de 17 de Dezembro
O Decreto-Lei 214/86, de 2 de Agosto, condicionava a abertura à actividade privada dos sectores económicos de produção ou comércio de armamento a contratos de concessão temporária em termos a definir em decreto-lei, consoante os sectores envolvidos, diploma cuja publicação tem vindo a ser diferida ao longo dos últimos 12 anos.A Lei 88-A/97, de 25 de Julho, ao revogar a Lei 46/77, de 8 de Julho, veio abrir o acesso à indústria de armamento por empresas privadas, remetendo para decreto-lei a fixação do respectivo regime.
A prevalência deste último diploma sobre o referido Decreto-Lei 214/86, bem como o espírito comum de mudança que lhe está subjacente, legitima que o vazio relativo à regulamentação sobre o comércio de armamento seja colmatado com um quadro disciplinador e regulador que amplia as condições para o surgimento da iniciativa empresarial, sem perda do controlo de segurança exigido pela natureza da actividade.
Acresce que se impõe pôr termo à dicotomia que se vem verificando desde a publicação do Decreto-Lei 214/86, traduzida em empresas do sector privado exercendo actividades de indústria ou comércio de armamento, por a sua constituição ser anterior àquele diploma, a par de outras que, com aquele desiderato, vêm, desde 1986, aguardando a publicação do previsto diploma regulamentar.
Deste modo, a definição do regime exclusivo de acesso à indústria do armamento e exercício da respectiva actividade, prevista na Lei 88-A/97, implica, em paralelo, a correspondente regulamentação, em diploma autónomo, relativa ao comércio de armamento, o que se entende pelas especificidades que diferenciam os dois regimes.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º e do n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
1 - O presente diploma regula as condições de acesso e de exercício da actividade de comércio de armamento por empresas privadas.2 - Está igualmente sujeito ao disposto no presente diploma o exercício da actividade de comércio de armamento por organismos do Estado, autónomos ou não, no âmbito da defesa nacional, e por empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos, também do âmbito da defesa nacional, criadas nos termos da legislação portuguesa.
Artigo 2.º
Salvaguarda de interesses nacionais
O exercício da actividade mencionada no artigo anterior está subordinado à salvaguarda dos interesses da defesa e economia nacionais, à segurança e tranquilidade dos cidadãos e aos compromissos internacionais do Estado.
Artigo 3.º
Definições
1 - Para efeitos do presente diploma, considera-se como comércio de armamento, para além das operações de compra e venda, o complexo de actividades que tenha por objecto a importação, exportação, reexportação e trânsito de bens e tecnologias militares, em conformidade com os seguintes conceitos:a) Importação: a entrada em Portugal, temporária ou definitiva, de bens e tecnologias militares, provenientes de países terceiros;
b) Exportação: a saída de Portugal, temporária ou definitiva, de bens e tecnologias militares comunitárias com destino a um país terceiro;
c) Reexportação: a saída de Portugal de bens e tecnologias militares não comunitárias com destino a um Estado membro da Comunidade Europeia ou a um país terceiro;
d) Trânsito: a passagem por Portugal de bens e tecnologias militares, que tenham como destino declarado outro país, pertencendo ou não à Comunidade Europeia, e desde que sejam submetidos a uma operação de transbordo ou baldeação;
e) Bens militares: os produtos, equipamentos e os respectivos componentes, especialmente concebidos, desenvolvidos e produzidos ou transformados para fins militares;
f) Tecnologia militar: toda a informação, qualquer que seja o suporte material, necessária ao desenvolvimento, produção, ensaio, transformação e uso para fins militares.
2 - Para efeitos do presente diploma, consideram-se ainda bens e tecnologias militares o material de guerra e o equipamento e tecnologia de mísseis susceptíveis de afectar os interesses estratégicos nacionais, conforme listagem aprovada nos termos da legislação em vigor.
Artigo 4.º
Autorização
1 - A constituição de empresas privadas ou a inclusão da actividade de comércio de armamento nos estatutos de empresas já constituídas depende de autorização a conceder, caso a caso, por despacho do Ministro da Defesa Nacional.2 - No caso das sociedades por acções, as acções representativas do capital social são obrigatoriamente nominativas ou ao portador registadas.
3 - O despacho de autorização é publicado no Diário da República.
4 - O Ministro da Defesa Nacional pode delegar no Secretário de Estado da Defesa Nacional, com faculdade de subdelegação, a competência a que se refere o n.º 1 do presente artigo.
5 - A celebração de escrituras públicas de constituição ou de alteração de estatutos de empresas que envolvam o exercício de comércio de armamento depende da autorização prevista no n.º 1 do presente artigo, sob pena de nulidade.
Artigo 5.º
Pedido de autorização
1 - O pedido de autorização é apresentado à Direcção-Geral de Armamento e Equipamentos de Defesa, do Ministério da Defesa Nacional, doravante designada abreviadamente DGAED, sob a forma de requerimento, acompanhado dos seguintes elementos:a) Estatutos da empresa e projecto de alteração, no caso das empresas já constituídas;
b) Projecto de estatutos, no caso das empresas a constituir;
c) Certidão do registo comercial;
d) Identificação de todos os sócios, administradores, directores ou gerentes e certificado de registo criminal;
e) Informação, relativamente a todas as entidades referidas na alínea anterior, das participações sociais de que sejam titulares, directamente ou por intermédio das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 447.º do Código das Sociedades Comerciais;
f) Informações detalhadas relativas à estrutura do grupo, com indicação das situações previstas nos artigos 482.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais;
g) Estrutura orgânica da empresa, com especificação dos respectivos meios técnicos e financeiros;
h) Lista de bens e tecnologias militares que a empresa se propõe comercializar.
2 - No caso das empresas em nome individual, o requerimento deve ser acompanhado de certificado do registo criminal, bem como dos elementos referidos nas alíneas g) e h) do número anterior.
3 - As declarações são assinadas pelos requerentes e os documentos a apresentar poderão ser fotocópias, sendo umas e outros, respectivamente, reconhecidas e autenticados nos termos da lei.
4 - Os requerentes devem, ainda, designar quem os represente perante a autoridade competente para apreciar o processo de autorização.
Artigo 6.º
Deficiências do requerimento
Sempre que o requerimento não se encontre em conformidade com o disposto no artigo anterior, são notificados os requerentes, ou os seus representantes legais, para, no prazo de 30 dias, suprir as deficiências detectadas, sob pena de arquivamento do pedido.
Artigo 7.º
Diligências complementares
1 - A DGAED envia para parecer da Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência do Ministério da Economia uma cópia do requerimento devidamente instruído.2 - A DGAED pode solicitar quaisquer esclarecimentos ou elementos adicionais relevantes para a análise e a decisão do processo.
Artigo 8.º
Requisitos para a autorização
1 - A autorização é concedida desde que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:a) Adequação e suficiência dos meios humanos ao objectivo a atingir;
b) Adequação e suficiência dos meios técnicos e recursos financeiros destinados ao exercício da actividade;
c) Qualificação e idoneidade dos empresários, sócios e membros dos órgãos sociais;
d) Credenciação de segurança, nos termos do artigo 12.º do presente diploma.
2 - A decisão final deve ser proferida no prazo de 60 dias, findo o qual o interessado tem a faculdade de presumir indeferida a sua pretensão.
Artigo 9.º
Caducidade e renúncia da autorização
1 - A autorização caduca se o início da actividade não se verificar no prazo de seis meses, contados a partir da data de publicação do despacho de autorização.
2 - As empresas podem renunciar expressamente a autorização sem prejuízo das relações contratuais e comerciais que hajam entretanto estabelecido.
Artigo 10.º
Comunicações obrigatórias
1 - As empresas autorizadas nos termos do artigo 4.º do presente diploma devem comunicar à DGAED:a) Anualmente, a identidade de todos os sócios, bem como o montante das respectivas participações, com base, nomeadamente, nos registos da assembleia geral anual;
b) A composição dos seus órgãos de administração e de fiscalização, no prazo máximo de 15 dias após a sua designação, justificando a sua adequada qualificação e idoneidade;
c) As alterações aos estatutos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o estabelecido para a autorização inicial;
d) Os acordos parassociais entre sócios de empresas de comércio de armamento relativos ao exercício do direito de voto, sob pena de ineficácia.
2 - As empresas referidas no n.º 1 do presente artigo devem ainda comunicar todas as alterações ocorridas nas situações previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 5.º do presente diploma, quando relevantes à luz dos artigos 482.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
3 - No caso das empresas em nome individual, deve ser comunicada qualquer alteração relativa à titularidade, bem como à exploração da empresa.
Artigo 11.º
Revogação da autorização
1 - A autorização pode ser revogada quando se verifique alguma das seguintes situações:a) Ter sido obtida por meio de falsas declarações ou por outros meios ilícitos, independentemente das sanções penais que ao caso couberem;
b) Deixar de se verificar alguma das condições de acesso ou de exercício da actividade exigidas no presente diploma;
c) Não ser efectuada a comunicação nos termos do artigo 10.º;
d) Irregularidades graves na administração, organização contabilística ou fiscalização interna da empresa.
2 - A revogação da autorização compete ao Ministro da Defesa Nacional, que pode delegar esta competência no Secretário de Estado da Defesa Nacional, com faculdade de subdelegação.
3 - O despacho de revogação é notificado à empresa e publicado no Diário da República.
Artigo 12.º
Credenciação de segurança
1 - As empresas que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º, se candidatam à concessão de autorização para o exercício da actividade no comércio de armamento são objecto de processo de credenciação de segurança nacional a submeter à Autoridade Nacional de Segurança.2 - Para efeitos do número anterior e a requerimento do interessado, a habilitação para a credenciação é apresentada pela DGAED junto do Gabinete Nacional de Segurança da Presidência do Conselho de Ministros.
3 - A decisão deve ser comunicada à DGAED até ao termo do prazo previsto no n.º 2 do artigo 8.º, sob pena de dever o pedido ter-se por indeferido.
Artigo 13.º
Legislação complementar
A importação, exportação e reexportação pelas empresas de armamento de produtos acabados e semiacabados, matérias-primas, bens militares e tecnologias associadas estão sujeitas à obtenção da documentação exigível nos termos da legislação em vigor.
Artigo 14.º
Supervisão do exercício do comércio de armamento
O exercício da actividade das empresas no comércio de armamento fica sujeito à supervisão da DGAED, a qual, para o efeito, pode solicitar a informação e documentação que considerar necessárias.
Artigo 15.º
Norma transitória
As empresas em nome individual e as sociedades comerciais cuja matrícula ou pacto social já permitia, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 214/86, de 2 de Agosto, o comércio de armamento, consideram-se autorizadas, sem prejuízo de lhes ser aplicável o preceituado no presente diploma, nomeadamente a prestação da informação a que se referem os artigos 5.º e 10.ºArtigo 16.º
Norma revogatória
É revogada a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 214/86, de 2 de Agosto, no que se refere à matéria abrangida pelo presente diploma.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 8 de Outubro de 1998. - António Manuel de Oliveira Guterres - José Veiga Simão - José Eduardo Vera Cruz Jardim - Joaquim Augusto Nunes de Pina Moura.
Promulgado em 25 de Novembro de 1998.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 3 de Dezembro de 1998.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.