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Acórdão 590/2015, de 18 de Dezembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante da verba 28, e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a EUR1.000.000,00

Texto do documento

Acórdão 590/2015

Processo 542/14

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - PASCALE MARIE MICHEL BANDEIRA VIEIRA, recorrente nos presentes autos, em que é recorrida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, requereu junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), com base no Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária), a constituição de tribunal arbitral e a consequente pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto do Selo identificados pelos documentos n.os 2012 001871473 e 2012 001871474, no valor de (euro) 3.153,97 cada, respeitantes ao ano de 2012, e relativos à propriedade de prédio urbano, inscrito respetiva matriz predial da freguesia de Alcabideche, concelho de Cascais, por aplicação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Foi proferida decisão arbitral singular em 2 de maio de 2014, julgando, no que ora releva, improcedente os pedidos de anulação das liquidações de Imposto do Selo identificadas pela requerente, bem como de reembolso do valor de imposto pago e pagamento de juros indemnizatórios.

2 - Inconformada, a requerente recorreu da decisão arbitral para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de novembro (doravante LTC), sendo, na sequência de despacho do relator neste Tribunal, admitido o recurso pelo tribunal arbitral a quo, ainda que apontando ao requerimento de interposição de recurso "alguma ambiguidade na formulação" (cf. fls. 273). Convidada pelo relator a indicar com precisão a norma ou normas cuja apreciação pretende, e bem assim a norma ou princípio constitucional que considera violado, veio a recorrente dizer o que segue:

«I- Da norma concreta cuja apreciação pretende:

1 - A norma cuja inconstitucionalidade ora se suscita, diz respeito à sujeição a Imposto do Selo dos prédios com afetação habitacional, que resultou do aditamento da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), efetuada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

"28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1.000.000,00 - sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %

28-2 - [...]"

2 - A presente lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de outubro de 2012. Das normas transitórias constantes do seu artigo 6.º resulta que o facto tributário se considera verificado a 31 de outubro de 2012 e que o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011.

II- Dos princípios constitucionais que se consideram violados:

A - Violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva:

3 - A verba n.º 28 da TGIS impõe, nomeadamente, a tributação de 1 % sobre os imóveis cujo valor patrimonial tributável seja superior a (euro) 1.000.000.

Ora,

4 - Como objeto da presente verba temos: uma "flat rate" sobre os imóveis - e apenas estes - cujo VPT é superior a um milhão de euros, o pode originar situações como a de um cidadão que é proprietário de um imóvel destinado a habitação, cujo valor patrimonial é igual ou superior a (euro)1.000.000,00 estar sujeito a uma tributação anual de 1 % desse valor, e outro cidadão que detenha um conjunto de imóveis cujo valor patrimonial global seja igual ou superior a (euro)1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a (euro)1.000.000,00, não estar sujeito a tributação nos termos da mencionada verba n.º 28.

5 - Com esta opção, o legislador relegou o princípio da capacidade contributiva, e bem assim, a ratio da incidência do Imposto do Selo, que é apontada pelos autores como sendo a tributação de operações que constituem manifestações indiretas de riqueza, perdendo-se em detrimento de uma manifestação direta, sobre um património que já é tributado em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, introduzindo diferenciações que nem sequer parecem ter um fundamento racional, desse modo violando a versão mais elementar do princípio geral da igualdade como proibição do arbítrio;

6 - Como é consabido, o princípio da igualdade tributária é fundamental para a justiça na incidência da carga fiscal, uma vez que, comportando em si o corolário da proibição de discriminação, decorrente do principio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, ele pugna, nos termos 103.º n.º 1 da Lei fundamental, pela "[...] repartição justa dos rendimentos e da riqueza".

Por outro lado,

7 - O princípio da igualdade fiscal tem por base o princípio geral da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, dele resultando o princípio da capacidade contributiva que, por imperativo constitucional, é o pressuposto e o critério da tributação.

Ora,

8 - Conforme refere Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 5.ª edição, pág. 151 e ss., o Princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo "a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)".

9 - Acrescenta o referido autor que, decorre deste princípio a "ilegitimidade constitucional das presunções absolutas de tributação [...] a necessidade duma válvula de escape para obstar a situações de grave iniquidade" (ob. citada, pag.154,)

10 - É assim claro e notório, que o legislador foi mais além que a sua liberdade de escolhas políticas, quebrando o arbítrio que a CRP tenta evitar ao obrigá-lo a respeitar, na seleção e articulação dos factos tributários, critérios rigorosos de capacidade contributiva.

Por consequência,

11 - Atendendo ao que acima se deixou exposto, conclui-se que a aplicação da verba ora em questão, ao abrir a possibilidade de tributação diferenciada a contribuintes titulares de património de igual valor, em razão de critérios injustificados, nomeadamente sem atender ao princípio da capacidade contributiva, baseando-se unicamente na dispersão ou concentração do património predial, não pode deixar de se julgar inconstitucional, pela clara violação que demonstra do princípio da igualdade e do seu corolário princípio da capacidade contributiva,

B - Violação do princípio da Proporcionalidade:

12 - Atendendo à Jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente à versada nos Acórdãos n.º 632/2008 e 187/2001, o Princípio da Proporcionalidade "desdobra-se em três subprincípios", i) Princípio da adequação (i.e. as medidas adotadas pelo legislador devem ser aptas e idóneas à prossecução dos fins por ele visados), ii) Princípio da exigibilidade (o legislador não dispõe de outros meios menos restritivos para alcançar a mesma finalidade), iii) Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (as medidas adotadas não constituem medidas excessivas para alcançar os fins propostos, i.e, para o efeito, torna-se necessário um juízo de ponderação a realizar, colocando em confronto os meios ao fim.

Ora,

13 - Isto implica que os efeitos lesivos e restritivos da atuação do legislador fiscal devem encontrar-se numa justa medida dos fins por si prosseguidos, sendo por isso exigido que pondere e gradue os efeitos das medidas por si adotadas e impostas.

14 - Para que certa medida legislativa se mostre inidónea ou inapta para a realização do fim para qual foi tomada, é necessário que o meio usado se revele "inóculo, indiferente ou até negativo para prosseguir os efeitos pretendidos.

Desta feita,

15 - Atentando ao caso concreto, a finalidade da aplicação da presente verba, prende-se, de acordo com a justificação apresentada em comunicado do Conselho de Ministros de 20/9/2012, entre outras, com a fundamentalidade da mesma "para reforçar o princípio da equidade social na austeridade"

No entanto,

16 - As necessidades financeiras do Estado que se pretendem dirimir com a aplicação da verba n.º 28 da TGIS, nomeadamente, através da tributação de imóveis cujo VPT seja superior a um milhão de euros, não poderá nunca ultrapassar o crivo da proporcionalidade, na medida em que a mesma, i) não se mostra, por si só, apta e idónea a realizar o fim invocado, ii) não se trata da medida menos onerosa ou menos benigna para os contribuintes e iii) o meio empregue para alcançar o fim pretendido revela-se inadequado e desproporcional.

C - Violação dos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade da lei fiscal:

17 - No caso vertente, a violação do princípio da segurança jurídica é tanto mais evidente na medida em que este imposto viola mesmo um dos subprincípios dele decorrentes - o princípio da irretroatividade da lei fiscal.

Na verdade,

18 - De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do diploma em questão, o sujeito passivo do imposto, em 2012, era o proprietário, o usufrutuário ou o superficiário do imóvel dois dias após o lançamento do imposto!

19 - Na prática, estamos perante um fenómeno de retroatividade material; basta atentar no caso de um qualquer agente económico que tivesse concretizado, no mês de setembro de 2012, a aquisição de um imóvel que veio a ser sujeito a este imposto. Nessa data - tão próxima do lançamento do imposto - "[...] o titular do prédio não podia contar com a aplicação (do imposto), pela razão simples de que tal tributo não havia ainda sido criado" (cf. Acórdão TC 63/96, 24/01/2006, sobre uma questão de aplicação da Contribuição Especial).

20 - Esta intolerável imprevisibilidade, lançada pelo legislador com a inopinada criação do tributo em causa pela norma por cuja inconstitucionalidade se pugna, é sintoma evidente da violação, por esta, do princípio da segurança jurídica.

III- Quanto aos pontos do requerimento de constituição do tribunal arbitral em que foram enunciadas as questões normativas:

21 - O requerimento de constituição do Tribunal Arbitral pugna claramente pela inconstitucionalidade da norma ora em crise, em particular:

a) Quanto à violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva: artºs 31.º a 50.º

b) Quanto à violação dos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade da lei fiscal: artºs 51.º a 60.º

A violação do princípio da proporcionalidade é corolário da violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva.»

3 - Nos termos do despacho de fls. 284, foi ordenada a notificação das partes para alegações, com expressa indicação de que se considerava para tanto "a especificação da recorrente de que pretende a apreciação da constitucionalidade de uma norma, constante do disposto nos pontos 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzidos pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 deoutubro".

4 - Nessa sequência, a recorrente PASCALE MARIE MICHEL BANDEIRA VIEIRA apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:

«- Ponto 28 da TGIS - Violação do princípio da igualdade/capacidade contributiva

1 - O princípio da igualdade fiscal tem por base o princípio geral da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, dele resultando o princípio da capacidade contributiva que, por imperativo constitucional, é o pressuposto e o critério da tributação.

2 - Conforme refere Casalta Nabais (Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pág.. 151 -152), o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo: "[...] a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)".

3 - Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva: "[...] afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva".

4 - O próprio Tribunal Constitucional - como se deixou claro na PI interposta no CMD - tem vindo a seguir uma conceção bastante ampla do princípio da igualdade fiscal - vide por todos os Acórdãos n.os 142/04 e 348/97.

5 - É certo que o Tribunal tem também considerado que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional. No entanto, o TC não deixa nunca de afirmar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal.

6 - Tentando uma abordagem objetiva a esta questão, o que se coloca é saber se, na ótica de um sistema fiscal justo, igualitário e fundado no princípio da capacidade contributiva, este imposto tem uma qualquer razão de ser. Obviamente, não. Se houvesse motivo constitucionalmente fundado para este tipo de tributação, o método óbvio e respeitador dos princípios constitucionais seria uma alteração do Código do IMI - pois este corpo normativo possui a estrutura necessária para dar cobertura a esses imperativos constitucionais.

7 - Este "Imposto do selo" imobiliário surge, desde logo, como um verdadeiro "pontapé" no edifício, na estrutura do nosso sistema fiscal: a tributação do património imobiliário é feita em sede de IMT e de IMI, nas suas perspetivas dinâmica e estática. O Imposto do Selo, reformado em 1999, tende a ser um imposto sobre operações, e não sobre o património imobiliário, pelo que o aditamento do ponto 28 da TGIS é, a todos os títulos, assistemático.

8 - A manifesta violação do princípio da igualdade fiscal, quer na vertente da igualdade/equidade horizontal quer, sobretudo, na vertente da igualdade/equidade vertical é bem patente no exemplo que a recorrente enunciou:

a) De um lado, a Recorrente, que possui um património no valor de cerca de 1 milhão e 250 mil euros suporta o Imposto do Selo; de outro, o hipotético "contribuinte Bernardo", que possui património no valor de 20 milhões de euros mas não tem, nesse acervo, qualquer imóvel com VPT superior a 1 milhão, não suporta um cêntimo que seja deste imposto;

b) De um lado, a Recorrente, que possui um imóvel cujo VPT ultrapassa, ainda que por pouco, (euro)1.000.000,00; de outro, o hipotético "contribuinte Alberto" que, por um acaso, possui dez (10) imóveis cujo VPT é de (euro) 990.000,00.

9 - A desigualdade vertical é por demais chocante, porquanto a Recorrente, que possui um património no valor de cerca de 1 milhão e 250 mil euros, suporta o Imposto do Selo; um hipotético "contribuinte Bernardo", que possui património no valor de 20 milhões de euros, não suporta um cêntimo que seja deste imposto.

10 - E igualmente choca a desigualdade horizontal: a Recorrente, que possui um (1) imóvel cujo VPT ultrapassa, ainda que por pouco, (euro)1.000.000, paga Imposto do Selo outro, hipotético "contribuinte Alberto" que, por um acaso, possui dez (10) imóveis cujo VPT é de (euro) 990.000, não paga um cêntimo de imposto.

11 - Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas:

a) Na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção;

b) Na uniformidade da lei fiscal, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva;

c) Por último, mas não menos relevante para o caso em apreço, o princípio da igualdade concretiza-se na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.

12 - Ora, se a norma do Ponto 28 da TGIS é geral (isso admite-se), em tudo o mais falece. É iniqua, pois trata de forma igual quem é diferente e de forma diferente quem é igual, é assistemática e arbitrária na sua aplicação.

13 - Por mais belas e nobres que hajam sido as intenções do legislador, ao criar o tributo plasmado no ponto 28 da TGIS (do que duvidamos, como acima deixamos intuir), o facto é que a repercussão desta norma na ordem jurídica, a sua integração na ordem social que visa compor, resulta num abcesso, violador de princípios tão fundamentais e basilares da lei fundamental como é o princípio da igualdade.

- Artigo 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro - Violação do princípio da segurança jurídica, da proibição constitucional da retroatividade da lei fiscal e do princípio da proporcionalidade

14. "O princípio da legalidade, os princípios materiais que constitucionalizam os pontos essenciais da lei fiscal e a necessidade de encontrar, na lei, o fundamento direto da decisão administrativa convergem para um único sentido: assegurar a racionalidade dos comportamentos privados. Tal tem como condição a previsibilidade da lei fiscal [...] e a calculabilidade dos encargos tributários."

15 - Estamos perante um imposto criado em 30 de outubro, cujo facto tributário se verifica no dia seguinte ao da sua criação, e que deve ser pago em cerca de 30 dias.

16 - No caso vertente a violação do princípio da segurança jurídica é tanto mais evidente na medida em que este imposto viola mesmo um dos princípios dele decorrente - o princípio da irretroatividade da lei fiscal

17 - Na prática, estamos perante um fenómeno de retroatividade material, basta atentar no caso de um qualquer agente económico que concretizou, em meados de setembro de 2012, a aquisição de um imóvel que veio a ser sujeito a este imposto. Nessa data - tão próxima da criação do imposto - "[...] o titular do prédio não podia contar com a aplicação (do imposto), pela razão simples de que tal tributo não havia ainda sido criado" (cf.Acórdão TC 63/96, 24/01/2006, sobre uma questão de aplicação da Contribuição Especial).

18 - É certo que vem o Venerando Tribunal entendendo que o postulado no citado preceito da Constituição respeita apenas à chamada "retroatividade autêntica", ou seja, aplicação de lei fiscal nova a facto antigo, verificado na vigência de lei anterior. Mas tal não significa que outros casos, em que se verifica retroatividade material, inautêntica, imprópria, etc., sejam por isso conformes à Constituição.

19 - Pode e deve usar-se a técnica interpretativa proposta pelo próprio Tribunal, no seu Acórdão 399/201, a respeito de um caso de "retroatividade inautêntica", onde se constata que, afinal, sempre o Venerando Tribunal se vinculou, na análise da constitucionalidade de normas fiscais própria ou impropriamente retroativas, a um "teste de confiança. "

20 - Este teste de confiança passa pela análise de quatro requisitos que, se verificados, permitem atestar que os dois pressupostos em que assenta o princípio da segurança jurídica/da confiança não se encontram preenchidos - caso em que a norma é inconstitucional.

21 - Os pressupostos enunciados são:

a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).

22 - Sendo os quatro requisitos os seguintes:

"[...] em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados

«expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. "

23 - Quanto ao primeiro requisito (o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade): É em tudo um "imposto-surpresa", seja pela sua estranha e arbitrária configuração e estruturação, seja pelo momento em que o mesmo é criado, lançado e cobrado. Ainda se fosse uma alteração ao CIMI, discutida no âmbito do Orçamento de Estado, sempre se diria que estaríamos no âmbito de um processo legislativo que já é, infelizmente, comum. Logo, o legislador não criou qualquer expectativa de descontinuidade no seu comportamento quanto à tributação do património imobiliário em momento prévio à criação - surpresa - do tributo.

24 - Quanto ao segundo requisito (devem tais expectativas de continuidade ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões): É público e notório que um imposto-surpresa, arbitrário, fere toda e qualquer expectativa de continuidade; e que o cidadão-contribuinte possuía legítimas, justificadas e fundadas razões para que tais expectativas não fossem feridas. Será sempre de supor que o legislador procede com conta, peso e medida, e que quando decide lançar um imposto prepara tal ofensa à propriedade privada com competência e seriedade. Ora, como pode ser este o caso de um tributo que, de tão mal preparado, gerou uma enxurrada de processos judiciais quanto ao seu âmbito, plano de incidência, aplicabilidade, arbitrariedade, etc., dando mesmo lugar a uma alteração legislativa que mais não serve do que acolher as posições ilegais que a administração tributária adotou na aplicação deste imposto aos prédios não edificados e aos prédios em propriedade vertical?

25 - Quanto ao terceiro requisito (devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento» estadual): que plano de vida resiste a um imposto criado, lançado e cujo facto tributário se verifica em dois dias consecutivos?

26 - Quanto ao quarto requisito (não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa): A única razão que poderia justificar, em nome do interesse público, tão grave descontinuidade no sistema fiscal, mais concretamente na tributação do património imobiliário, seria - como tantas vezes no passado - as necessidades financeiras do Estado Fiscal. Não é o caso. Desde logo, porque a receita angariada com este tributo não é relevante no quadro de verdadeira desgraça orçamental em que vivíamos (e vivemos).

27 - Mas não é igualmente o caso porque o próprio legislador assim o afirmou. Com efeito, de uma leitura atenta das declarações de S. Ex.ª o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, as mesmas declarações que a Ilustre Árbitro do Tribunal ad quem cita para sustentar o seu juízo, parece que a equidade fiscal se cumpre lançando um imposto arbitrário sobre alguns proprietários de algum património imobiliário, sem curar de saber do impactoefetivo desse imposto no quadro dos sacrifícios que são impostos aos cidadãos em questão e à população em geral. Seria isso que contrabalançaria o confisco de pensões e rendimentos de trabalho que este mesmo Governo tem promovido, e que que promoveria uma justa repartição dos encargos tributários entre trabalhadores e proprietários, entre pensionistas e capitalistas. Onde está, então, o interesse público da medida? Legítimo, justificado, sério, que permita sacrificar a confiança dos cidadãos?

28 - Os quatro critérios do teste proposto pelo Venerando Tribunal têm-se, assim, por verificados - o que é inevitável e expectado, pois a norma em causa fere despudoradamente o "princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança."

29 - Verificados tais pressupostos, e de acordo com o Venerando Tribunal, a afetação de expectativas que a norma em causa criou nos cidadãos, em sentido desfavorável, é inadmissível - pelo que a norma tem que ser julgada desconforme à Constituição, por violadora dos princípios da confiança, irretroatividade e proporcionalidade.»

5 - Notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio aos autos apresentar contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso, que concluiu do seguinte modo:

«55 - O disposto nos pontos 28 e 28.1 da Tabela Geral Anexa ao Imposto do Selo, introduzidos pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro não viola os princípios da igualdade e da capacidade tributárias.

56 - Desde logo esta nova tributação insere-se num conjunto mais vasto e coerente de medidas legislativas que visaram o cumprimento dos exigentes e objetivos constantes do programa de ajuda financeira a Portugal, e atingiram praticamente todos os contribuintes e todas as categorias de rendimentos, tendo por denominador comum cuidadas preocupações de equidade social e de justiça fiscal.

57 - Aliás, e neste contexto, não é despiciendo deixar de registar que a Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, para além da sujeição a Imposto do Selo dos imóveis de vocação habitacional com valor superior a 1.000.000 de euros, veio igualmente agravar a tributação de rendimentos de capitais e de mais-valias em sede de IRS, bem como reforçar as regras de combate à fraude e evasão fiscais.

58 - Não pode admitir-se que a norma em causa - verbas 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditadas pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro - impliquem qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade tributárias.

59 - Desde logo pelo facto de todos os contribuintes terem, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, em diferentes categorias de rendimento ou de património, visto consideravelmente agravada a sua carga fiscal,

60 - A que acresce o facto de patente a inexistência de qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, quando, dada a generalidade da norma, incide o imposto, de igual modo, sobre todos os proprietários, usufrutuários e superficiários de imóveis com vocação habitacional e de valor patrimonial tributário superior a 1.000.000 de euros.

61 - De resto, a própria previsão normativa evidencia a especial preocupação de respeito do princípio constitucional da capacidade tributária, sendo esta inegável para qualquer sujeito passivo que é proprietário, usufrutuário ou superficiário de imóvel com vocação habitacional e de valor patrimonial tributário superior a 1.000.000 de euros.

62 - Ou seja, teve o legislador o cuidado de determinar que apenas seriam responsáveis pelo pagamento do imposto unicamente os contribuintes que revelassem maior capacidade contributiva, como inegavelmente o é a propriedade, o usufruto ou direito de superfície sobre imóveis de vocação habitacional de valor patrimonial tributário superior a 1.000.000 de euros, ou seja, e no essencial, as vulgarmente designadas "casas de luxo".

63 - Tal como se não pode ver qualquer violação do princípio da igualdade tributária no facto de a norma incidir unicamente sobre os imóveis de vocação habitacional, e não, designadamente, comercial ou industrial, o que revela uma clara opção do legislador de excluir da norma os imóveis com vocação para a atividade económica.

64 - Por outro lado, é evidente que a norma transitória constante do artigo 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, não viola, de igual modo, nenhum dos princípios constitucionais da não retroatividade, da segurança e confiança.

65 - E não viola o princípio da irretroatividade da lei fiscal desde logo pelo facto de a lei ter entrado em vigor no dia 30 de outubro, e de o facto tributário ter ocorrido em momento posterior, ou seja, a 31 de outubro.

66 - Tal como não viola os princípios constitucionais da segurança, da proteção da confiança e da proporcionalidade, o facto de este imposto, por imperiosos motivos decorrentes do cumprimento das metas orçamentais constantes do memorando de assistência económica e financeira a que Portugal estava internacionalmente vinculado, antecipar em 2 meses, no ano de 2012, a data da verificação do facto tributário.

67 - Facto este que, aliás, não deixou de ser ponderado com a garantia de uma taxa de imposto mais baixa no ano de 2012 (0,5 % ou 0,8 %, contra a taxa de 1 % para os anos seguintes).

68 - As normas em causa consagram, a par de tantos sacrifícios, designadamente de natureza tributária, excecionalmente pedidos a tantos contribuintes em prol do cumprimento dos objetivos do programa de assistência económico e financeira a Portugal, um regime absolutamente necessário, proporcional e adequado, que não infringe qualquer norma ou princípio constitucionalmente consagrado.»

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

6 - Conforme reiteradamente afirmado por este Tribunal, de acordo com o disposto no artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, recai sobre a recorrente o ónus de enunciar com precisão e clareza a(s) norma(s) ou interpretação(ões) normativa(s) cuja constitucionalidade pretende sindicar, operando o recorte inscrito no requerimento de interposição de recurso a delimitação, em termos irremediáveis e definitivos, a delimitação do objeto de recurso, não sendo consentida modificação substantiva ulterior, sem prejuízo da possibilidade de restrição em sede de alegações de questão anteriormente colocada. A ampliação do objeto do recurso em alegação, extravasando o sentido normativo definido no requerimento de interposição de recurso não é admitida (cf. Acórdãos n.os 286/2000, 146/2006e 400/2013).

Nos presentes autos, a recorrente veio indicar, na sequência de despacho-convite proferido ao abrigo do n.º 5 e 6 do artigo 75.º-A LTC, motivado por imprecisão do requerimento de interposição de recurso, que pretendia ver apreciada uma "norma concreta", a qual reportou ao disposto na verba 28 e 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, cujo texto transcreveu, na dimensão que "diz respeito à sujeição a imposto do selo dos prédios com afetação habitacional", compreendendo-se da globalidade do requerimento que tinha em atenção a tributação da propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributável seja igual ou superior a (euro)1.000.000.

Determinado o prosseguimento do recurso para alegações quanto a essa dimensão normativa, verifica-se que a recorrente alude a partir da conclusão 14.ª a normação diversa, que não chega a minimamente enunciar, referindo-se genericamente ao "Artigo 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro". Ora, não só o preceituado nesse artigo - composto por três números, contando o primeiro com seis alíneas e três subalíneas - contém uma pluralidade de normas, abarcando campos de regulação diversos, cuja sindicância sempre exigiria o seu recorte claro e preciso pela recorrente - não podendo o Tribunal, sem violação do princípio do pedido, escolher uma dessas normas -, como, principalmente, deparamos com a colocação de uma segunda questão de constitucionalidade em fase de alegações, ampliando o impulso recursório efetivamente exercido, relativamente ao qual havia sido determinado o prosseguimento do recurso.

É certo que a recorrente alude no requerimento apresentado após o despacho-convite ao que, na sua leitura, "resulta" das normas transitórias constantes do artigo 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, mas essa menção encontra articulação com a data da entrada em vigor do diploma, decorrente de outro preceito do mesmo diploma - o artigo 7.º - não referido na mesma peça processual, nem nas alegações. Acresce que, nestas, o problema de constitucionalidade é enunciado como fundado na instituição pelo legislador de "um imposto criado em 30 de outubro, cujo facto tributário se verifica no dia seguinte ao da sua criação, e que deve ser pago em cerca de 30 dias" (conclusão 15.ª), quando, no requerimento apresentado, a data fixada pelo legislador como de verificação do facto tributário surge conexionada com outro sentido normativo, a saber, a estipulação de que "o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011".

Temos, então, que, por consubstanciar uma ampliação inadmissível do seu objeto, não será conhecido o recurso quanto a esta última questão, à qual é inteiramente referida a invocação dos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade fiscal, circunscrevendo-se o Tribunal a apreciar a conformidade constitucional da norma constante da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a (euro)1.000.000,00, no confronto com os princípios constitucionais da igualdade, capacidade contributiva e proporcionalidade.

Enquadramento

7 - A norma sindicada decorre, como se disse, da verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro:

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

8 - Remontando a sua criação ao século XVII, o Imposto do Selo é o imposto mais antigo do sistema fiscal português. Na sua origem, estava associado a operações de autenticação de documentos por autoridades públicas mas, progressivamente, viu alargada a sua base de incidências a outros factos, atos e, por último, a situações jurídicas, o que foi propiciado pela flexibilidade verificada na definição do respetivo âmbito de incidência objetiva e pela simplicidade da sua liquidação e pagamento (cf., sobre as origens e evolução do Imposto do Selo, JOSÉ MARIA FERNANDO PIRES, Lições de Imposto sobre o Património, Coimbra, 3.ª edição, 2015, págs. 447 a 449).

O Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei 150/99, de 11 de setembro, iniciou a sua vigência em março de 2000, sendo significativamente alterado pelo Decreto-Lei 287/2003, de 12 de novembro, que o republicou. Com a reforma da tributação do património operada em 2003, o Imposto do Selo passou a configurar-se sobretudo como um imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelam rendimento e riqueza, aplicando-se a uma "multiplicidade heterogénea de factos ou atos", sem "um traço comum que lhes confira identidade" (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit. pág. 453). Essa capacidade de acolher no seu seio tributações de diferente natureza criou caminho a que o legislador fiscal lhe fosse atribuindo um papel complementar de outros impostos. Como apontam J. SILVÉRIO DIAS MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS, o Imposto do Selo "configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo" (Os Impostos Sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, Lisboa, 2005, pág. 251, apud JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., nota 334, págs. 453 e 454).

9 - A Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos - IRS, IRC e Imposto do Selo - assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma ora em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes.

É o que resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei 96/XII/2.ª, que esteve na origem da referida Lei 55-A/2012:

«A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa.

Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respetivas taxas de 25 % para 26,5 % em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35 %.

Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50 % para 30 % entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efetuadas entre contas do sujeito passivo, não declaradas nos termos da lei, passam a ser consideradas uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indiretos.»

Por seu turno, na discussão do diploma na Assembleia da República, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais desenvolveu assim a fundamentação das medidas propostas (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012, págs. 31 e 32)

«O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal. No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas a suportar os encargos fiscais. Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o agravamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos. Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço orçamental seja repartido por todos os contribuintes e incida sobre todos os tipos de rendimento, abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional. Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua real capacidade contributiva, conferindo à administração tributaria poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e de evasão fiscal. Neste sentido, o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efetivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa. Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre os rendimentos do capital e sobre as mais-valias mobiliárias; e o reforço das regras de combate à fraude e à evasão fiscais. Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5 % a 0,8 % em 2012, e de 1 % em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço adicional exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013.»

10 - Temos, então, que com o aditamento da verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, foi sujeita a este imposto uma situação jurídica, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbano com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a (euro)1.000.000,00, fazendo recair sobre tal valor a taxa de 1 %.

Por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, alínea u), 5.º, alínea u), 23.º, n.º 7 e 44.º, n.º 5, do Código do Imposto do Selo, e respetivas remissões para as regras aplicáveis em sede de imposto municipal sobre imóveis, todos aditados pela Lei 55-A/2012, nas situações previstas na verba n.º 28, o facto tributário verifica-se no dia 31 de dezembro do ano a que respeita o imposto; o sujeito passivo coincide com o contribuinte de facto, que, nos casos de propriedade, corresponde ao proprietário do prédio na referida data; a liquidação do imposto é efetuada anualmente com base no valor patrimonial tributário que consta da matriz predial, calculado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, por referência a 31 de dezembro do ano a que respeita o imposto; e o tributo é pago em duas ou três prestações, dependendo do valor da coleta, ao longo do ano seguinte. Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, as taxas do imposto são as constantes da Tabela anexa em vigor no momento em que o imposto é devido, sendo certo que, nos termos do n.º 6 do artigo 1.º, do mesmo Código, o conceito prévio a atender é aquele definido no Código do IMI.

Pretendendo arrecadar imediatamente receita fiscal adicional em ordem ao cumprimento premente das metas orçamentais estabelecidas no âmbito do Plano de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e fixadas no Memorando de Políticas Económicas e Financeiras no ano em curso, o legislador estabeleceu na referida Lei 55-A/2012, por um lado, a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 7.º, n.º 1) e, por outro, um regime transitório para o ano de 2012 (artigo 6.º). De acordo com o referido regime transitório, estabelecido no artigo 6.º da mesma Lei 55-A/2012, o facto tributário foi antecipado para 31 de outubro de 2012, devendo os sujeitos passivos satisfazer o respetivo pagamento até 20 de dezembro de 2012, numa única prestação.

Porém, no que concerne ao Imposto do Selo a liquidar no ano de 2012, de acordo com o regime transitório que se vem de referir. a taxa fixada é inferior à estipulada para os anos subsequentes (1 %), sendo, no que concerne aos prédios com afetação habitacional, de 0,5 % ou 0,8 %, consoante tenham ou não sido avaliados nos termos do Código do IMI, sendo o valor patrimonial tributário a utilizar para o efeito aquele que resulte das regras previstas no Código do IMI por referência ao ano de 2011.

Este foi o regime aplicado nos presentes autos.

Note-se, por último, que a redação da verba 28.1. sofreu alteração posterior, por via da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a estipular a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1 %, "por prédio urbano ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI".

Do mérito do recurso

11 - A recorrente entende que a normação questionada merece censura constitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, fundamentalmente a partir da consideração, por um lado, de que a medida não reveste aptidão para o fim invocado e, por outro, de que atinge arbitrariamente apenas alguns proprietários de algum património.

Diverso foi o entendimento do Tribunal Arbitral recorrido, a que aderiu no presente recurso a recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira. Depois de elencar as várias controvérsias jurídicas suscitadas pela verba 28 do TGIS e analisar a evolução da tributação sobre o património, a decisão recorrida afastou a violação dos princípios da igualdade e capacidade contributiva, subscrevendo o entendimento acolhido na decisão do processo 50/2014-T, do CAAD, que transcreveu, mormente nos seguintes excertos:

«[O] legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a (euro)1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto do selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a (euro)1.000.000,00».

«[...] A fundamentação da medida designada por "taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor" assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as "casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros". Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal».

Princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva

12 - Passemos, então, a apreciar o parâmetro de constitucionalidade a que a recorrente dedicou a maior parte da sua argumentação, fundada nos princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva (artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição).

O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização "na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos [...]; por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos" (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: "Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)" (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva "de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto" (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão 84/2003:

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de "uniformidade" - o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério - preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos - dos "impostos fiscais" mais precisamente - se deverá fazer segundo a capacidade económica ou "capacidade de gastar" [...] de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). [...] Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a "capacidade contributiva" continua a ser um critério básico da nossa "Constituição fiscal" sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103.º e 104.º da CRP [...]».

Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão 711/2006, «é claro que o "princípio da capacidade contributiva" tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo [...] - como proibição do arbítrio».

Em suma, na síntese do Acórdão 695/2014, "o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional".

13 - A argumentação da recorrente coloca-se neste último plano, respondendo negativamente à interrogação sobre a razão de ser da tributação sindicada, fundamentalmente por assumir, na sua ótica, caráter assistemático e arbitrário, a partir da consideração de que a tributação do património imobiliário deveria ser feita em sede de IMT e IMI, e por discriminar sem fundamento racional contribuintes com a mesma capacidade contributiva. Sem razão, adiante-se.

14 - Desde logo, da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de fator de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cf., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos n.º 353/2010 e 324/2013).

Note-se, ainda assim, que a incidência do Imposto do Selo, marcado pela heterogeneidade, remete aqui, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de "taxa adicional do IMI", dirigido a "discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes" (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que o reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional.

15 - Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido "princípio da equidade social na austeridade".

A recorrente afirma que a norma em apreço é "iníqua" e avança com dois casos hipotéticos que, na sua ótica, tornam patente a violação dos princípios da igualdade tributária e capacidade contributiva.

15.1 - O primeiro caso compara dois contribuintes, em que um possui "um património no valor de cerca de um milhão e 250 mil euros" e suporta Imposto do Selo por via da norma de incidência da verba n.º 28, e outro que, por "possui[r] património no valor de 20 milhões de euros mas não tem, nesse acervo, qualquer imóvel com valor patrimonial tributário superior a 1 milhão" não suporta qualquer tributação. Daí decorre, sustenta, "desigualdade vertical" entre contribuintes sem razão justificativa.

Porém, a comparação proposta não encontra cabimento, pois afasta-se, no tertiumcomparationis eleito, da estrutura da norma em análise. A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba n.º 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

15.2 - Cabe referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar. Pode, como aponta CASALTA NABAIS, em prossecução de tal objetivo constitucional, "proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adotando taxas progressivas" (ob. cit., pág. 436). E, mesmo que se possa extrair do princípio da capacidade contributiva um modelo de imposto geral sobre o património com uma base tributável alargada a todas as manifestações de riqueza, os obstáculos de praticabilidade que se lhe opõem sãosuscetíveis de conduzir na realidade à criação de desigualdades entre os contribuintes. Como refere SÉRGIO VASQUES (Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, in Fiscalidade, 2005ª, n.º 23, pág. 44):

«[A]í onde se instituíram impostos desta natureza - e não são muitos os casos - a sua aplicação tem sido viciada pela fraude mais grosseira, produzindo-se com isso uma desigualdade entre os contribuintes que se não pode tolerar. A igualdade de um imposto mede-se pelos resultados da sua aplicação e quando o legislador saiba de antemão que não pode tributar uma qualquer manifestação de riqueza com igualdade efetiva, deve então abster-se de a sujeitar a imposto.

Podemos por isso concluir dizendo que o princípio da capacidade contributiva possui um conteúdo útil e preciso na conformação dos impostos sobre o património mas que o modelo para o qual aponta, o do imposto sobre o património líquido global, produz na prática quebras de igualdade maiores do que os ganhos que traz. Quando se afirma que não há espaço nos sistemas fiscais modernos para um imposto sobre o património global ao lado do IVA e do imposto sobre os rendimentos pessoais isso será bem verdade - não por força do princípio da capacidade contributiva, que o reivindica, mas por razões de praticabilidade que lhe são estranhas.»

15.3 - Assim sendo, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material carece de ser referida à unidade prédio afeto à habitação, o que importa a conclusão de que no primeiro caso não existe discriminação arbitrária entre contribuintes na operação uniforme do critério substantivo relevante, traduzido na atribuição a cada prédio com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a (euro)1.000.000,00.

Como, ainda, persiste uma efetiva conexão entre a prestação tributaria e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, sem infringir o princípio da capacidade contributiva, cujo alcance, não sendo excluído, diminui no âmbito da tributação do património, face ao que acontece na tributação sobre o rendimento (assim, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2011, pág. 254). Com efeito, a recorrente não disputa que o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto é atingido apenas pelos prédios urbanos de vocação habitacional de mais alto significado económico, exteriorizando níveis de riqueza correspondentes aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa.

15.4 - O segundo caso, segundo a recorrente demonstrativo de desigualdade no plano horizontal, compara a tributação que lhe foi imposta, como proprietária de prédio cujo valor patrimonial tributário ultrapassa "por pouco" o montante de (euro)1.000.000,00, com a não tributação de um contribuinte hipotético que fosse proprietário de 10 imóveis, cujo valor patrimonial tributário se situasse em (euro)990.000,00.

Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite - positivo ou negativo - de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão.

Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador.

Princípio da proporcionalidade

16 - No que se refere à violação do princípio da proporcionalidade, apontada pela recorrente na parte final do requerimento transcrito no ponto 2 como corolário da violação dos princípios atrás apreciados, mostra-se patente a falta de razão da recorrente.

Com efeito, a recorrente sustenta em alegações, ainda que a propósito de outro parâmetro, que não se encontra, na espécie, uma adequada relação meio-fim, porquanto a receita arrecadada com este imposto não tem "qualquer significado relevante", sendo o valor cobrado em 2012 "necessariamente uma receita escassa" (cf. fls. 16 e 17 das alegações, a fls. 301 e 302 dos autos).

O raciocínio toma, porém, como premissa algo que não corresponde à finalidade da norma: o legislador não visou atingir apenas por este meio o objetivo de reequilíbrio das contas públicas, reconhecidamente difícil. Pretendeu, como se viu, alargar a base tributável à riqueza exteriorizada na propriedade de prédios urbanos destinados à habitação de elevado valor e, numa perspetiva de promoção da consolidação orçamental, como instrumento de obtenção de mais receita e, correspondentemente, de alívio do esforço que pudesse vir a incidir sobre outras fontes de receita ou sobre a redução da despesa pública, com vista a cumprir as metas de défice público, não sofre dúvida que as verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba n.º 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir. Como, enquanto medida fiscal dirigida a afetar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade.

17 - Não se verificando a violação dos parâmetros de constitucionalidade invocados pela recorrente, nem de quaisquer outros, improcede, por conseguinte, o recurso.

III. Decisão

18 - Nestes termos, decide-se:

a) não julgar inconstitucional a norma constante da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a (euro)1.000.000,00;

e, em consequência;

b) julgar improcedente o recurso interposto por PASCALE MARIE BANDEIRA VIEIRA;

c) condenar a recorrente nas custas, que se fixam, atendendo à dimensão do impulso apreciado e à graduação seguida em recursos similares, em 25 (vinte e cinco) UCs.

Notifique.

Lisboa, 11 de novembro de 2015. - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209180584

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2326794.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-11 - Lei 150/99 - Assembleia da República

    Aprova o Código do Imposto do Selo e a Tabela Geral, publicado em anexo. São abolidas, a partir de 1 de Setembro de 1999, as estampilhas fiscais.

  • Tem documento Em vigor 2003-11-12 - Decreto-Lei 287/2003 - Ministério das Finanças

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, aprova o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, altera o Código do Imposto do Selo, altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais e os Códigos do IRS e do IRC e revoga o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, o Código da Contribuição Autárquica e o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doaçõ (...)

  • Tem documento Em vigor 2011-01-20 - Decreto-Lei 10/2011 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Regula, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária,

  • Tem documento Em vigor 2012-10-29 - Lei 55-A/2012 - Assembleia da República

    Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o Código do Imposto do Selo e a Lei Geral Tributária.

  • Tem documento Em vigor 2013-12-31 - Lei 83-C/2013 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2014.

Ligações para este documento

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