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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9/2010, de 26 de Novembro

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Sumário

Uniformiza a seguinte jurisprudência: a pendência de recurso para o Tribunal Constitucional não constitui a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista no segmento normativo «dependência de sentença a proferir por tribunal não penal» da alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, versão original, ou da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982, revisão de 1995. (Proc. nº 121-10-1YFLSB)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2010

Processo 121-10.1YFLSB

Uniformização de jurisprudência

Conselheiro Artur Rodrigues da Costa

I

1 - No dia 12 de Março de 2009, foi proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência pelo Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Nele estava em causa o problema de saber se o recurso para o Tribunal Constitucional, num processo-crime, deve ser considerado como «sentença a proferir por tribunal não penal», levando à suspensão da prescrição do procedimento criminal durante a sua pendência, nos termos consignados nos artigos 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP) na sua versão originária e 120.º, n.º 1, alínea a), da versão resultante da reforma introduzida pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março.

2 - O conflito jurisprudencial que esteve na base do referido Acórdão tinha como decisões antagónicas, proferidas sobre a referida questão e no âmbito da mesma legislação, o Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Abril de 2008 (processo 677/95.7JACBR) - acórdão recorrido - , que considerou que o Tribunal Constitucional não podia ser tido como tribunal não penal para efeitos dos artigos 119.º, n.º 1, alínea c), do CP/82 e 120.º, n.º 1, alínea c), do CP na versão de 1995, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 2001, prolatado no processo 1336/96 e publicado na Colectânea de Jurisprudência - ACS do Supremo Tribunal de Justiça, ano ix, 2001, p. 251 - acórdão-fundamento - , que, por sua vez, entendeu que o prazo de prescrição do procedimento criminal se suspende durante o período de pendência do processo no Tribunal Constitucional, constando designadamente do seu sumário que «o recurso para o Tribunal Constitucional é um recurso para tribunal não penal, pelo que o prazo de prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que o processo aí estiver pendente».

3 - O Ministério Público (recorrente) e o arguido formularam idênticas propostas de fixação de jurisprudência:

Ministério Público: A pendência de recurso para o Tribunal Constitucional não constitui causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista na norma do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1982, versão original, ou artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1982, revisão de 1995.

Arguido: [...] deve uniformizar-se jurisprudência no sentido segundo o qual na pendência de recurso para o Tribunal Constitucional o prazo de prescrição do procedimento criminal se não suspende, continuando a correr enquanto o processo aí estiver pendente, nos termos dos artigos 119.º, n.º 1, alínea a) e 120.º, n.º 3, do Código Penal na sua versão de 1982 e dos artigos 120.º, n.º 1, alínea a) e 121.º do mesmo Código na sua versão de 1995.

4 - Não obstante, o Acórdão deste Tribunal enveredou por via diversa, enfileirando na tese do acórdão-fundamento.

Partindo, na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 529/08, de 11 de Novembro de 2008, processo 461/08, da constatação de que existem três segmentos normativos autónomos na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CP, configurando situações de impossibilidade de instauração ou paralisação do processo penal e prevendo outras tantas causas de suspensão do prazo de prescrição (1 - falta de autorização legal; 2 - dependência de sentença a proferir por tribunal não penal; 3 - devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal) e que o referido Acórdão do TC se pronunciou apenas sobre o último daqueles segmentos, passou a analisar o segundo segmento enquanto correspondendo à hipótese materializada no conflito de jurisprudência que se impunha dirimir.

Assim, por um lado, raciocinando na base de que o legislador, na referida alínea a), distinguiu, «como factor de suspensão do procedimento criminal, a 'falta de sentença a proferir por tribunal não penal' e a 'devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal' como duas circunstâncias diferentes», concluía que «não deve o intérprete reduzir os dois segmentos a um só, como se tudo se cifrasse numa pura questão de prejudicialidade, tal como configurada no artigo 7.º do Código de Processo Penal.» Dentro dessa distinção, o Acórdão do TC n.º 529/08 tinha apreciado o segmento normativo que respeita à natureza do meio de acesso («questão prejudicial não penal») e não à natureza do tribunal («sentença a proferir por tribunal não penal»).

Daí partiu - e estamos a encurtar o complexo de razões que subjaz à análise do aresto, as quais melhor se apreenderão com a leitura dele, não interessando aqui reproduzi-las - para a dissecação da natureza do Tribunal Constitucional. Tomando como ponto de referência nodal o texto da própria Constituição da República Portuguesa (CRP), sobretudo na parte em que se ocupa dos tribunais (título v, da parte iii) e, depois, especificamente do TC (título vi, da parte iii) e a função de fiscalização da constitucionalidade que lhe compete (parte iv, título i), vinha a concluir que o TC «não se integra nos tribunais judiciais, aos quais assiste competência criminal, sendo, pois, um tribunal não penal que se ocupa exclusivamente, no domínio da fiscalização concreta, da questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas suscitada nos outros tribunais, a que cabe então a última palavra sobre tal matéria, o que gera a dependência, nesse domínio, dos restantes tribunais.» E continuava:

«Daí que se quadre directamente na noção de tribunal não penal dado pela alínea a) do artigo 120.º do Código Penal, no segmento normativo que se refere à 'dependência de sentença a proferir por tribunal não penal'».

E a finalizar:

«Finalmente, como se sublinhou já, o próprio Código de Processo Penal, ao prever o aumento do respectivo prazo máximo [de prescrição] no caso de ter havido recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 215.º, n.º 5, do CPP), distingue o recurso para o Tribunal Constitucional da suspensão do 'processo para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial', remetendo também para compreensões distintas o recurso para o Tribunal Constitucional e as questões prejudiciais.

O que impõe a afirmação de que a pendência, num processo criminal, de um recurso para o Tribunal Constitucional, sobre uma questão de constitucionalidade ou ilegalidade, suspende - pelo período dessa pendência - a prescrição do procedimento criminal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal (na versão actual) ou do artigo 119.º da versão originária do mesmo diploma.» Deste modo, por maioria, acabou por se fixar a seguinte jurisprudência:

A pendência de recurso para o Tribunal Constitucional constitui causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista no segmento normativo «dependência de sentença a proferir por tribunal não penal», da alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, versão original, ou da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º, do Código Penal de 1982, revisão de 1995.

5 - Foi interposto recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, quer pelo Ministério Público, quer pelo arguido, em que se pôs em causa a interpretação dada à referida norma do CP, enquanto violadora das seguintes normas e princípios da CRP:

280.º, por contrariar a natureza de verdadeiro recurso ao recurso de constitucionalidade (Ministério Público e arguido); 20.º, n.os 4 e 5, na medida em que prolongava injustificadamente a duração do processo penal (arguido); violação do princípio da proporcionalidade e das garantias de defesa, na medida em que ampliava os prazos de prescrição do procedimento criminal sem qualquer limite temporal (Ministério Público). Só a primeira das normas, no entanto, foi considerada pertinente para a solução do problema.

6 - O Tribunal Constitucional começou por analisar o papel que a Constituição lhe assinala e a sua competência em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade, em ordem a apurar se o recurso para ele interposto deveria ser considerado como «sentença a proferir por tribunal não penal», com o efeito suspensivo do prazo da prescrição, como foi considerado pelo STJ. Para a dilucidação de tal problema, o TC afastou, por inadequada, a perspectiva que assenta no aspecto organizatório, «de atendimento do Tribunal Constitucional na cartografia do conjunto dos tribunais judiciais», para privilegiar aquela em que se indague da caracterização funcional e processual do recurso de constitucionalidade no âmbito do processo penal.

Nessa perspectiva e em síntese final de todo o seu argumentário, o TC resumiu assim a sua posição:

«Em suma, a questão da constitucionalidade, sendo separável da questão de fundo, não deixa de constituir um "elemento da questão a decidir no 'feito submetido a julgamento' ", que não "é exterior nem jurídica ou processualmente autónoma do 'feito submetido a julgamento' " (nas palavras de um dos votos de vencido apostos no acórdão recorrido).

As considerações expostas levam a concluir que o legislador constitucional desenhou o recurso constitucional como um mecanismo incidental, enxertado num concreto processo judicial, para permitir o controlo último, pelo Tribunal Constitucional, da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, inicialmente atribuída, de forma difusa, a todo e qualquer tribunal. Assim, o recurso de constitucionalidade é um incidente do próprio processo judicial, penal ou outro, correspondendo a mais uma das suas fases.

E a questão de constitucionalidade que é objecto do recurso de constitucionalidade não é uma questão 'estranha' à questão de fundo. E tanto não é que, se o for, não estarão reunidos os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso.

Forçoso é, por isso, concluir que, da natureza e regime constitucional do recurso de constitucionalidade não se lhe pode extrair o efeito que lhe é assacado pela interpretação normativa em apreço, isto é, não pode dizer-se que o recurso de constitucionalidade, por si, obsta necessariamente ao prosseguimento do procedimento criminal.

O que significa, noutro plano, que ao interpretar o segundo segmento da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º (anterior artigo 119.º) do Código Penal como incluindo o recurso de constitucionalidade, o tribunal recorrido está a criar ex novo uma causa de suspensão do prazo de prescrição, que o legislador não contemplou (questão diversa, que aqui não cabe apreciar, seria a apreciação da constitucionalidade de norma, até agora inexistente, que expressamente contemplasse o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade como causa de suspensão da prescrição.

Conclui-se, até aqui, que a pendência de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade no Tribunal Constitucional não pode ser havido como um caso de suspensão da prescrição especialmente previsto na lei: não está expressamente referido pelo legislador, nem pode ser incluído entre as situações de 'sentença a proferir por tribunal não penal', previstas no segundo segmento da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º (anterior artigo 119.º) do Código Penal. Tendo em conta o recorte constitucional do mecanismo processual do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, a norma actualmente vigente não pode ser interpretada no sentido de que a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional, no âmbito deste recurso, é uma 'sentença a proferir por tribunal não penal', cuja falta impede a 'continuação do procedimento criminal'. A tal obstam, na verdade, as acrescidas exigências de determinabilidade decorrentes do princípio da legalidade criminal.

Mas, com esta conclusão, apenas se censura um determinado modo de previsão de um resultado interpretativo, não, a se, a solução que ele corporiza. Noutros termos:

não se está a decidir se o sistema de direito ordinário podia prever a pendência de recurso para o Tribunal Constitucional como causa de suspensão da prescrição, mas antes se podia prevê-lo deste modo, através da inclusão desta hipótese no campo semântico de significação da norma questionada.

A resposta negativa que demos implica considerar que a interpretação sub judicio criou uma nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, não expressamente contemplada na lei.

Este Tribunal já considerou inconstitucional a criação de causas de suspensão e de interrupção da prescrição pelo facto de não estarem previstas na lei, ou seja, por violação do princípio da legalidade.

[...] Como vimos, a pendência de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade não está legalmente prevista como causa de suspensão da prescrição, nem está essa suspensão prevista como um efeito necessário desse recurso. Assim, dentro dos limites do princípio da legalidade, não se poderá considerar que o recurso constitucional constitui, à luz do disposto no segundo segmento da alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º (actual artigo 120.º) do Código Penal, uma causa legalmente prevista de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal.

Conclui-se, assim, pela violação do princípio-garantia da legalidade criminal, cujo âmbito de protecção, como este Tribunal já afirmou, nomeadamente nos arestos citados [Acórdãos 183/2008 e 412/2003] abrange as causas de suspensão da prescrição.» 7 - Dessa forma, veio a decidir-se, a final:

a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição, a norma do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1982 (na versão original) correspondente à norma do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), após a revisão de 1995 (operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março), interpretada em termos de a pendência de recurso para o Tribunal Constitucional constituir causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, prevista no segmento normativo «sentença a proferir por tribunal não penal»;

b) Consequentemente, conceder provimento aos recursos, devendo a decisão ser reformulada em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.

II

8 - A doutrina fixada implica, pois, a reformulação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido neste processo no dia 12 de Março de 2009.

E, reformulando-se o aresto mandado reformar pelo Tribunal Constitucional, fixa-se jurisprudência - contrária à que provisoriamente fez vencimento - , no seguinte sentido:

A pendência de recurso para o Tribunal Constitucional não constitui a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista no segmento normativo «dependência de sentença a proferir por tribunal não penal», da alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, versão original, ou da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982, revisão de 1995.

9 - Confirma-se, assim, a decisão recorrida.

10 - Cumpra-se o disposto no artigo 444.º do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Outubro de 2010. - António Artur Rodrigues da Costa (relator) - Armindo dos Santos Monteiro - Arménio Augusto Malheiro de Castro Sottomayor - José António Henriques dos Santos Cabral (subscrevo a declaração do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Oliveira Mendes) - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes (com declaração de voto que junto) - José Adriano Machado Souto de Moura - Eduardo Maia Figueira da Costa (com declaração de voto) - António Pires Henriques da Graça - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Jorge Henrique Soares Ramos (acompanhando a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes) - Isabel Celeste Alves Pais Martins - Manuel Joaquim Braz - António Pereira Madeira (acompanhando a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Maia Costa) - José Vaz dos Santos Carvalho (acompanho a declaração de voto do Sr. Conselheiro Maia Costa) - Luís António Noronha Nascimento.

Declaração de voto

Muito sumariamente pretendo deixar consignado, por imperativo de consciência, que, conquanto haja votado a decisão, continuo a entender, convictamente, tal qual este Supremo Tribunal de Justiça inicialmente decidiu, que a pendência de recurso penal para o Tribunal Constitucional constitui causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal [alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º da versão original], segundo a qual:

«A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal...».

O voto de concordância por mim expresso resulta, exclusivamente, do dever que me é imposto por lei, decorrente do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional, que julgou inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição, a norma do artigo 119.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal de 1982 (na versão original) correspondente à norma do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), após a revisão de 1995, interpretada em termos de a pendência de recurso para o Tribunal Constitucional constituir causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, prevista no segmento normativo «sentença a proferir por tribunal não penal», acórdão em que, há que dizê-lo, ao arrepio da vasta jurisprudência anteriormente assumida por aquele tribunal (entre muitos outros, os Acórdãos n.os 392/87, 586/95, 504/97, 674/99, 196/03, 197/03, 331/03, 336/03 e 524/07), o mesmo se arrogou competência e poder, que manifestamente não tem, para sindicar o acórdão de fixação de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, concretamente no segmento em que se interpretou a norma de direito infraconstitucional do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, violando o sistema de fiscalização da constitucionalidade consagrado na Constituição da República, lei fundamental por cujo cumprimento lhe incumbe velar.

Com efeito, aquele tribunal ao decidir que a pendência de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade não está legalmente prevista como causa de suspensão da prescrição, sindicou o juízo interpretativo feito pelo Supremo Tribunal de Justiça da lei infraconstitucional, fazendo prevalecer o seu juízo sobre o do Supremo Tribunal de Justiça, o que lhe está vedado, visto que o recurso de amparo não está previsto na Constituição da República.

Como deixou consignado o Conselheiro Benjamim Rodrigues na declaração de voto que lavrou: «... a ver-se a questão nos termos em que o acórdão a recortou, não se está perante uma questão de constitucionalidade normativa (confronto de um critério de decisão com normas ou princípios constitucionais), como no voto de vencido aposto ao Acórdão 183/08 pensamos ter demonstrado, mas de constitucionalidade da decisão, esta traduzida num controlo do concreto juízo interpretativo levado a cabo pelo STJ sobre a norma de direito infraconstitucional do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal». - Oliveira Mendes.

Declaração de voto

O acórdão do Tribunal Constitucional (TC) proferido nos autos não respeita os limites dos poderes de cognição do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

Com efeito, o acórdão do TC não confronta directamente a interpretação dos artigos 119.º, n.º 1, alínea a), e 120.º, n.º 3, do Código Penal (CP), na sua versão originária, e 120.º, n.º 1, a), e 121.º, na sua versão de 1995, estabelecida nestes autos de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com quaisquer regras ou princípios constitucionais, antes procede à elaboração prévia de uma interpretação diferente daqueles preceitos para depois concluir pela violação do princípio da legalidade, previsto no artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição (n.os 15 e 16 do acórdão do TC).

Sem a reinterpretação das normas citadas, o juízo de inconstitucionalidade não seria possível.

Ora, nos termos da disposição constitucional acima citada, o TC, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, pode apenas proceder ao controlo da constitucionalidade das normas aplicadas, mas não da própria decisão impugnada.

É aliás esta a posição assumida no voto de vencido do Cons. Benjamim Rodrigues.

O juízo de inconstitucionalidade poderia ter sido assente noutra fundamentação, como consta do mesmo voto.

Ao adoptar, porém, aquela fundamentação, a decisão do TC incorre em excesso de pronúncia, vício previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil. Como esse acórdão era insusceptível de recurso, o vício teria de ser suscitado junto do próprio tribunal, o que não sucedeu. Transitado em julgado o acórdão, há que dar-lhe cumprimento.

No entanto, embora concordando com a interpretação seguida no acórdão do TC, como ficou expresso no voto de vencido que produzi no acórdão impugnado, não posso deixar passar sem referência o vício de que essa decisão padece. - Eduardo Maia Costa.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/11/26/plain-280579.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/280579.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 48/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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