de 8 de Junho
A protecção dos direitos dos consumidores - consagrados na Constituição da República Portuguesa - tem vindo a ser cuidadosamente regulamentada com vista à criação de medidas eficientes para a promoção de regras mais transparentes e equitativas num mercado em crescente globalização.A Lei 23/96, de 26 de Julho, veio criar no ordenamento jurídico português alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, abrangendo o fornecimento de água, electricidade, gás e serviço telefónico.
Ficou, deste modo, perfeitamente identificado um mercado com características muito especiais e cujo funcionamento denotava um significativo desequilíbrio em detrimento da posição contratual do consumidor, dado tratar-se da prestação de serviços básicos, universais e essenciais à vida moderna, em que os consumidores não dispõem de poder negocial perante situações muitas vezes identificadas como «monopólios naturais».
Importa tornar cada vez mais claras as condições de acesso aos serviços, normalmente estabelecidas em contratos de adesão predefinidos. Neste quadro, a presente medida legislativa visa, especialmente, regular a exigência da prestação de cauções, como condição contratual para a ligação domiciliária de serviços públicos essenciais.
Constata-se que a prática da exigência de caução para acesso ao serviço tem sido desvirtuada pelos operadores, não sendo, por exemplo, accionada em caso de incumprimento do consumidor que implique o corte do fornecimento, aparentando antes ser uma forma menos clara de financiamento das empresas.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito
1 - O presente diploma aplica-se aos contratos de fornecimento dos serviços públicos essenciais mencionados no n.º 2 do artigo 1.º da Lei 23/96, de 26 de Julho, em que sejam parte consumidores como tal definidos no n.º 1 do artigo 2.º da Lei 24/96, de 31 de Julho, qualquer que seja o fornecedor e a forma do respectivo fornecimento.2 - É proibida a exigência de prestação de caução, sob qualquer forma ou denominação, para garantir o cumprimento de obrigações decorrentes do fornecimento dos serviços públicos essenciais mencionados no número anterior.
3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a autonomia própria das autarquias locais.
Artigo 2.º
Caução em caso de incumprimento
1 - Os fornecedores dos serviços públicos essenciais mencionados no artigo 1.º apenas podem exigir a prestação de caução nas situações de restabelecimento de fornecimento, na sequência de interrupção decorrente de incumprimento contratual imputável ao consumidor.2 - A caução poderá ser prestada em numerário, cheque ou transferência electrónica ou através de garantia bancária ou seguro-caução.
3 - O valor e a forma de cálculo das cauções serão fixados pelas entidades reguladoras dos diferentes serviços públicos essenciais ou, na sua falta, pelas entidades públicas responsáveis pela supervisão ou controlo dos respectivos sectores de actividade.
4 - Não será prestada caução se, regularizada a dívida objecto do incumprimento, o consumidor optar pela transferência bancária como forma de pagamento dos serviços.
5 - Sempre que o consumidor, que haja prestado caução nos termos do n.º 1, opte posteriormente pela transferência bancária como forma de pagamento, a caução prestada será devolvida nos termos do artigo 4.º
Artigo 3.º
Accionamento da caução
1 - O fornecedor deve utilizar o valor da caução para satisfação dos valores em dívida pelo consumidor.2 - Accionada a caução, o fornecedor pode exigir a sua reconstituição ou o seu reforço em prazo não inferior a 10 dias úteis, por escrito, de acordo com as regras fixadas nos termos do n.º 3 do artigo 2.º 3 - A utilização da caução, nos termos acima mencionados, impede o fornecedor de exercer o direito de interrupção do fornecimento, ainda que o montante da caução não seja suficiente para a liquidação integral do débito.
4 - A interrupção do fornecimento poderá ter lugar, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei 23/96, de 26 de Julho, se o consumidor, na sequência da interpelação a que se refere o n.º 2, não vier a reconstituir ou reforçar a caução.
Artigo 4.º
Restituição da caução
1 - Findo o contrato de fornecimento, por qualquer das formas legal ou contratualmente estabelecidas, a caução prestada é restituída ao consumidor, deduzida dos montantes eventualmente em dívida.2 - A quantia a restituir será actualizada em relação à data da sua última alteração, com base no índice anual de preços ao consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
Artigo 5.º
Validade da caução
A caução prestada nos termos do presente diploma considera-se válida até ao termo ou resolução do contrato de fornecimento, qualquer que seja a entidade que, até essa data, forneça ou venha a fornecer o serviço em causa, ainda que não se trate daquela com quem o consumidor contratou inicialmente o fornecimento, podendo o consumidor exigir dessa entidade a sua restituição.
Artigo 6.º
Cauções anteriores
1 - As cauções prestadas pelos consumidores, em numerário, cheque ou transferência electrónica, até à data da entrada em vigor do presente diploma são restituídas aos consumidores ou aos seus herdeiros, após actualização nos termos do n.º 4, de acordo com plano a estabelecer pelas entidades mencionadas no n.º 3 do artigo 2.º e em prazo por estas fixado, que não poderá exceder um ano.2 - A entidade responsável pela restituição das cauções é aquela que, no momento dessa restituição, assegure o fornecimento do serviço.
3 - O plano de reembolso mencionado no n.º 1 poderá considerar a possibilidade de a restituição das cauções se efectuar por compensação, total ou parcial, de débitos relativos ao fornecimento de serviços, sempre que os respectivos contratos ainda se encontrem em vigor e o consumidor seja o mesmo relativamente ao qual é devida a restituição da caução.
4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, a actualização das cauções a restituir é referida apenas ao período decorrido depois de 1 de Janeiro de 1999.
Artigo 7.º
Entrada em vigor e disposições finais
1 - O presente diploma entra em vigor 90 dias após a sua publicação.
2 - No prazo de 60 dias a contar da data da sua entrada em vigor, as entidades a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º darão cumprimento ao disposto nessa disposição e no n.º 1 do artigo 6.º Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 1 de Abril de 1999. - António Manuel de Oliveira Guterres - João Cardona Gomes Cravinho - Osvaldo -Sarmento e Castro - Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Promulgado em 20 de Maio de 1999.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 25 de Maio de 1999.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.