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Acórdão 11/2012, de 11 de Março

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Sumário

Acórdão n.º 11/2012 - 3.ª Secção - recurso n.º 2-JC/2011 - processo n.º 3-JC/2010 - Câmara Municipal do Cartaxo

Texto do documento

Acórdão 11/2012

Recurso ordinário n.º 02-JC/2011

(Processo 03-JC/2010)

Acórdão 11/2012 - 3.ª Secção

I - Relatório

1 - Em 18 de Abril de 2011, no âmbito do processo de julgamento de contas n.º 3/2010, foi, na 3.ª Secção do Tribunal de Contas, proferida a douta Sentença n.º 07/2011 que condenou o Demandado Paulo Alexandre Fernandes Varela Simões Caldas em penas de multa e de reposição pela prática de infrações financeiras.

2 - Não se conformou com a decisão o Demandado, que interpôs o presente recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 96.º, n.º 3 da Lei 98/97 (L.O.P.T.C.) (1).

Nas doutas alegações apresentadas, que aqui se dão como integralmente reproduzidas, o Recorrente apresentou as seguintes conclusões:

A tipificação pelo legislador ordinário de uma nova modalidade de direito sancionatório carece de consagração Constitucional, por força dos princípios do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP) e da Constitucionalidade (artigo 3.º da CRP).

No que respeita ao poder sancionatório legalmente atribuído ao Tribunal de Contas, a Constituição da República Portuguesa apenas prevê a faculdade de este Tribunal "efetivar responsabilidades financeiras", faculdade que se reporta exclusivamente à responsabilidade financeira reintegratória, mas já não à responsabilidade financeira sancionatória.

Inexistindo fundamento constitucional, a faculdade de aplicação de multas pelo Tribunal de Contas ao abrigo dos artigo 65.º a 67.º da LOPTC é materialmente inconstitucional e, nessa medida, a sua aplicação deve ser recusada pelos Tribunais, nos termos do disposto no artigo 204.º da CRP.

Na determinação do número de ilícitos efetivamente cometidos, obriga o artigo 30.º do CP, aplicável atenta a natureza sancionatória do procedimento, ao sentido do ilícito da conduta do agente, encontrado na ação normativamente dirigida do agente, e não no concreto número de vezes, naturalisticamente contadas, que o tipo foi preenchido nem no número de alíneas, números ou artigos efetivamente violados.

No caso em apreço, foi o Recorrente condenado pela prática de 4 infrações sancionatórias, duas delas correspondentes à violação das regras aplicáveis ao pagamento de remunerações (relativas a Recursos Humanos), condutas que se consubstanciaram na emissão de centenas de ordens de pagamento, de que foram beneficiárias dezenas de pessoas, durante dois anos.

Não existiu qualquer diferenciação, no que tange à motivação do agente, à singularidade do seu comportamento ou forma como foi exteriorizado que permita afirmar ou supor que o Recorrente tivesse, em qualquer momento, tido qualquer pretensão autonomizável da demais, que não se fundasse na mesma convicção de legalidade da sua conduta.

Não existiu, portanto, qualquer fundamento para o Douto Tribunal a quo ter entendido não se estar perante o cometimento de uma única infração, ao invés de duas infrações, sendo uma cometida de forma continuada.

Devendo a Sentença ora recorrida, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra que considere que o Recorrido praticou uma única infração no que concerne às infrações que lhe são imputadas a título de pagamentos relacionados com remunerações.

O Douto Tribunal ora recorrido condenou o Recorrente pelo cometimento de 4 infrações financeiras sancionatórias, no valor de (i) (euro)2.000,00 (dois mil euros); (ii) (euro)2.500,00 (dois mil e quinhentos euros); (iii) (euro)1.500,00 (mil e quinhentos euros); e (iv) (euro)1.500,00 (mil e quinhentos euros), respetivamente, procedendo posteriormente à soma das concretas multas aplicadas [no valor total de (euro)7.500,00 (sete mil e quinhentos euros)] para efeitos de determinação da multa a aplicar ao Recorrente.

Sucede, porém, que, ao proceder daquela forma, o Douto Tribunal recorrido não atendeu ao disposto no artigo 77.º do Código Penal, aplicável ao caso em apreço atenta a natureza do processo em causa, nos termos do qual o infrator deve ser [...] «condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.»

Termos em que deve a Sentença ora Recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a sanção cabível às infrações imputadas ao Recorrido de acordo com a moldura definida nos termos do artigo 77.º do CP, ou seja,

Tendo como limite máximo a soma das multas concretamente aplicadas às várias infrações; e

Como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas às várias infrações,

Definindo a sanção concreta a aplicar de acordo com um juízo de gravidade dos factos e tendo em consideração a personalidade do agente.

Na Douta Sentença recorrida, o Douto Tribunal a quo deu como provado que:

Helena de Sousa Pilré Lourenço Lopes passou à situação de aposentada, na sequência de despacho de 5 de junho de 2001 da Direção da Caixa Geral de Aposentações, sendo-lhe abonada a pensão de (euro)2.041,75 (dois mil e quarenta e um euros e setenta e cinco cêntimos) (facto 52);

Em 01/08/2001, foi celebrado entre a CMC, representada pelo ora Recorrente, e a mencionada funcionária, um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, com início em 01/08/2001, pelo prazo de 6 meses, tacitamente prorrogado por iguais períodos (facto 55), tendo por objeto «o apoio ao levantamento e regularização dos bens patrimoniais do domínio público e privado da Autarquia» (facto 56), cabendo-lhe a remuneração de (euro)1.246,99 (mil duzentos e quarenta e seis euros e noventa e nove cêntimos);

Pela prestação de serviços mencionada a referida funcionária auferiu (euro)18.053,29 (dezoito mil e cinquenta e três euros e vinte e nove cêntimos) no exercício de 2003 e (euro)18.296,65 (dezoito mil duzentos e noventa e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) no exercício de 2004, tendo o Recorrente autorizado pagamentos no valor de (euro)12.196,84 (doze mil cento e noventa e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) em 2003 e (euro)12.197,76 (doze mil cento e noventa e sete euros e setenta e seis cêntimos) em 2004 (factos 58 e 60);

A contratação mostrou-se de grande utilidade para os serviços, quer pela reconhecida competência da contratada, quer pelo facto de não haver ninguém nos quadros da CMC que possuísse os conhecimentos específicos para as tarefas contratadas (facto 61).

Nos termos do disposto no artigo 59.º da Lei 98/97 da redação vigente à data da prática dos factos (que corresponde à sua redação originária),

«2 - Consideram-se pagamentos indevidos para efeito de reposição os pagamentos ilegais que causarem dano para o Estado ou entidade pública por não terem contraprestação efetiva.

[...]

4 - Não há lugar a reposição, sem prejuízo da aplicação de outras sanções legalmente previstas, quando o respetivo montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que o Estado haja beneficiado pela prática do ato ilegal ou pelos seus efeitos.»

São elementos constitutivos da infração (i) a realização de uma despesa ilegal; e (ii) a inexistência de um enriquecimento sem causa do Estado, no sentido de inexistir uma contraprestação correspetiva da despesa realizada),

Não obstante a ilegalidade de parte dos pagamentos que lhe foram realizados, a mencionada funcionária prestou efetivamente o serviço correspondente ao montante que lhe foi pago - serviço que se revelou de grande utilidade para a autarquia - e, nessa medida, qualquer restituição do Recorrente configuraria uma situação de enriquecimento sem causa da autarquia.

Verificando-se uma situação em que a restituição dos montantes despendidos pela autarquia originaria uma situação de enriquecimento sem causa, encontra-se excluída a responsabilidade reintegratória do Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 59.º da LOPTC.

Termos em que deve a Sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a absolva o Recorrente do pedido por não verificação dos pressupostos de responsabilização a título de responsabilidade financeira reintegratória.

No que respeita à responsabilidade financeira reintegratória, por alegada violação das regras relativas ao pagamento de refeições, foi a mesma imputada ao Recorrente com dois fundamentos:

Por um lado, pela violação do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei 57-B/84, nos termos do qual «não é permitida a acumulação do subsídio de refeição com qualquer outra prestação de idêntica natureza ou finalidade, independentemente da sua denominação, ainda que atribuída pelo sector público empresarial ou pelo sector privado»; e,

Por outro, pela ausência de justificação do interesse público daquela despesa, nos termos do disposto no artigo 82.º da Lei 169/99, de 18 de setembro e do ponto 2.6.1. do POCAL.

Sucede, porém, que, no que respeita à acumulação do subsídio de refeição com qualquer outra prestação, não demonstrou o Douto Tribunal a quo (e podia tê-lo feito pois essa informação consta dos autos e é aferível com facilidade) que refeições foi o Demandado beneficiário (vd. facto 67) nem tão pouco qual o valor que lhe é efetivamente imputado (atento o facto de apenas poder ter sido beneficiário de uma refeição quando na generalidade das situações estamos perante várias refeições servidas numa mesma ocasião).

Cometendo assim um grosseiro erro de subsunção, nos termos do qual considerou aplicável o artigo 6.º do Decreto-Lei 57-B/84 - atinente, recorde-se, à acumulação de subsídio de refeição com outros pagamentos - sem determinar que outros pagamentos foram esses e se esses pagamentos se destinaram efetivamente a compensar o Recorrente por uma refeição diária.

Por outro lado o Douto Tribunal recorrido invoca ainda as normas constantes do artigo 82.º da Lei 169/99, e da alínea d) do ponto 2.3.4.2. e do ponto 2.6.1., ambos do POCAL, por não ter aferido da legalidade da despesa, em termos substantivos e formais, respetivamente.

Ora, no que concerne à conformidade da despesa com princípio da prossecução do interesse público, na medida em que não existe uma presunção de violação do interesse público decorrente da simples ausência de justificação, não podia o Douto Tribunal ter considerado violado esse princípio sem demonstrar a concreta afetação daquela despesa, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição.

Por último, no que concerne às irregularidades formais imputada ao Recorrente, correspondendo a «fatura» a «um contrato ou equivalente para aquisição de determinado bem ou serviço», documento exigido pelo ponto 2.6.1. do POCAL na fase de compromisso, não existiu qualquer vício procedimental na conduta do agente, pelo menos numa estrita ótica de legalidade.

Termos em que se requer a revogação da Sentença ora recorrida, substituindo-se a decisão revogada por outra que absolva o Recorrido por falta de demonstração dos factos relevantes para efeitos de subsunção do seu comportamento a uma infração financeira reintegratória.

Contudo, caso assim não se entenda e sem conceder, tendo presente que o Recorrente se limitou a realizar despesa que, na sua grande maioria, não padeceria de qualquer ilegalidade formal ou substancial, de acordo com regras que são prática comum e generalizada na administração pública e que se encontrava justificada pelo próprio Recorrente, deveria a Sentença proferida em 1.ª Instância ter relevado ou, pelo menos, reduzido a responsabilidade do Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 64.º da LOPTC.

Por último, foi ainda o Recorrente condenado na reintegração nos cofres da autarquia da quantia de (euro)500,00 (quinhentos euros) por ter autorizado indevidamente o pagamento de uma multa aplicada ao Vice-Presidente.

Não obstante serem verdadeiros os factos imputados ao Recorrente, não tomou o Douto Tribunal recorrido em devida conta o facto de:

O processo dizer respeito ao atraso na remessa de informação ao Tribunal de Contas e esse atraso se tinha ficado a dever a um atraso dos serviços - e não do Vice-Presidente - em providenciar aquela informação;

Motivo pelo qual o Recorrente não estranhou minimamente o facto de lhe ter sido apresentada aquela despesa para pagamento da Câmara Municipal.

Não sendo, por conseguinte, uma despesa com carácter manifestamente privado,

Nem sendo sequer dela beneficiário pois a multa não lhe foi aplicada a si mas ao Vice-Presidente.

Termos em que, tendo a infração sido praticado de forma negligente, entende que deveria a sua responsabilidade ser reduzida ou relevada, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 64.º da LOPTC, atentas as circunstâncias em que se produziu a ação, designadamente:

Especial inexperiência do Recorrente (foi a primeira vez que tal lhe sucedeu);

Apresentação de uma ordem de pagamento pré-preenchida pelos serviços, com menção a um preceito legal que faz referência a uma obrigação da Câmara Municipal do Cartaxo;

Conhecimento, pelo Recorrente, de que a situação que originou a aplicação da referida multa se ficou efetivamente a dever a atrasos dos serviços.

3 - O Recorrente finaliza as alegações requerendo que seja proferido Acórdão em seja feita a costumada e serena Justiça.

4 - Tendo o recurso sido admitido, foi notificado o Ministério Público para emitir parecer nos termos do artigo 99.º n.º 1 da Lei 98/97. Sustentou a improcedência do recurso, apresentando a seguinte súmula:

Não corresponde à verdade que a Lei Orgânica e de Processo do Tribunal de Contas (Lei 98/97 de 26/08 - LOPTC) tenha criado novos tipos de ilícito, para além do quadro constitucional, na medida em que o conceito, mais alargado, de «ilícito penal», previsto na Constituição da República (CR), já inclui o chamado «ilícito contravencional», como, de resto, o próprio recorrente reconhece na citação da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, sobre esta matéria, constante das suas alegações;

Foi justamente este tipo de ilícito (contravencional) aquele que o legislador ordinário (da LOPTC), consagrou nos artigos 65.º e 66.º deste diploma legal, sendo que a primeira destas duas disposições normativas foi aquela que serviu de base à condenação do recorrente, em termos de responsabilidade financeira (apenas) sancionatória, tal como decorreu do disposto na alínea b) do n.º 1 daquele preceito;

Relativamente à questão da unidade ou pluralidade de infrações sancionatórias e à concreta metodologia utilizada na punição do chamado «concurso de infrações» (que convém não confundir com a figura do «crime continuado», como parece suceder com as alegações do recorrente), devemos atender, antes do mais, que estamos no domínio dos «ilícitos contravencionais» apenas puníveis com penas de multa não convertível em prisão. Haverá que atender, assim, na figura do chamado «cúmulo material», que nada tem a ver com o chamado «cúmulo jurídico», exclusivamente aplicável às penas de prisão, ou às penas de prisão que resultam da conversão das penas de multa (criminais e não contravencionais).

Assim, a douta Sentença determinou o seguinte:

No caso das duas infrações sobre a elaboração e a execução orçamental (violação de normativos do POCAL), considerou a sua unificação numa única infração (v. fls. 73), na forma continuada (porque o bem jurídico era o mesmo) e condenou o recorrente na pena única de 2.000,00 Euros.

No caso das cinco infrações sobre trabalho extraordinário ilegal, o Ministério Público solicitou a pena de 1.500,00 Euros por cada uma, mas o Tribunal considerou, da mesma forma, ter ocorrido uma única infração em forma continuada (v. fls. 81) e, porque o bem jurídico era o mesmo, condenou o recorrente na pena única de 2.500,00.

No final, estas duas penas parcelares foram acumuladas materialmente a duas outras penas sancionatórias, uma de 1.500,00 Euros, relativa às «gratificações aos bombeiros» e, outra, de 1.500,00 Euros, relativa à empreitada da «casa municipal do desporto e lazer»

O Recorrente parece não ter entendido a faculdade unificadora, usada pelo Tribunal, no que tange ao problema do trabalho extraordinário ilegal, porquanto ele foi condenado, apenas, numa única infração desse tipo e numa única multa, não havendo nada mais a acumular; e quanto ao «cúmulo material», que resultou na pena única de 7.500,00 Euros, resultante da soma aritmética das quatro penas já referidas, o recorrente invoca, (erradamente quanto a nós), o disposto no artigo 77.º do Código Penal, porquanto este preceito legitima, precisamente, a adição das várias multas parcelares, o que é estabelecido, como seu limite máximo - não se vendo qualquer razão para que, neste tipo de infrações, de natureza apenas contravencional, o Tribunal não deva proceder, em termos conclusivos, à operação de apuramento final do somatório das multas parcelares aplicadas.

Sobre a funcionária aposentada, não ocorreu qualquer situação de alegado «enriquecimento sem causa» da Autarquia, mas, ao invés, de «empobrecimento com causa», visto que, correspondendo o vencimento que ela poderia auferir, em regime de acumulação, a um dado montante remuneratório-limite (estabelecido, legal e imperativamente), todo e qualquer pagamento, acima desse limite, sempre seria ilegal e indevido, independentemente do trabalho efetivamente prestado pela aludida ex-funcionária; não se tratou, pois, de qualquer «contrapartida remuneratória».

Sobre as refeições pagas, ilegal e indevidamente, pela CMC (ao recorrente e outros membros do executivo), parece manifesta a total falta de razão do recorrente, em face da patente e grave ilegalidade dessa despesa pública, não havendo nada a censurar, na douta Sentença recorrida, relativamente a esta matéria.

O mesmo se dirá da questão do pagamento da multa aplicada ao Vice-Presidente, pelo Tribunal de Contas;

O relevante foi o facto de ter sido ele, pessoalmente, o condenado, significando isso, ter sido apenas sobre ele que impendeu a censura deste Tribunal e o especial dever de ser ele a pagar a respetiva multa e não o erário público municipal.

Nesta conformidade, somos de parecer que o recurso interposto não merece provimento, devendo ser mantido o Acórdão recorrido.

II - Os factos

A factualidade apurada na douta sentença e que releva para a apreciação da decisão consta dos n.os 1 a 102 que se reproduzem:

Factos provados

«1 - A 2.ª Secção do Tribunal de Contas empreendeu uma Auditoria Financeira, sob a forma de Verificação Externa de Contas, à Câmara Municipal do Cartaxo (CMC), incidindo sobre os exercícios de 2003 e 2004, dando origem ao Processo de Auditoria (PA) n.º 25/06.

2 - No termo da auditoria, foi elaborado o Relatório 13/09, que exprime os resultados obtidos, tendo sido aprovado em sessão de subsecção da 2.ª Secção em 23 de abril de 2009.

3 - Do ponto 4 a fls. 61 do Relatório de Auditoria (RA), ficou a constar a 'demonstração numérica' das operações que integram o débito e o crédito, com evidência dos saldos de abertura e de encerramento, referente aos exercícios analisados, da responsabilidade do órgão executivo da CMC, como segue:

(ver documento original)

4 - Do ponto 5 a fls. 61 vº do RA, ficou a constar um juízo sobre aquelas contas, nos termos seguintes:

a) As operações examinadas, com as exceções constantes deste Relatório, são legais e regulares.

b) O sistema de controlo interno (SCI) apresenta pontos fracos, que se refletiram, diretamente, nas demonstrações financeiras.

c) As demonstrações financeiras, apresentadas pelo Município do Cartaxo, não refletem, fidedignamente, as despesas, os custos e as dívidas a terceiros.

5 - Nessa conformidade, o juízo final que ficou a constar do RA, referente à fiabilidade das demonstrações financeiras de 2003 e 2004 da CMC, foi de 'favorável com reservas'.

6 - O Demandado Paulo Alexandre Fernandes Varela Simões Caldas é Presidente da Câmara Municipal do Cartaxo desde janeiro de 2002, tendo auferido nos exercícios de 2003 e 2004 o vencimento líquido mensal de (euro) 2.661,81.

7 - Tem licenciatura em economia desde 1994 e foi Vice-Presidente do mesmo Município nos anos de 2000 e 2001.

8 - O Demandado, integrando o executivo municipal, deliberou a aprovação das respetivas propostas de Plano e Orçamento para 2003 e 2004, as quais ultrapassaram em (euro) 125.002,49 e (euro) 659.859,43, respetivamente, o limite fixado na alínea a) do ponto 3.3.1. do POCAL, conforme resulta dos mapas - síntese seguintes:

QUADRO 5

Valores médios da receita cobrada nos 24 meses anteriores ao Orçamento de 2003 e montantes considerados

(ver documento original)

QUADRO 6

Valores médios da receita cobrada nos 24 meses anteriores ao Orçamento de 2004 e montantes considerados

(ver documento original)

9 - Tais deliberações tiveram lugar, respetivamente, nas sessões extraordinárias do executivo municipal de 29 de novembro de 2002 (Plano e Orçamento para 2003) e de 11 de dezembro de 2003 (Plano e Orçamento para 2004), ficando a constar das respetivas Atas n.os 27/2002 e 27/2003.

10 - Nessas mesmas deliberações, o executivo municipal aprovou a inscrição na rubrica 'Estado-Participação Comunitária Co-Financiados', dos montantes de (euro) 4.228.047,00 (2003) e (euro) 4.446.535,00 (2004), referentes a projetos aprovados de (euro) 1.711.761,90 (2003) e (euro) 2.838.922,46 (2004), com as diferenças de + (euro) 2.516.285,00 (2003) e de + (euro) 1.607.612,54 (2004).

11 - O Demandado, integrando o executivo municipal, deliberou a aprovação de duas modificações orçamentais (em sede de 'revisão do orçamento') relativamente ao orçamento da CMC de 2004, a primeira em 14 de junho de 2004, que teve por objeto a inscrição da receita de (euro) 184.978,92 a título de 'saldo de gerência anterior', e a segunda em 26 de outubro de 2004, que teve por objeto a inscrição de um aumento das receitas correntes (impostos diretos; impostos indiretos; taxas, multas e outras penalidades; transferências correntes e venda de bens e serviços) no valor de (euro) 2.227.400,00, e inscrição de despesa em idêntico montante.

12 - A deliberação de 26 de outubro de 2004 foi apresentada como suportada no excedente de cobrança em algumas rubricas da receita, relativamente ao previsto no Orçamento inicial.

13 - Porém, à data da deliberação, não se verificava um excesso de cobrança em relação à totalidade das receitas previstas no Orçamento nem se previa que tal ocorresse até ao final do ano.

14 - O Orçamento de 2004 previu inicialmente receitas no valor de (euro) 19.622.600, tendo passado a constar como previsões corrigidas o valor global de (euro) 22.905.483,92, na sequência da soma dos montantes inscritos nas duas modificações orçamentais ((euro) 184.978,92 e (euro) 2.227.400,00) e de uma alteração orçamental com inscrição de receita no montante de (euro) 870.505,00 a título de empréstimos bancários.

15 - No final do exercício a cobrança de receitas fixou-se nos (euro) 17.997.643,00, tendo resultado um grau de execução de 78,5 %.

16 - O Demandado conhecia as regras previstas na alínea a) do ponto 3.3.1. e nos pontos 8.3.1.3. e 8.3.1.4., todos do Pocal, tendo votado favoravelmente em todas as deliberações atrás referidas, na qualidade de Presidente do Município, sem se aperceber de qualquer ilegalidade na inscrição dos valores, na convicção de que os técnicos que elaboraram as propostas dos orçamentos e das posteriores modificações respeitaram tais regras.

17 - Nos exercícios de 2003/2004, a CMC, através da rubrica orçamental '01.02.02. - Horas Extraordinárias', despendeu (euro) 259.812,73 e (euro) 287.439,17, respetivamente, englobando os montantes pagos aos Funcionários do Município e aos Bombeiros.

18 - Apenas quanto aos Funcionários Municipais, a CMC despendeu, a título de horas extraordinárias, os montantes de (euro) 209.970,18 (2003) e (euro) 221.495,28 (2004).

19 - Nos exercícios de 2003 e 2004, o Demandado, sempre na qualidade de Presidente do Município, autorizou pagamentos de 'trabalho extraordinário' em dias de descanso (semanal e complementar) e em dias feriados, sem que tenha ocorrido a prévia autorização para a sua realização.

20 - Tal aconteceu com os seguintes funcionários e nos seguintes montantes:

Ano 2003

QUADRO 1.1

(ver documento original)

Ano 2004

QUADRO 1.2

(ver documento original)

21 - Nos mesmos exercícios, o Demandado autorizou pagamentos de trabalho em dias de descanso (semanal e complementar) e em dias feriados, que ultrapassaram o limite diário de 7 horas para a sua realização.

22 - Tal aconteceu com os funcionários Ricardo Portela e Maria Elisabete P. Marques e nos montantes que se referem a seguir:

Anos 2003/2004

(ver documento original)

23 - Nos mesmos exercícios, o Demandado autorizou pagamentos de trabalho em dias de descanso (semanal e complementar) em local onde existia registo automático de controlo de assiduidade, sem que o mesmo tenha sido utilizado e cuja realização (do trabalho), num dos casos, foi autorizada posteriormente à ordem de pagamento.

24 - Tal aconteceu relativamente aos funcionários Maria Adelaide Adrião e Maria do Céu Madeira Mourato, nas condições e nos montantes que abaixo se indicam:

(ver documento original)

25 - Nos mesmos exercícios, o Demandado autorizou pagamentos de trabalho extraordinário para além das duas horas/dia e em dias de descanso (semanal e complementar) e em dias feriados, que ultrapassaram o limite diário de 7 horas para a sua realização.

26 - Tal aconteceu, relativamente ao funcionário Vitor Varela, progenitor do Demandado, quando em serviço no Museu Rural e do Vinho do Cartaxo, nas condições e nos montantes que abaixo se indicam:

(ver documento original)

27 - O mesmo se verificou relativamente ao Corpo de Bombeiros Municipais, sobre a prestação de serviços extraordinários em dias de descanso e feriados (TDDF).

28 - Nos exercícios de 2003 e 2004, o Demandado não definiu o regime de prestação do trabalho, horários, número de turnos e respetiva duração do Corpo de Bombeiros Municipais do Cartaxo.

29 - Um 'Regulamento Interno', então existente, não apresentava qualquer data, aprovação ou assinatura.

30 - A realização de TDDF nos Bombeiros começava com a elaboração de 'Ordens de Serviço' semanais, pelo Comando, identificando o número de funcionário e, depois, aprovadas pelo Demandado.

31 - Após a prestação do serviço, cada funcionário preenchia, mensalmente, uma 'relação de trabalho extraordinário em dias de descanso e feriados', rubricada pelo superior hierárquico para atestar a realização do serviço e, depois, assinada pelo Demandado.

32 - A conferência às horas de trabalho realizado (2003/2004), comprovou que os boletins mensais de registo das horas, foram, apenas, nos dias de descanso e feriados, estando preenchidas pelo trabalhador que, em regra, efetuava 7 horas de trabalho diário aos sábados e /ou domingos e /ou feriados, de acordo com as tais 'Ordens de Serviço'.

33 - A prestação do TDDF nos Bombeiros Municipais do Cartaxo era uma atividade normalmente aceite e admitida em 2003/2004, relativamente ao regime de trabalho extraordinário noturno e em dias de descanso e feriados.

34 - As autorizações de despesa e pagamentos foram da responsabilidade do Demandado, nos montantes de (euro) 41.516,89 (2003) e (euro) 42.017,50 (2004), e nos montantes de (euro) 49.118,20 (2003) e (euro) 54.010,29 (2004), respetivamente.

35 - O Demandado, em matéria de trabalho extraordinário, agiu na convicção que estava a cumprir a lei e com base na confiança que depositava nos serviços camarários responsáveis pela documentação relativa a esse trabalho.

36 - Em reunião do executivo municipal, de 13 de fevereiro de 1995, foi aprovada uma tabela de gratificações e compensações, aos Bombeiros em regime de voluntariado, ratificada em 24 de fevereiro seguinte, pela Assembleia Municipal, sem invocação de lei permissiva.

37 - Posteriormente, em reunião do executivo de 19 de janeiro de 1998, essa tabela de compensação, pelo serviço voluntário, foi objeto de alterações, vindo a ser ratificada pela Assembleia Municipal em 27 de janeiro seguinte, mantendo-se vigente pelo menos até 2006.

38 - Nessa tabela previam-se compensações fixas mensais para o Comandante, 2.º Comandante e Adjunto, sendo que essas chefias, também, recebiam, mensalmente, compensações de serviço voluntário.

39 - O valor das gratificações era apurado com base nas horas de serviço efetivamente prestadas, não existindo qualquer tipo de distinção entre os serviços, e a remuneração era de 2,50 Euros/hora, fosse em situação de incêndio, de emergência médica, ou outra qualquer.

40 - Nos exercícios de 2003/2004 foram processadas gratificações aos Bombeiros no montante global de (euro) 390.225,75.

41 - Nessas gratificações, aos Bombeiros, estão incluídos pagamentos referentes, quer aos 'Bombeiros Municipais', pertencentes ao quadro da CMC, quer aos 'Bombeiros Voluntários' onde tal não sucedia.

42 - Os 'Bombeiros Municipais', para além de terem sido remunerados através do seu próprio vencimento, auferiram em 2003/2004, quando em serviço para além do horário normal, as verbas e gratificações previstas na referida tabela para o serviço voluntário.

43 - Na parte correspondente às gratificações do pessoal (Bombeiros-Municipais), as autorizações das despesas e dos pagamentos, da responsabilidade do Demandado, foram, respetivamente, de (euro) 113.308,16 e (euro) 103.378,14 (2003) e de (euro) 95.961,76 e (euro) 110.277,53 (2004).

44 - Quanto aos Bombeiros Voluntários, tais gratificações autorizadas pelo Demandado e respetivos pagamentos, foram respetivamente de (euro) 70.173,54 e (euro) 70.108,41 (2003) e de (euro) 41.101,90 e de (euro) 40.936,61 (2004).

45 - Em matéria de gratificações aos Bombeiros, o Demandado agiu na convicção que estava a cumprir a lei.

46 - Nos exercícios de 2003/2004, o Demandado autorizou despesas e pagamentos, a favor da empresa 'Bruterra - Transporte de Mercadorias Lda.', referentes à utilização de uma máquina retroescavadora, alugada pela CMC, àquela empresa.

47 - O aluguer não foi precedido de qualquer procedimento concursal e os trabalhos foram executados sem prévia autorização, que só era prestada, em simultâneo, com as respetivas autorizações de pagamento.

48 - Os pagamentos efetuados em 2003/2004, suportados em simples requisições, emitidas pela CMC, perfizeram os montantes de (euro) 101.278,20 (2003) e de (euro) 92.124,43 (2004), respetivamente.

49 - A máquina retroescavadora foi utilizada em diversos serviços, com o conhecimento e assentimento do Demandado, designadamente, abertura de valas, e em diferentes locais do concelho, conforme discriminado na faturação constante de fls. 1 a 206 do Anexo 1 do Volume XXVII do PA, e que aqui se dá como reproduzida, sendo requisitada em função das necessidades pontuais do Município, muitas vezes em situações de urgência, tendo os valores faturados por cada serviço oscilado entre um máximo de (euro) 5.460,32 e um mínimo de (euro) 166,18.

50 - O Demandado foi responsável pela autorização de pagamentos nos anos de 2003 e 2004 nos montantes de (euro) 95.307,45 e (euro) 63.825,72, respetivamente.

51 - O Demandado agiu na convicção que estava a cumprir a lei.

52 - Na sequência do despacho de 5 de junho de 2001 da Direção da Caixa Geral de Aposentações, Helena Sousa Pilré Lourenço Lopes, Chefe de Repartição da Câmara Municipal do Cartaxo, passou à situação de aposentada da função pública, sendo-lhe abonada a pensão de (euro) 2.041,75.

53 - Datada de 4 de junho de 2001, foi prestada a informação a que se refere o documento de fls. 149 do Volume VII do PA, e que aqui se dá como reproduzido, informação subscrita pelo Chefe de Divisão da CMC, José Nicolau Nobre Ferreira, dirigida ao Vice-Presidente, o agora Demandado, no sentido de ser solicitada à referida Helena Lopes proposta para prestação de serviços relacionados com o levantamento e regularização dos bens patrimoniais do domínio público e privado da autarquia, o que foi deferido por despacho de 6 de julho de 2001.

54 - Em 23 de julho de 2001 deu entrada na CMC uma proposta apresentada pela ex-funcionária Helena Lopes manifestando aceitar a contratação, mediante o pagamento da remuneração mensal de 250.000$00, tendo o Demandado proferido despacho em 30 de Julho de 2001 a autorizar a contratação.

55 - Em 1 de agosto de 2001 foi celebrado entre o Município do Cartaxo, representado pelo Demandado (como primeiro outorgante) e a Helena Sousa Pilré Lourenço Lopes (como segunda outorgante) contrato de prestação de serviços, em regime de avença, com início em 1 de agosto de 2001, pelo prazo de 6 meses, tacitamente prorrogado por iguais períodos.

56 - Segundo a cláusula 2.ª do indicado contrato 'O serviço a prestar pela segunda outorgante será o de apoio ao levantamento e regularização dos bens patrimoniais do domínio público e privado da Autarquia'.

57 - E segundo a cláusula 3.ª do mesmo contrato 'Pela prestação dos seus serviços a segunda outorgante perceberá a remuneração de (euro) 1.246,99'.

58 - Pela prestação de serviços, a Helena Sousa Pilré Lourenço Lopes auferiu os montantes de (euro) 18.053,29 em 2003 (com base na remuneração mensal de (euro) 1.281,28 em janeiro, (euro) 1.281,28+(euro) 243,45 de IVA de fevereiro a outubro e de (euro) 1.281,28+(euro) 243,44 de IVA em novembro e dezembro) e (euro) 18.296,65 em 2004 (com base na remuneração mensal de (euro) 1.281,28+(euro) 243,45 de IVA em janeiro e de (euro) 1.281,28+(euro) 243,44 de IVA nos restantes meses), abonados em prestações mensais, conforme discriminado a fls. 222 a 273 do Volume VII do PA e que aqui se dá como reproduzido.

59 - Foram feitas retenções/IRS na fonte nos montantes de (euro) 3.062 em 2003 e de (euro) 3.075,10 em 2004.

60 - Nos anos de 2003 e 2004 o Demandado autorizou pagamentos, a título de remunerações pelo contrato de avença com aquela funcionária, nos montantes de (euro) 12.196,84 e (euro) 12.197,76, respetivamente.

61 - A contratação mostrou-se de grande utilidade para os serviços, quer pela reconhecida competência da contratada, quer pelo facto de não haver ninguém nos quadros da CMC que possuísse os conhecimentos específicos para as tarefas contratadas.

62 - O Demandado, não obstante saber que se tratava de uma aposentada da função pública, agiu na convicção que a contratação se mostrava em conformidade com a lei, designadamente no que respeita à remuneração fixada.

63 - Por desconhecimento do Demandado, não foi pedida qualquer autorização para o pagamento de montante superior à terça parte da remuneração equivalente às funções em causa, nos termos do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação.

64 - O Demandado, na qualidade de Presidente da CMC, autorizou a realização de despesas, com refeições, em que o próprio participou bem como outros membros do executivo, durante os exercícios de 2003 e 2004.

65 - Tais despesas eram suportadas pela rubrica orçamental '01.02./02.02.25. - Aquisições de Serviços - Outros Serviços', sem prévia requisição nem invocação de qualquer base legal e justificadas na apresentação de faturas de almoços/jantares sem qualquer menção relativamente ao fim visado, ao interesse público subjacente à sua realização, aos objetivos e aos participantes, sendo que vários desses recibos nem sequer estavam datados, ou as datas eram ilegíveis, e alguns nem referem o nome do cliente, conforme resulta dos documentos que constituem o Volume VI do PA, e que aqui se dão como reproduzidos.

66 - Porém, há um recibo relativo a refeições, datado de 24 de outubro de 2003, no valor de (euro) 511,15, com expressa referência 'Dia aberto às empresas' (fls. 225 do PA) e dois recibos igualmente respeitantes a refeições, datados de 31 de outubro de 2003, nos montantes de (euro) 375,70 e (euro) 172,97, com indicação expressa de 'refeições no âmbito de Geminação de Cidades 2003' (fls. 223 e 225 do Volume VI do PA), refeições que foram efetivamente oferecidas pela CMC no âmbito dos eventos mencionados.

67 - Nos exercícios de 2003 e 2004, quer o Demandado, quer o Vice-Presidente Pedro Ribeiro, quer a Vereadora Elvira Tristão, foram reembolsados, pela CMC, de despesas efetuadas com refeições, nessas condições.

68 - Em 2003, tais reembolsos ascenderam a 7.445,38 Euros e em 2004 a 9.244,97 Euros, sendo que, no caso do Demandado, o reembolso, dessas despesas com refeições, correspondeu, em cada ano, a cerca de 50 % dos respetivos dias úteis de trabalho.

69 - Toda a despesa, em apreço, no montante global de (euro) 16.690,35, foi autorizada pelo Demandado, sendo, em parte, ele próprio, dela beneficiário, assim como os dois autarcas já referidos.

70 - Tendo, quanto à mesma despesa, o Demandado autorizado pagamentos em 2003 e 2004 nos montantes de (euro) 6.831.01 e (euro) 7.088,61, respetivamente.

71 - O Demandado sempre recebeu o 'subsídio de refeição' bem como 'despesas de representação'.

72 - Relativamente ao montante global pago pela CMC a título de refeições ((euro) 16.690,35), apenas foi reposta a quantia de (euro) 62,30 pela Vereadora Elvira Tristão.

73 - Por conta da mesma rubrica orçamental (01.02./02.02.25), em 25 de março de 2003, o Demandado autorizou o pagamento da despesa de (euro) 500,00, (ocorrido dois dias depois), relativa ao Processo Autónomo de Multa n.º 8-M/2003, aplicada por este Tribunal, ao Vice-Presidente Pedro Ribeiro.

74 - Ao autorizar o pagamento o Demandado apercebeu-se que se tratava de multa aplicada ao Vice-Presidente, tendo agido na convicção que podia fazê-lo por ter havido atraso dos serviços no procedimento que determinou a sanção.

75 - A empreitada 'Casa Municipal do Desporto e Lazer', que teve a CMC como entidade adjudicante, foi projetada em várias fases, tendo a consignação da 2.ª Fase ocorrido em 21-03-2003, estando prevista, para uma 3.ª fase, a construção do Estádio, incluindo bancadas, balneários e iluminação, na sua totalidade.

76 - Todavia, o Demandado entendeu dever antecipar, aquela 3.ª fase (futura), aproveitando a execução da 2.ª fase (anterior), para determinar, por 'ajuste direto' independente do valor, a execução do Estádio.

77 - Nessa conformidade, no decurso da 2.ª fase, foi logo adjudicada, por determinação direta do Demandado, a construção do Estádio, no montante de (euro) 368.010,79, cujos trabalhos foram encomendados ao mesmo empreiteiro em obra.

78 - Trabalhos que se encontravam previstos para a 3.ª Fase da Empreitada e que foram executados por determinação pessoal do Demandado, à revelia do executivo municipal, e que foram executados em simultâneo, ou posteriormente, aos trabalhos contratuais.

79 - Embora sabendo que se tratava de trabalhos não incluídos na 2.ª Fase, o Demandado agiu convicto da legalidade do procedimento adotado.

80 - Em 13 de fevereiro de 2003 foi celebrado o contrato de empreitada da 'Alameda Norte da Cidade (ANC)' entre a CMC (entidade adjudicante) e João Cerejo dos Santos/Cerviter - Vias e Terraplanagens (adjudicatária), pelo valor de (euro) 1.079.695,00 (s/IVA), o qual foi visado pelo Tribunal de Contas em 20 de maio de 2003.

81 - No dia 31 de janeiro de 2005, o executivo da CMC, em reunião presidida pelo Demandado, deliberou aprovar, por unanimidade, os trabalhos a realizar no âmbito da empreitada indicada no facto 80 que constituíram o seu primeiro adicional, no valor de (euro) 51.557,20, acrescido do IVA, e autorizou a sua adjudicação, por ajuste direto, à empresa adjudicatária da empreitada, assumindo-os como 'trabalhos a mais'.

82 - Da deliberação de aprovação dos trabalhos a mais e da adjudicação não resulta qualquer fundamentação legal para o efeito, baseando-se apenas na informação da Divisão de Obras e Equipamentos Municipais.

83 - Precedendo a deliberação, a Divisão de Obras e Equipamentos Municipais prestou a informação n.º 26/2005, de 26 de janeiro de 2005, que refere que houve a necessidade de se proceder à execução de alguns trabalhos, não previstos no contrato, que visaram melhorar as condições de estabilidade dos pavimentos da faixa de rodagem, da ciclovia e dos passeios, através da colocação de drenos subterrâneos longitudinais, de forma a impedir o acesso das águas dos terrenos mais altos, confinantes com a via, assim como a construção de aquedutos transversais para o escoamento de linhas de água existentes e perpendiculares à via.

84 - De seguida, a informação indica os seguintes trabalhos: drenos longitudinais, canalização de ramal em PVC, fornecimento e colocação de forquilha PN e caixa de visita de ramal, totalizando (euro) 51.557,20.

85 - A informação termina dizendo: 'Considerando que as espécies dos trabalhos referidos não foram previstos no contrato e no projeto, se destinam à realização da mesma empreitada e se tornaram necessário executar na sequência das circunstâncias apontadas e dado que as mesmas não podem ser tecnicamente separadas do contrato, sem inconveniente grave para o dono da obra, submete-se à consideração superior a aprovação do valor de 51.557,20 (euro)+IVA, face ao exposto'.

86 - No dia 9 de maio de 2005, o executivo da CMC, em reunião presidida pelo Demandado, deliberou aprovar, por unanimidade, os trabalhos a executar no âmbito da empreitada indicada no facto 80 que constituíram o segundo adicional, no valor de (euro) 55.285,42, acrescido de IVA, e autorizou a sua adjudicação, por ajuste direto, à empresa adjudicatária da empreitada, assumindo-os como 'trabalhos a mais'.

87 - A deliberação apresenta como fundamento a informação da Divisão de Obras e Equipamentos Urbanos onde comunicava que era necessário proceder à execução de diversos muros de betão armado, não só destinados ao suporte da estrada, como também à reposição de vedações de diversas propriedades confinantes com a nova estrada.

88 - Precedendo a deliberação, a Divisão de Obras e Equipamentos Municipais prestou a informação n.º 77/2005, de 26 de abril de 2005, referindo que, na sequência dos protocolos celebrados com os proprietários de terrenos expropriados, tornou-se necessário, durante a fase de realização dos trabalhos de aterros e consolidação dos pavimentos, proceder à execução de diversos muros, em betão armado, destinados, não só ao suporte da nova estrada, como também à reposição das vedações das propriedades.

89 - A informação termina nos mesmos termos referidos no facto 85, salvo no que concerne ao valor dos trabalhos, agora 55.285,42 (euro).

90 - No dia 10 de outubro de 2005, o executivo da CMC, em reunião presidida pelo Demandado, deliberou, por unanimidade, "ratificar o despacho do Senhor Presidente que aprovou a execução de trabalhos não previstos na empreitada da 'ANC', no valor de (euro) 99.106,02, acrescido do IVA".

91 - Da deliberação não resulta qualquer fundamentação legal.

92 - Esses trabalhos foram propostos pela adjudicatária e foram autorizados por despacho de 19 de setembro de 2005 do Demandado, tendo abrangido equipamentos de sinalização e segurança, trabalhos de integração paisagística, reposição de vedações físicas e muros de alvenaria, sumidouros e sarjetas, pavimentação, terraplanagem e drenagem.

93 - O Demandado, nos procedimentos da empreitada da ANC, agiu na convicção que estava a cumprir a lei e com base na confiança que depositava nas informações prestadas pela Divisão de Obras e Equipamentos Municipais.

94 - Na classificação orçamental '04/07.03.03.01 - Divisão de Obras e Equipamentos Municipais - Aquisição de Bens de Capital - Bens do Domínio Público - Outras Construções e Infraestruturas - Viadutos, Arruamentos e Obras Complementares', nos exercícios de 2003 e 2004, verificou-se que foram executados vários trabalhos de pavimentação em pedra de calçada em passeios pedonais e arranjos urbanísticos, consistindo em trabalhos de reposição de pavimentos em roços abertos para instalação de ramais de água e de esgoto e em beneficiações de passeios e valetas de diversos arruamentos do Concelho.

95 - Todos esses trabalhos foram sendo pagos à medida da sua efetiva realização prática, apenas tendo como suporte documental, para o respetivo processamento da despesa pública, a faturação que ia sendo emitida pelo único empreiteiro, conforme resulta dos documentos de fls. 1 a 57 do anexo 2 do Volume XXVII do PA e que aqui se dão como reproduzidos, o que se verificou sempre com o conhecimento e assentimento do Demandado.

96 - Inexistiu procedimento de contratação, e da análise da faturação em 2003/2004, resulta, apenas, que se tratou de 'trabalhos de calcetamento', faltando a descrição de quais os trabalhos executados, sua natureza, localização e razão de urgência, sendo certo que ocorreram ao longo de vários anos sempre dessa forma.

97 - Cada faturação era considerada uma obra autónoma, funcionando como sucessivos 'ajustes diretos, sem consulta prévia', tendo-se verificado que foram emitidas no mesmo mês as faturas n.os 650 e 652 reportadas à urbanização da Capela de Pedra e n.os 646, 647 e 649 referentes a Vila Chã de Ourique, na Rua Prof. Fernando Jaime Soares Costa.

98 - O Demandado autorizou despesa e pagamentos, por conta destes 'trabalhos de calcetamento', nos montantes de 29.315,41 euros (2003) e de 51.360,79 Euros (2004).

99 - Agiu na convicção da legalidade dos procedimentos.

100 - Na sequência do Relatório de Auditoria os Serviços Municipais têm se esforçado para dar cumprimento integral às recomendações aí referidas.

101 - Não são conhecidos quaisquer antecedentes relativamente ao Demandado no âmbito de responsabilidade financeira.

102 - Foram pagas voluntariamente multas por todos os Vereadores da CMC a quem foi imputada responsabilidade financeira sancionatória no RA»

Factos não provados

Todos os que foram articulados e que, direta ou indiretamente, contradigam a factualidade dada como provada, e designadamente que o Demandado tenha agido com o propósito de fracionar a despesa no âmbito do aluguer da máquina retroescavadora e que tenha reposto qualquer quantia a título de refeições.

III - O Direito

1.º Inconstitucionalidade do poder sancionatório legalmente atribuído ao Tribunal de Contas

O Recorrente, suscita, como questão prévia, a falta de suporte constitucional para a estatuição, nos artigos 65.º e 66.º da LOPTC, da responsabilidade financeira sancionatória. Alega, em síntese, que o texto constitucional não prevê, expressamente o ilícito financeiro sancionatório.

A questão já fora suscitada na 1.ª instância, e apreciada na sentença ora recorrida, em termos que inteiramente subscrevemos. Assim, e como se refere na sentença da 1.ª instância, o artigo 214.º, n.º 1 da C.R.P. (reproduzindo o proémio do n.º 1 do artigo 216.º, na redação dada pela Revisão Constitucional de 1989) «define as atribuições do Tribunal de Contas de uma forma exemplificativa».

Na verdade, outra conclusão não se pode retirar de três expressões utilizadas no n.º 1 do preceito pelo legislador constitucional. Assim:

No proémio do n.º 1 caracteriza-se o Tribunal de Contas como «o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe, competindo-lhe, nomeadamente...».

Na alínea c) do mesmo n.º 1 é atribuída, como competência ao Tribunal, a de «efetivar a responsabilidade por infrações financeiras, nos termos da Lei».

Na alínea d) do mesmo n.º 1 autoriza-se que o legislador defina novas competências ao Tribunal nos seguintes termos: exercer as demais competências que lhe foram atribuídas por lei

Na doutrina, é, também, esta a posição de Vital Moreira e Gomes Canotilho, os quais, em anotações ao então artigo 216.º da C.R.P., subscrevem o seguinte:

«Ao contrário do que acontecia no texto primitivo, a competência do Tribunal Constitucionalmente fixada pode ser ampliada por via de lei, como agora se dispõe expressamente (al.1-c), aliás redundante, face ao advérbio 'nomeadamente' do proémio do mesmo n.º 1)» (2)

A posição do Recorrente não pode, pois, proceder.

A abertura do legislador constitucional a novas competências e atribuições ao Tribunal de Contas, desde que estabelecidas por lei, bem como à efetivação de responsabilidade por infrações financeiras integra, sem quaisquer dúvidas, a responsabilidade sancionatória, como é o caso destes autos. O mesmo se verifica relativamente à fiscalização dos comportamentos dos gestores públicos, contrariamente ao defendido pelo Recorrente. A este propósito, e citando, de novo, Vital Moreira e Gomes Canotilho:

«Na versão primitiva da Constituição discutiu-se se o tribunal poderia apreciar também a racionalidade financeira ou justificação económica (economicidade) das despesas, tendo o TC considerado que a fiscalização da legalidade não comportava tal entendimento (Ac.T.C. n.º 461/87). Hoje, o problema deve ver-se à luz da abertura constitucional para a atribuição legal de outras competências além das constitucionalmente mencionadas, pelo que nada obsta a que o Tribunal de Contas seja legalmente dotado com tal competência, ainda que ela não caiba no conceito de fiscalização da legalidade» (3)

Importa, finalmente, evidenciar que o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta matéria, e de forma inequívoca, considerou constitucional a tipificação das infrações sancionatórias previstas no artigo 65.º da LOPTC.

Assim, e no recente Acórdão 635/2011, de 20 de dezembro, in DR, 2.ª série, de 02.02.12, decidiu-se que:

«A Constituição da República Portuguesa menciona o Tribunal de Contas no seu artigo 214.º, qualificando-o como o 'órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe'. De entre as competências que a Constituição atribui ao Tribunal de Contas, no n.º 1 do referido preceito, consta a de 'efetivar a responsabilidade por infrações financeiras, nos termos da lei'. Ou seja, a Constituição admite que o Tribunal de Contas tem competência para aplicar sanções por violação de regras financeiras, remetendo para a lei as suas concretas delimitação e determinação.

Perante a norma constante do artigo 214.º, n.º 1, alínea c) da CRP não se vislumbra como se poderá sustentar a tese da recorrente de que a Constituição consagra um princípio da tipicidade dos ilícitos e limita as sanções a três tipos - as de carácter penal, disciplinar e contraordenacional.

Ora, sendo assim, a norma sancionatória em análise não tem, por imposição constitucional, de se reconduzir a nenhuma das três categorias acima referidas, fazendo parte de um tipo autónomo de responsabilidade sancionatória - a financeira - o que significa que, direta e imediatamente, o princípio da legalidade penal constante do artigo 29.º, n.º 1 da CRP não se aplica no caso concreto.»

Do exposto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos se desatende a questão prévia suscitada pelo Recorrente.

2.º Determinação do número de ilícitos financeiros sancionatórios

Alega o Recorrente que a Sentença ora recorrida deve ser revogada e substituída por outra que considere que o Recorrido praticou uma única infração no que respeita às duas que lhe são imputadas a título de pagamentos relacionados com remunerações, invocando o disposto no artigo 30.º do C. Penal.

As infrações em causa são as seguintes:

a) Violação das normas dos artigos 25.º a 35.º do Decreto-Lei 259/98, de 18 de agosto, referentes a trabalho extraordinário em desconformidade com aqueles normativos, autorizado e pago pelo Recorrido, integrando a previsão legal do artigo 65.º, n.º 1, b) da LOPTC.

b) Violação do artigo 38.º do Decreto-Lei 106/2002, de 13 de abril, referente ao estatuto dos bombeiros municipais, por ausência de norma autorizadora das despesas e pagamentos a título de gratificações ordenadas pelo Demandado, integrando a previsão legal do artigo 65.º, n.º, 1, b) da LOPTC.

No que respeita à violação das normas referentes ao trabalho extraordinário, a sentença integrou as várias violações provadas nesta matéria (factos n.os 17 a 36) numa única infração financeira sancionatória, na forma continuada justificando-se

«porque o bem jurídico protegido pelas normas violadas é o mesmo, ou seja, o carácter excecional do trabalho extraordinário em nome de uma menor despesa pública, tendo a atividade ilícita se desenvolvido de forma homogénea no período em causa, (exercícios de 2003 e 2004 da CMC), sempre através de autorizações de despesa e pagamentos no âmbito do trabalho extraordinário, e num quadro exterior sem alterações, traduzido na perduração do meio apto para a realização do ilícito: a apresentação de documentação pelos serviços»

Este enquadramento jurídico-sancionatório não foi posto em crise nos autos mas, contrariamente ao invocado pelo Recorrente, não é suscetível de assimilar uma outra infração sancionatória decorrente das autorizações de despesa e pagamentos aos Bombeiros Municipais de gratificações não previstas na lei.

Na verdade, não releva o facto de estarmos perante infrações relativas a despesas e pagamentos com remunerações, pois, como é sabido, o artigo 65.º, n.º 1, b) da LOPTC sanciona todas as despesas e pagamentos ilegais efetuados pelos responsáveis financeiros nos diversos domínios da sua gestão e competências. É um facto conhecido que na esmagadora maioria das situações detetadas, estão presente autorizações de despesa ou pagamentos ilegais em matéria de remunerações sem que daí possa invocar-se o enquadramento ora defendido pelo Recorrido.

Seguindo o entendimento perfilhado pelo Recorrente estaríamos perante uma única infração sancionatória na forma continuada num quadro de múltiplas autorizações de despesa e pagamento ilegais, designadamente, por violação de normas referentes a promoções, a acumulações a abonos suplementares pois, afinal, estávamos em sede de remunerações relativas a recursos humanos.

Não pode ser, pois os bens jurídicos tutelados são diversos e diferentes.

Ora nos termos do artigo 30.º do C. Penal é decisivo que a realização múltipla do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime visem proteger o mesmo bem jurídico. Mas, o que se evidencia nos autos é que tal enquadramento ocorre no âmbito das violações em sede de trabalho extraordinário - a excecionalidade da sua prestação - sendo, de todo, estranho tal bem jurídico quando nos referimos às gratificações sem lei permissiva que o Demandado resolveu atribuir aos Bombeiros.

Do exposto, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se julga improcedente a requerida revogação da sentença na parte em que não integrou, como uma única infração financeira sancionatória, as provadas violações em matéria de trabalho extraordinário e em matéria de gratificações aos Bombeiros.

3.º Incumprimento do artigo 77.º do C. Penal

O Recorrente alega que em matéria sancionatória não se deu cumprimento ao disposto no artigo 77.º do C. Penal pois foi condenado em quatro multas parcelares que foram somadas, daí resultando uma multa única e total de 7.500.00 Euros.

Em nosso entender, não tem justificação vir invocar-se o artigo 77.º do C. Penal pela simples razão de que não está em causa qualquer concurso de crimes ou de crime continuado.

Na sentença em análise, foram aplicadas penas parcelares de multa tendo em atenção todos os critérios consignados no artigo 67.º, n.º 2 bem como os montantes mínimos e máximos previstos nos n.os 2 e 5 do artigo 65.º da LOPTC tendo-se procedido, a final, ao cúmulo material das respetivas multas parcelares, sendo evidente que a natureza da pena de multa na jurisdição financeira não é assimilável à pena de multa prevista no artigo 47.º a 50.º do C. Penal: as multas previstas no artigo 65.º e 66.º da LOPTC não são convertíveis em pena de prisão nem são substitutivas daquela.

Do exposto, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se julga improcedente o alegado incumprimento do artigo 77.º do C. Penal.

4.º A Contratação de funcionária aposentada

O Recorrente vem defender a revogação da sentença na parte em que condenou o Recorrente no pagamento de 9.000,00 Euros pela prática de uma infração financeira reintegratória, prevista no artigo 59.º, n.º 1 e 2 da LOPTC (atual artigo 59.º, n.º 1 e 4), com redução da responsabilidade ao abrigo do artigo 64.º, n.º 2 daquela lei.

Invoca, essencialmente, o seguinte, com base no facto provado n.º 61:

«A contratação mostrou-se de grande utilidade para os serviços, quer pela reconhecida competência da contratada, quer pelo facto de não haver ninguém nos quadros da CMC que possuísse os conhecimentos específicos para a tarefas contratadas;»

Assim, a restituição dos montantes despendidos pela autarquia originaria, uma situação de enriquecimento sem causa, pelo que não se verificam todos os pressupostos previstos no artigo 59.º, n.º 2 e 4 da LOPTC, na versão em vigor à data dos factos.

O Recorrente não tem razão no que alega, uma vez que não se discute a ilegalidade dos pagamentos autorizados pelo Recorrente à contratada em inobservância da norma do artigo 79.º do Estatuto da Aposentação (proibição do pagamento a aposentados de montante superior a uma terça parte da remuneração que competir às funções que desempenha, salvo autorização do Primeiro Ministro).

E são, exatamente, esses pagamentos, cujo montante atingiu 24.233,20 Euros, que constituem um pagamento indevido: a um aposentado da função pública, à altura dos factos, e salvo autorização do 1.º Ministro, só podia ser pago um terço da remuneração da função exercida sendo essa a remuneração devida por aqueles serviços.

É esta, aliás, a Jurisprudência desta 3.ª Secção:

«Todas as quantias pagas que excederam um terço das remunerações auferidas no âmbito dos contratos de avença são ilegais e indevidos uma vez que aos serviços prestados pela funcionária aposentada só podia corresponder o pagamento de um terço das remunerações acordadas.» (4)

Do exposto, sem mais considerações, julga-se improcedente a peticionada absolvição do Recorrente relativamente à condenação em responsabilidade reintegratória no valor de 9.000,00 Euros.

5.º Pagamentos de Refeições a Membros do Executivo

Alega o Recorrente que a decisão de condenação na reintegração nos cofres públicos do montante de 15.568,23 Euros por pagamentos ilegais e indevidos de refeições a Membros do Executivo deve ser revogada por falta de demonstração, dos factos relevantes para tal subsunção, ou, caso assim não se entenda, pela relevação ou redução da responsabilidade do Recorrente.

Os factos provados n.os 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71 e 72 são inequívocos quanto à ilicitude das autorizações de pagamento feitos pelo Recorrente.

Na verdade, ficou provado que o Demandado sempre recebeu o «subsídio de refeição» bem como «despesas de representação» (facto n.º 71) pelo que há clara violação do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei 57-B/84, nos termos do qual não é permitido a acumulação do subsídio de refeições com qualquer outra prestação de idêntica natureza ou finalidade, independentemente da sua denominação.

Ora, ficou, também, provado que o Demandado autorizou os reembolsos por despesas efetuadas com refeições no montante global de 16.690,35 Euros, do qual apenas foi reposta a quantia de 62,30 Euros (factos n.os 67, 69, 70 e 72).

Acresce que, independentemente de ter sempre recebido o subsídio de refeição e despesas de representação, o Demandado não podia ter autorizado o pagamento das quantias despendidas em refeições «sem prévia requisição nem invocação de qualquer base legal e justificadas na apresentação de faturas de almoços/jantares sem qualquer menção relativamente ao fim visado, ao interesse público subjacente à sua realização, aos objetivos e aos participantes, sendo que vários desses recibos nem sequer estavam datados, ou as datas eram ilegíveis, e alguns nem referem o nome do cliente» (facto n.º 65).

O Recorrente esquece que estamos a falar de dinheiros públicos que têm que ser geridos e despendidos com observância de todos os requisitos e exigências legais sendo grave ligeireza fazer-se pagamentos com base em «recibos» que não preenchem, minimamente, as cautelas que um decisor público deve observar.

O interesse público deve ser, sempre, evidenciado quando se autorizam despesas e pagamentos.

Os princípios relativos aos contratos de depósito e às obrigações de um fiel depositário (artigo 1187.º C. Civil) estão subjacentes e justificam que é dever dos responsáveis financeiros a quem foram entregues dinheiros ou valores públicos demonstrar que os administraram de acordo com a lei e de forma diligente e cuidada.

Aliás, a Lei 48/06 introduziu um novo n.º 6 ao artigo 61.º, em sede de responsabilidade reintegratória que vem reforçar tal entendimento:

«Aos visados compete assegurar a cooperação e a boa-fé processual com o Tribunal, sendo-lhes garantido, para efeitos de demonstração da utilização de dinheiros ou outros valores públicos colocados à sua disposição de forma legal, regular e conforme aos princípios da boa-gestão, o acesso a toda a informação disponível necessária ao exercício do contraditório»

É esta também a posição da Doutrina.

Assim, em artigo publicado defendemos que:

«A redação do preceito permite o entendimento de que os responsáveis financeiros têm a obrigação de demonstrarem que utilizaram os dinheiros e valores públicos que lhes foram entregues como um cuidadoso e diligente gestor público, e para os fins a que se destinam...Nesta matéria, poder-se-ia enunciar, como princípio geral, que uma vez demonstrada a entrega dos dinheiros e outros valores públicos pelo Ministério Público, deverá o Demandado justificar que nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada, designadamente, pelo desaparecimento ou a aplicação para fins não legais nem previstos.» (5)

A Jurisprudência deste Tribunal não se afasta do entendimento vertido na sentença ora recorrida.

Assim, na sentença n.º 08/2006, de 13 de julho, em que também estavam em causa pagamentos autorizados com base em recibos de restaurantes e outros estabelecimentos de restauração (alguns dos quais sem indicação da data) e que não referenciavam nem eram acompanhados de demonstração que identificasse as iniciativas considerou-se que:

«estando em causa dinheiros públicos, as despesas só podem ser autorizadas se devidamente documentadas. As 'presunções' nesta matéria são intoleráveis: não estando em causa a seriedade dos membros do Conselho Diretivo, não basta a alegação de que as despesas resultaram das funções de representação, é necessário que a documentação que as suporta permita evidenciar tal facto ...Competia aos Demandados, enquanto responsáveis pelas autorizações de pagamento, demonstrar e fazer prova de que, apesar da insuficiência gritante da documentação de suporte, aquelas despesas haviam sido realizadas em representação e no interesse do I.D.S.» (6)

As autorizações de pagamento, no circunstancialismo apurado, evidenciam uma censurável passividade por parte do Recorrente, enquanto responsável por dinheiros públicos que são gastos em pagamentos de despesas suportadas por recibos de uma confrangedora relevância probatória, sendo certo que o Demandado sempre recebeu «subsídio de refeição» e «despesas de representação».

Conclui-se, assim, que bem andou a 1.ª instância ao enquadrar tais autorizações de pagamento na infração financeira reintegratória prevista no artigo 59.º, n.º 1 e 2 da LOPTC (artigo 59.º, n.os 1 e 4 na redação dada pela Lei 48/06, de 29 de agosto) não se vendo fundamento legal para relevar ou reduzir a responsabilidade face à gravidade dos factos, à elevada censura daí decorrente e à grosseira negligência revelada e ao facto do Recorrente ter beneficiado pessoalmente do facto ilícito, como bem observou o juiz «a quo» e como decorre do disposto no artigo 64.º, n.º 2 da LOPTC.

6.º Pagamento de Multa

O Recorrente alega que a sua responsabilidade na autorização do pagamento, pela autarquia, de multa aplicada por este Tribunal ao Vice-Presidente deveria ser reduzida ou relevada nos termos do artigo 64.º, n.º 2 da LOPTC face à ocorrência do seguinte circunstancialismo:

a) Especial inexperiência do Recorrente;

b) Apresentação, pelos serviços, de uma ordem de pagamento pré-preenchida, com menção a um preceito legal que faz referência a uma obrigação da C. M. Cartaxo;

c) Conhecimento, pelo Recorrente, de que a situação que originou a aplicação da multa se ficou efetivamente a dever a atraso dos serviços.

Ficou provado na 1.ª instância:

a) Em 25 de março de 2003, o Demandado autorizou o pagamento da despesa de 500,00 Euros relativo ao Processo Autónomo de Multa n.º 8-M/2003, aplicada por este Tribunal ao Vice-Presidente Pedro Ribeiro; (facto n.º 73);

b) Ao autorizar o pagamento, o Demandado apercebeu-se de que tratava de multa aplicada ao Vice-Presidente, tendo agido na convicção de que podia fazê-lo por ter havido atraso dos serviços no procedimento que determinou a sanção (facto n.º 74).

A evidência da ilicitude é total pois não pode o património público pagar as sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas aos responsáveis financeiros

No caso em apreço, e independentemente do montante em causa, é intolerável que um responsável financeiro autorize o pagamento, pelo erário público, de multa aplicada a um outro responsável financeiro.

Relembre-se que tal ato, se doloso, integra o crime de peculato previsto e punido pelo artigo 375.º do C. Penal, daí a gravidade e a censura elevada da decisão do Recorrente, ainda que convicto de que o poderia fazer.

Refira-se, no entanto, que tal «convicção», se afasta o dolo, não exclui a negligência, uma grosseira negligência e descuido de quem lida, utiliza e afeta dinheiros públicos.

A alegada «especial» inexperiência do Recorrente não lhe diminui o grau de culpa, não sendo, aliás, especialmente inexperiente um autarca que fora vice-presidente em 2000 e 2001, e já era presidente desde 2002, ou seja, à data do facto (25 de março de 2003) já ia no quarto ano consecutivo de exercício de funções autárquicas.

Também não se nos afigura relevante que o Recorrente sabia que a situação resultava de um atraso dos serviços porque ficou provado que o Recorrente se apercebeu que se tratava de multa aplicada ao Vice-Presidente (facto n.º 74).

O Recorrente estava perante um circunstancialismo preciso e inequívoco:

A multa era da responsabilidade pessoal do Vice-Presidente pelo que a Câmara (ou seja, os dinheiros públicos) não podia pagar tal sanção.

É um endosso de responsabilidades ilegítimo e muito censurável que não pode ser aceite, entendido ou desculpável.

Uma coisa é a sanção ao responsável, outra é apuramento interno sobre a causa, a origem efetiva do alegado atraso dos serviços.

Do exposto não se justifica a requerida redução (e, muito menos a relevação) da responsabilidade do Recorrente o qual apercebendo-se de que este Tribunal condenara em multa o Vice-Presidente, ordenou e autorizou que o valor da multa fosse paga pelo cofres da autarquia, comportamento que se reputa, como já a 1.ª instância considerou, de grosseira negligência.

IV - Decisão

Pelos fundamentos expostos, os Juízes da 3.ª Secção, em Plenário, acordam em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo Demandado Paulo Alexandre Fernandes Varela Simões Caldas, e em consequência:

Julgar verificadas as quatro infrações financeiras sancionatórias e as três infrações financeiras reintegratórias constantes da decisão recorrida.

Manter as condenações nas penas decididas na 1.ª instância.

São devidos emolumentos nos termos do artigo 16.º, n.º 1, b) e n.º 2 do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei 66/96, de 31 de maio.

Registe e notifique.

(1) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, Lei 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004 de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, e 35/2007 de 13 de agosto, 3-B/2010, de 28 de abril, 61/2011, de 7 de dezembro e Lei 2/2012, de 6 de janeiro.

(2) Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 3.ª edição, p. 818

(3) ob. cit p. 818

(4) Acórdão 9/2010, de 6 de outubro, em Plenário da 3.ª Secção, in Revista do Tribunal de Contas, n.º 54.

(5) Carlos Alberto Morais Antunes, «O Julgamento de Responsabilidade Financeira no Tribunal de Contas», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 2, ano IV, p. 163.

No mesmo sentido, Guilherme D' Oliveira Martins in «A Reforma do Tribunal de Contas em 2006, Revista do Tribunal de Contas n.º 46, p. 44 e 45.

(6) Sentença sumariada na Revista do Tribunal de Contas n.º 46, p. 471 e acessível em «www.tcontas.pt»

Lisboa, 2 de julho de 2012. - Os Juízes Conselheiros: Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes (relator) - Helena Ferreira Lopes - Nuno Lobo Ferreira.

206798723

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1088890.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1984-02-20 - Decreto-Lei 57-B/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério das Finanças e do Plano

    Estabelece o novo quantitativo e regime de subsídio de refeição a atribuir aos funcionários e agentes da administração central e local, bem como dos organismos de coordenação económica e demais institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos.

  • Tem documento Em vigor 1996-05-31 - Decreto-Lei 66/96 - Ministério das Finanças

    Revê o regime jurídico dos emolumentos do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 1997-08-26 - Lei 98/97 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e processo do Tribunal de Contas, que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas pública, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidade por infracções financeiras exercendo jurisdição sobre o Estado e seus serviços, as Regiões Autónomas e seus serviços, as Autarquias Locais, suas associações ou federações e seus serviços, bem como as áreas metropolitanas, os institutos públicos e as instituições de segurança social. Estabelece normas sobre o f (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Decreto-Lei 259/98 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2002-04-13 - Decreto-Lei 106/2002 - Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território

    Estabelece o estatuto de pessoal dos bombeiros profissionais da administração local.

  • Tem documento Em vigor 2010-11-26 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9/2010 - Supremo Tribunal de Justiça

    Uniformiza a seguinte jurisprudência: a pendência de recurso para o Tribunal Constitucional não constitui a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista no segmento normativo «dependência de sentença a proferir por tribunal não penal» da alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, versão original, ou da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982, revisão de 1995. (Proc. nº 121-10-1YFLSB)

  • Tem documento Em vigor 2012-01-06 - Lei 2/2012 - Assembleia da República

    Altera (oitava alteração) a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

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