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Acórdão do Tribunal Constitucional 478/2025, de 10 de Julho

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime Que Cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 478/2025

Processo 899/24

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional I-A Causa 1-O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei Orgânica 11/2015 de 28 de agosto, doravante LTC), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, em virtude da repetição do julgado, com vista à apreciação, pelo Plenário, da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB), contido no Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de julho.

Indica o Ministério Público que tais normas foram julgadas inconstitucionais pelos Acórdãos n.os 469/2024, 529/2024, 592/2024 (este por referência apenas ao artigo 2.º daquele regime) e 737/2024 e pelas Decisões Sumárias n.os 436/2024, 460/2024, 625/2024, 694/2024 e 714/2024, tendo todas as referidas decisões transitado em julgado.

1.1-Foi notificado o Senhor Presidente da Assembleia da República, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, que ofereceu o merecimento dos autos e remeteu uma nota técnica sobre os trabalhos preparatórios da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Orçamento e Finanças da XIV Legislatura.

1.2-As decisões acima referidas pronunciaram-se no sentido da inconstitucionalidade das normas supracitadas e transitaram em julgado, pelo que se têm por verificadas as condições previstas no artigo 82.º da LTC.

O Requerente tem legitimidade para deduzir o pedido.

Assim, apresentado memorando pelo Presidente do Tribunal, discutido nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC e atribuído o relato do processo ao ora relator (artigo 63.º, n.º 2, in fine), cumpre elaborar o acórdão em conformidade com o entendimento alcançado em Plenário.

IIFundamentação 2-Trata-se, nos presentes autos, de apreciar um pedido, derivado de repetição do julgado, de generalização do juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal afirmou em mais de três casos concretos relativamente às normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB. Os preceitos em causa têm o seguinte teor (realçando-se os segmentos mais diretamente implicados no processo):

Artigo 1.º

Objeto 1-O presente regime cria um adicional de solidariedade sobre o setor bancário e determina as condições da sua aplicação.

2-O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

Artigo 2.º

Incidência subjetiva 1-São sujeitos passivos do adicional de solidariedade sobre o setor bancário:

a) As instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;

b) As filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português;

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.

2-Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas u), w) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado em anexo ao Decreto Lei 298/92, de 31 de dezembro.

Artigo 3.º

Incidência objetiva O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto Lei 24/91, de 11 de janeiro;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

2.1-O juízo de inconstitucionalidade relativamente às normas ora em causa foi afirmado, pela primeira vez, no Acórdão 469/2024 (depois retificado pelo Acórdão 507/2024), com os fundamentos seguintes:

“[...]

2.4-Relativamente às normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, o entendimento da decisão recorrida pode sintetizar-se nos seguintes pontos.

Quanto à violação do princípio da igualdade tributária:

i) o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português;

ii) não obstante a similitude de incidência com a CSB, “[...] o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira”

;

iii) a justificação apresentada não colhe, tendo em conta a natureza e efeitos da isenção de IVA nas operações financeiras;

iv) não é possível “[...] determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o setor bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação”

;

v) não tem justificação “[...] que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva e desconsidera-se o caráter obrigatório de várias deduções, que a isenção simples não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, bem que essa isenção já é contrabalançada pelo imposto do selo”

; assim, vi) “[...] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Quanto à violação do princípio da capacidade contributiva:

i) não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, “[...] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo [...]”

;

ii) a ausência de correspondência entre o ASSB “[...] e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita”

; e, por fim, iii) não se encontra “[...] qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Analisemos, pois, cada um dos referidos parâmetros, pela ordem indicada (a que foi seguida no acórdão recorrido e nas alegações), tendo presente que o recorrente (o Ministério Público) diverge da decisão recorrida quanto à violação do princípio da igualdade tributária e com ela converge quanto à violação do princípio da capacidade contributiva.

2.4.1-Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados-a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão 344/2019:

“[...]

A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante”-proibição do arbítrio-, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.

No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.

De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídicoconstitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.os 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16).

[...]”.

Ou, na formulação do Acórdão 268/2021 (adotada também, por remissão, no Acórdão 505/2021):

“[...]

A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante”-proibição do arbítrio.

A conceção puramente negativa da igualdade tributária, excluindo os casos de discriminação absurda, não garante, porém, a justiça material ou a coerência interna do sistema tributário. Impõe-se a definição de critérios materialmente adequados à repartição dos diversos tributos públicos. No caso dos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, na medida em que, exigindo-se aos membros de uma comunidade que custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um (cf., entre muitos, o Acórdão 590/2015, n.º 12).

[...]”.

2.4.2-O recorrente sustenta que não ocorre violação do princípio da igualdade tributária, enquanto proibição do arbítrio, em síntese, pelas seguintes razões, que levou às conclusões da motivação do recurso:

“[...]

25-Sobre a dimensão constitucional deste princípio, na sua dimensão da proibição do arbítrio legislativo, afigura-se-nos especialmente elucidativo o Acórdão 227/2015, de 28 de abril, que conclui que:

17-De tudo quanto ficou dito sobre a proibição do arbítrio, podemos extrair quatro conclusões essenciais:

1.º O legislador pode, seguramente, estabelecer diferenciações:

todavia, essa liberdade de diferenciar é uma liberdade condicional, sujeita a limitações; todavia, essa liberdade de diferenciar é uma liberdade condicional, sujeita a limitações;

2.º Assim, uma diferenciação promovida pelo legislador sem um fundamento racional e material suficiente é arbitrária;

3.º A comparação indispensável para comprovar a existência de respeito ou desrespeito pelo princípio da igualdade deve ser sistemicamente contextualizada;

4.º O Tribunal Constitucional, no exercício do controlo do respeito pelo princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, deve limitar-se a um juízo de censura das diferenciações injustificadas.

25-[sic] O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setoresartigo 1.º, n.º 2 do Anexo VI à Lei 27-A/2020, de 24 de julho.

26-Este é o fundamento adiantado pelo legislador para o tratamento desigual dado ao setor financeiro, onerando-o com o pagamento deste tributo.

27-É certo que, como bem elenca Filipe de Vasconcelos Fernandes:

g) Tratando-se o IVA de imposto europeu, as isenções que vigoram para alguns serviços e operações financeiras são expressamente consentidas pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006;

h) Da mesma forma que vigoram isenções para a generalidade dos serviços e operações financeiras, também assim sucede para setores como os seguros, a saúde, a cultura, o ensino ou o imobiliário, sem que lhes tivesse sido imposta qualquer necessidade de compensação pela despesa fiscal associada às isenções que até ao momento vigoram;

i) Não existe qualquer relação entre a despesa fiscal associada às isenções de IVA aplicáveis a serviços e operações financeiras e a parcela da receita deste último imposto que se encontra afeta ao FEFSS, o designado

«

IVA social

»

(receita de IVA resultante do aumento da taxa normal operado através do n.º 6 do art. 32.º, da Lei 39-B/94 de 27.12;

j) A receita proveniente do designado

«

IVA social

» encontra-se, nos termos do art. 8.º, n.º 1 do Decreto Lei 367/2007, de 02.11, consignada à realização da despesa com prestações sociais no âmbito do subsistema de proteção familiar;

k) A isenção que vigora para serviços e operações financeiras é uma isenção que não confere direito à renúncia, com a consequente não dedutibilidade do IVA suportado nos inputs;

l) A despesa fiscal associada à isenção de IVA que vigora para serviços e operações financeiras está intimamente relacionada com a respetiva sujeição a imposto de selo.

28-Porém, não deixa de ser um facto incontestável que os serviços e operações financeiras sujeitos ao ASSB gozam de isenção de IVA.

29-Tal facto, inquestionável, afigura-se ser o fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa, por muitas críticas que essa opção legislativa possa merecer por parte da doutrina.

30-E aqui não podemos deixar de secundar a declaração voto de vencida da Exma. Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral ao Acórdão supra identificado, ao afirmar:

No entanto, a densidade do escrutínio de que o Tribunal dispõe quando está em causa a censura de escolhas legislativas fundada apenas em violação do n.º 1 do artigo 13.º da CRP não me parece compatívelpor razões que, creio, resultam bem claras da jurisprudência sedimentada do Tribunal relativamente ao que deva entender-se por proibição do arbítrio legislativocom o recurso cumulativo a técnicas de ponderação. A ausência de racionalidade de uma qualquer distinção de regimes que seja estabelecida pelo legislador não se pondera. Verifica-se; e deixa de verificar-se a partir do momento em que, a fundar a diferença, se encontra um qualquer motivo que seja intersubjetivamente inteligível. E isto qualquer que seja o “peso” valorativo próprio que o Tribunal (que não sanciona o mérito das escolhas legislativas) reconheça ou deixe de reconhecer a esse mesmo motivo.

31-Assim, e face ao exposto, não entendemos que o regime que cria o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário, nomeadamente, as disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, do Anexo VI à Lei 27-A/2020, de 24 de julho, seja inconstitucional por violador do princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, previsto no art. 13.º da Constituição.

[...]”.

Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão 149/2024, às quais aqui regressamos:

“[...]

O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.

Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida-e não se vê como-, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.

Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação.

Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[...] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia”-cf. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https:

//www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras-a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https:

//www.isg.pt/, p. 1:

“[...]

Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.

A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral”-são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor.

[...]”.

Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.

Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cf., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).

[...]”.

Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.

Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto)-que já são sujeitas a IRC e à CSB-se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.

Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[...] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.

2.4.3-As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva.

Nos termos do artigo 3.º do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de julho:

Artigo 3.º

Incidência objetiva O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto Lei 24/91, de 11 de janeiro;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

Nos presentes autos, foi recusada a norma contida na alínea a) do referido artigo 3.º Trata-se de norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro-o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos-o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão 178/2023:

“[...]

A igualdade fiscal a que apela a recorrente pode ser entendida como dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), mas também um tratamento legalfiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim impedido um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cf. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República Portuguesa).

Afirmada assim a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva a que também alude a recorrente assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro):

na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524).

[...]”.

Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da lei geral tributária preveja que os impostos “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.

Como faz notar Filipe de Vasconcelos Fernandes (O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 106/109), no ASSB não está em causa, manifestamente, a tributação do rendimento, “[...] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço (e fora dele). [...] [E] uma vez que os sujeitos passivos do ASSB são igualmente sujeitos passivos de IRC, esta circunstância acaba por suscitar uma compressão do rendimento que, sob a forma de lucro, acabará sujeito a este último imposto, cenário especialmente agravado pela não dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do ASSB ao lucro tributável dos respetivos sujeitos passivos”, nem a tributação de atos de despesa, verificando-se, aliás, “[...] a impossibilidade de reconduzir o ASSB ao arquétipo dos impostos sobre atividades financeiras (‘financial activities taxes’) e, bem assim, dos impostos sobre transações financeiras (‘financial transaction taxes’), em qualquer uma das suas modalidades [...]”, nem, por fim, a tributação do património, já que não basta para qualificar o passivo como património a sua inclusão no balanço, nem-acrescente-se-a respetiva natureza autoriza à partida essa qualificação.

Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., pp. 111/113):

“[...]

[Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetivacomposta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balançopossa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.

Se, no caso da CSB, a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típica desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.

[...]

Esta circunstância, que no essencial resulta da transposição, sem as necessárias adaptações, da estrutura de incidência da CSB para a estrutura de incidência do ASSB faz com que, em relação aos sujeitos passivo deste último imposto, não exista qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação, agora numa reformulação original enquanto ‘impostos de grupo’.

Todavia, a proliferação deste tipo de impostos especiais ou de grupoque são uma realidade completamente distinta das contribuições financeiras onde, apesar de tudo, continua a subsistir uma expressão de bilateralidade, ainda que difusalevanta problemas aos quais os tribunais e, em especial, o TC, não podem ficar indiferentes.

Efetivamente, com o precedente agora levantado com a criação do ASSB, está em causa a aparente possibilidade de o legislador poder replicar num novo tributo a estrutura de incidência de um outro (neste caso, a CSB) e designar aquele primeiro como adicional do segundo sem qualquer preocupação de coerência creditícia ou material entre ambos. Tal redundaria, em nosso entender, numa sobreposição dos argumentos de base creditícia aos argumentos de cariz normativo, onde naturalmente se incluem os princípios constitucionais estruturantes e os princípios fiscais constitucionais, como é o caso da capacidade contributiva.

[...]”.

Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídicoconstitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.

2.5-Às conclusões precedentes não constitui entrave o decidido no âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia (no caso protagonizado pelo Tribunal de Justiça-TJ) no processo C-340/22 (acórdão de 21/12/2023).

Não obsta, desde logo, tal decisão no segmento em que concluiu que a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução. Para assim concluir, considerou o TJUE (§§ 22. a 27.):

“[...]

22-Primeiro, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2014/59, esta estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas nessa disposição.

23-Segundo, como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes. Em conformidade com o considerando 103 da referida diretiva, incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.

24-Terceiro, neste contexto, as contribuições pagas por estas instituições ao abrigo da mesma diretiva não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden-Württemberg e CUR, C-584/20 P e C-621/20 P, EU:

C:

2021:

601, n.º 113).

25-A Diretiva 2014/59 não tem, portanto, de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União.

26-Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 não pode obstar à aplicação de um imposto nacional, como o ASSB, que incide sobre o passivo das referidas instituições e cujas receitas visam financiar o sistema nacional de segurança social, sem apresentar nenhuma relação com a resolução e a recuperação dessas mesmas instituições. A circunstância de a forma de cálculo desse imposto apresentar semelhanças com a das contribuições pagas por força da Diretiva 2014/59 é irrelevante a este respeito.

27-Assim, importa responder à primeira questão que a Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

[...]”.

Dito de outro modo, o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe, genericamente, à criação de um imposto com as características do ASSB, desde logo porque a Diretiva 2014/59 não tem por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União. Como tal, é matéria que fica na livre disponibilidade dos Estados, o que não significa que o TJ tenha validado o tributo à luz de outros parâmetros, designadamente os atrás referidos, relativamente aos quais não tomounem tinha de tomarqualquer posição.

Já no segmento do Acórdão (correspondente aos § 28. a 65.) em que o TJUE concluiu que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.º e 54.º TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um EstadoMembro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse EstadoMembro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro EstadoMembro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais, importa sublinhar que o decidiu, em síntese, porquanto “[...] a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios. Assim sendo, este EstadoMembro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os EstadosMembros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios” (§ 62). Trata-se de uma dimensão do problema que não está em causa nos presentes autos, seja porque o Banco recorrente não tem a natureza de sucursal de instituição de crédito não residente (cf. https:

//www.bportugal.pt/entidadeautorizada/banco-..-sa), seja porque, ao concluir pela inconstitucionalidade do tributo (que, por via da confirmação da decisão recorrida, se repercutirá na invalidação da respetiva liquidação), a presente decisão concorreno efeito induzido pela interpretação do TJ do Direito da Uniãopara a eliminação do referido tratamento desigual.

2.6-Em face do exposto, prefiguram-se razões bastantes para fundar um juízo de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, com a consequente improcedência do recurso, também nesta parte.

[...]”.

2.2-Tal juízo de censura jurídicoconstitucional foi, sucessivamente, reafirmado nos Acórdãos n.os 529/2024, 592/2024 e 737/2024, da 1.ª Secção, e, ainda, nos Acórdãos n.os 192/2025, 255/2025, 257/2025, 258/2025 e 334/2025, da 3.ª Secção, bem como nas Decisões Sumárias n.os 436/2024, 458/2024, 460/2024, 549/2024, 551/2024, 618/2024, 625/2024, 688/2024, 694/2024, 714/2024, 1/2025, 10/2025, 36/2025, 140/2025, 239/2025, 259/2025 e 266/2025, da 1.ª Secção, e 149/2025, 150/2025, 185/2025 e 231/2025, da 3.ª Secção.

No Acórdão 192/2025 (o primeiro da 3.ª Secção a apreciar a questão da inconstitucionalidade das normas aqui em causa), acrescentou-se, ainda, o seguinte:

“[...]

Se o

«

princípio da capacidade contributiva constitui, pois, como escreve Sérgio Vasques,

«

“o pressuposto, o limite e o critério da tributação” (cf. Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Edições Almedina, S. A., Coimbra, 2015, p. 296)

»

(Acórdão 211/2017), isso significa que há de ser possível estabelecer relativamente a cada imposto uma relação entre a sua incidência real e o fator selecionado como revelador de uma maior capacidade contributiva.

Ora, no caso da alínea a) do artigo 3.º do anexo VI à Lei 27-A/2020, tal relação não pode afirmar-se.

Com efeito, independentemente da questão de saber se são configuráveis outras manifestações de riqueza suscetíveis de indiciar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos do imposto para além do rendimento, do património e do consumo, ou mesmo da amplitude com que estes conceitos devem ser para esse efeito encarados, é seguro que o passivo das instituições de crédito, isoladamente considerado, não consubstancia um indicador da

«

força económica

» destes contribuintes de modo a poder constituir a base tributável selecionada para um imposto ad valorem como é o ASSB.

É verdade que o passivo relevante corresponde ao

«

conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros

» e este é integrado por elementos, como os depósitos dos clientes, que consubstanciam uma fonte de financiamento relativamente estável quer do crédito concedido, quer de outras operações financeiras com igual potencial de rentabilidade. Simplesmente, o passivo apenas se converte em ativo por via do seu emprego na geração de benefícios futuros e estes dependem sempre de um conjunto de múltiplas e complexas variáveis, nem sempre de fácil antecipação. Ora, não podendo confundir-se manifestações de riqueza com meios disponíveis para financiar a produção dessa riqueza, percebe-se que o passivo, desligado do ativo, não constitua um indicador, sequer indireto, da capacidade contributiva dos sujeitos passivos de ASSB ao dispor do legislador ordinário, sobretudo tendo em conta, como o Tribunal afirmou já, que
«

não se pode tributar uma capacidade contributiva futura e eventual, mas apenas a capacidade contributiva atual e efetiva

»

(Acórdão 299/2019).

20-A esta conclusão opõe a AT que

«

o ASSB tem a natureza de imposto indireto

»

, sendo certo que o Acórdão 469/2024, ao remeter para a doutrina de Filipe de Vasconcelos Fernandes, demonstrou que

«

o ASSB não pode considerar-se como incidindo sobre manifestações de capacidade contributiva relacionadas com rendimento ou património

»

, mas não com o

«

consumo

»

.

Contudo, o argumento não se afigura convincente.

Com efeito, para reconduzir o ASSB ao universo dos impostos indiretos não basta evidentemente que seja essa a natureza do tributono caso, o IVAcuja

«

ausência visa colmatar

»

. As propriedades relevantes para essa recondução teriam de estar presentes na tipificação do próprio ASSB, o que não sucede de todo em todo. Como explica Sérgio Vasques,

«

[a]inda que ao longo do tempo tenham sido concebidos diferentes critérios para melhor precisar a distinção entre impostos diretos e impostos indiretos, ela tem sempre girado em torno [do] fenómeno da repercussão tributária

»

(Manual …, cit., p. 217). Nessa medida, pode dizer-se que são impostos diretos

«

os que incidem sobre a própria pessoa [singular ou coletiva] que se pretende que suporte o encargo económico do imposto, onerando a riqueza que se encontra na esfera do sujeito passivo

» e impostos indiretos
«

os que incidem sobre pessoa distinta daquela que se pretende que suporte o encargo económico do imposto, onerando a riqueza que se encontra na esfera de terceiro

»

(idem, p. 216). É justamente o que caracteriza os impostos sobre o consumo, cujo exemplo paradigmático é dado pelo IVA:

embora formalmente pagos pelo sujeito passivo,

«

este transfere o seu custo para o consumidor, incluindo-o no preço pago pelo bem

»

(A. Brigas Afonso, “Noções gerais sobre Impostos Especiais de Consumo”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, n.º 3 (2006), p. 20). Ora, nada disto sucede com o ASSB, que é suportado diretamente pelas instituições de crédito no pressuposto que a elas-e só a elasrespeita a capacidade contributiva que se visa atingir através da cobrança do imposto.

[...]”.

E, no Acórdão 334/2025:

“[...]

Ademais, importa referir que as declarações de voto apostas pelos árbitros António Lima Guerreiro, no âmbito do processo 548/2024-T, e Sofia Ricardo Borges, no âmbito do processo 18/2024-T, ambos do CAAD, representam, na sua essência, interpretações do direito divergentes daquelas que foram desenvolvidas, entre outros, no Acórdão 192/2025. Com efeito, por não se tratarem argumentos jurídicos materialmente novos, não permitem inverter o sentido daquela que vem sendo a jurisprudência deste Tribunal.

[...]”.

Trata-se, pois, de um entendimento uniforme (embora não unânime, consistentemente maioritário na 1.ª Secção e na 3.ª Secção do Tribunal) relativamente ao juízo de censura jurídicoconstitucional da norma em causa nos presentes autos. Contra ele não valem, designadamente, argumentos fundados nas vantagens decorrentes da isenção de IVA (pelas razões expressamente afirmadas no Acórdão 469/2024), na qualificação do tributo como imposto sobre o consumo (qualificação que já se distanciaria das primeiras decisões do Tribunal e o Acórdão 192/2025, em especial, afastou) ou na presunção de que os elementos do passivo são aptos a revelar a capacidade contributiva (seja porque se trata de factos tributários já cobertos pela Contribuição sobre o Setor Bancário, seja porque o fundamento em que o legislador fez assentar o tributo é outro).

Deste modo, reiterando o sentido da jurisprudência supra referida, resta afirmar, no presente contexto processual, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13.º, e do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, todos da Constituição da República Portuguesa.

IIIDecisão 3-Em face do exposto, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13.º, e do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, todos da Constituição da República Portuguesa.

3.1-Sem custas, por não estarem legalmente previstas (cf. artigo 84.º, n.º 1, da LTC).

O Relator atesta o voto de conformidade da Senhora Conselheira Joana Fernandes Costa que não assina por não estar presente) José Teles Pereira Lisboa, 3 de junho de 2025.-José Teles PereiraGonçalo Almeida RibeiroJosé Eduardo Figueiredo DiasMaria Benedita UrbanoDora Lucas NetoAfonso Patrão-João Carlos LoureiroCarlos Medeiros de CarvalhoMaria Canotilho (vencida, nos termos da declaração de voto junta)-Rui Guerra da Fonseca (Vencido, remetendo para a minha declaração de voto junta ao Acórdão 469/2024)-Ascensão Ramos (Vencido, conforme declaração anexa)-José João Abrantes (Vencido, remetendo para a minha declaração de voto aposta no Ac. n.º 469/2024).

DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencido, pelas seguintes razões:

1-Concordo com a posição adotada no Acórdão quanto à natureza jurídica do ASSB. Trata-se de uma prestação pecuniária, unilateral, coativa e definitiva que, do ponto de vista subjetivo, é devida a entidade pública e que vincula titulares de capacidade contributiva:

trata-se, pois, de um imposto, mas que, importa assinalar, tem incidência sobre o património em balanço do sujeito de imposto financiado por dívida, elemento que foi de todo descurado pela posição vencedora.

O balanço é composto por dois membros em situação de equivalência:

de um lado, o património da empresa (ativo), a discriminação do investimento realizado; de um lado, o património da empresa (ativo), a discriminação do investimento realizado; de outro, a fonte desse investimento, ou seja, os instrumentos financeiros que o suportam, o passivo (v. g., empréstimos, compras a crédito, etc.) e os capitais próprios (obrigações de entrada, subsídios, resultados transitados, etc.). Se não é possível pela análise do ativo em balanço mensurar a parte de património do agente económico que se encontra financiada por dívida (e não por fundos próprios), em princípio é possível considerar o passivo na certeza de que o seu valor é suporte e equivale ao stock patrimonial em balanço por igual cifra. É dizer, desconsiderando as verbas de capitais próprios registadas em balanço que com o passivo concorrem ao financiamento do património titulado, descobre-se o valor do ativo suportado por dívida que se acha na esfera de gozo da entidade empresarial. O ASSB é lançado, pois, sobre o património do sujeito passivo na parte em que se encontra financiado por dívida (cf. artigo 4.º, n.º 1, corpo do texto, do RJASSB) e é por esse motivo que, para além da desconsideração dos capitais próprios para efeitos de computação da base de imposto (artigos 3.º, alínea a) e 4.º, n.º 1, alínea a), do RJASSB), certas verbas de passivo qualificáveis como dívida são também eliminadas da incidência, já que as posições que evidenciam têm uma conexão pobre ou insuficiente com o suporte financeiro do ativo; de um lado, o património da empresa (ativo), a discriminação do investimento realizado; de um lado, o património da empresa (ativo), a discriminação do investimento realizado; de outro, a fonte desse investimento, ou seja, os instrumentos financeiros que o suportam, o passivo (v. g., empréstimos, compras a crédito, etc.) e os capitais próprios (obrigações de entrada, subsídios, resultados transitados, etc.). Se não é possível pela análise do ativo em balanço mensurar a parte de património do agente económico que se encontra financiada por dívida (e não por fundos próprios), em princípio é possível considerar o passivo na certeza de que o seu valor é suporte e equivale ao stock patrimonial em balanço por igual cifra. É dizer, desconsiderando as verbas de capitais próprios registadas em balanço que com o passivo concorrem ao financiamento do património titulado, descobre-se o valor do ativo suportado por dívida que se acha na esfera de gozo da entidade empresarial. O ASSB é lançado, pois, sobre o património do sujeito passivo na parte em que se encontra financiado por dívida (cf. artigo 4.º, n.º 1, corpo do texto, do RJASSB) e é por esse motivo que, para além da desconsideração dos capitais próprios para efeitos de computação da base de imposto (artigos 3.º, alínea a) e 4.º, n.º 1, alínea a), do RJASSB), certas verbas de passivo qualificáveis como dívida são também eliminadas da incidência, já que as posições que evidenciam têm uma conexão pobre ou insuficiente com o suporte financeiro do ativo; na mesma lógica, outros elementos, embora nãoevidenciados em balanço como passivo, são agregados à base de tributação.

Este é um modelo de tributação sobre instituições de crédito conhecido e usualmente apelidado de bank levy on leverage. Foi também noutros ordenamentos próximos do nosso, seja o caso de Bélgica e Holanda. A Eslováquia também apresenta um imposto especial do setor bancário lançado sobre património complementar ao IRC, embora apurado diretamente em função de ativos e nãocingido aos financiados por dívida (de 0,2 %). Este paradigma, pois, nada tem de incaracterístico ou de invulgar, ao contrário do sugere a posição da maioria.

2-Importa também assinalar que, para além da captação de receita, o ASSB encontra-se dirigido ao desempenho de funções extrafiscais pelo tratamento de benefício que confere a instituições de crédito que estruturem o seu financiamento através de instrumentos de capitais próprios, por dívida subordinada ou por esquemas financeiros de baixo risco (i. e., depósitos), promovendo o reforço da capacidade do setor para absorver perdas e prevenindo riscos sistémicos, aptos a alastrar a outros setores da economia. Também este atributo do imposto não foi, a meu ver, devidamente considerado na decisão adotada pela maioria.

Na verdade, se o ASSB é lançado sobre o stock patrimonial da instituição de crédito, apenas sujeita a carga fiscal o que esteja financiado por dívida e, de entre esta, exclui da incidência a que esteja alocada à absorção de perdas do operador (dívida subordinadaartigo 4.º, n.º 1, alínea a), e 2, alínea a), do RJASSB), já que estes passivos participam no reforço da sua situação de fundos próprios. Exclui-se também da incidência os derivados de cobertura (cf. artigo 4.º, n.º 3, do RJASSB) por se tratarem de esquemas financeiros de segurança.

Também com o escopo de encorajar a adoção de políticas financeiras de baixo risco, são excluídos os passivos relativos a depósitos cobertos por Fundos de Garantia, porque estes veículos são financiados pela banca (artigo 3.º, alínea a), 2.ª parte e 4, n.º 1, alínea b), do RJASSB) e porque a captação de aforro em depósitos e a colocação de empréstimos por modelos tradicionais constituem atividades de risco reduzido.

Tratando-se de uma medida fiscal orientada para a estimulação de dado comportamento económico e dissuasão de um outro, falamos de um imposto cuja receita tende a regredir na medida da sua eficácia:

pela proporção que uma instituição de crédito mitigue o seu recurso a dívida e, dentro desta, promova a utilização de instrumentos de maior estabilidade e de caráter subordinado, limitando a utilização de esquemas financeiros com maior risco de perdas (v. g., derivados especulativos), aliviará a carga fiscal em ASSB.

Isto significa que estamos perante uma medida fiscal com desempenho como instrumento de regulação económica, importando por isso certa medida de retração na aplicabilidade de princípios de Direito fiscal tout court. Significa também que estamos perante uma ingerência na liberdade de empresa (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), mas veja-se que, de forma paralela à colocada pelo ASSB, as instituições de crédito estão obrigadas a manter a sua estrutura financeira e a sua direção de política económica em conformidade com um vasto catálogo de imposições prudenciais sujeitas a supervisão pública, de fonte internacional e europeia. A regulação sobre as condições de capitalização da banca abrange, v. g., a necessidade de manter reservas aptas a absorver perdas (fundos Tier 1 e 2) e a disposição de garantias de liquidez (rácio de cobertura de outflows por disponibilidades), vinculando as entidades com operação no mercado a manter uma forma especial de equilíbrio financeiro. A inobservância destas exigências é fundamento da revogação da autorização para o desempenho da atividade (cf. artigo 22.º, n.º 1, alínea l), do RGIC).

O programa normativo em causa converge com este desenho de Direito público referente ao setor bancário, constitui uma medida moderadora da alavancagem e participa também na defesa da estabilidade das empresas e do setor. A função dissuasora não tem por instrumento a ameaça de interdição da atividade, bastando-se com a geração de um sobrecusto de natureza fiscal, assim representando uma medida de ingerência moderada na gestão e estruturação do financiamento das instituições de crédito (Acórdão do TC n.º 178/2023).

3-O juízo positivo de inconstitucionalidade adotado pela maioria assenta, por um lado, na afirmação de que não existe um benefício para as instituições de crédito decorrente da isenção simples em IVA que lhes está conferida (artigo 9.º, n.º 27, do CIVA), opondo-se à afirmação do artigo 1.º, n.º 2, do RJASSB. Por outro, diz-se não estar demonstrada a existência de uma conexão especial entre a receita do ASSB e a despesa a que se destina (o reforço da segurança social) nos termos do mesmo dispositivo. Pretende-se que estas duas premissas suportem a conclusão sobre o caráter discriminatório do imposto que se lhes segue, com a inerente interditação perante o princípio da igualdade em matéria fiscal.

Não me revejo na análise realizada, nem nas respetivas conclusões e, na impossibilidade de apreciar a questão exaustivamente, deixo impressas as considerações que se seguem.

3.1-Em primeiro lugar, o artigo 1.º, n.º 2, do RJASSB, é um texto legal incaracterístico, já que não dispõe de uma componente previsiva, nem estatutiva, estando por isso desprovido de alcance disciplinador, antes se apresentando como uma ‘exposição de motivos’ fora do devido espaço sistemático. Destituído de atributos normativos, o preceito não contém sequer uma regra jurídica passível de constituir objeto de censura constitucional. Acresce ainda que não constitui atributo de um imposto a existência de uma

«

conexão especial

» entre a sua receita e as despesas a que se destina, pelo que não vejo que este argumento respalde a decisão.

Sobre o estatuto de isenção em IVA das operações financeiras, a posição que obteve vencimento assinala que se trata de um estatuto menos favorável para as entidades abrangidas do que o referente às

«

isenções completas

» em IVA. Porque as entidades abrangidas por estas últimas não são sujeitas a imposto especial, então não se justificaria que as instituições financeiras o fossem, o que tornaria o ASSB uma medida fiscal injustificada e discriminatória.

Esta análise da questão é incorreta. A moldura legal das isenções completas está estabelecida nos artigos 14.º e 20.º, n.º 1, alínea b), i), ambos do CIVA, e, em traços gerais, são isentas nesses termos as exportações de bens ou serviços. A isenção completa não conforma um benefício fiscal a certos operadores, é antes uma contingência da arquitetura do imposto, já que, transferido o local do consumo para fora do território nacional, não existe adquirente na jurisdição para quem o imposto pudesse ser transferido. Nenhum setor, pois, se entende privilegiado pela isenção completa, já que o estatuto não é conferido em função dos atributos da operação isenta que permitissem afirmar se dirigisse a um especial setor de atividade:

veja-se que, caso não gozasse de isenção simples, a banca também beneficiaria de isenção completa quando exportasse serviços financeiros, ao que acresce que as empresas exportadoras são tributadas em IVA quando vendem ou prestam serviços no território.

Nos antípodas, a isenção simples abona determinados sujeitos por ser conferida com relação a operações setoriais, abrangendo os atos típicos de operadores sujeitos a carga fiscal especial (imobiliário, jogo, etc.) ou cujas prestações possuam relevante dimensão pública (assistência médica, ensino, funerárias, associações sem fins lucrativos, etc.), neste último caso com o objetivo declarado de não criar pressão sobre o preço das transações. O ramo financeiro vem beneficiando deste quadro preferencial sem qualquer justificação que se divise, já que não partilha o desempenho de missão pública sem caráter lucrativo, nem conhece carga fiscal especial aplicável ao setor.

A posição que obteve vencimento explica ainda que a isenção de IVA das operações financeiras decorre de dificuldades técnicas na liquidação e cobrança do imposto a que os operadores são alheios e, por outro lado, assinala que esse tipo de atos e negócios estão sujeitos a imposto de selo, o que só por si descaracterizaria a noção de regime preferencial.

Ora, desde logo são os clientes das instituições de crédito que estão sujeitos a IS:

a banca está isenta quando pratique as mesmas operações (artigo 3.º, n.º 3, alíneas e), f) e g), do CIS). Significa isto que, não apenas não existe carga fiscal aplicável aos operadores financeiros em imposto de Selo, ao contrário do que se pode entender sugerido pelo texto, a receita do IS cobrada pelas instituições de crédito representa para elas um reforço de liquidez (gratuito) pelo período do recebimento (de clientes) até ao vencimento da dívida perante o Estado.

Igualmente não reconheço mérito à segunda observação. Para além de a afirmação não estar demonstrada (a que dificuldades técnicas se pretende reportar?), o reconhecimento de um estatuto favorável à banca decorrente da isenção de IVA não depende de um juízo de culpa sobre as instituições de crédito quanto à criação desse estado de coisas. A isenção conferida e o leque de vantagens que lhes confere poderiam até ser uma contingência incontornável decorrente da sua situação individual (e não se vê que seja), que ainda assim não estaria prejudicada a afirmação de que existe um benefício comparativo de regime fiscal injustificado de que estas gozam e que pode (deve) ser corrigido pelo Legislador tributário tendo em vista assegurar uma repartição mais equitativa de gastos fiscais entre pessoas e empresas.

3.2-Na ótica de política fiscal, o ASSB está definido tendo em vista eliminar benefícios comparativos conferidos pelo quadro fiscal de IVA a empresas do setor financeiro, maximizando a justiça global do sistema. Por contrapartida da perda de receita fiscal pública (que rondará a nível europeu os 0,15 % do PIB da Europa a 27, ou cerca de € M 18.000 anuaisComissão Europeia, DirectorateGeneral for Taxation and Customs Union, Financial Sector Taxation, Working Paper n.º 25, 2010, Ficha Técnica, p. 4), as instituições de crédito obtêm as seguintes vantagens da isenção do IVA em transações financeiras que lhes está conferida:

(i) Em caso de aumento da taxa de IVA, existirá menor impacto na política de fixação de preço, tornando relativizáveis variáveis de gestão que poderiam representar perdas de rentabilidade, seja pela necessidade de redução de margem de ganho, seja por perdas de volume de negócio;

(ii) Os operadores financeiros ficam aliviados do importante leque de encargos inerente à organização dos procedimentos de liquidação e cobrança do imposto, que representaria um problema acrescido para as instituições na inovação de produtos e serviços financeiros;

(iii) Caso tivessem de suportar IVA em operações passivas de captação de recursos junto de terceiros (obtenção de crédito) para o desenvolvimento da sua atividade (concessão de crédito), se seria permitido aos operadores abatêlo ao imposto liquidado, isso importaria maior esforço de investimento, maior despesa, maiores custos financeiros correntes (por ampliar as necessidades de financiamento), maior pressão na tesouraria e agravaria as consequências de problemas de cobrança e de imparidades em ativos correntes.

Sem descurar a relevância e impacto das demais, é nesta última distorção da equidade tributária (face aos agentes económicos nãoisentos do imposto) que o ASSB lança carga fiscal:

a norma de incidência contabiliza o stock patrimonial financiado com recurso a operações de dívida, em que os sujeitos passivos beneficiam de tratamento preferencial por via de isenção e que corporiza uma importante perda de receita para os cofres públicos.

4-Por outro lado, pareceme que, mesmo que se concluísse não existir um benefício comparativo de regime fiscal em IVA (o que se afigura inaceitável), ainda assim justificar-se-ia o lançamento do ASSB e que o juízo de imposto discriminatório não é sustentável.

O setor financeiro vem apresentando há décadas rentabilidade superior a qualquer outro setor de atividade, mas nos últimos anos a sua situação adquiriu carateres ainda mais favoráveis, excedendo mesmo alguns indicadores apresentados durante a fase de sobreaquecimento prévia à crise financeira global de 2007 (F. SARAIVA, L. LE GRUSSE, Banking in Europe:

EBF Facts & Figures 2024, pp. 16-19 e 65-66, C. BUCH, Bank profitability:

a mirror of the past, creating a vision for the future, European Central Bank, bankingsupervision.europa.eu; a mirror of the past, creating a vision for the future, European Central Bank, bankingsupervision.europa.eu;

M. MANEELY e L. RATNOVSKI, Bank Profits and Bank Taxes in the EU, IMF eLibrary, 9.7.2024, pp. 5-7). A agência Fitch prevê que esta tendência se mantenha e que este cenário apresente uma evolução favorável nos próximos anos (Large European Banks’ 2025 Earnings Likely Close to 2024 in 13.12.2024, fitchratings.com).

Nesse pressuposto e em contexto em que o IRC possui caráter essencialmente proporcional pela aplicação de uma única taxa fixa (deixando de parte o quadro fiscal da derrama), afigura-se justificado que os Estados realizem ajustamentos à carga tributária sobre instituições de crédito, isto tendo em vista promover uma repartição mais equitativa dos gastos públicos em função da forma como a riqueza vai sendo distribuída pelos circuitos económicos e se consolida em incrementos patrimoniais acumulados em certos centros subjetivos (setoriais).

Na verdade, a aplicação de uma mesma taxa a empresas independentemente do registo de lucros confere caráter regressivo ao IRC, ou seja, significa que os operadores de menor dimensão, impossibilitados de organizar ganhos de escala, suportam os gastos do sistema tributário em maior proporção por comparação com as empresas de rendimentos mais elevados, seja o caso da banca, asfixiando o crescimento dos primeiros e promovendo desigualdade. O facto de a banca portuguesa estar controlada por investidores estrangeiros significa também que este será um importante fator de saída de capitais do território, seja por distribuição de dividendos, seja por operações de financiamento de entidades agrupadas que não beneficiem da mesma folga:

a tributação através de um imposto setorial que atende às condições particularmente favoráveis das instituições de crédito para a absorção de incrementos patrimoniais assegura que o investimento estrangeiro realiza uma contribuição justa para o Estado que proporciona essas condições de investimento (artigo 87.º da CRP).

Perante a descrita nova realidade, partilhada com a generalidade das economias latinas e com a periferia do espaço europeu, disseminaram-se pelo continente a partir de 2020 um conjunto de impostos setoriais sobre a banca em diversos modelos, tal como o ASSB (M. MANEELY e L. RATNOVSKI, op. cit., pp. 9-10):

Eslováquia:

Sobretaxa ao IRC de 30 % aplicável a bancos em 2024; descerá 5 % em cada ano subsequente até se fixar em 15 %, passando a vigorar nesta cifra por período indeterminado Sobretaxa ao IRC de 30 % aplicável a bancos em 2024; descerá 5 % em cada ano subsequente até se fixar em 15 %, passando a vigorar nesta cifra por período indeterminado;

Espanha:

Sobretaxa ao IRC de 4,8 % aplicável a bancos;

Letónia:

o imposto sobre empresas deste país não tributa lucros reinvestidos por regra; o imposto sobre empresas deste país não tributa lucros reinvestidos por regra; em 2023 passou a sujeitar todos os lucros dos bancos a imposto, abrogando esta norma especialmente para o setor; o imposto sobre empresas deste país não tributa lucros reinvestidos por regra; o imposto sobre empresas deste país não tributa lucros reinvestidos por regra; em 2023 passou a sujeitar todos os lucros dos bancos a imposto, abrogando esta norma especialmente para o setor; em 2024 introduziu um imposto de 60 % sobre lucros excessivos (os que excedam em 50 % a média dos cinco anos fiscais anteriores); o imposto sobre empresas deste país não tributa lucros reinvestidos por regra; o imposto sobre empresas deste país não tributa lucros reinvestidos por regra; em 2023 passou a sujeitar todos os lucros dos bancos a imposto, abrogando esta norma especialmente para o setor; o imposto sobre empresas deste país não tributa lucros reinvestidos por regra; o imposto sobre empresas deste país não tributa lucros reinvestidos por regra; em 2023 passou a sujeitar todos os lucros dos bancos a imposto, abrogando esta norma especialmente para o setor; em 2024 introduziu um imposto de 60 % sobre lucros excessivos (os que excedam em 50 % a média dos cinco anos fiscais anteriores);

Lituânia e República da Chéquia:

em 2023 introduziram um imposto de 60 % sobre lucros financeiros excessivos, entendendo como tal os que excedam em 50 % o lucro médio obtido entre 2018 e 2022; em 2023 introduziram um imposto de 60 % sobre lucros financeiros excessivos, entendendo como tal os que excedam em 50 % o lucro médio obtido entre 2018 e 2022;

Hungria:

Lançou em 2022 um imposto de 10 % sobre a receita líquida (não o lucro económico) dos bancos, que, a partir de 2024, passou a ser progressivo, com uma taxa marginal máxima de 30 %;

Roménia:

lançou em 2024 um imposto de 2 % sobre o volume de negócios bruto anual (turnover) para vigorar até 2025, fixando-se em 1 % a partir desse exercício; lançou em 2024 um imposto de 2 % sobre o volume de negócios bruto anual (turnover) para vigorar até 2025, fixando-se em 1 % a partir desse exercício;

Mais semelhantes ao modelo tributário português:

Bélgica:

Já existia um imposto sobre a dívida bancária gerada pela captação de depósitos; a Bélgica agravou a taxa de 0,13 % para 0,17 % do passivo em balanço Já existia um imposto sobre a dívida bancária gerada pela captação de depósitos; a Bélgica agravou a taxa de 0,13 % para 0,17 % do passivo em balanço;

PaísesBaixos:

Já existia um imposto sobre a dívida bancária, sujeitando os passivos de curtoprazo a uma taxa de 0,04 % do valor em balanço e os passivos de longo prazo a 0,02 %; os PaísesBaixos agravaram o imposto para 0,06 % e 0,03 %, respetivamente Já existia um imposto sobre a dívida bancária, sujeitando os passivos de curtoprazo a uma taxa de 0,04 % do valor em balanço e os passivos de longo prazo a 0,02 %; os PaísesBaixos agravaram o imposto para 0,06 % e 0,03 %, respetivamente;

Eslovénia:

Imposto de 0,2 % sobre os ativos em balanço de bancos;

Itália:

lançado em 2023 imposto sobre rendimentos excessivos, tributando em 40 % os lucros da banca que excedessem em mais de 10 % os proveitos líquidos de 2021; lançado em 2023 imposto sobre rendimentos excessivos, tributando em 40 % os lucros da banca que excedessem em mais de 10 % os proveitos líquidos de 2021; os lucros alocados a fundos próprios Tier 1 são isentos deste imposto (na modelação do imposto denota-se preocupações extrafiscais semelhantes ao caso português); lançado em 2023 imposto sobre rendimentos excessivos, tributando em 40 % os lucros da banca que excedessem em mais de 10 % os proveitos líquidos de 2021; lançado em 2023 imposto sobre rendimentos excessivos, tributando em 40 % os lucros da banca que excedessem em mais de 10 % os proveitos líquidos de 2021; os lucros alocados a fundos próprios Tier 1 são isentos deste imposto (na modelação do imposto denota-se preocupações extrafiscais semelhantes ao caso português);

Não se encontram nesta lista países como a França, a Alemanha, o Luxemburgo, a Irlanda ou a Dinamarca por a sua banca exibir ganhos muito abaixo da média europeia. A maior contenção de ganhos nestas estruturas levou a que não houvesse resposta de acréscimo fiscal:

· Em 2022, o nível de ‘Rendibilidade do Ativo’ (Return On Assets, ROA) dos bancos romenos (de 1.5) excedia em quase quatro vezes o ROA dos bancos franceses (de 0.4) e multiplicava por sete o índice congénere da banca dinamarquesa (de 0.2). O ROA dos bancos portugueses em 2022 (de 0.7) era também significativamente mais elevado que os destes últimos e ultrapassava Itália, Espanha, Bélgica e PaísesBaixos, localizando-se no 14.º lugar da Europa a 27. No 3.º trimestre de 2024, a banca nacional apresentou um índice de rentabilidade de ativo de 1.45, mais que duplicando o índice de 2022, bem como a performance média dos bancos no Sistema Único de Supervisão, que se fixou em 0.7 nesse período.

· Se considerarmos agora a ‘Rendibilidade dos Capitais Próprios’ (return on equity-ROE) da banca, a média europeia fixou-se no último ano em 10,22 %, ao passo que a banca portuguesa apresentou um índice médio de 16,15 %, o quinto mais elevado do espaço da união bancária. Também aqui a hierarquia de jurisdições é aparentada à anterior. Os Estados com banca com melhores indicadores de rendibilidade de capital são a Letónia (19,02 %), a Lituânia (18,33 %) e a Estónia (17,25 %), ao passo que Luxemburgo, França e Alemanha exibem indicadores abaixo dos valores médios, o que torna compreensíveis as diferenças de política fiscal.

Levando em conta que o ASSB foi introduzido no ordenamento pela Lei 27-A/2020, de 24 de julho, tenho por evidente que o imposto não corporiza qualquer forma de violação do princípio da igualdade tributária ou de qualquer outro princípio da Constituição Fiscal. O Legislador não está proibido de ajustar a carga fiscal, criando novos impostos ou extinguindo outros, em função do que seja a evolução da distribuição e acumulação da riqueza entre contribuintes, otimizando a igualdade comparativa entre sujeitos, pelo contrário:

assim se garantem condições para atingir uma igualdade material efetiva entre titulares de rendimentos, ainda que o desequilíbrio entre ganhos seja transitório ou se possa entender previsivelmente reversível (e nem isso se tem por certo no caso da banca e sua dinâmica atual).

Assim, ainda que se acedesse a que a isenção simples em IVA de que beneficiam as instituições de crédito não é representativa de um ganho comparativo face a outros setores de atividade, do exposto resulta que persistiria justificado o ajustamento de política fiscal em que radica o lançamento do ASSB em 2020 em face da acumulação de rendimentos anormais pelas instituições de crédito nesse mesmo período e inerente sinalização de uma capacidade contributiva diferenciada, face ao universo de sujeitos de IRC. No entanto, sucede que nem sequer apenas este cenário justifica o imposto. O descrito fenómeno acresce ao benefício comparativo em matéria fiscal que o regime legal de IVA confere ao setor financeiro, com significativa privação de receita para o credor público, pelo que se afigura tanto mais ousado afirmar-se que se observa qualquer forma de violação do princípio da igualdade, da capacidade contributiva ou de qualquer outra norma ou princípio da Lei Fundamental. António José da Ascensão Ramos DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida.

O enquadramento dogmático do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) não é simples, e algum esforço justificativo e sistematizador por parte do legislador teria sido bemvindo, mas isso não faz do respetivo regime jurídico, por si só, contrário à Constituição.

De todas as teses acerca do tributo, aquela de que mais me aproximo é a explanada por CANTISTA TAVARES, designadamente, na Decisão Arbitral de 24/09/2024, no Processo 3/2024-T. Nela se explicam as premissas que permitem a compreensão do ASSB como um tributo conforme às exigências constitucionais:

i) O ASSB configura-se como um verdadeiro imposto sobre o consumo, tal como refletido na atividade das entidades bancárias, incidindo de forma indireta sobre tal manifestação de riqueza. Com efeito, é inegável a sua natureza unilateral, inexistindo correspondência de qualquer tipo entre a base de incidência e eventuais contraprestações, reais ou hipotéticas, feitas aos sujeitos passivos.

ii) O legislador dispõe de ampla margem de liberdade para conformar e criar tributos, desde que respeite os princípios constitucionais, com destaque, neste caso, para o princípio da igualdade. No entanto, este princípio não é automaticamente mobilizável-e, muito menos, automaticamente violado-sempre que se verifique uma diferença de tratamento fiscal, relevando apenas quando a diferenciação em causa careça de fundamento. Ora, na situação dos autos, todas as instituições bancárias estão sujeitas ao ASSB com base de incidência idêntica, o que afasta as alegações de violação do princípio da igualdade. Trata-se, pois, de um imposto dirigido a um setor específico de atividade-o setor bancárioque, importa recordar, beneficia de um regime de isenção de IVA, sem que tal privilégio tenha, por seu turno, suscitado dúvidas quanto ao respeito pelo princípio da igualdade.

iii) No que respeita à comparação com outros setores de atividade, também isentos de IVA, como o setor segurador e ressegurador, a CRP reconhece ao legislador ordinário uma ampla margem de liberdade política para estabelecer diferenciações tributárias. Na verdade, todo e qualquer benefício fiscal introduz, por definição, uma distorção da igualdade, em termos comparativos. A Constituição admite essa distorção sempre que esteja fundada numa razão extrafiscal suficientemente relevante, que se sobreponha à lógica da tributação ordinária. No caso do ASSB, a criação do imposto surge num contexto de crise, provocada pela pandemia de COVID-19, que teve um forte impacto negativo na economia, com quebra de receitas e aumento substancial das despesas da Segurança Socialum dos pilares centrais do Estado Social. Perante esta realidade, o Estado optou, de forma legítima, por reforçar a receita de impostos, por esta via. Pode discordar-se politicamente da medida, e entender-se que ela é fiscalmente desadequada, mas a verdade é que configura, ainda assim, uma opção de política fiscal constitucionalmente admissível e justificada.

iv) Por fim, quanto à problemática da violação do princípio da capacidade contributiva, recorde-se que o ASSB visa as manifestações de capacidade contributiva associadas aos fundos mobilizados pelas instituições de créditonomeadamente os depósitos e instrumentos financeiros derivadosrefletidos nos saldos das respetivas rubricas contabilísticas. Nestes termos, a sua base de incidência assenta, em grande medida, nos passivos das instituições de crédito, em particular nos depósitos. Este indicador funciona como uma referência objetiva da atividade bancária, em particular das operações de captação de depósitos, concessão de crédito ou prestação de garantias. Situação semelhante se verifica com os instrumentos financeiros derivados, que representam uma parcela significativa da atividade bancária e que, à semelhança do exemplo anterior, escapam ao âmbito do IVA e a qualquer outra forma de tributação indireta. Assim, existe uma conexão suficientemente forte entre os elementos tipificados na lei como factos tributários e as manifestações de capacidade contributiva que se pretende alcançar. Esta opção encontra-se ainda legitimada por razões de eficiência e de simplicidade administrativa na delimitação do facto tributário.

Nestes termos, existindo uma explicação dogmaticamente consistente para a forma e regime do tributo, creio que é dever deste Tribunal respeitar a margem de conformação do legislador, em particular em matéria tributária. Por esta razão, divirjo da presente decisão. Mariana Canotilho 119273946

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/6238971.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1991-01-11 - Decreto-Lei 24/91 - Ministério das Finanças

    Aprova o regime jurídico do crédito agrícola mútuo.

  • Tem documento Em vigor 1992-12-31 - Decreto-Lei 298/92 - Ministério das Finanças

    Aprova o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras.

  • Tem documento Em vigor 1994-12-27 - Lei 39-B/94 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 1995.

  • Tem documento Em vigor 2007-11-02 - Decreto-Lei 367/2007 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

    Estabelece o quadro do financiamento do sistema de segurança social.

  • Tem documento Em vigor 2015-08-28 - Lei Orgânica 11/2015 - Assembleia da República

    Sétima alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional)

  • Tem documento Em vigor 2020-07-24 - Lei 27-A/2020 - Assembleia da República

    Procede à segunda alteração à Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Orçamento do Estado para 2020), e à alteração de diversos diplomas

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