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Acórdão 185/96, de 28 de Março

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 3 do artigo 44.º do Regulamento Policial do Distrito de Faro, homologado por despacho ministerial de 5 de Fevereiro de 1993 e publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Fevereiro de 1993.

Texto do documento

Acórdão 185/96
Processo 645/93
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1 - O Procurador-Geral da República veio, «no uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 281.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, requerer que o Tribunal Constitucional aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 44.º do Regulamento Policial do Distrito de Faro, homologado por despacho ministerial de 5 de Fevereiro de 1993 e publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Fevereiro (pp. 1871 e seguintes)».

O citado artigo, depois de, no seu n.º 1, estabelecer que nas vias e mais lugares públicos é proibido permanecer ou circular, «dirigindo gestos ou palavras a outras pessoas susceptíveis de serem entendidos como convite à prática de prostituição, ainda que essa actividade não seja sancionada criminalmente» [alínea a)], dispõe no seu n.º 3:

«Nas situações consideradas no n.º 1, alínea a), e sempre que a gravidade da contra-ordenação o justifique, poderá ser interditada ao arguido, mediante determinação escrita, a frequência ou estacionamento em locais públicos ou de livre acesso público devidamente identificados por períodos de 2 a 12 meses, sob pena de crime de desobediência, previsto e punível nos termos do artigo 388.º do Código Penal.»

Afigura-se ao Procurador-Geral da República que esta norma é inconstitucional por violação do estatuído no artigo 168.º, n.º 1, alíneas c), primeira parte, e d), parte final, da Constituição, na medida em que se «invade o âmbito da competência reservada da Assembleia da República».

São duas as ordens de razões que levam o requerente a concluir pelo invocado vício:

«a) Por um lado, ao pretender criminalizar como 'desobediência' o não acatamento da interdição resultante do disposto na primeira parte do preceito ora impugnado, invade matéria que inquestionavelmente se situa no cerne da reserva da competência da Assembleia da República - sendo perfeitamente pacífico que um regulamento policial em nenhuma circunstância pode tipificar como 'crime' a violação de um qualquer dever nele estabelecido.

b) Por outro lado, ao pretender estabelecer uma sanção acessória para a contra-ordenação tipificada na alínea a) do n.º 1 do citado artigo 44.º - a interdição pelo período de 2 a 12 meses da frequência ou estacionamento em locais públicos ou de livre acesso ao público, devidamente identificados -, inova no que ao 'regime geral' dos actos ilícitos de mera ordenação social respeita, já que da enumeração do artigo 21.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, não consta sanção acessória de tal natureza.»

E mais acrescenta que, tendo o Decreto-Lei 252/92, de 19 de Novembro (diploma que define o estatuto e competência dos governadores civis e ao abrigo do qual foi emitido o Regulamento em causa) revogado nesta matéria o Código Administrativo, não se teve em conta que esse decreto-lei não contém disposição idêntica à que se continha no artigo 408.º, § 5.º, daquele Código (redacção do Decreto-Lei 103/84, de 30 de Março).

Efectivamente, neste se dispunha que:
«§ 5.º Sempre que a frequência ou gravidade da contra-ordenação o justifique, poderá o Regulamento prever que o governador civil possa ordenar ao infractor que se abstenha de praticar actos contrários à lei ou ao próprio regulamento, interditando-lhe, pelo período de 2 a 12 meses, a frequência ou estacionamento em locais públicos ou de livre acesso do público, devidamente identificados na ordem.»

Ora, o Decreto-Lei 252/92 limita-se «a conferir competência ao governador civil para aplicar as coimas e sanções acessórias a que haja lugar por violação dos regulamentos por ele elaborados» [artigo 4.º, n.º 5, alínea f)], não podendo tais sanções acessórias «deixar de ser as previstas nas diversas alíneas do artigo 21.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (na redacção do Decreto-Lei 356/89, de 17 de Outubro), onde não se encontra previsto o tipo de 'sanção acessória' ora em apreciação».

Termina, afirmando que «na falta de previsão legal, é evidente que não pode uma mera norma regulamentar inovar no que respeita à tipologia das sanções acessórias permitidas em sede de contra-ordenações».

Junta exemplares do Diário da República, 1.ª série-A, n.º 268, de 19 de Novembro de 1992, contendo o Decreto-Lei 252/92, e 2.ª série, n.º 42, de 19 de Fevereiro de 1993, donde consta o Regulamento Policial em causa.

2 - Notificado o governador civil de Faro, nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, veio em síntese conclusiva dizer o seguinte:

«A criminalização do não acatamento de uma ordem legítima decorre do artigo 388.º do Código Penal e não do Regulamento Policial do Distrito de Faro;

A admitir que estamos perante uma sanção acessória esta não tem carácter inovador, porquanto estava já prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 21.º do Decreto-Lei 433/82, prevendo ainda e também a alínea f) do n.º 5 do Decreto-Lei 252/92 a existência de sanções acessórias nos regulamentos policiais;

De qualquer maneira entende o governador civil que nem sequer estamos perante uma sanção acessória, mas sim perante uma medida de polícia (cf. artigo 272.º da CRP).

Pelo exposto requer-se a V. Exa. improcedência do requerimento do Sr. Procurador-Geral da República e ainda que seja declarada a conformidade do artigo 44.º do Regulamento Policial do Distrito de Faro com a Constituição da República Portuguesa.»

Junta 10 documentos, fotocopiados, todos relativos à denúncia de actividades de prostituição nas áreas de Quarteira e Vilamoura, no Algarve.

3 - Do que fica exposto, conclui-se que diferentes são os entendimentos que o Procurador-Geral da República e o governador civil de Faro têm sobre a natureza da interdição contida no n.º 3 do referido artigo 44.º: enquanto aquele a designa por sanção acessória, este último entende essencialmente tratar-se de uma medida de polícia, só por mera hipótese admitindo a caracterização de sanção.

Independentemente da averiguação da natureza jurídica de tal interdição, o que releva aqui é a proibição contida na norma do n.º 3 do artigo 44.º - imposta «mediante determinação escrita» - de «frequência ou estacionamento em locais públicos ou de livre acesso público devidamente identificados por períodos de 2 a 12 meses». Proibição que necessariamente contende com o direito à liberdade e com o direito de deslocação do cidadão, como a liberdade de agir e de se movimentar ou estacar nos locais públicos, o que preenche os direitos fundamentais consagrados nos artigos 27.º e 44.º da Constituição.

Como, a propósito, se lê no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 479/94, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 195, de 24 de Agosto de 1994:

«A mera limitação de liberdade (Freiheitsbeschänkung) existe quando alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e facticamente acessível ou de permanecer num certo espaço. A liberdade de movimentação não é, assim, em contraposição à privação da liberdade, subtraída, mas apenas limitada numa certa direcção (cf. Grundgesetz, Kommentar, § 104, 6 e 12).

A privação da liberdade traduz-se numa perturbação do âmago do direito à liberdade física, à liberdade de alguém se movimentar e circular sem estar confinado a um determinado local, sendo a essência do direito atingida por um determinado tempo (que pode ser, aliás, de duração muito reduzida).

A limitação ou restrição da liberdade (que não implique a sua privação) concretiza-se através de uma perturbação periférica daquele direito, mantendo-se no entanto a possibilidade de exercício das faculdades fundamentais que o integram.»

Ora, é sabido que a matéria dos direitos, liberdades e garantias é matéria de reserva de lei parlamentar [artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição] e tal reserva «constitui um dos limites do poder regulamentar, porquanto a Administração não poderá editar regulamentos (independentes ou autónomos) no domínio dessa reserva, como ressalva dos regulamentos executivos, isto é, aqueles que se limitam a esclarecer e precisar o sentido das leis ou de determinados pormenores necessários à sua boa execução» (Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 307/88, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 18, de 21 de Janeiro de 1989, identificando e transcrevendo o Acórdão 74/84, publicado no mesmo Diário, 1.ª série, de 11 de Setembro de 1984).

Como ensina Afonso Queiró:
«A reserva da lei constitui o quinto limite do poder regulamentar: a administração não poderá editar regulamentos (independentes ou autónomos) no domínio dessa reserva. Os únicos regulamentos que nas matérias reservadas à lei se admitem são os regulamentos de execução. O Executivo, neste domínio, só pode editar normas inovadoras sob a forma de decretos-leis, mediante autorização. [...]

Esta designação das matérias reservadas não é possível entre nós: a disciplina integral destas matérias (salvo os pormenores de execução, sempre susceptíveis de ser versados em regulamentos, nos termos já vistos) cabe em princípio à lei, excepcionalmente a decretos-leis - e nunca a regulamento. (Cf. Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVII, pp. 17 e 18.)»

Se tudo isto é assim, torna-se evidente que se violou o limite do poder regulamentar representado pela reserva de lei, uma vez que a matéria respeitante à liberdade e ao direito de circulação consagrados nos artigos citados da Constituição, aqui em causa, se inscreve no âmbito dos direitos, liberdades e garantias.

Registe-se, a propósito, que o poder regulamentar dos governadores civis, em matérias da sua competência policial, foi sensível ao legislador em 1995, que, por via do recente Decreto-Lei 316/95, de 28 de Novembro, com entrada em vigor a 1 de Outubro de 1995 (artigo 5.º), veio, no artigo 2.º, dar nova redacção ao artigo 4.º do Decreto-Lei 252/92, desaparecendo a alínea c) (a que dava cobertura àquele poder regulamentar), sofrendo meras alterações de redacção as alíneas a) e b), e surgindo as novas alíneas c) e d), no âmbito da competência do governador civil, «no exercício de funções de polícia», com a seguinte redacção:

«c) Assegurar a observância das leis e regulamentos e garantir a execução dos actos administrativos e das decisões judiciais;

d) Propor ao Ministro da Administração Interna a elaboração dos regulamentos necessários à execução das leis que estabelecem o modo de exercício das suas competências.»

E, no preâmbulo desse diploma pode ler-se:
«Com as alterações operadas, os governadores civis ficam com o exercício das suas competências sujeito a um diploma com força de lei, como acontece com todos os órgãos administrativos, retirando-se-lhes competências regulamentares em matérias não suficientemente densificadas por lei, obstando com o ensejo à subsistência de regulamentos independentes.»

Daqui resulta que o legislador ordinário foi sensível ao questionado poder regulamentar dos governadores civis, em matérias da sua competência policial, revelando a sua preocupação no preâmbulo do citado Decreto-Lei 316/95, «no que concerne às denominadas 'medidas de polícia' a que subjazem razões de ordem pública»: «a sua previsão no presente diploma cumpre não só a mera precedência legislativa mas ainda o princípio da sua tipicidade, em estrita obediência à lei fundamental».

À luz do exposto, impõe-se a conclusão de que com a interdição em causa, o n.º 3 do artigo 44.º invadiu a área de competência reservada da Assembleia da República, violando-se, assim, o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

4 - Atingida esta conclusão, dela necessariamente deflui a inconstitucionalidade da última parte do n.º 3 do artigo 44.º, já que ela pressupõe a existência da primeira parte.

E isto claramente sem prejuízo de o Tribunal entender que é constitucionalmente ilegítimo proceder-se à definição dos elementos essenciais de tipos criminais num regulamento.

5 - Termos em que, decidindo, declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 3 do artigo 44.º do Regulamento Policial do Distrito de Faro, homologado por despacho ministerial de 5 de Fevereiro de 1993 e publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Fevereiro de 1993 (pp. 1871 e seguintes), por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 1996. - Guilherme da Fonseca - Maria da Assunção Esteves - Bravo Serra - Maria Fernanda Palma - Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa - Antero Alves Monteiro Dinis - Messias Bento - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/73675.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1984-03-30 - Decreto-Lei 103/84 - Ministérios da Administração Interna e da Justiça

    Dá nova redacção ao artigo 408.º do Código Administrativo, no sentido de alterar o valor limite das coimas a prever pelos governadores civis nos regulamentos por eles próprios aprovados.

  • Tem documento Em vigor 1984-09-11 - Acórdão 74/84 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º da postura da Câmara Municipal de Vila do Conde sobre propaganda de carácter político-partidário, constante do edital de 30 de Abril de 1979, por violação dos artigos 37.º, n.os 1 e 2, 18.º, n.os 2 e 3, e 167.º, alínea c), da Constituição (este último preceito na redacção de 1976).

  • Tem documento Em vigor 1989-10-17 - Decreto-Lei 356/89 - Ministério da Justiça

    Introduz alterações ao Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1992-11-19 - Decreto-Lei 252/92 - Ministério da Administração Interna

    Estabelece o estatuto orgânico e a competência dos governadores civis.

  • Tem documento Em vigor 1995-11-28 - Decreto-Lei 316/95 - Ministério da Administração Interna

    APROVA E PUBLICA EM ANEXO O REGIME JURÍDICO DO LICENCIAMENTO DO EXERCÍCIO DAS SEGUINTES ACTIVIDADES: - GUARDA-NOCTURNO, - VENDA AMBULANTE DE LOTARIAS, - ARRUMADOR DE AUTOMÓVEIS, - REALIZAÇÃO DE ACAMPAMENTOS OCASIONAIS, - EXPLORAÇÃO DE MÁQUINAS AUTOMÁTICAS, MECÂNICAS, ELÉCTRICAS E ELECTRÓNICAS DE DIVERSÃO, - REALIZAÇÃO DE ESPECTÁCULOS DESPORTIVOS E DE DIVERTIMENTOS PÚBLICOS NAS VIAS, JARDINS E DEMAIS LUGARES PÚBLICOS AO AR LIVRE, - VENDA DE BILHETES PARA ESPECTÁCULOS OU DIVERTIMENTOS PÚBLICOS EM AGÊNCIAS OU (...)

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-04-06 - Acórdão 83/2001 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias normas de diversos regulamentos de polícia distritais (Castelo Branco, Viseu, Braga, Aveiro, Viana do Castelo, Coimbra e Portalegre), por violação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 168º da Constituição (na numeração então vigente). (Processos n.os 524/00 a 530/00).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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