda à divulgação dos direitos compreendidos no objecto da sua gestão.2 - A percentagem referida no número anterior poderá incidir sobre a totalidade das receitas, ou apenas sobre uma parte destas, relativa a determinada ou determinadas categorias de direitos geridos.
3 - As entidades de gestão colectiva deverão estabelecer nos seus regulamentos tarifas especiais, reduzidas, a aplicar a pessoas colectivas que prossigam fins não lucrativos, quando as respectivas actividades se realizem em local cujo acesso não seja remunerado.
4 - O disposto nos n.os 1 e 2 não se aplica nos primeiros quatro anos de existência das entidades de gestão colectiva, contados a partir da data do seu registo.
Artigo 14.º
Dever de informar
As entidades devem informar os interessados sobre os seus representados, bem como sobre as condições e preços de utilização de qualquer obra, prestação ou produto que lhes sejam confiados, os quais deverão respeitar os princípios da transparência e da não discriminação.
Artigo 15.º Estatutos
1 - As entidades regem-se por estatutos livremente elaborados, com respeito pelas disposições legais aplicáveis.2 - Dos estatutos das entidades devem constar obrigatoriamente:
a) A denominação, que não pode confundir-se com denominação de entidades já existentes;
b) A sede e âmbito territorial da acção;
c) O objecto e fins;
d) As classes de titulares de direitos compreendidas no âmbito da gestão colectiva;
e) As condições para a aquisição e perda da qualidade de associado ou cooperador;
f) Os direitos dos associados ou cooperadores e o regime de voto;
g) Os deveres dos associados ou cooperadores e o seu regime disciplinar;
h) A denominação, a composição e a competência dos órgãos sociais;
i) A forma de designação dos membros dos órgãos sociais;
j) O património e os recursos económicos e financeiros;
l) Os princípios e regras do sistema de repartição e distribuição dos rendimentos;
m) O regime de controlo da gestão económica e financeira;
n) As condições de extinção e o destino do património.
Artigo 16.º
Direito da concorrência
A aplicação dos princípios e regras próprios do regime do direito da concorrência às entidades de gestão colectiva é exercida no respeito pela específica função e existência destas no âmbito da propriedade intelectual, de acordo com as disposições reguladoras de direito nacional e internacional.
Artigo 17.º
Direito subsidiário
São subsidiariamente aplicáveis as disposições da legislação das associações e das cooperativas, de acordo com a natureza jurídica das entidades.
CAPÍTULO II
Organização e funcionamento
Artigo 18.º
Órgãos da entidade
1 - As entidades de gestão são dotadas de uma assembleia geral, um órgão de administração ou direcção e um conselho fiscal.2 - O conselho fiscal integra um revisor oficial de contas (ROC).
Artigo 19.º
Composição dos órgãos sociais
1 - Os órgãos sociais são constituídos por associados ou cooperadores da entidade.2 - Aos membros dos órgãos sociais não é permitido o desempenho simultâneo de mais de um cargo na mesma entidade.
Artigo 20.º
Funcionamento dos órgãos
1 - Salvo disposição legal ou estatutária, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente voto de qualidade.2 - As deliberações respeitantes a eleições dos órgãos sociais ou a assuntos de incidência pessoal dos seus membros são tomadas por escrutínio secreto.
3 - São sempre lavradas actas das reuniões de qualquer órgão de entidade.
Artigo 21.º
Mandatos
1 - Os membros dos órgãos sociais são eleitos por um período de quatro anos, se outro mais curto não for previsto nos estatutos.2 - Os estatutos podem limitar o número de mandatos consecutivos para qualquer órgão da entidade.
Artigo 22.º
Responsabilidade dos órgãos sociais
Os membros dos órgãos sociais são responsáveis civil e criminalmente pela prática de actos ilícitos cometidos no exercício do mandato.
Artigo 23.º
Regime financeiro
1 - As entidades de gestão são obrigadas anualmente a elaborar e aprovar o relatório de gestão e contas do exercício, o plano de actividades e o orçamento.2 - O conselho fiscal, para além das suas atribuições normais, elabora o parecer sobre os documentos mencionados no número anterior.
3 - Os documentos mencionados no n.º 1 devem ser objecto da mais ampla divulgação junto dos associados ou cooperadores e estar à consulta fácil destes na sede social da entidade de gestão.
CAPÍTULO III
Do regime de tutela
Artigo 24.º
Tutela inspectiva
1 - O Ministro da Cultura, através da IGAC, e considerando os relevantes interesses de ordem pública relacionados com a acção das entidades de gestão colectiva, exerce sobre estas um poder de tutela inspectiva.2 - Para o normal desempenho dos poderes enunciados no número anterior, devem as entidades prestar à IGAC as informações que lhes forem solicitadas e proceder ao envio regular dos seguintes documentos:
a) Indicação dos membros que compõem os órgãos sociais;
b) Cópia dos estatutos e respectivas alterações;
c) Cópia dos relatórios de gestão e contas do exercício, bem como dos planos de actividade e do orçamento;
d) Lista dos preços e tarifas em vigor na instituição;
e) Lista contendo a indicação dos contratos celebrados com entidades estrangeiras para efeitos de representação;
f) Lista contendo a indicação dos acordos celebrados com entidades representativas de interesses dos usuários de obras, prestações e produções protegidas.
Artigo 25.º
Âmbito da tutela
A tutela exercida pelo Ministério da Cultura sobre as entidades compreende os seguintes poderes:a) Realização de inquéritos, sindicâncias e inspecções, sempre que se mostre necessário e, designadamente, quando existam indícios da prática de quaisquer irregularidades;
b) Envio às entidades competentes de relatórios, pareceres e outros elementos que se mostrem necessários para a interposição ou prossecução de acções judiciais, civis ou penais, que tenham por causa a existência de irregularidades e ilícitos praticados pelas entidades.
Artigo 26.º
Destituição dos corpos gerentes
1 - A prática pelos corpos gerentes de actos graves de gestão prejudiciais aos interesses da entidade, dos associados ou cooperadores e de terceiros poderá implicar o pedido judicial de destituição dos órgãos sociais.2 - No caso previsto no número anterior, compete aos associados ou cooperadores e ao IGAC informar as entidades competentes de todos os elementos disponíveis necessários à propositura da acção judicial.
3 - O procedimento referido no número anterior segue as normas que regulam os processos de jurisdição voluntária.
4 - O juiz decidirá a final, devendo nomear uma comissão provisória de gestão, pelo prazo máximo de um ano, encarregada de assegurar a gestão corrente da entidade e de convocar a assembleia geral para eleger os novos órgãos sociais.
5 - É legítimo o recurso a providências cautelares para atingir os objectivos referidos no número anterior, caso se verifique a necessidade urgente de salvaguardar legítimos interesses da entidade, dos associados ou cooperadores ou de terceiros.
Artigo 27.º
Extinção da entidade de gestão
A IGAC deve solicitar às entidades competentes a extinção das entidades:a) Que violem a lei, de forma muito grave ou reiteradamente;
b) Cuja actividade não coincida com o objecto expresso nos estatutos;
c) Que utilizem reiteradamente meios ilícitos para a prossecução do seu objecto;
d) Que retenham indevidamente as remunerações dos titulares de direitos.
CAPÍTULO IV
Da Comissão de Mediação e Arbitragem
Artigo 28.º
Arbitragem voluntária
1 - Os conflitos emergentes das relações entre as entidades de gestão colectiva e os seus associados ou cooperadores e terceiros contratantes e interessados podem ser submetidos pelas partes para resolução por arbitragem.2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, é criada junto do Ministério da Cultura uma comissão de mediação e arbitragem.
3 - A comissão exerce a arbitragem obrigatória que estiver prevista na lei.
Artigo 29.º
Competências
1 - A Comissão de Mediação e Arbitragem, a solicitação dos interessados e mediante acordo destes, poderá intervir ou decidir nos litígios que lhe sejam submetidos e, designadamente:a) Exercer a mediação nos processos de fixação dos valores de tarifas a aplicar pelas entidades de gestão;
b) Julgar os litígios em matérias relativas aos actos e contratos produzidos em resultado da actividade exercida pelas entidades de gestão colectiva no cumprimento do seu principal objecto.
2 - Das decisões da Comissão há recurso para o tribunal da Relação.
Artigo 30.º
Composição
1 - A Comissão de Mediação e Arbitragem é composta por sete membros, licenciados em direito e representativos dos diversos interesses ligados ao domínio do direito de autor e dos direitos conexos, incluindo um representante dos consumidores.2 - Os membros da Comissão são nomeados por despacho do Primeiro-Ministro, sob proposta do Ministro da Cultura, donde constará igualmente a fixação das respectivas remunerações.
3 - Os membros da Comissão podem exercer cumulativamente funções públicas.
Artigo 31.º
1 - A Comissão de Mediação e Arbitragem elabora os regulamentos internos necessários ao seu funcionamento.2 - As normas mencionadas no número anterior serão objecto de publicação no Diário da República.
Artigo 32.º
Mandato
1 - O mandato dos membros da Comissão de Mediação e Arbitragem é de quatro anos, renováveis.2 - Os membros da comissão de Mediação e Arbitragem, no exercício das suas competências, são inamovíveis e não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei.
Artigo 33.º
Apoio técnico-administrativo
1 - A Comissão de Mediação e Arbitragem é apoiada técnica e administrativamente pelo Gabinete do Direito de Autor, do Ministério da Cultura.2 - Os encargos decorrentes da actividade da Comissão são suportados pelo orçamento do Gabinete do Direito de Autor, que será dotado das verbas necessárias para o efeito, mediante a competente inscrição.
Artigo 34.º
Direito subsidiário
São subsidiariamente aplicáveis ao funcionamento da Comissão de Mediação e Arbitragem as disposições gerais sobre a arbitragem.
CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias
Artigo 35.º
Adaptação de estatutos
1 - As entidades de gestão colectiva actualmente existentes devem, no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, proceder à adaptação dos seus estatutos em conformidade ao disposto na presente lei.2 - A IGAC, decorridos dois anos sobre a entrada em vigor da presente lei, comunicará às entidades competentes a existência de qualquer eventual infracção ao disposto no número anterior.
Artigo 36.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Aprovada em 28 de Junho de 2001.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Promulgada em 25 de Julho de 2001.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendada em 26 de Julho de 2001.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.