de 20 de Fevereiro
As características de toxicidade de determinadas substâncias, a que se alia, muitas vezes, um elevado potencial de persistência e bioacumulação, tornam necessário um controlo estrito das suas emissões, em particular no meio aquático.Numa perspectiva de protecção dos recursos hídricos, que, sendo um componente fundamental do ambiente biofísico, são indispensáveis ao desenvolvimento da sociedade humana, é fundamental actuar preventivamente sobre as principais fontes de poluição e exercer uma vigilância activa dos meios receptores, de forma que não acarrete aumento de poluição por estas substâncias noutros meios.
Torna-se, assim, necessário transpor a Directiva n.º 83/513/CEE, do Conselho, de 26 de Setembro, relativa aos valores limite e aos objectivos de qualidade para as descargas de cádmio, por forma a incluir na ordem jurídica disposições que regulem de forma adequada a descarga desta substância perigosa no meio hídrico.
Trata-se de uma transposição que se articula com as regras gerais vigentes quer em matéria do licenciamento da utilização do domínio hídrico (Decreto-Lei 46/94, de 22 de Fevereiro), quer em sede das normas, critérios e objectivos de qualidade constantes do Decreto-Lei 236/98, de 1 de Agosto.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Foram ouvidos os órgãos próprios das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto e âmbito
1 - O presente diploma transpõe para o direito interno a Directiva n.º 83/513/CEE, do Conselho, de 26 de Setembro, e tem por objectivo fixar os valores limite a considerar na fixação das normas de descarga de águas residuais na água ou no solo, os objectivos de qualidade, os métodos de referência e o processo de controlo do cádmio, com vista a eliminar a poluição que esta substância pode provocar nesses meios.2 - As disposições do presente diploma aplicam-se à descarga de águas residuais em águas interiores de superfície, estuários, águas costeiras do litoral, em águas marítimas territoriais e no solo, bem como à descarga de águas residuais em colectores.
Artigo 2.º
Definições
1 - Para os efeitos da aplicação do presente diploma, entende-se por:a) «Cádmio» - o cádmio no estado elementar ou o cádmio num dos seus compostos;
b) «Valores limite de emissão» ou «valores limite» - os valores fixados para cada uma das substâncias referidas na alínea anterior, indicados na alínea A) do anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante;
c) «Objectivos de qualidade» - as exigências fixadas para cada uma das substâncias referidas na alínea a), indicadas na alínea B) do anexo ao presente diploma;
d) «Tratamento do cádmio» - qualquer processo industrial que implique a produção ou a utilização das substâncias referidas na alínea a) ou qualquer outro processo industrial a que seja inerente a presença do cádmio;
e) «Instalação industrial» ou «instalação» - qualquer instalação industrial das referidas no quadro da alínea A) do anexo ao presente diploma em que se efectue o tratamento do cádmio ou de quaisquer outras substâncias que o contenham;
f) «Instalação existente» - qualquer instalação industrial em actividade à data da entrada em vigor do presente diploma;
g) «Nova instalação» - qualquer instalação industrial que inicie a sua actividade após a entrada em vigor do presente diploma.
2 - São ainda de considerar as siglas e definições constantes do artigo 3.º do Decreto-Lei 236/98, de 1 de Agosto, sempre que estas se encontrem em conformidade com o disposto no presente diploma.
Artigo 3.º
Requisitos do licenciamento
1 - O licenciamento da descarga de águas residuais proveniente das instalações industriais fica condicionado ao cumprimento dos valores limite de descarga constantes do anexo ao presente diploma.2 - Nas circunstâncias e nos prazos previstos na Directiva n.º 96/61/CE, do Conselho, de 24 de Setembro, o cumprimento dos valores limite constantes da alínea A) do anexo ao presente diploma não poderá, em caso algum, sobrepor-se às exigências do cumprimento dos objectivos de qualidade definidos na alínea B) do mesmo anexo.
3 - O licenciamento de novas instalações só pode ocorrer se estas cumprirem as normas correspondentes aos melhores meios técnicos disponíveis sempre que tal seja necessário para eliminar a poluição, nos termos do capítulo VI do Decreto-Lei 236/98, de 1 de Agosto, ou para evitar distorções de concorrência.
4 - A entidade licenciadora da descarga de águas residuais zelará para que as medidas tomadas em aplicação do presente diploma não acarretem um aumento da poluição por cádmio noutros meios, designadamente no solo e no ar.
5 - As licenças de descarga de águas residuais que contenham cádmio serão revistas, pelo menos, de quatro em quatro anos.
Artigo 4.º
Aplicação dos valores limite
1 - Os valores limite aplicam-se normalmente no ponto em que as águas residuais contendo cádmio são descarregadas.2 - Se as águas residuais contendo cádmio forem tratadas fora da instalação industrial, numa instalação de tratamento destinada à sua eliminação, os valores limite podem ser aplicados no ponto em que as águas residuais provenientes dessa instalação de tratamento são descarregadas.
3 - Quando se manifeste necessário, serão fixados valores limite para as instalações industriais que descarreguem águas residuais contendo cádmio e não se encontrem mencionadas no quadro da alínea A) do anexo.
4 - Enquanto não se encontrarem fixados os valores limite referidos no número anterior, a entidade licenciadora fixará normas de emissão para as descargas aí mencionadas, nos termos do Decreto-Lei 236/98, de 1 de Agosto.
5 - As normas referidas no número anterior devem ter em conta os melhores meios técnicos disponíveis e não devem ser menos exigentes do que o valor limite mais comparável previsto na alínea A) do anexo ao presente diploma.
6 - Os valores limite estabelecidos neste diploma referem-se exclusivamente ao cádmio, sendo que os restantes parâmetros da descarga de águas residuais devem cumprir o disposto no anexo XVIII ao Decreto-Lei 236/98, de 1 de Agosto.
Artigo 5.º
Verificação de conformidade
1 - O cumprimento dos valores limite constantes da alínea A) do anexo ao presente diploma é verificado através de acções de autocontrolo e de fiscalização, referindo-se os valores limite às águas residuais antes de qualquer diluição no meio receptor.2 - As acções de autocontrolo, a estabelecer na licença de descarga de águas residuais, e as acções de fiscalização previstas no Decreto-Lei 46/94, de 22 de Fevereiro, devem ter em conta as características quantitativas e qualitativas do meio receptor e incluir, nomeadamente:
a) A colheita e análise de amostras representativas das águas residuais e do meio receptor;
b) A medição de caudais de descarga;
c) A determinação da quantidade de cádmio;
d) A medição dos parâmetros característicos das actividades poluentes.
3 - Considera-se representativa da descarga de águas residuais a amostra de vinte e quatro horas, constituindo a base do cálculo da quantidade de substância descarregada mensalmente, sendo de afastar esta presunção relativamente a situações específicas para as quais ela se demonstre desadequada.
4 - Se não for possível determinar a quantidade de substância tratada, para efeitos do disposto no n.º 2, pode tomar-se como base de cálculo a quantidade de cádmio que pode ser utilizado em função da capacidade de produção em que se fundamenta a autorização para o exercício da actividade da instalação.
5 - As colheitas de amostras e a medição de caudais prevista no n.º 2 far-se-ão normalmente nos pontos de descarga aos quais se aplicam os valores limite.
6 - Se necessário, para garantir que as determinações analíticas cumpram as condições referidas na alínea C) do anexo ao presente diploma, as colheitas de amostras para análise e a medição de caudais podem ser realizadas noutro ponto a montante do ponto a que se aplicam os valores limite, desde que:
a) Todas as águas da unidade industrial susceptíveis de conterem a substância em causa sejam analisadas;
b) Sejam realizadas campanhas regulares para verificar se as determinações são efectivamente representativas das quantidades descarregadas no ponto em que se aplicam os valores limite ou que sejam sempre superiores a estas.
7 - Os resultados obtidos através das acções de autocontrolo constam de relatórios que devem ser enviados, de acordo com a periodicidade estipulada na licença, às direcções regionais do ambiente (DRA), que os comunicarão ao Instituto da Água (INAG), devendo este informar as Direcções-Gerais da Saúde, do Ambiente e da Indústria quando se verifique qualquer irregularidade.
8 - As acções de autocontrolo podem ter uma frequência reduzida sempre que a descarga de cádmio no âmbito deste diploma não ultrapasse, em cada caso, os valores referidos na alínea A) do anexo ao presente diploma.
Artigo 6.º
Métodos analíticos de referência
1 - Os métodos analíticos de referência para efectuar as acções de autocontrolo e a fiscalização das águas residuais e do meio receptor são os indicados na alínea C) do anexo ao presente diploma.2 - Poderão ser utilizados outros métodos de referência, desde que os seus limites de detecção, a precisão e a exactidão sejam equivalentes aos referidos no n.º 1.
Artigo 7.º
Inventário e relatórios
1 - Compete às DRA elaborar um inventário das fontes de descarga pontuais, múltiplas e difusas, de cádmio existentes à data da vigência do presente diploma, do qual constará a caracterização das águas residuais descarregadas e dos meios receptores.2 - O controlo do cádmio nas águas cuja qualidade seja susceptível de ser afectada pelas descargas das instalações industriais será assegurado pelas DRA.
3 - As DRA elaborarão anualmente, no 1.º trimestre do ano seguinte àquele a que diga respeito, um relatório circunstanciado das acções de autocontrolo e fiscalização realizadas tanto no que se refere às descargas como ao meio receptor.
4 - O INAG elaborará um relatório súmula da situação a nível nacional, no qual será analisado o grau de cumprimento do estipulado no presente diploma.
Artigo 8.º
Comunicação à Comissão Europeia
Compete ao INAG transmitir ao Gabinete de Relações Internacionais do Ministério do Ambiente, para efeitos de comunicação à Comissão Europeia, o relatório referido no n.º 4 do artigo 7.ºArtigo 9.º
Regiões Autónomas
1 - O disposto no presente diploma aplica-se às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo das adaptações decorrentes da estrutura própria da administração regional autónoma, a introduzir em diploma regional adequado.2 - Os serviços e organismos das respectivas administrações regionais devem remeter ao INAG o relatório mencionado no n.º 3 do artigo 7.º
Artigo 10.º
Novos valores limite e objectivos de qualidade
O disposto no presente diploma deverá ser revisto, através da fixação de novos valores limite e objectivos de qualidade mais exigentes, quando se verifique a modificação dos conhecimentos científicos, relativos principalmente à toxicidade, à persistência e à acumulação do cádmio nos organismos vivos e nos sedimentos, o aperfeiçoamento dos meios técnicos disponíveis ou a fixação de novos valores pela União Europeia.
Artigo 11.º
Norma revogatória
No que respeita ao cádmio consideram-se derrogadas as disposições dos anexos XVIII, XXI e XXII ao Decreto-Lei 236/98, de 1 de Agosto.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 23 de Dezembro de 1998. - António Manuel de Oliveira Guterres - Joaquim Augusto Nunes de Pina Moura - Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina - Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira.
Promulgado em 10 de Fevereiro de 1999.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 11 de Fevereiro de 1999.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.
ANEXO
A) Valores limite e procedimentos de verificação de conformidade
(ver tabela no documento original) 1 - Os valores limite, expressos em termos de concentração, que em princípio não devem ser ultrapassados figuram no presente quadro para as instalações industriais 2 a 6. Os valores limite, expressos em concentrações máximas, não podem ser superiores aos expressos em quantidades máximas divididos pelas necessidades de água por quilograma de cádmio tratado.
Porém, dado que a concentração de cádmio nos efluentes depende do volume de água necessário, que varia com os processos e instalações, os valores limite, expressos em termos de quantidade de cádmio descarregado em relação à quantidade de cádmio tratado, devem ser sempre respeitados.
2 - Os valores limite das médias diárias são iguais ao dobro dos valores limite das médias mensais correspondentes.
3 - Pode ser instaurado um sistema de controlo simplificado para as instalações industriais que não descarreguem mais de 10 kg de cádmio por ano. Relativamente às instalações industriais de electrodeposição, só poderá ser instaurado um sistema de controlo simplificado se o volume total das tinas de electrodeposição for inferior a 1,500 m³.
B) Objectivos de qualidade
As normas de descarga serão fixadas de modo que os objectivos de qualidade adequados de entre os a seguir enumerados sejam respeitados na região afectada pelas descargas de cádmio provenientes das unidades industriais. A DRA territorialmente competente designará a região afectada, em cada caso, e seleccionará, de entre os objectivos de qualidade que figuram no n.º 1, aquele ou aqueles que considere adequados, de acordo com a utilização a que se destina a região afectada, tendo em conta o facto de que o objectivo é eliminar toda a poluição.1 - A fim de eliminar a poluição, são fixados os seguintes objectivos de qualidade, que serão medidos num ponto suficientemente próximo do ponto de descarga:
1.1 - A concentração total de cádmio nas águas interiores de superfície afectadas pelas descargas não deve exceder 5 µg/l, enquanto média aritmética dos resultados obtidos ao longo de um ano.
1.2 - A concentração de cádmio em solução nas águas dos estuários afectados pelas descargas não deve exceder 5 µg/l, enquanto média aritmética dos resultados obtidos ao longo de um ano.
1.3 - A concentração de cádmio em solução nas águas marítimas territoriais e nas águas costeiras do litoral, não estuárias, afectadas pelas descargas não deve exceder 2,5 µg/l, enquanto média aritmética dos resultados obtidos ao longo de um ano.
1.4 - No caso das águas utilizadas para a produção de água potável, o teor em cádmio deve corresponder às exigências estabelecidas no capítulo II, secção I, do Decreto-Lei 236/98, de 1 de Agosto.
2 - Para além das exigências anteriores, as concentrações de cádmio devem ser determinadas pela rede nacional de monitorização da qualidade da água, e os resultados devem ser comparados com as seguintes concentrações:
2.1 - No caso das águas interiores de superfície, uma concentração total de cádmio de 1 µg/l, enquanto média aritmética dos resultados obtidos ao longo de um ano.
2.2 - No caso das águas dos estuários, uma concentração de cádmio de 1 µg/l, enquanto média aritmética dos resultados obtidos ao longo de um ano.
2.3 - No caso das águas marítimas territoriais e das águas costeiras do litoral, não estuárias, uma concentração de cádmio em solução de 0,5 µg/l, enquanto média aritmética dos resultados obtidos ao longo de um ano.
3 - A concentração de cádmio nos sedimentos, nos moluscos e nos crustáceos, se possível da espécie Mytilus edulis não deve aumentar de forma significativa com o tempo.
4 - Quando vários objectivos de qualidade são aplicados às águas de uma região, a qualidade das águas deve ser suficiente para respeitar cada um destes objectivos.
C) Métodos de referência
1 - O método de análise de referência utilizado para determinar o teor em cádmio das águas, dos sedimentos, dos moluscos e dos crustáceos é a medida de absorção atómica por espectrofotometria, após conservação e tratamento adequado da amostra.Os limites de detecção devem ser tais que a concentração de cádmio possa ser medida com uma exactidão de +30% e uma precisão de +30% para as seguintes concentrações:
No caso das descargas, um décimo da concentração máxima de cádmio autorizada, especificada na licença;
No caso das águas interiores de superfície, 0,1 µg/l, ou um décimo da concentração de cádmio especificada no objectivo de qualidade, aplicando-se o valor mais elevado;
No caso dos moluscos e dos crustáceos, 0,1 mg/kg (peso húmido);
No caso dos sedimentos, um décimo da concentração de cádmio da amostra, ou 0,1 mg/kg, peso seco, com secagem efectuada entre 105ºC e 110ºC e peso constante, aplicando-se o valor mais elevado.
2 - A medida do débito dos efluentes deve ser efectuada com uma exactidão de ±20%.
D) Procedimento de controlo para os objectivos de qualidade
As amostras devem ser suficientemente representativas da qualidade do meio aquático na região afectada pelas descargas, e a frequência de amostragem deve ser suficiente para pôr em evidência as modificações eventuais do meio aquático, tendo em conta, nomeadamente, as variações naturais do regime hidrológico.