de 17 de Julho
Com a publicação do Decreto-Lei 261/75, de 27 de Maio, superaram-se os obstáculos legais à concretização de aspirações profundamente sentidas por milhares de cidadãos cujas relações de família se desenvolveram à margem de um direito fortemente restritivo em matéria de divórcio e de separação de pessoas e bens, com todo o seu cortejo de inconvenientes de ordem social.Não obstante, os institutos do divórcio e da separação de pessoas e bens litigiosos permanecem dominados pela ideia de que representam uma espécie de sanção para o cônjuge que, tendo assumido determinados comportamentos, comprometeu irremediavelmente a subsistência do vínculo conjugal.
Assim, e com uma única excepção, todos os fundamentos legais do divórcio e de separação de pessoas e bens, constantes do elenco do artigo 1778.º do Código Civil, relevam daquela natureza de sanção ou, quando menos, de remédio para situações criadas por actos ilícitos ou moralmente reprováveis, de que seriam, total ou parcialmente, responsáveis os cônjuges.
Esta concepção aflora, porventura com maior nitidez, do artigo 1783.º do mesmo Código, que impõe ao juiz o dever de declarar na sentença se ambos os cônjuges são culpados ou apenas um deles e, na primeira hipótese, qual o principal culpado.
A realidade, porém, não se deixa apreender nas formas esquemáticas da lei e nem sempre se ajusta às concepções do legislador, normalmente dominadas por ideias objectivadas em situações históricas e sociais determinadas, mas sujeitas a contínua evolução.
Deste modo, o instituto do divórcio e de separação de pessoas e bens tem assumido, paralelamente, a natureza de uma solução legal destinada a pôr termo a situações em que o vínculo conjugal, independentemente do comportamento ilícito ou moralmente reprovável de um ou de ambos os cônjuges, se encontra irremediavelmente comprometido na sua subsistência.
A experiência mostra que, pelos mais variados motivos, se criam situações em que os cônjuges se desinteressam completamente um do outro, rompendo todos os laços afectivos e renunciando, irrevogavelmente, à vida em comum.
Nessas situações, de fracasso e frustração matrimoniais, o vínculo conjugal não passa de uma ficção que perdura, unicamente, por desinteresse ou obstinação de um deles relativamente à possibilidade de conseguirem dissolver ou interromper aquele vínculo por mútuo consentimento.
Considera-se oportuno, pois, facultar providência legislativa adequada à satisfação dos legítimos interesses dos cônjuges que, criando situações como as descritas, não dispõem, actualmente, de meios legais para lhes pôr termo e reorganizarem a sua vida familiar.
E também aqui pesa, como é evidente, o interesse social de ajustar a lei à realidade, pelo que se introduz mais um fundamento para o divórcio ou separação de pessoas e bens litigiosos.
É sabido, por outro lado, que o fundamento de separação de facto livremente consentida tem suscitado controvérsia na jurisprudência e na doutrina, não faltando quem entenda que pressupõe um acordo e uma deliberação inequívocos dos cônjuges, enquanto outros opinam poder verificar-se quando, espontaneamente provocado por um e aceite tácita e resignadamente por outro, decorra o número de anos previsto na lei sem que este denuncie qualquer propósito de pôr termo à separação.
Por isso se substitui tal fundamento pelo da separação de facto por seis anos consecutivos.
O Decreto-Lei 6/76, de 10 de Janeiro, veio regulamentar a situação dos separados judicialmente de pessoas e bens, a quem, por morte do outro cônjuge, já não é possível requerer a conversão em divórcio de tal separação e que hão-de aguardar o prazo internupcial. Mas providenciou apenas quanto aos cônjuges casados catolicamente.
Não se vendo razão para que tal regime se não aplique indistintamente a todos os tipos de casamento, aproveita-se a oportunidade para eliminar aquela restrição.
Todo este conjunto de medidas, destinadas a regular situações carecentes de solução imediata, antecipa-se a uma mais profunda reforma do direito de família, cujos estudos vão começar em breve.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Os artigos 1605.º e 1778.º do Código Civil passam a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 1605.º
(Prazo internupcial)
1. ............................................................................2. ............................................................................
3. ............................................................................
4. Cessa o impedimento do prazo internupcial se o casamento se tiver dissolvido por conversão da separação judicial de pessoas e bens em divórcio, salvo se não tiverem decorrido desde a separação os prazos referidos nos números anteriores, e ainda quando o divórcio houver sido decretado com fundamento nos factos previstos nas alíneas f) e h) do artigo 1778.º
ARTIGO 1778.º
(Fundamentos)
A separação litigiosa de pessoas e bens pode ser requerida por qualquer dos cônjuges com fundamento em alguns dos factos seguintes:a) Adultério do outro cônjuge;
b) Práticas anticoncepcionais ou de aberração sexual exercidas contra a vontade do requerente;
c) Condenação definitiva do outro cônjuge, por crime doloso, em pena de prisão superior a dois anos, seja qual for a natureza desta;
d) Condenação definitiva pelo crime de lenocínio praticado contra descendente ou irmã do requerente, ou por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o requerente ou qualquer parente deste na linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral;
e) Vida e costumes desonrosos do outro cônjuge;
f) Abandono completo do lar conjugal por parte do outro cônjuge por tempo superior a três anos;
g) O decaimento em acção de divórcio ou separação na qual tenham sido feitas imputações ofensivas da honra e dignidade do outro cônjuge;
h) A separação de facto por seis anos consecutivos;
i) Qualquer outro facto que ofenda gravemente a integridade física ou moral do requerente.
Art. 2.º Além dos casos contemplados no n.º 4 do artigo 1605.º do Código Civil, cessa ainda o impedimento do prazo internupcial se houver separação judicial de pessoas e bens decretada há mais de cento e oitenta ou trezentos dias, conforme se trate de varão ou mulher e um dos cônjuges tiver falecido à data da entrada em vigor deste diploma.
Art. 3.º É ainda permitido à mulher contrair novas núpcias se tiverem decorrido cento e oitenta dias sobre a sentença de separação judicial de pessoas e bens, se entretanto houver falecido o outro cônjuge e obtiver a declaração judicial de que não está grávida ou tiver tido algum filho depois da sentença que decretou a separação ter transitado em julgado.
Art. 4.º Pretendendo contrair segundas núpcias ao abrigo do disposto no artigo 2.º, o interessado deverá apresentar na conservatória do registo civil certidão da sentença que decretou a separação judicial de pessoas e bens e certidão de óbito do ex-cônjuge. Os documentos podem ser dispensados se um e outro facto se mostrarem averbados no registo de nascimento do interessado e constarem da respectiva certidão com que se instrua a declaração inicial a que se refere o artigo 167.º do Código do Registo Civil.
Art. 5.º O prazo a que se reporta a alínea h) do artigo 1778.º é relevante, mesmo que iniciado ou decorrido anteriormente à publicação do Decreto-Lei 261/75, de 27 de Maio.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - José Baptista Pinheiro de Azevedo - João de Deus Pinheiro Farinha.
Promulgado em 2 de Julho de 1976.
Publique-se.O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.